XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC 2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ÁREA TEMÁTICA: PLANEJAMENTO TERRITORIAL, ECONOMIA, MERCADO E NEGÓCIOS. BOVINOCULTURA E BUBALINOCULTURA CATARINENSE: A ESPACIALIDADE DE UMA CADEIA DE PRODUÇÃO. Gilnei Bruno Fachin1 Reney Dorow2 Sérgio Augusto Ferreira Quadros3 Cintia Uller Gómez4 Resumo O crescente consumo de proteína animal nos últimos anos é motivado especialmente pelo aumento da capacidade de consumo da população. A bovinocultura é uma das principais alternativas para suprir essa demanda, principalmente se tratando do Brasil, que possui atualmente o maior rebanho comercial bovino do mundo e ainda com condições de expandir a sua produção. Santa Catarina, apesar de não se destacar com grandes volumes de produção e exportação, possui um status sanitário diferenciado. Neste artigo descrevemos e analisamos a pecuária catarinense sob o enfoque da cadeia de produção. Foi conduzido estudo exploratório e descritivo, complementado com dados quantitativo setoriais. O trabalho possibilitou a identificação e o mapeamento dos principais polos de produção bovina e bubalina no Estado. Concluiu-se que a pecuária de corte encontra-se dispersa no território catarinense, o que dificulta o planejamento e ordenamento da cadeia produtiva. Palavras-chave: Pecuária, Sanidade Animal, Desenvolvimento Rural. Abstract The growing consumption of animal protein in recent years is caused especially by increasing consumption capacity of the population. Cattle raising is one of the main alternatives to meet this demand, especially when it comes from Brazil, which currently has the largest commercial cattle herd in the world and still with conditions to expand its production. Although Santa Catarina does not stand out with large volumes of production and export, it has a differentiated health status. In this study, the Santa Catarina livestock was analyzed and described under the concept of the production chain. An exploratory and descriptive study was conducted, complemented by sectorial quantitative data. The work enabled the identification and mapping of the main sites of both cattle and water buffalo production in the state. It was concluded that the beef cattle lies scattered in the territory of Santa Catarina, which complicates the planning and organization of the production chain. Keywords:livestock, animal health, rural development. 1 Acadêmico de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. Mestre em Agronegócios e Pesquisador da Epagri. E-mail: [email protected] 3 Doutor em Zootecnia e professor do CCA/UFSC. E-mail: [email protected]. 4 Doutora em Ciências Humanas e analista ambiental da Fatma. E-mail: [email protected] 2 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC 1. Introdução A importância da agricultura e pecuária brasileiras pode ser observada pela sua marcante presença na pauta das exportações, contribuindo com cerca de um quarto do produto interno bruto do país, mas também por gerar empregos no campo e na cidade. No segmento pecuário, a bovinocultura, em particular, é considerada um dos principais destaques do agronegócio brasileiro, possuindo atualmente o maior rebanho comercial bovino entre os países produtores, com aproximadamente 211,3 milhões de cabeças em 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Brasil, por suas dimensões continentais, é um dos únicos países que ainda possui condições para expandir a bovinocultura, visto que ainda existem muitas áreas a serem exploradas, sem deixar de considerar que esta expansão deve ser realizada de forma ecologicamente correta, com uso de tecnologias de produção menos impactantes ao meio ambiente. Países tradicionalmente produtores de carne bovina como a Austrália e Argentina, encontram obstáculos para o crescimento dos seus rebanhos, como áreas semidesérticas ou com escassez hídrica, ou ainda indisponibilidade de novas áreas produtivas (MEZZADRI, 2007). Tratando-se de exportações, o que tem impulsionado a crescente demanda por carne bovina brasileira e facilitado o acesso a países altamente