- Sociedade Brasileira de Sociologia

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XIII Congresso Brasileiro de Sociologia
29 de maio a 01 de junho de 2007, UFPE, Recife
Grupo de Trabalho: Democracia e Desigualdades Sociais
A relação entre satisfação com a democracia e qualidade de
vida. Um estudo comparativo entre Porto Alegre/Brasil e
Montevidéo/Uruguai
Nome dos autores: Rosana Campos e Christiane Campos
Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul / UFRGS
e-mail: [email protected] e [email protected]
A relação entre satisfação com a democracia e qualidade de vida. Um estudo
comparativo entre Porto Alegre/Brasil e Montevidéo/Uruguai
Autoras: Rosana Campos (UFRGS) e Christiane Campos (UFRGS)
Resumo: Este trabalho faz uma análise comparativa entre Porto Alegre e Montevidéu,
no que diz respeito à percepção da população sobre a qualidade de vida e a satisfação
com a democracia nestas cidades do Mercosul. Analisou-se a relação entre democracia
e qualidade de vida da população, a partir dos dados da pesquisa “Desenvolvimento
Sustentável e Capital Social na Promoção da Qualidade de Vida e Cidadania”, realizada
pelo NUPESAL/NIEM-UFRGS em 2005. Entre outros aspectos, constatou-se que a
população de Montevidéu tem uma avaliação mais positiva do que a de Porto Alegre no
que se refere à saúde, educação, saneamento básico, segurança pública, habitação e
telefonia. Também na capital uruguaia se verificou que existe uma maior confiança nas
instituições políticas e mais participação em atividades políticas do que na capital
gaúcha. A partir desta análise se confirmou a hipótese de que existe uma associação
entre satisfação com o regime democrático e a qualidade de vida da população.
Introdução
As condições econômicas e sociais na América Latina deterioraram-se bastante
nos últimos anos do século XX e começo do século XXI. Conforme relatório do PNUD
sobre democracia na América Latina (2004), 42,9% da população na região é pobre1, ou
seja, 218 milhões de pessoas estão abaixo da linha da pobreza2 e o coeficiente de Gini
da região chegou a 0,58. Desemprego, instabilidade financeira, pobreza e exclusão
fazem parte da precária dimensão social da região, dificultando a consolidação da
democracia. Segundo dados da CEPAL (2004), atualmente existem mais pobres,
menos trabalho e mais endividamento do que dez anos atrás, e, paralelamente, as
pessoas estão cada vez menos satisfeitas com o regime democrático. Conforme o
Latinobarômetro, em 2003, 28% dos latinoamericanos apoiavam a democracia, ao
passo que em 1997 essa porcentagem era de 37%. Observa-se que essa porcentagem
varia de país para país, conforme as condições econômicas e sociais da população.
1
2
Média ponderada por população dos dados de pobreza entre 1998-2002/ CEPAL-2004
A linha de pobreza usada pelos autores é a definida pelo Banco Mundial – dois dólares por dia.
2
Gabriel Vitullo (2005), estudando a democracia na América Latina, com ênfase
no caso argentino, verificou, através de dados do Latinobarômetro, que 2002 foi o ano
em que os argentinos estiveram menos satisfeitos com a democracia, justamente o ano
da intensa crise econômica e política no país. Observou também que 49% dos
argentinos não se importariam com um governo não democrático no poder se
resolvesse os problemas econômicos e 38% não se incomodariam que as empresas
privadas comandassem o país se pudessem solucionar os problemas.
São vários os autores (Boschi, 2004; Borón, 2004; Barreda e Costafreda, 2004,
Casanova, 2002) que defendem a relação entre democracia e qualidade de vida, ou
seja, condições econômicas e sociais dignas. Para Borón, a democracia deveria ser
uma forma de governo que contemplasse as questões políticas, sociais e econômicas,
pois quando os pobres se transformam em indigentes e os ricos em magnatas, a
liberdade e a democracia são sucumbidas e a própria condição do cidadão se deteriora
irreparavelmente. 3
Partindo do pressuposto de que a satisfação com a democracia está ligada à
qualidade de vida, este trabalho analisa esta relação num estudo comparativo entre
Porto Alegre/Brasil e Montevideo/Uruguai. Neste estudo se verifica a qualidade de vida
sob dois ângulos: qualidade de vida no que diz respeito à avaliação dos serviços
públicos como saúde, educação, cultura, transporte, segurança pública, saneamento
básico, habitação e telefonia; e dados de qualidade de vida coletados em estatísticas
fornecidas pelas respectivas prefeituras. O objetivo é observar se quanto maior a
qualidade de vida maior a satisfação da população com a democracia.
