Governo estuda criação de política de saúde para portadores de ostomia Reestruturação do atendimento e ampliação da oferta de bolsas coletoras estão entre as medidas, que vão melhorar a qualidade de vida dos pacientes De 80 mil a 100 mil brasileiros convivem com a ostomia de eliminação. Trata-se de uma abertura feita cirurgicamente para a passagem de urina ou fezes, em pacientes acometidos por doenças que comprometem o sistema excretor. Para melhorar a qualidade de vida de cerca de 50 mil desses pacientes, que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde está discutindo uma proposta para a criação da Política Nacional de Saúde dos Ostomizados, que prevê, entre outras novidades, a ampliação da oferta dos equipamentos e a reorganização do atendimento. A política foi elaborada por médicos, enfermeiros estomaterapeutas (com formação específica e capacitados para o atendimento e cuidado das pessoas com ostomia), representantes dos pacientes e por técnicos do Ministério da Saúde, depois de dois anos de discussão. A ostomia pode ter como causas câncer de intestino grosso, do reto e da bexiga, doenças inflamatórias e más-formações congênitas. Acidentes causados pela violência urbana (ferimentos à bala ou arma branca) e automobilísticos também representam um fator importante no aumento do número de ostomizados no país, principalmente entre crianças e jovens. Hoje, o atendimento aos ostomizados é realizado por serviços de assistência, geralmente ligados a hospitais universitários e ambulatórios de especialidades, e grupos e associações, distribuídos de forma desigual pelo país. “Essa portaria amplia e reestrutura o atendimento ao ostomizado. O que temos hoje, com raras exceções, é um balcão de distribuição de bolsas coletoras”, explica Sheila Miranda, coordenadora da área de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência do Ministério da Saúde. Pelas características do ostoma, a pessoa portadora não pode controlar a saída de fezes ou urina. Por isso, a cirurgia obriga o paciente a manter um recipiente de plástico maleável acoplado ao corpo, para o recolhimento do material. São as chamadas bolsas coletoras, distribuídas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Passaremos a oferecer serviços estruturados em serviço de nível primário, intermediário e de referência”, completa. No nível primário, a secretaria de Saúde do município vai oferecer visitas domiciliares, consultas de enfermagem, ações educativas, atendimento à família e planejamento de distribuição de bolsas coletoras. No intermediário, será incluída também a assistência de uma enfermeira estomaterapeuta. No nível de referência, haverá também assistência psicológica, nutricional e o centro se tornará também um núcleo de pesquisa em ostomia. A ostomia pode ter caráter temporário ou definitivo (até o fim da vida da pessoa). Se o comprometimento do órgão não é completo, depois de um prazo que varia de paciente para paciente, é possível realizar a reversão da cirurgia, fazendo com que o portador volte a ter uma rotina igual à que vivia antes da intervenção. “Entretanto, por falta de informação ou de acesso aos serviços de saúde, muitos sequer ficam sabendo disso e convivem com o ostoma para o resto da vida, quando na verdade não precisariam”, destaca Sheila Miranda. Um exemplo de causa da ostomia definitiva é o câncer de bexiga, de intestino grosso ou de reto, que pode comprometer o órgão a ponto de tornar necessária a sua retirada completa. Quando a ostomia abre um canal para a passagem da urina, é chamada urostomia. Quando a abertura é feita por causa da retirada de parte do intestino grosso, a intervenção recebe o nome de colostomia. A ileostomia é feita quando torna-se necessária a remoção de todo o intestino grosso e o reto. Em qualquer caso, o ostoma sempre exige uma série de cuidados de higiene e manutenção e, para muitos pacientes, pode ser motivo de vergonha e tristeza. Por isso, o atendimento psicológico é um componente importante da atenção a esses indivíduos. Desde 1999, o Sistema Único de Saúde oferece aos usuários oito tipos de bolsas. A Política de Saúde dos Ostomizados prevê que as secretarias de Saúde passem a oferecer 14 tipos diferentes de bolsas coletoras, para atender às diversas faixas etárias, tipos de ostoma e características individuais relacionadas ao tipo de pele e à constituição física. “Essa medida é importante porque cada paciente tem um tipo de ostoma e uma demanda diferente em relação às bolsas coletoras. Poderemos atender melhor a essas especificidades”, explica a médica Sheila Miranda da Silva. Para melhorar a qualidade do material ofertado, as bolsas e assessórios adquiridos para distribuição no SUS passarão a ter especificações bem definidas e claras, o que não acontecia anteriormente. Essa situação dava margem a alguns gestores para comprar material de qualidade e quantidade inferior ao desejado. A portaria também determina que o número de bolsas oferecidas a cada paciente deve ser de, pelo menos, uma por dia. Hoje, as bolsas são oferecidas sem critério pré-determinado. Insegurança e desinformação – Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira dos Ostomizados (Abraso) em 1993 indicou que os ostomizados tinham problemas graves em relação à falta de informação, à dificuldade de acesso ao tratamento, aos equipamentos e à insegurança sobre como conduziriam suas vidas a partir da cirurgia. Entre os entrevistados, 36% afirmaram que não foram informados previamente sobre a necessidade de criar-se um estoma e 37% não haviam recebido instruções sobre como cuidar de seu ostoma dos profissionais de saúde responsáveis pelo seu atendimento. A sensação de insegurança é comum entre os ostomizados: 73% sentiamse tristes após a alta do serviço hospitalar e 90% diziam se preocupar com os odores e com a impossibilidade de manter o mesmo estilo de vida que tinham antes da ostomia. Outro problema apontado por 54% dos entrevistados foi a dificuldade de conseguir material adequado. A falta de informação ficou evidente também entre os familiares: 58% diziam não saber o que era uma ostomia e 67% não participavam de grupos de ostomizados para educação em saúde. “Desde então, pouca coisa mudou em relação a esses dados”, afirma a presidente da Abraso, Cândida Carvalheira – ela mesma ostomizada há 25 anos, depois que uma doença grave a obrigou a tirar todo o intestino grosso e o reto. A Abraso treina ostomizados e familiares, capacita profissionais, faz visitas humanizadas a pacientes e leva palavras de superação. Principalmente, ensina os pacientes a usar a bolsa de forma apropriada, o que os permite ter uma vida normal, para que possam realizar suas atividades cotidianas. “A vida não acaba por causa da ostomia”, garante Adivar Mendes Barbosa, de 46 anos, que nasceu na cidade de Porteirinha, em Minas Gerais, mas mora em Brasília desde 1989. O ex-cobrador de ônibus passou seis meses tendo sangramentos pelo ânus, antes de decidir procurar um médico que, em agosto de 2002, diagnosticou um câncer no reto. Adivar foi informado que teria que ser ostomizado. Mas, durante a cirurgia, os médicos constataram que a doença já avançava também pela bexiga e próstata e foram obrigados a retirar também esses órgãos. Adivar hoje usa duas bolsas coletoras, mas não reclama. “Estou bem. Tenho acompanhamento da enfermeira estomaterapeuta, que é nossa professora, nossa amiga, é tudo para nós. E isso faz toda a diferença”, garante. Ele também considera que o apoio de um psicólogo também é importante para manter a disposição das pessoas operadas. Mas o que ele mais recomenda é que o ostomizado se informe sobre seus direitos e como deve se cuidar: “O maior problema que um ostomizado pode sofrer é a falta de informação”, diz Adivar.