exigentes é, sem dúvida, resultado do trabalho de controle sanitário animal, que se reflete em qualidade, além dos preços competitivos comparativamente a outros países exportadores. A bovinocultura de corte está presente em todo o território nacional, sendo praticada tanto na grande como na pequena propriedade rural, sob diferentes sistemas de produção e os mais variados níveis tecnológicos. Diferentemente das possibilidades expansionistas do território brasileiro, o Estado de Santa Catarina apresenta características particulares, delimitados pela característica fundiária, bem como pela total ocupação do território. Em Santa Catarina, apesar do rebanho bovino de 4.169.794 cabeças (CIDASC, 2014) ser pequeno, se comparado com os demais estados, tem destaque pela condição sanitária de excelência, com o título de único estado brasileiro livre de febre aftosa sem vacinação, que em muitos casos é fator determinante para exportação dos produtos cárneos, incluindo a carne suína. Análises sobre aspectos da organização, distribuição e comercialização pecuária catarinense são escassas na literatura. No entanto, são fundamentais para subsidiar o Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC planejamento de seu desenvolvimento e das regiões em que se inserem. Diante dessa lacuna e das particularidades socioambientais locais, neste artigo, temos como objetivo descrever e analisar o cenário atual da bovinocultura catarinense, a partir da visão de cadeia produtiva, suas peculiaridades e a dinâmica existente no segmento de produção pecuário,sobretudo, sua distribuição espacial. 2. Enfoque teórico para abordagem da bovinocultura em Santa Catarina A produção primária constitui-se de atividades eminentemente inseridas no espaço geográfico5, para cuja análise podemos recorrer a conceitos específicos. Destacamos inicialmente o de agribusiness, que surgiu em 1955, mas tomou proporção a partir de 1957 com os trabalhos de Davis e Goldberg. O agribusiness é considerado como um agregado das operações que englobam a produção e distribuição de insumos agrícolas, e das operações de produção, armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas (BATALHA, 2012). Outro conceito fundamental é o de cadeia produtiva que, segundo Morvan (1988) apud Batalha (2012) é um conjunto de operações de transformação dissociáveis; relações comerciais e financeiras, que se estabelecem entre todos os estados de transformação, resultando em um fluxo de troca a montante e a jusante, entre fornecedores e clientes; além de um conjunto de ações econômicas que presidem a valoração dos meios de produção e asseguram a articulação das operações. Pode-se dizer que ao enfocar a agropecuária por meio do conceito de cadeia, alcançamos uma visão sistêmica da atividade, que em seu todo compõe o agronegócio, incluindo todos os tipos de produtores (familiares e empresariais)6. Ainda segundo Batalha (2012), uma cadeia produtiva é definida a partir da identificação de determinado produto final. Após esta identificação, cabe ir encadeando as várias operações técnicas, comerciais e logísticas, necessárias à produção. 5 Adotamos a noção de “espaço geográfico” proposta por Milton Santos (2004: p.100): um espaço híbrido, “(...) resultado da inseparabilidade entre sistemas de objetos e sistemas de ações (...)”. O mesmo autor (op.cit.: p.103) também esclarece a distinção entre “paisagem” e “espaço”: “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima”; ou ainda “A paisagem é, pois, um sistema material e, nessa condição, relativamente imutável: o espaço é um sistema de valores, que se transforma permanentemente”. 6 O professor José Graziano da Silva esclarece que o termo agronegócio ou agribusiness éum agregado, uma definição operacional de um conjunto de atividades inter-relacionadas, sendo assim, inclusiva a todos os tipos de produtores. Complementa que não faz sentido excluir previamente qualquer ator social que esteja envolvido em qualquer cadeia produtiva (GRAZIANO DA SILVA, 2010). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC A Figura 1 apresenta os estágios econômicos de atividades de uma cadeia produtiva agropecuária. Tem seu início delimitado pela produção, apresentando na sequência um conjunto de estágios econômicos que vão adicionando serviços até chegar ao consumo. Figura 1 - Elos tecnológicos componentes de uma cadeia produtiva Fonte: Mendes e Padilha Jr. (2007, p. 9). Segundo Pedrozoet al. (1999), o estudo das cadeias produtivas agrícolas é importante para a análise do que ocorre desde a produção até o consumidor final de um produto. Estudo desse tipo podem ter abordagens interdisciplinares, multidisciplinares, transdisciplinares e participativas. As organizações que trabalham com agronegócios, que incluem desde o produtor de insumos à comercialização até o cliente final, requerem um estudo interdisciplinar pela heterogeneidade e especificidades dos agentes envolvidos. Na análise de cadeias produtivas deve-se levar em consideração, além de todos os agentes que a compõem, seus fluxos físicos, financeiros e de informação, considerando ainda as relações de causalidade circular e as defasagens de tempo dentro do sistema (WIAZOWSKI, 2000). Para Da Silva (2005), a análise das cadeias produtivas propicia o entendimento da atividade como um todo; permite a identificação de dificuldades e potencialidades; a motivação para a ação da assistência técnica; a identificação de gargalos ou elementos faltantes e, finalmente, a observação dos fatores que proporcionam competitividade dentro de cada segmento. Com base neste enfoque teórico, o presente estudo constitui-se de um trabalho exploratório e descritivo, em que apresentamos dados quantitativos sobre o elo tecnológico de produção da bovinocultura e da bubalinocultura em Santa Catarina. Destacamos a distribuição espacial dessas atividades no Estado e as características mais proeminentes do rebanho bovino e bubalino de um modo geral, especialmente do rebanho voltado à produção de carne, tendo em conta que a qualidade do mesmo torna Santa Catarina referência em sanidade animal no país. 3. Distribuição geográfica da bovinocultura e da bubalinocultura em Santa Catarina A pecuária catarinense se desenvolve hegemonicamente pela bovinocultura de corte e de leite. Porém também abriga um rebanho de bubalinos, amplamente distribuído ao longo do território. Assim como os bovinos, os bubalinos são ruminantes pertencentes à Família Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Bovidae. Por isso recebem o mesmo rigor no controle sanitário oficial, sendo aqui considerados na caracterização global do rebanho catarinense. De acordo com Batalha (2012) o elo tecnológico de produção da pecuária catarinense apresenta como produto final determinante o animal vivo voltado ao abate. Nesse caso, também são considerados os bovinos com aptidão leiteira, que ao final de seu ciclo produtivo, integram a cadeia de corte voltada essencialmente à produção de carne. Dados preliminares e contato com pesquisadores da área dão conta de que em Santa Catarina, a produção bovina encontra-se dispersa geograficamente e se desenvolve de maneira bastante heterogênea. Assim como em todo o país, caracteriza-se pelo contraste entre propriedades altamente tecnificadas e eficientes, que contam com gestão profissional, e outra parcela menos desenvolvida em termos de eficiência produtiva, sem capacidade de investimentos em melhoria de processos. De acordo com o banco de dados da CIDASC (2014), o rebanho bovino catarinense totalizava 4.169.794 cabeças, em 31de dezembro de 2013. A Tabela 1 retrata o rebanho bovino catarinense, classificado, por categoria, quanto à aptidão, sexo e faixa etária dos animais. Considerando a sua aptidão, eles foram divididos em corte, leite e misto, correspondendo respectivamente a 45%, 33% e 13% do rebanho. Tabela 1 - Rebanho bovino catarinense, classificado por aptidão, sexo e faixa etária - 2013 Corte Leite Misto Faixa etária (meses) Macho Fêmea Macho Fêmea Macho Fêmea 0 a 12 236.093 172.997 37.150 195.058 44.128 60.296 230.459 976.181 13 a 24 203.980 176.886 24.171 179.759 34.318 56.435 - 675.549 25 a 36 116.466 147.996 14.571 157.745 22.542 