Os dados sobre qualidade dos serviços e satisfação com a democracia foram
coletados na pesquisa “Desenvolvimento Sustentável e Capital Social na Promoção da
Qualidade de Vida e Cidadania em Porto Alegre, Montevideo e Santiago do Chile”,
realizada pelo NUPESAL/NIEM-UFRGS em 2005. Foram entrevistadas 510 pessoas em
Porto Alegre e 500, em Montevideo. Neste estudo escolheu-se estas duas cidades para
fazer uma análise comparativa devido às suas semelhanças populacionais e
econômicas.
Além da relação entre satisfação com a democracia e qualidade de vida,
observa-se a participação em atividades políticas e sociais e confiança nas instituições
políticas, fundamentando-se nos conceitos de capital social e cultura política.
3
Borón (1995, p. 71)
3
A teoria como alicerce para se compreender a dinâmica da sociedade
Neste estudo, qualidade de vida é compreendida pelas seguintes variáveis:
educação, saúde, saneamento básico, habitação, segurança, cultura, transporte e
telefonia. Embora meça apenas oito variáveis no que diz respeito à percepção da
população, defende-se neste trabalho qualidade de vida como um conceito muito mais
amplo, envolvendo, conforme Minayo (2000), condições materiais, condições primárias
e fundamentais da vida humana; as forças materiais de produção e transformações das
condições materiais e a formação social.
Nesta mesma linha de análise, Baquero (2007) argumenta que a qualidade de
vida indica a forma como as pessoas se enquadram dentro de um conjunto de
indicadores e dimensões de vida. Não apenas se referindo a condições econômicas,
mas envolvendo também as relações sociais, seu senso de pertencimento e sua saúde.
Segundo Keinert (2004), este conceito pode ser visualizado em três dimensões:
(1) relacionado-a aos aspectos individuais (modo, condições, estilos de vida, percepção
de bem estar, espiritualidade, objetivos de vida, relações sociais), (2) aspectos coletivos
(desenvolvimento humano, comunidades saudáveis, sustentabilidade e ecologia
humana) e (3) aspectos políticos (democracia, direitos humanos e sociais).
Diante dessa conceituação de qualidade de vida, faz-se necessário analisar a
democracia para além do funcionamento das instituições, verificando os impactos
provocados na sociedade pelas decisões políticas adotadas no contexto democrático
(Borón, 1995; Baquero 2006; Boshi, 2004; Wood, 2003; Vitullo, 2005). Democracia,
neste estudo, é compreendida conforme a definição de Weffort (1984), em que se
pressupõe uma sociedade integrada e organizada, capaz de promover uma distribuição
de renda, de participação e de poder entre os cidadãos.
Entendendo a democracia a partir dessa ótica, Baquero identifica a relação entre
qualidade de vida e democracia.
“Em sociedades onde a cidadania está ausente, onde a sociedade civil não está
integrada com a sociedade como um todo, onde as desigualdades sociais
aumentam e o processo de exclusão social cresce, a democracia se esvazia ou
pode até perder o seu sentido. A característica dessa forma de democracia passa
a ser de instabilidade permanente”.
(Baquero, 2001:22)
4
Nesta mesma direção, Borón (1995) questiona até que ponto se pode progredir
e se consolidar uma democracia em situações recessivas e com um quadro de miséria
como o que atualmente afeta as nascentes democracias latinas, nas quais as políticas
de ajuste excluem e marginalizam grandes setores sociais, dando lugar a um verdadeiro
apartheid econômico e social.
É possível, segundo Casanova (2002:302), se pensar a construção da
democracia não excludente e de todos, mas com um nível de complexidade e
articulação maior. “Os valores de liberdade e de justiça social, de tolerância e de
solidariedade ou fraternidade deverão ser determinados como parte de um projeto
universal de democracia de todos com mediações a serem incentivadas e criadas a
partir da sociedade civil”.
