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Propaganda
Moldando a
MENSAGEM
ao modo islâmico de pensar
Por João Cláudio Chaguri
FOCO NA PESSOA 14
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MISSÃO MUNDIAL
A
Declaração do Assunto
questão sobre como transmitimos a mensagem bíblica em meio às diferenças culturais de cosmovisão e socialização adquire relevância especial para os crentes. Nossa missão é estabelecer, pelo
poder de Deus, o Seu reino no coração das pessoas.
Isso resulta em parâmetros similares de confiança em Deus entres pessoas com diversificadas cosmovisões e diferentes modos de pensamento e expressão desses modelos de fé. Como John Kent,
missionário em Nova-Guiné, afirmou quando plantou uma igreja em uma tribo: “Percebi que eu tinha
quarenta cristãos do lado de fora e quarenta animistas do lado de dentro”. Ele teve uma jornada de luta
para colocar a teologia cristã no contexto, de forma que ela pudesse tornar verdadeiramente sua – uma
acurada internalização dos princípios da mensagem naquele tempo e lugar, resultando em uma demonstração prática dessa fé, em todas as situações.
No cenário do Islã, a necessidade é semelhante até para a colocação animista, mas o caminho é ligeiramente diferente. O cristianismo ocidental é considerado como totalmente rejeitado, inferior, imoral,
selvagem e um sistema fanático de fé. Podemos
questionar esse ponto de vista sobre a sua precisão
ou racionalidade, mas essa é a realidade no mundo
muçulmano com a qual temos que lidar. Portanto,
apenas para sermos ouvidos no mundo muçulmano, precisamos não apenas embalar a mensagem
em termos amigáveis, mas também fazer com que
ela transmita cuidadosamente a verdade à mente
islâmica. Se o muçulmano tiver que adotar a forma
ocidental de pensar para entender a mensagem,
ela será rejeitada logo de início.
Priorização das Crenças para o
Desenvolvimento dá Fé no Contexto
Dentro da herança cristã, a “verdade presente” é uma expressão familiar. Ela porta a noção de
que, em certos tempos da história terrestre, houve focos e ênfases especiais sobre certas verdades
extraídas do grande corpo universal da verdade,
quem foram de suprema importância.
Gostaria de lembrar que, para um muçulmano,
em certo tempo e lugar, há uma verdade presente.
Tentar forçar uma crença através da focalização de
outros pontos de que entendemos serem mais importantes é falhar na missão. Há muitas crenças que
defendemos, mas temos de nos ater primeiramente
àquela que cativará o coração do muçulmano.
Somente mais tarde ele será capaz de apreciar as
outras, e então todo o corpo de doutrinas. Se falhar-
mos em compreender isso, apenas erigiremos muros e criaremos alienação. Temos que compreender
qual é a necessidade do coração do muçulmano, ao
invés da necessidade do argumento da verdade.
A necessidade do argumento da verdade de Nicodemos era discutir a divindade de Cristo e Sua
messianidade. O que o seu coração necessitava era
compreender e experimentar um novo coração, o
que somente Deus pode fazer. A verdade presente
para Nicodemos naquele momento era a conversão de coração, e não a divindade de Cristo. Seu
caráter e missão viriam depois.
Essa realidade não somente requer conhecimento e sensibilidade espiritual para com o muçulmano, mas também uma compreensão da verdade essencial ao crescimento espiritual nesse
tempo versus o que é encorajante e aprimorador
nessa verdade essencial. Fui levado a essa linha
de pensamento em meu ministério após oito anos
trabalhando com os muçulmanos: “Segue-se então que nossa compreensão da verdade essencial
e o entendimento da necessidade interior do muçulmano nessa ocasião contribuem para o que é o
foco prioritário presente”.
Isso não altera o corpo maior de verdade. Porém, certos contextos, além de afetarem o que é
essencial na ocasião, podem também acrescentar
assuntos de fé que não são focalizados em nossa
declaração de crenças.