46.645 - 505.965 > 36 198.958 633.404 24.228 762.745 52.629 237.513 - 1.909.477 - - - - - - 102.622 - 333.081 4.169.794 Subtotal 1.886.779 1.395.428 554.506 Sem categoria* Total * Bovinos sem categoria no registro de controle da CIDASC. Fonte: Banco de dados CIDASC, 2013. Quanto à aptidão é importante destacar que a declaração da categoria animal é de responsabilidade do produtor, o qual tem até 180 dias, a contar do nascimento dos bezerros, para fazer a prestação de contas e registro definitivo destes animais. Porém, se houver movimentação antes desse prazo, o animal deverá estar obrigatoriamente com o brinco aplicado, conforme prevê a Instrução de Serviço Conjunta 002/2013, que em seu art. 5º Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC norteia o trânsito de animais no Estado (SANTA CATARINA, 2013). Esta informação é importante, pois demonstra o rigoroso controle no trânsito de animais em Santa Catarina, no qual não se admite comercialização de animais não registrados. Na data da emissão dos relatórios (31/12/2013) solicitados para compilação dos dados quantitativos deste trabalho, o rebanho catarinense possuía 333.081 animais registrados, cuja categoria ainda não havia sido informada. Como no ano de 2013 nasceram 976.181 bovinos, dos quais 745.722 possuem categoria definida, tem-se 230.459 animais que poderiam ter menos de 180 dias de idade no momento da emissão do relatório, porém ainda sobram 102.622 bovinos, que não possuíam categoria e também não se enquadram no grupo dos recém-nascidos. Ou seja, pode haver uma falha no sistema de controle desse registro de categoria, no entanto, essas informações não são as mais importantes quando o objetivo é o controle da sanidade animal. Quanto à faixa etária, a divisão do rebanho bovino catarinense está descrita na Figura 2. Apresenta em sua maioria mais de 25 meses de idade totalizando 59% dos animais, enquanto que 41% do rebanho têm até 24 meses de idade. Figura 2 - Distribuição do rebanho catarinense por faixa etária em meses - 2013 24% Faixa etária 0 a 12 47% 13 a 24 25 a 36 17% > 36 12% Fonte: Banco de dados CIDASC, 2014. O rebanho bovino de corte está distribuído por todas as regiões do Estado, como apresenta a Figura 3. No entanto, em algumas regiões a atividade tem maior destaque, como é o caso da Mesorregião Serrana, com grandes extensões de campo e predominância da criação dos animais a pasto; e a Mesorregião Oeste Catarinense onde, além da concentração de confinamentos de bovinos, têm-se maior concentração de propriedades rurais familiares. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Figura 3 - Distribuição do rebanho bovino de corte em Santa Catarina. * Cada ponto no mapa equivale a 500 cabeças. Fonte: Banco de dados Cidasc, 2012. A bovinocultura de leite apresenta isoladamente 33% do rebanho catarinense, com o acréscimo de outros 13% com aptidão mista, passa a compor 46% do rebanho do Estado. Sua maior concentração se dá em determinadas regiões do Estado, onde se destacam as principais bacias leiteiras, como mostra a Figura 4. De um modo geral, a Mesorregião Oeste Catarinense apresenta o maior número de animais, o que está representado pela maior densidade de pontos no mapa, seguida pelas microrregiões de Rio do Sul e Ituporanga, na Mesorregião do Vale do Itajaí e na Microrregião de Tubarão no Sul Catarinense. Figura 4 - Distribuição do rebanho bovino leiteiro em Santa Catarina. * Cada ponto no mapa equivale a 500 cabeças. Fonte: Banco de dados Cidasc, 2012. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Aproximadamente 13% do rebanho total se concentram nos 10 municípios apresentados na Figura 5, sendo que cinco destes pertencem à Mesorregião Serrana, onde a bovinocultura de corte, ao longo da história, sempre se mostrou expressiva. Figura 5 - Municípios maiores produtores de bovinos - 2013. (cabeças) Fonte: CIDASC, 2014. Outros quatro municípios pertencem à Mesorregião Oeste e um, o município de Braço do Norte, está localizado ao Sul do Estado. O rebanho bubalino soma 10.878 animais e os 10 principais municípios de produção, destacados na Figura 6, representam algo próximo dos 48% dos animais do Estado. Figura 6 - Municípios maiores produtores de bubalinos - 2013. (cabeças) Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Fonte: CIDASC, 2014. Observa-se que a maioria dos municípios está localizada na região litorânea, com característica de clima mais quente. Porém, estes animais também são encontrados nas regiões de clima temperado, de altitude e com invernos rigorosos, como é o caso do município de Rancho Queimado. 