E sob este ponto de vista, é necessário ir além da democracia procedimental,
que apresenta uma noção eminentemente política da igualdade no que se refere às
condições de acesso ao processo político. Pois esta concepção democrática,
representada pela democracia eleitoral, não impacta significativamente na redução da
pobreza e nem da desigualdade social.
Barreda e Costafreda (2004:119) colocam em evidência um outro projeto, “que
está integrado por concepciones moralmente más exigentes de democracia, que hacen
hincapié en la igualdad relativa a los resultados, igualdad entendida no solo en el
terreno político, sino también en el terreno socioeconómico, de mejora de las
condiciones de vida, por ejemplo”.
Na busca de respostas por uma sociedade mais participativa e democrática,
vários autores trabalham na tentativa de provar elos causais entre cultura política/capital
social e democracia. (Almond e Verba,1963; Skocpol, 1997; Noris, 2000; Putnam, 2000;
Inglehart et all, 2003; Far; 2004). O engajamento em organizações, a participação
efetiva em grupos e associações são vistos como atitudes impulsionadoras de uma
sociedade mais ativa, mais presente, mais reivindicadora de seus direitos.
The Civic Culture, de Almond e Verba (1963), foi um marco no consenso de que
uma cultura política participativa contribui para a estabilidade de sistemas políticos
democráticos.
Caracterizando cultura política como um conjunto de orientações cognitivas,
afetivas e avaliativas voltadas à ação política, Almond e Verba fizeram um estudo
comparativo e analítico sobre cinco culturas políticas (EUA, Inglaterra, Alemanha, Itália
e México) e verificaram que quanto mais elevada é a cultura política de um país mais
5
estável é a sua democracia. Ou seja, o sucesso da democracia depende que todos os
cidadãos sejam envolvidos e ativos em política, e que a participação seja analítica e
racional. Confiança também, segundo os autores, é um elemento fundamental para a
cultura política.
Inglehart (2003) também verificou que uma cultura política de tolerância,
confiança e orientações participativas é essencial para a democracia efetiva, em
concordância com os preceitos de Almond e Verba. O autor descobriu esta correlação a
partir de teste de cruzamento agregado dos dados do World Values Surveys, em 1981.
A partir de alguns elementos da cultura política como participação e confiança,
Putnam (2000:177) conceituou capital social através de características da organização
social como confiança, normas, sistemas e cadeias de relações sociais, que contribuam
para aumentar a eficiência da sociedade. O termo ganhou expressão quando o autor
provou, em Comunidade e Democracia – a experiência da Itália moderna, que nas
regiões italianas central e norte, onde existia uma maior participação das pessoas em
associações caracterizadas por padrões horizontais de relações sociais, havia um
desempenho melhor das instituições democráticas.
Noris (2001), retomando o conceito de capital social de Putnam, para examinálo juntamente com engajamento cívico em 47 sociedades, observou suas implicações
para a democracia. A autora realizou uma análise exploratória com a comparação de
cruzamentos nacionais a partir dos dois componentes centrais da definição de capital
social, redes sociais e confiança social, e criou um índex de capital social combinando a
distribuição de ativismo associacional com confiança social. Os resultados revelam que
as sociedades nórdicas e anglo-americanas são elevadas em capital social, enquanto
países da América do Sul e estados europeus centrais estão no nível mais baixo do
ranking. A Noruega ocupa o primeiro lugar no ranking e o Brasil, o último lugar. A autora
também confirmou que capital social é consistente e positivamente associado a muitos
indicadores sócio-econômico e de desenvolvimento humano. As mais ricas economias,
segundo Noris, são as mais ricas também em capital social.
Compartilhando da mesma linha teórica, estudos recentes de Baquero em três
capitais latino-americanas (Porto Alegre/Brasil, Montevidéu/Uruguai e Santiago do
Chile) sugerem uma correlação positiva entre desenvolvimento sustentável, capital
social e empoderamento na promoção de uma qualidade de vida.