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Em nossa priorização, há certos princípios morais
e espirituais universais que precisam ter precedência. Jesus sumarizou o dever total do homem como
amor a Deus e amor ao semelhante (Mat. 22: 37–40).
Paulo destaca como um mandamento, o amor é o
cumprimento da lei (Rom. 13. 10). Não estamos nos
referindo a amar a todo mundo, uma mentalidade
do tipo “está tudo bem”. Há certos princípios específicos que devem ser exemplificados em nossas relações com os muçulmanos que demandam nosso
esforço com o intuito de nos envolvermos, enquanto
os desafiamos a uma fé mais profunda.
Além do respeito, tolerância e afirmação, temos
que dar prioridade ao tema da santidade. Santidade é
um dom de Deus na pessoa que experimenta a realidade de um coração novo e renova seu compromisso de
fé. Essa não é a ênfase degenerada do perfeccionismo.
O perfeccionismo enfatiza o comportamento; a
santidade focaliza a qualidade do homem interior –
uma totalidade para Deus. O muçulmano deve ser
desafiado à santidade, não por meio da forma e dos
rituais, mas mediante um novo coração dado por
Deus. Isso é feito mediante a aplicação de princípios
bíblicos expressos em linguagem islâmica, isto é,
em termos familiares a eles, o requer compreensão
e bom uso do Alcorão.
Devemos basear-nos nos conceitos islâmicos
de submissão a Deus e no taqwah (retidão interior
como dom divino). É importante guiar o muçulmano
primeiramente a essa nova experiência de coração.
Alcançamos um marco significativo quando um muçulmano nos disser: “Por favor, ore por mim para
que Deus me dê esse coração novo”. Um coração
obediente, aberto à Sua voz, disposto a escutar e que
indague: “O que devo fazer para me salvar?”, ou então, “Como posso estar seguro sobre minha posição
no dia do julgamento?” Inicialmente, isso confere
prioridade aos detalhes doutrinários. Tal postura é
fundamental a uma compreensão posterior de todas
as crenças.
Antes da aceitação de uma determinada série
de crenças abstratas, e até mesmo antes da adoção de uma nova prática religiosa, tem de ocorrer
a experiência de um coração novo. Os conjuntos de
crenças e práticas virá em seguida como resultado
desse novo coração, desse dom da santidade. As
doutrinas serão não um mero ritual, mas facilitadoras dessa experiência de fé mais profunda.
Outra prioridade em nosso trabalho espiritual
com os muçulmanos é a sensibilidade à sua capacidade de absorção espiritual à velocidade com que
podem incorporar a nova compreensão dos assun-
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tos espirituais. Fico maravilhado pela paciência de
Jesus com os discípulos. Até mesmo quando Ele
estava transmitindo as últimas e minuciosas instruções sobre Seu caminho para o lugar de Sua
ascensão eles não compreenderam. “Quando restabelecerás o reino a Israel?”, perguntaram. Foi
apenas quando pareciam abandonados aos seus
próprios esforços que o maior recurso lhes foi enviado – o Espírito Santo – O qual guiou a compreensão deles nas verdades vitais acerca da divindade
de Jesus e de Sua verdadeira missão. Essa paciência ao demovê-los de uma posição monoteística
restrita e distanciá-los de uma ordem política para
uma compreensão mais ampla é de grande valia ao
trabalharmos com os muçulmanos.
Um exemplo bastante instrutivo a respeito dessa
priorização e gradual sequenciamento de verdades
em nossa obra junto aos muçulmanos é o trato de
Jesus sobre a questão de Sua divindade. Ele não faz
essencialmente dela uma matéria de discussão, senão mais tarde em Seu ministério, quando da confrontação com os líderes religiosos no templo (João
10) e durante Seu julgamento. Depois de perguntar
aos Seus discípulos, “Quem dizeis que Eu Sou?”, e
esclarecer que a resposta de Pedro não procedia de
compreensão ou ensino humano, mas diretamente
da inspiração divina, ordenou “que a ninguém dissessem ser Ele o Cristo” (Mateus 16:15 e 20).