3.1 – Os sistemas de produção utilizados e sua distribuição geográfica em Santa Catarina De um modo geral, no Estado é o pecuarista quem escolhe o sistema de produção a ser adotado, as raças utilizadas e as práticas de manejo. A crescente complexidade do setor tem levado o produtor a lidar também com aspectos ambientais, tecnológicos, mercadológicos e recursos humanos. De acordo com Pires (2010), são aproximadamente 24 as raças de corte que, atualmente, despertam mais interesse para a produção de carne no Brasil, divididas entre Zebuínas, Taurinas e Sintéticas, com predominância para a primeira. Para a bovinocultura leiteira, segundo a Associação Catarinense de Criadores de BovinosACCB (2014) as principais raças presentes no Estado são de origem europeia, baseadas na Jersey e Holandesa. No caso da bubalinocultura, segundo a Associação Brasileira de Criadores de Bubalinos ABCB (2014), são quatro as principais raças presentes no Brasil distinguidas como Mediterrâneo, Murrah, Jafarabadi (búfalo-do-rio) e Carabao (búfalo-do-pântano). Nesta análise da cadeia produtiva, focou-se o sistema de produção. Conforme Euclides Filho (2000), sistema de produção de gado de corte corresponde ao conjunto de tecnologias e práticas de manejo, bem como o tipo de animal, o propósito da criação, a raça ou grupamento genético e a ecorregião onde a atividade é desenvolvida. Na bovinocultura de corte, os sistemas de criação podem ser classificados, de modo geral, conforme o regime alimentar em: sistema extensivo – regime exclusivo de pastagem; semi-intensivo – pastagem mais suplementação no cocho; e intensivo – pastagem mais suplementação e confinamento. Os sistemas extensivos de exploração ainda predominam sobre os demais, mas em muitos casos também combinam o pastejo com a suplementação dos animais nas épocas de baixa oferta de forragem. De acordo com o Anualpec (2013), em Santa Catarina, aproximadamente 53.706 animais foram criados no sistema de confinamento e 90.574 cabeças foram engordadas em pastagens de inverno à base de azevém e aveia no ano de 2013. Considerando estes dados, e utilizando somente o número de machos entre 13 e 36 meses, cadastrados como aptidão de Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC corte apresentados na Tabela 3, que totalizam 320.426 animais, pode-se concluir que 45% deste rebanho é terminado com aporte nutricional diferente do campo nativo/naturalizado, sendo destes 63% com forrageiras hibernais e 37% em confinamento. Cada propriedade que possui confinamentos no Estado dispõe de um Código Oficial, de registro na CIDASC. A maior concentração dessas propriedades está na Região Oeste, sendo que Joaçaba, São Miguel do Oeste, Chapecó e Concórdia correspondem a 62% do número de estabelecimentos (Tabela 2). Tabela 2 - Número de confinamentos de bovinos, por microrregiões - 2013. Microrregiões Nº de estabelecimentos Joaçaba 91 São Miguel do Oeste 78 Chapecó 36 Rio do Sul 26 Blumenau 22 Tubarão 21 Concórdia 19 Ituporanga 13 Canoinhas 11 Tabuleiro 11 Araranguá 11 Florianópolis 8 Tijucas 5 Criciúma 4 Campos de Lages 3 Itajaí 3 Total 362 Fonte: Banco de dados CIDASC, 2014. Elaborado pelo autor. Os três municípios de maior produção, nesse sistema de confinamento, são: Descanso e Santa Helena, pertencentes à microrregião de São Miguel do Oeste e Salto Veloso pertencente à microrregião de Joaçaba. No Estado também são encontrados outros sistemas de produção pecuária, com finalidades voltadas para o aumento da eficiência produtiva e interação do complexo soloplanta-animal (Figura 7). Entre eles podemos citar o Pastoreio Racional Voisin (PRV)7, a Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), além dos sistemas agroecológicos e orgânicos. 