6
Qualidade de Vida e Satisfação com a Democracia
Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul/ Brasil e Montevideo,
capital do Uruguai, apresentam algumas semelhanças quanto à sua população e
atividades econômicas. Ambas cidades têm cerca de 1 milhão e 300 mil habitantes, a
população economicamente ativa está concentrada no setor terciário, são cidades
portuárias, com pólos industriais voltados para a indústria manufatureira. Tanto Porto
Alegre quanto Montevideo foi implantando o Orçamento Participativo, como forma de
participação popular na gestão pública. São duas cidades da América do Sul
conhecidas por sua qualidade de vida e baixos índices de pobreza e exclusão social,
mas que vêm experimentando, principalmente a partir da segunda metade da década
de 1990, aumentos significativos nos índices de pobreza e exclusão social.
Na tabela 1 podemos observar os índices de pobreza e de Gini e % de
desemprego nas duas cidades para o ano de 2004.
Tabela 1 – Pobreza / Índice de Gini e taxa de desemprego em Porto Alegre e Montevideo
Cidade
Pobreza
Gini
% Desemprego
Porto Alegre
11,6%
0,61
15,3
Montevideo
14,5%
0,43
13,8
Fonte: Dados estatísticos da prefeitura de Porto Alegre e da intendência de Montevideo
O que se verifica é que ambas cidades têm um índice de pobreza e desemprego
próximos, mas se distanciam em relação à desigualdade de renda, medida pelo índice
de Gini. Porto Alegre, apesar de ter menos pobre do que em Montevideo, é mais
desigual e tem mais desempregado.
No que se refere às condições de vida, ver Tabela 2, as duas cidades têm
índices semelhantes em alguns aspectos, mas Montevideo apresenta as melhores
porcentagens na maioria.
Tabela 2 – Alguns aspectos de Condições de Vida
Condições de Vida
Porto Alegre
Montevideo
Taxa de alfabetização
96,5%
100%
Anos de estudo (11 anos ou mais)
15,3% da população
38% da população
Natalidade
12,37 por 100 vivos
14,94 por 100 vivos
Mortalidade
18,6 por 100 mortos
9,51 por 100 mortos
7
Continuação tabela 2
Saneamento básico
95,2%
97,5%
Água encanada
97,8%
98,5%
Habitação (casa própria)
78%
84%
Telefone
68,4%
85,1%
Computador
27,9%%
24,8%
Fonte: Dados estatísticos da prefeitura de Porto Alegre e da intendência de Montevideo
Apesar do índice de pobreza em Montevideo ser maior do que em Porto Alegre,
a capital uruguaia apresenta melhores condições de vida, na maioria dos aspectos
relacionados na tabela acima. O que chama mais atenção é a porcentagem da
população com mais de 11 anos de escolaridade, que em Montevideo é de 38% e em
Porto Alegre é de 15,3%. Um dado interessante a ser analisado, pois educação é uma
variável fortemente correlacionada à democracia e qualidade de vida. Em Montevideo,
de acordo com dados estatísticos da Intendência, não há ninguém com menos de 4
anos de estudo. Em Porto Alegre, a taxa de analfabetismo é de 3,5%.
Conforme Baquero & Baquero (2005), a educação e a democracia estão
estreitamente relacionadas, mas adiantam que nem todo tipo de educação é garantia
para a democracia. Seria necessária uma educação que prepara o cidadão para a
democracia, com participação, associativismo, engajamento.
Tanto Porto Alegre como Montevideo são cidades reconhecidas por seus
cidadãos politizados, pelo Orçamento Participativo e por inúmeras formas de
participação política e social da população, destoando de várias outras cidades latinoamericanas. Mas esses índices de participação também são baixos. Ver tabela 3.
Tabela 3 - % dos que participam ou participaram em atividades políticas e sociais
Participação
Porto Alegre
Montevideo
Orçamento Participativo
4,3
6,7
Associação comunitária
6,7
14,8
Associação sindical
5,7
7,6
Reunião política
5,7
12,2
Partido político
4,7
11,6
Fonte: pesquisa “Desenvolvimento Sustentável e Capital Social na Promoção da Qualidade de Vida e
Cidadania”, realizada pelo NUPESAL/NIEM-UFRGS em 2005
8
A tabela 3 evidencia a baixa participação tanto dos cidadãos de Porto Alegre
como dos de Montevideo em atividades políticas e sociais, como orçamento
participativo, associação comunitária, associação sindical, reunião política e partido
político. Em Montevideo não chega a 15% e em Porto Alegre não ultrapassa 7%. A
baixa porcentagem de participação (4,3%) no orçamento participativo em Porto Alegre
chama a atenção pelo fato de que Porto Alegre é referência mundial nesta forma de
participação política. Quanto à participação em partido político, Montevideo (11,6%)
apresenta mais do que o dobro de participação de Porto Alegre (4,7%), e esta é
considerada a capital brasileira mais politizada. No Brasil criou-se o mito de que os
gaúchos, de um modo geral, e os portoalegrenses, em particular, são muito
participativos, conscientes e politizados. O que a pesquisa apresenta é uma baixa
participação, apesar de 73,2% dos entrevistados considerarem importante a sua
participação na política para resolver os problemas do país.