Eu jamais vi esse texto ser considerado como
didático nas classes de evangelismo público ou
pessoal, mas acredito que ele tem uma tremenda importância para nós, que trabalhamos com os
muçulmanos. Essa ordem e outras semelhantes
foram dadas aos discípulos que trabalhariam primeiramente em áreas judaicas ou àqueles que se
achavam em território judeu.
Quando em Samaria, onde o assunto da Sua divindade não era tão
explosivo como em áreas judias, Ele falou abertamente de Seu messianato – “Eu o Sou” (João 4:26). A divindade de Cristo não é um tema que
deve ser imposto ao muçulmano. Ele não deve se tornar um ponto de
controvérsia, uma pedra de tropeço. É nossa tarefa “empilhar evidências” sobre Sua divindade, mas sem referenciá-la diferentemente. Dessa forma, o Espírito Santo trará, no devido tempo, evidências à mente do
investigador e o conduzirá àquela experiência de descoberta: “Deve ser
Ele... Ele é meu Deus”. O exemplo de Cristo nos ensina a respeito disso,
bem como a afirmação de Paulo em I Cor. 12:3: “Ninguém pode dizer:
Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo”. Essa experiência tem-se
repetido seguidamente em nosso trabalho com os muçulmanos.
Algumas semanas após uma série de estudos sobre o Hanif (Remanescente), um dos muçulmanos batizados confessou: “Fiquei chocado
quando comecei a entender que você estava tentando falar-nos sobre
Jesus. Agora creio verdadeiramente que Ele é Deus”.
Quando um muçulmano chega a essa compreensão, ele vê Deus
em Jesus, não simplesmente o Filho de Deus, por causa da súbita
experiência de mudança, ou pelo menos, da implicação de que Deus
teve um Filho físico.
A possibilidade do reconhecimento, por parte de alguém, da plenitude do poder de Deus para salvar na frágil humanidade de Jesus, só
pode provir de uma intervenção miraculosa de Deus. Fé radical não é
um empreendimento, pois se assim fosse, bastaria querer e seria feito.
Antes, ela é um dom, e somos deixados a reagir a respeito, orar e vigiar.
(MANNING, p. 24).
Exemplos de Desenvolvimento de Fé Dentro do Contexto Muçulmano
À medida que prosseguimos no trabalho evangelístico dentro do
contexto muçulmano, surgem perguntas práticas: Quanto de teologia regional devemos permitir? Estamos em perigo de desenvolver
uma diversidade de teologias que resultarão em pluralismo teológico,
uma relativização do cristianismo, perdendo a unidade da fé cristã?
Enquanto penetramos em diversas culturas, especificamente o islã,
como traçamos nosso curso?
Pedras Fundamentais da Fé Sobre as quais Podemos Edificar a
Verdade Bíblica
Foi isso o que nos impulsionou a procurar pedras fundamentais
dentro da cultura muçulmana, seu sistema de crenças, valores básicos e conceitos sobre os quais construir a verdade bíblica. Elas foram
chamadas por alguns missiólogos de analogias remissórias, fenômenos culturais que têm sido preservados pelo propósito divino e que podem ser usados para ilustrar e tornar claras certas verdades bíblicas.
Em nosso trabalho com os muçulmanos, encontramos muitos deles.
O resgate do filho de Abraão por um “tremendo sacrifício” é um
exemplo (Surah 37.107). Outro exemplo mais específico seria a crença
existente entre alguns shiitas de que se você se desviar de sua crença
precisa de um “tuba ghusl”, um banho corporal para o restabelecimento de seu estado como crente. Isso ajuda na explicação do batismo. Também há um verso no Alcorão que fala da “coloração de Deus”
ou “sibghat Alá” (Surah 7.26).