7 Método racional de manejo do complexo solo-planta-animal, proposto pelo cientista francês André Voisin, que consiste no pastoreio direto e em rotações de pastagens (BERTON, RICHTER, MACHADO FILHO,2011). Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC O sistema de produção de agricultura convencional vem cedendo espaço para os chamados sistemas alternativos de base agroecológica. A agroecologia e os sistemas orgânicos de produção têm recebido crescente atenção no cenário mundial e a demanda da sociedade aumenta cada vez mais. Na bovinocultura de corte, a produção orgânica pode ser vista como um desafio, mas também como uma oportunidade para acessar um mercado consumidor em ascensão. Figura 7 - Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta Fonte: http://www.jales.net.br/rural-2/camara-cria-a-politica-nacional-de-integracao-lavoura-pecuaria-floresta/ A vegetação de Santa Catarina é bastante variada e possui espécies que são exclusivas ao bioma da Mata Atlântica. Por isso encontramos um vasto número de espécies e variedades de gramíneas e leguminosas de qualidade bem adaptadas às condições climáticas e de fertilidade dos solos. Por reunir condições diferenciadas do restante do país, os produtores rurais do sul e de Santa Catarina, em especial, podem ser bem sucedidos em um planejamento forrageiro a pasto durante o ano todo, sendo possível desde a utilização das pastagens naturais até as mais variadas espécies tropicais e temperadas cultivadas nas principais regiões do mundo. Segundo Fontaneli (2008),as baixas temperaturas nas regiões temperadas limitam a produção e o valor nutritivo das forrageiras em algumas épocas do ano, resultando em grande variação na qualidade do alimento quando comparado entre estações. 3.2. As fases de criação e sua distribuição geográfica em Santa Catarina As atividades operacionais da pecuária de corte são caracterizadas pelas fases de cria, recria e engorda, as quais são desenvolvidas como atividades isoladas ou combinadas de forma a se complementarem. Em 2013, registrou-se a saída de 459.515 bovinos e 1.851 bubalinos das propriedades rurais de Santa Catarina, com a finalidade de abate em frigoríficos/abatedouros com serviço Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC de inspeção (SIM, SIE e SIF), detalhados na Tabela 3. A Mesorregião Oeste Catarinense disponibilizou para o abate aproximadamente 49% do total de bovinos abatidos no ano. Tabela 3 - Animais destinados ao abate, por microrregião de origem - 2013. Microrregiões Chapecó Joaçaba São Miguel do Oeste Campos de Lages Tubarão Curitibanos Canoinhas Xanxerê Concórdia Rio do Sul Blumenau Florianópolis Itajaí Araranguá Criciúma Tijucas Joinville Ituporanga São Bento do Sul Tabuleiro Total Bovino Cabeças 65.616 60.053 46.199 41.931 35.848 31.676 31.545 29.210 24.022 16.768 14.993 13.683 11.564 6.654 5.788 5.754 5.616 4.870 4.528 3.197 459.515 % 14,3% 13,1% 10,1% 9,1% 7,8% 6,9% 6,9% 6,4% 5,2% 3,6% 3,3% 3,0% 2,5% 1,4% 1,3% 1,3% 1,2% 1,1% 1,0% 0,7% Bubalino Cabeças % 64 3,5% 130 7,0% 7 0,4% 56 3,0% 386 20,9% 63 3,4% 164 8,9% 69 3,7% 110 5,9% 240 13,0% 37 2,0% 133 7,2% 42 2,3% 16 0,9% 17 0,9% 15 0,8% 262 14,2% 20 1,1% 0,0% 20 1,1% 1.851 Fonte: Bando de dados CIDASC, 2013. Elaborado pelo autor. A Mesorregião Serrana, apesar de possuir grande concentração de bovinos, não é a principal fornecedora de animais para abate. Mesmo assim, responde por 16% do rebanho bovino catarinense destinado ao abate em 2013. Além de bovinos para abate, o Estado também produz animais que são comercializados com outros estados, com finalidades diversas, conforme apresenta a Tabela 4. Tabela 4 – Bovinos produzidos em Santa Catarina, com destino a outros estados - 2013 Finalidade Reprodução Engorda Recria Abate Trabalho Esporte Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina Bovinos 8.965 2.156 265 34 24 14 XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC Exposição Total 1 11.459 Fonte: Bando de dados CIDASC, 2014. Observa-se