Ainda referindo-se a partidos políticos e eleições, a pesquisa “Desenvolvimento
Sustentável e Capital Social na Promoção da Qualidade de Vida e Cidadania” constatou
que 33,5% dos portoalegrenses se identificam com um partido político enquanto em
Montevideo essa identificação é de 61,6%. E apenas 7,5% dos entrevistados em Porto
Alegre consideram o voto importante, ao passo que em Montevideo essa porcentagem
é de 74,8%. Baixa participação política e social, identificação mediana com partidos
políticos e pouca importância dada ao voto podem estar também relacionados com a
confiança que os portoalegrenses têm nas instituições. Ver tabela 4.
Tabela 4- Confiança nas instituições – % dos que confiam muito
Instituições
Porto Alegre
Montevideo
Congresso
6,3
26,0
Governo Federal
10,3
45,1
Câmara Municipal
10,3
31,0
Governo Municipal
11,5
42,4
Partidos Políticos
5,7
11,2
Fonte: pesquisa “Desenvolvimento Sustentável e Capital Social na Promoção da Qualidade de Vida e
Cidadania”, realizada pelo NUPESAL/NIEM-UFRGS em 2005
Os portoalegrenses confiam muito menos nas instituições políticas do que os
cidadãos de Montevideo. E essa porcentagem de confiança chega a ser até quatro
vezes maior em instituições como governo municipal e congresso. Cidadãos de ambas
cidades têm mais confiança no executivo, seja federal ou municipal, do que no
9
legislativo e nos partidos políticos, que são a instituição onde depositam menos
confiança.
Em Porto Alegre apenas 5,7% dos entrevistados confiam em partido político,
seguido pelo Congresso, com 6,3%. O governo municipal é a instituição que os
portoalegrenses têm mais confiança (11,5%), seguido das Câmaras municipal e federal,
que apresentam a mesma porcentagem, (10,3%). Já 45,1% dos cidadãos de
Montevideo confiam muito no governo federal, seguido do governo municipal (42,4%).
Logo depois vem a confiança na Câmara Municipal (31%), acompanhado do Congresso
(26%) e por último os partidos políticos (11,2%).
Essas baixas porcentagens de participação e confiança dos portoalegrenses
podem estar ligadas à qualidade de vida. A tabela 5 apresenta a avaliação tanto dos
cidadãos de Porto Alegre quanto dos de Montevideo no que se refere aos serviços
públicos de saúde, educação, cultura, transporte, segurança pública, saneamento
básico, habitação e telefonia.
Tabela 5 – qualidade dos serviços públicos: % dos que avaliaram como boa a qualidade
Serviços Públicos
Porto Alegre
Montevideo
Saúde
13,0
20,6
Educação
22,4
26,8
Cultura/Lazer/Esporte
36,9
28,4
Transporte
59,0
32,0
Segurança pública
5,9
7,4
Saneamento
25,1
44,1
Habitação
20,8
21,6
Telefonia
58,0
66,8
Fonte: pesquisa “Desenvolvimento Sustentável e Capital Social na Promoção da Qualidade de Vida e
Cidadania”, realizada pelo NUPESAL/NIEM-UFRGS em 2005
Dos oito serviços públicos avaliados, seis tiveram melhor avaliação entre os
cidadãos de Montevideo do que entre os de Porto Alegre: saúde, educação, segurança
publica, saneamento, habitação e telefonia. Transporte e cultura tiveram melhor
avaliação entre os portoalegrenses.