A Palavra sibghat significa
“colorir” como “tingir tecidos”.
Ela também traz consigo a ideia
de “natureza inata”, como traduzido por KHATIB. Em outras palavras, essa “coloração” é a recriação de uma natureza piedosa no
homem, o coração novo de Ezequiel 36:26, que esteve perdida
por causa do pecado. O paralelo
para baptizo é útil em nossa discussão sobre o batismo.
Mas, além dessas analogias
remissórias, fomos um passo
além e utilizamos o que viemos
a denominar de “janela remissória”. A analogia remissória ajuda
na explanação de certas ideias ou
conceitos do sistema de crenças
bíblicas. Uma janela remissória,
porém, é muito mais que isso. É
uma abertura para o próprio coração da cultura. E, quando o evangelho resplandece através dela,
produz um poderoso impacto no
coração do muçulmano. Ela causa impacto nos principais motivadores espirituais dentro de uma
cultura e sistema de crenças.
O conceito “Hanif” parece prover tal janela. Ele ficou perdido
para muitos muçulmanos, porque
pareceu inacessível. Ser totalmente submisso e leal a Deus, seguir
integralmente a fé de Abraão, estava além do seu alcance. Assim, o
diabo lançou a destruição no mundo muçulmano através de crenças
populares, espiritismo, temor do
mal, busca por “barakah” ou benção provinda de objetos poderosos,
lugares ou pessoas, com o objetivo
de proteção contra essas forças.
Mas o conceito de ser Hanif de
Deus está presente no Alcorão,
em sua história pré-islâmica e no
tempo de Maomé.
A seguinte descrição, feita
por um erudito islâmico, parece
amoldar-se à compreensão cristã
dos verdadeiros crentes ocultos no
deserto para preservar a fé bíblica:
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Eles [os cristãos árabes] levaram seu cristianismo ao distante Oriente, à Pérsia e Índia, ao
Egito e Abissínia, ao norte, no Cáucaso; e em toda parte, ao redor do Mediterrâneo, seus antepassados implantaram colônias para comércio ou assentamento. Como vimos, o predomínio da
igreja de Roma, apoiado pelo império bizantino, havia marginalizado esses cristãos de formação
semítica. Quando foram classificados como hereges pela igreja de Roma, e perseguidos pelo
império bizantino ou seus títeres, eles buscaram refúgio no deserto [...] Os imigrantes judeus e
cristãos acharam amável acolhimento no ermo entre esses árabes que mantinham a tradição
mesopotâmio-abraãmica. Juntos, eles consolidaram essa tradição na península arábica, que
veio a ser conhecida como Hanifiyyah. Seus partidários, os hanif (s), resistiram a toda associação
de outros deuses com Deus, recusando-se a participar de rituais pagãos, e mantiveram uma vida
de pureza ética acima de qualquer censura. É do conhecimento comum que o hanif era um monoteísta estrito, que não prestava homenagens à religião tribal; que ele era de impecável caráter
ético e mantinha distância do cinismo e da lascívia moral de outros árabes. [...] Todo mundo sabia
de sua presença, uma vez que eles pertenciam a quase todas as tribos. (AL FARUQI, p. 61).
Parece-nos apropriado incluir esses fieis monoteístas do deserto da Arábia, conhecidos
como hanifs, em Apocalipse 12. Portanto, estamos usando essa janela, apelando à consciência espiritual do muçulmano, mas provendo-lhe os meios, a maneira e o poder para que ele
seja verdadeiramente um hanif.
Intimamente acoplado ao conceito do hanif, está o tema do taqwah (justiça interior). Uma vez
que esse é um tema proeminente no Alcorão, começamos com uma discussão sobre a justiça
proveniente do Alcorão, e então passamos para uma profunda compreensão bíblica da justiça
pela fé na graça de Deus e no sacrifício de Si mesmo em Cristo Jesus, para reconciliação, perdão
dos pecados, remoção da degradação e concessão da vida eterna.