O serviço público melhor avaliado entre os portoalegrenses foi o de transporte,
em que 59% dos entrevistados o consideraram de boa qualidade. Já em Montevideo foi
10
telefonia com 66,8%. Segurança pública foi o serviço com menor porcentagem de
avaliação positiva tanto em Porto Alegre (5,9%) quanto em Montevideo (7,4%).
Serviços públicos básicos como saúde, educação, saneamento e habitação
chamam a atenção pela baixa avaliação positiva, principalmente dos portoalegrenses.
Nenhum desses serviços ultrapassou os 25% de boa avaliação entre os moradores de
Porto Alegre – saúde, 13%; educação 22,4%; saneamento, 25,1% e habitação 20,8%.
Entre os moradores de Montevideo a avaliação referente a estes quatro serviços
públicos foi bem melhor do que entre os moradores de Porto Alegre com relação à
saúde (20,6%) e ao saneamento (44,1%) e semelhante quanto à educação (26,8%) e
habitação (21,6%).
Em suma, os cidadãos de Montevideo têm uma avaliação bem mais positiva de
seus serviços públicos do que os de Porto Alegre. Soma-se a isso a menor participação
em atividades políticas e sociais e menor confiança institucional dos portoalegrenses
em relação aos cidadãos de Montevideo. Cidadãos com essas atitudes e opiniões como
será que avaliam a democracia? A tabela 6 apresenta a atitude dos cidadãos de Porto
Alegre e Montevideo referente ao funcionamento da democracia.
Tabela 6 – atitude com relação ao funcionamento da democracia
Atitude
Porto Alegre
Montevideo
Satisfeito
18,6
50,4
Pouco satisfeito
45,1
34,2
Insatisfeito
35,2
12,8
Não sabe
1,2
2,6
Fonte: pesquisa “Desenvolvimento Sustentável e Capital Social na Promoção da Qualidade de Vida e
Cidadania”, realizada pelo NUPESAL/NIEM-UFRGS em 2005
A tabela evidencia o quanto os portoalegrenses estão bem mais insatisfeitos
com a democracia do que os moradores de Montevideo. São 35,2% dos entrevistados,
ao passo que apenas 18,6% estão satisfeitos com este regime. Somando os
insatisfeitos com os poucos satisfeitos são 80,3% de portoalegrenses que acham que o
funcionamento da democracia não é satisfatório. Já em Montevideo mais de 50% estão
satisfeitos com a democracia enquanto apenas 12,8% estão insatisfeitos com este
regime.
Ao que tudo indica, parece haver uma associação entre a qualidade dos serviços
e a satisfação com a democracia para os portoalegrenses, na medida em que
11
observando os dados das tabelas acima verificamos que são poucos os que estão
satisfeitos com a democracia e também são poucos os que avaliam bem os serviços
públicos. Já em Montevideo, a atitude dos cidadãos com relação ao funcionamento da
democracia parece independer da qualidade dos serviços.
As tabelas 7 e 8 mostram o cruzamento de dados entre qualidade dos serviços,
no que se referem a uma boa e a uma má avaliação, e satisfação com a democracia.