Aquilo em que estamos envolvidos é um processo de reformatação da teologia no contexto,
em lugar de exportar um determinado conjunto de formulações e aplicá-las no muçulmano,
que está incompreensível a respeito do assunto. Isto é tornar a teologia relevante sem minar
a mensagem verdadeira, tornando-a familiar ao coração muçulmano. É importante que consideremos esses conceitos ao avaliarmos o que está ocorrendo com a missão cristã ao islã.
Devemos também nos lembrar que estamos envolvidos num processo contínuo, no qual há
constante crescimento e apuração, bem como aprendizado.
Descrevendo a Expiação no Contexto Muçulmano
Como resultado do pecado, todas as cosmovisões culturais se desenvolveram em torno de
três dinâmicas: (1) culpa e inocência (cultura cristãs ocidentais); (2) vergonha e honra (Oriente –
culturas de grupo, incluindo o islã e outras religiões orientais) e (3) medo e poder (povos animistas). É possível encontrarmos elementos de todas as três em qualquer cultura. Porém, a maioria
delas exibirá uma que predomina. A guia de orientação, no Ocidente, dentro do contexto do reino
espiritual, nos dá uma visão de que a culpa desempenha um papel importante.
Quando sentimos medo e ansiedade, isso frequentemente se deve ao senso de culpa ou à
sua aliada íntima, a incapacidade de não estar à altura do homem. Esta visão gira em torno da
transgressão da Lei ou do não alcance de um padrão, quer humano ou divino. Neste caso, usamos tal visão como base de explicação da natureza pecaminosa, de que somos inerentemente
pecadores e culpados.
Em suma, no Ocidente somos orientados pela culpa e desempenho. As declarações teológicas
no cristianismo, em sua grande maioria, refletem isso: “definição de pecado” e “pecado e culpa”.
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Por causa da ampla proeminência do povo islâmico (que inclui muitos elementos animistas),
o islã compartilha de duas dinâmicas: vergonha e
medo. Esses constituem dois motivadores espirituais poderosos.
Vergonha: O principal motivador de saber que
estará sozinho, envergonhado e nu diante de Deus
no Dia do Juízo.
Medo: Das forças do mal que compelem o indivíduo a buscar a baraka (benção) de vários modos,
para obter o poder de proteger-se das forças malignas e abrandar o temor. Desses dois, o mais penetrante e poderosamente dinâmico é a vergonha.
Em contraste com a culpa e a orientação pró-desempenho do Ocidente (que é muito individualista), o
islã é condicionado em relação à vergonha e ao existir,
isto é, estar sob a condição de corrupção ou vergonha
em relação ao grupo religioso.
Posteriormente, contraponho os dois: a culpa é
um sentimento e condição ocorrente quando alguém
transgrediu ou não observou uma lei divina ou humana.
Vergonha, em comparação, é um sentimento,
condição, que se origina da falha de um estado do
ser, seja perante Deus, seja diante dos semelhantes.
A vergonha, semelhantemente à culpa, pode resultar num sentimento ou condição subjetivos, mas
também numa condição objetiva de violação, alienação e morte. Parece possível então empregar o conceito de vergonha como usamos tradicionalmente o
conceito de culpa.
É interessante notar que o conceito de vergonha é
muito mais prevalecente nas Escrituras do que o de
culpa. A tradução inglesa de vergonha aparece noventa e nove vezes no Velho e no Novo Testamento,
enquanto culpa aparece duas e culpado vinte e seis.
Muitos desses versos contendo a palavra vergonha
a usam em referência ao resultado do pecado ou de
atos de injustiça.
Há vários vocábulos hebraicos para vergonha, alguns traduzidos como repreensão,
desgraça ou desonra. Um deles é bosheth,
que é descrito como vergonha, sentimento e
condição, bem como sua causa (Dicionário da
Bíblia, Strong). Ezequiel 16:51-52 provê um
exemplo do uso de vergonha como consequência do pecado:
Demais de Samaria não cometeu metade de teus pecados; e multiplicaste as
tuas abominações mais do que elas, e justificaste as tuas irmãs, com todas as abominações que fizeste. Tu, também, pois
que deste sentença favorável a tuas irmãs,
leva a tua vergonha; por causa de teus pecados, que fizeste mais abomináveis do
que elas, mais justas são elas do que tu;
confunde-te logo também, e sofre a tua
vergonha, porque justificaste a tuas irmãs.
Usar Termos Simples e Descritivos
Ao traduzirmos nossa compreensão da
expiação efetuada pela vida e morte de Jesus, e Seu ministério como o nosso Senhor,
usamos o paradigma vergonha e honra em
lugar do tradicional culpa e inocência.
Em nossa discussão dessa doutrina, evitamos também o uso de expressões vagas ou
complexas que requerem considerável explicação, deixando de lado a tentativa de traduzi-las para o pensamento islâmico, como por
exemplo expressões que incluem: propiciação,
expiação ou expiatório, em seu uso comum
de reconciliação, santificação e justificação. É
preferível usar termos de fácil compreensão
como: reconciliar, reunir, estar em ordem com
Deus, cobrir o pecado ou a vergonha, receber
de Deus um coração novo.
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A doutrina da natureza do homem é fundamental para a consideração do tema da salvação. A posição muçulmana está em contraste com a postura bíblica sobre esse ponto. KATEREGGA sintetiza
muito bem a posição muçulmana:
O islã não se identifica com a convicção cristã de
que o homem precisa ser resgatado. A crença cristã na morte sacrificial e redentora de Cristo não se
ajusta à visão islâmica de que o homem sempre foi
fundamentalmente bom, e que Deus ama e perdoa
aos que obedecem ao Seu querer. [...] O islã é um caminho de paz. A visão muçulmana que está em total
contraste com a experiência cristã, é a de que o homem experimenta paz através da total submissão a
Deus. Jesus Cristo, como muitos profetas antes dEle,
e Maomé, o grande profeta, eram ambos exemplos
da clemência de Deus para com a humanidade.
Obviamente, o emprego do medicamento só pode
fazer sentido se a doença for diagnosticada com precisão. Se o pecado for, em realidade, só um engano a
ser perdoado por um Deus misericordioso, sem consequência inerente, falar da necessidade de um sacrifício
para redimir o homem é como prescrever cirurgia para
que está com um resfriado comum. Porém, se o pecado
for um câncer mortal, então é imperiosa uma cirurgia.
O muçulmano geralmente concordaria com a
sentença do cristianismo que o antídoto para a culpa é o perdão (Mat. 6:12), que resulta numa consciência clara e paz mental, mas ficaria confundido
com a necessidade do pagamento de um preço,
uma morte substitutiva e a satisfação de justiça.
Para ele, essas parecem adições desnecessárias.
Como lidarmos com essa objeção?
Embora KATEREGGA tenha esclarecido a visão
oficial do islã, é interessante observar que o Alcorão, na realidade, descreve a natureza do homem
ou o resultado do pecado no homem em termos
muito semelhantes aos do ponto de vista bíblico
sobre a natureza pecaminosa.
Há algumas pessoas que dizem: Cremos em
Deus e no Juízo Final, mas elas não creem realmente. Prazerosamente enganariam a Deus e
aqueles que creem, mas enganam tão somente
a si mesmas, e não estão apercebidas disso! Em
seu coração existe uma moléstia; e Deus fez aumentar sua enfermidade. Dolorosa é a penalidade em que incorrem, porque eles são falsos para
si mesmos. (Surah 2.8-10).