Tabela 7 – qualidade dos serviços X % dos satisfeitos com o funcionamento da democracia
Das pessoas que consideram
boa a qualidade da (o):
% dos satisfeitos com o funcionamento da democracia
Porto Alegre
Montevideo
Saúde
34,8
53,4
Educação
28,1
53,0
Cultura/Lazer/ Esporte
26,1
52,1
Transporte
21,3
55,0
Segurança
26,7
70,3
Saneamento
29,9
55,4
Transporte
34,0
58,3
Telefonia
23,1
56,6
Fonte: cruzamento de dados da pesquisa “Desenvolvimento Sustentável e Capital Social na Promoção da
Qualidade de Vida e Cidadania”, realizada pelo NUPESAL/NIEM-UFRGS em 2005
Tabela 8 – qualidade dos serviços X % dos satisfeitos com o funcionamento da democracia
Das pessoas que consideram
ruim a qualidade da (o):
% dos satisfeitos com o funcionamento da democracia
Porto Alegre
Montevideo
Saúde
12,6
43,2
Educação
12,2
42,1
Cultura/Lazer/ Esporte
13,3
49,4
Transporte
14,1
44,4
Segurança
15,6
42,1
Saneamento
10,5
36,1
Transporte
8,6
40,2
Telefonia
7,4
30,4
Fonte: cruzamento de dados da pesquisa “Desenvolvimento Sustentável e Capital Social na Promoção da
Qualidade de Vida e Cidadania”, realizada pelo NUPESAL/NIEM-UFRGS em 2005
12
As tabelas reforçam que a satisfação com democracia é muito maior entre os
cidadãos de Montevideo do que entre os portoalegrenses, independente da avaliação
que fazem dos serviços públicos. Mas há uma queda grande na porcentagem dos
satisfeitos com a democracia, tanto entre os moradores de Montevideo quanto os Porto
Alegre, para os que avaliam como ruim a qualidade dos serviços. Observando as
tabelas 7 e 8 verifica-se que para os portoalegrenses que avaliam como boa qualidade
dos serviços, as porcentagens de satisfação variam entre 21,3 a 34,8%, dependendo do
serviço público. Já para os que avaliam como ruim, a satisfação com a democracia
oscila entre 7,4 e 15,6%. Entre os moradores de Montevideo que avaliam bem os
serviços públicos, a satisfação com a democracia está entre 52,1 e 70,3%. Ao passo
que para os consideram ruins os serviços públicos essa satisfação cai oscilando entre
30,4% e 49,4%
Conclusão
Os dados analisados confirmam a hipótese de que há uma associação entre
qualidade de vida e satisfação com a democracia, tanto entre os cidadãos de Porto
Alegre quanto entre os de Montevideo. As pessoas das duas cidades que avaliam bem
os serviços públicos estão mais satisfeitas com o regime democrático do que as que
acham ruim a qualidade dos serviços. Porém, independentemente de uma avaliação
boa ou ruim destes serviços, a população de Montevideo está mais satisfeita com a
democracia do que a população de Porto Alegre. Mas é preciso ressaltar que na maioria
dos que serviços analisados, os cidadãos de Montevideo avaliaram melhor seus
serviços públicos do que os portoalegrenses.
Importante observar que juntamente com uma avaliação mais positiva de seus
serviços públicos e uma satisfação maior com a democracia, os cidadãos de
Montevideo também são mais participativos em atividades políticas e sociais e confiam
mais em suas instituições do que os portoalegrenses. Estes são mais céticos com suas
instituições e mais descrentes da importância do voto enquanto instrumento de
participação democrática.
Os
dados
estatísticos
também
confirmam
que,
embora
com
muitas
semelhanças, os cidadãos de Montevideo têm melhores condições de vida e são menos
desiguais do que os portoalegrenses.
13
Retomando o conceito de capital social de Putnam, verifica-se que em
Montevideo há mais capital social do que em Porto Alegre; na medida em que há mais
confiança e participação da população.
Verifica-se também que em ambas cidades, a população, ao associar qualidade
de vida e satisfação com a democracia, vai além de uma noção de democracia
enquanto liberdade política e normas procedimentais. O sentido de democracia parece
ser o de um regime que se propõe lidar com questões e problemas sociais e
econômicos, concomitantemente com os políticos. E isso só é possível com
participação popular.
Neste sentido, é que se arrisca dizer que em Montevideo há uma cultura política
mais elevada que em Porto Alegre, pela confluência de todos os fatores analisados
neste trabalho, e, portanto, a democracia cumpre melhor sua função. Por isso, os
cidadãos de Montevideo estão bem mais satisfeitos com esse regime (50,4%) do que os
de Porto Alegre (18,6%). Isso vem confirmar que a participação e engajamento, uma
boa qualidade de vida, confiança nas instituições são elementos fortemente associados
a um funcionamento satisfatório do regime democrático.
Por último consideramos pertinente destacar que os cidadãos de Montevidéu
têm muito mais anos de estudo que os de Porto Alegre. O que indica que o maior
acesso à educação é condição fundamental para elevação da cultura política.
Bibliografia
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CREMONENSE, D. Capital Social – teoria e prática. Ijuí: Unijuí, 2006
------------- Reinventando Fonte: cruzamento de dados da pesquisa “Desenvolvimento Sustentável e
Capital Social na Promoção da Qualidade de Vida e Cidadania”, realizada pelo NUPESAL/NIEM-UFRGS
em 2005
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