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Utilizamos o texto acima para elevar o entendimento muçulmano sobre o pecado a um nível mais
sério. O pecado é uma doença grave que requer
tratamento intenso.
Deus concedeu auxílio através de fitra, (a natureza que Deus colocou no homem para que O adore), ilm (conhecimento) e orientação. Porém, Iblis
jurou trazer sob seu controle todos, menos alguns.
Só há uma maneira pela qual podemos evitar cair
sob seu domínio, que é permitir que Deus crie em
nós um novo coração (a essa altura usamos as referências bíblicas de Ezequiel 11:19-20; 36:26 e 27
e Jeremias 31:33-34).
Comparando Culpa e Vergonha.
O Exemplo de Abraão.
Há uma consequência adicional do pecado no
entendimento muçulmano em relação à vergonha
ou à desonra. Do mesmo modo que acontece na
explanação ocidental do ensino bíblico, o pecado,
ações ou pensamentos rebeldes, resultam numa
condição de culpa que produz a morte.
É igualmente forte na cultura de honra e vergonha do islã a noção de que pecado resulta numa
condição de vergonha (objetiva e subjetiva), que só
pode ser remediada pela morte ou remoção do objeto de vergonha.
Na cultura de honra e vergonha, a vergonha
grave ou desonra na família requer morte do causador da vergonha. A família não pode sobreviver
(manter sua posição de honra) na comunidade, a
menos que a honra seja restabelecida pela exclusão do culpado. O fato de as culturas de honra e
vergonha serem grupos culturais provê um contexto para essa realidade.
A história de Abraão sacrificando seu filho, quando considerada no contexto de honra e vergonha,
assume significado novo. Era comum um pai matar
o próprio filho, se o filho houvesse trazido grande
vergonha sobre a família. Porém, nesse caso, o filho
não tinha envergonhado a família de Abraão, mas
ele se submeteu ao pai. Se Abraão tivesse efetivado
o sacrifício de Isaque, teria trazido vergonha sobre
si por trucidar um filho honrado. Mas “porque ambos tinham se submetido à vontade de Deus” (Surah
37.103), um modo de escape foi provido.
A honra de ambos foi preservada pela provisão
divina de um cordeiro, para ser morto em lugar do
filho (Surah 37.107). Este cordeiro aponta para o
que Deus faria pelo homem. Ele simbolizava o meio
de escape da nossa condição vergonhosa, merecedora de morte. Por essa razão, é crucial para essa
discussão a descrição do que Deus faria pela vergonha do homem.
Conclusão
Este artigo abordou vários assuntos importantes relativos à comunicação da mensagem bíblica dentro do
contexto muçulmano, como: a necessidade de amoldar princípios doutrinários à compreensão muçulmana; a
necessidade de priorizar o que é importante para aquela pessoa, naquele momento e lugar, de acordo com sua
carência espiritual; piedade pessoal e espiritualidade em foco; a necessidade de respeitar a capacidade de absorção do muçulmano e a abordagem indireta acerca da compreensão sobre a divindade de Cristo, mediante a
cumulação de evidências, permitindo que o Espírito Santo imprima essa verdade no coração.
Também debatemos sobre a utilização de elementos da verdade dentro do contexto do islã, como pedras fundamentais sobre as quais erigir a verdade, enquanto rearranjamos as crenças bíblicas no contexto, fazendo assim
abrir janelas remissórias no coração do muçulmano.
O uso do paradigma vergonha e honra para descrever a expiação, em termos que transmitam a verdade do
evangelho mais precisamente do que a estrutura ocidental de culpa e inocência é outro meio que se tem mostrado eficaz. Além disso, temos a utilização do contexto vergonha para comunicar mais efetivamente a gravidade
do pecado e de nossa condição desvalida, com a sua consequente morte.
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JOÃO CLAUDIO CHAGURI
João Cláudio Chaguri é doutorando em Teologia pelo Reformed Theologic Seminary
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