que o maior número de animais vendidos para outros estados tem como finalidade a reprodução, o que representa aproximadamente 78% dos animais. Um dado que chama atenção é o número reduzido de animais que participam de feiras e eventos expositivos fora do Estado. Essa realidade tem grande influência das limitações encontradas nas legislações estaduais quanto ao trânsito animal, uma vez que os animais têm passagem livre apenas de ida, não podendo retornar ao Estado. No entanto, essas restrições são necessárias por conta da condição sanitária do rebanho catarinense. Se considerarmos que em 2013 o rebanho bovino catarinense totalizava 4.169.794 animais e, no mesmo ano, aproximadamente 556.349cabeças foram abatidas no Estado e outras 11.459 comercializadas a outras unidades da federação, somando 567.808 animais, pode-se inferir que a taxa de desfrute no Estado ficou em torno de 13,6%. Assim, ficando um pouco distante da média do rebanho nacional que é de 18,9% e mais distante ainda quando comparado aos 38% dos Estados Unidos (LOYOLA, 2013). Esta taxa mostra a capacidade do rebanho gerar excedente para ser abatido, ou seja, é uma medida de produtividade. A abordagem desenvolvida no presente estudo abrangendo as raças, distribuição geográfica, sistemas produtivos, sanidade animal, controle sanitário, comercialização corrobora a proposição de Pedrozoet al. (1999) de que cadeias produtivas, e nelas os elos tecnológicos, demandam estudos com visão interdisciplinar. 4. Conclusão A realização deste estudo possibilitou analisar o elo de produção da cadeia de bovinocultura e bubalinocultura em Santa Catarina, com a identificação dos principais polos de produção no Estado e a estratificação do rebanho por categorias, o que gerou um quadro atual do rebanho catarinense. A bovinocultura no Estado vem sendo desenvolvida de forma muito diversificada, já que a atividade se desenvolve sob diferentes sistemas de produção como o extensivo, pastoreio rotativo ou confinamento, que estão relacionados às características regionais, à disponibilidade dos fatores de produção e ao nível de tecnologia empregada. Nesse sentido A Mesorregião Oeste Catarinense concentra a maior parte do rebanho bovino de corte e leite catarinense, bem como contempla 56,6% das propriedades com confinamento do estado, totalizando 205 propriedades. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC A Mesorregião Oeste Catarinense mostrou ser uma grande produtora e fornecedora de animais de corte, com 37,5% dos bovinos e 10,9% dos bubalinos abatidos em 2013, com finalidade de abastecer a cadeia de carne do Estado. Verificou-se também a ocorrência de regiões especialistas na bovinocultura leiteira, o que permite traçar estratégias de planejamento da produção e adensamento de infraestrutura setorial nessas regiões. No que tange ao rebanho bovino de corte, apesar de mais concentrado no oeste, se encontra disperso em todas as regiões do Estado, com mais de duas dezenas de raças disponíveis, o que dificulta o planejamento e desenvolvimento de uma política voltada a agregar valor na cadeia produtiva. A questão ambiental também se mostrou relevante por ser um fator competitivo básico, exigindo do setor produtivo o uso de tecnologias de produção mais limpas. Esse aspecto é aderente à produção catarinense, haja vista à predominância da produção à pasto, tanto na forma extensiva, de menor produtividade, quanto com uso de piqueteamento que permite um aumento na densidade animal. Por fim o número reduzido de publicações e estudos focados na pecuária catarinense sugere a recomendação de avanços e aprofundamentos desses estudos, para possibilitar o futuro planejamento da produção e capitalização setorial, auferindo os benefícios advindos do status de único Estado livre de aftosa sem vacinação no Brasil. BIBLIOGRAFIA CITADA ABCB. Associação Brasileira dos Criadores de Búfalos. Disponível em: http://www. bufalo.com.br/racas.html. Acesso em: 14 de junho de 2014. ACCB. Associação Catarinense dos criadores de Bovinos. Disponível em: http://www. accb.com.br. Acesso em: 14 de junho de 2014. ANUALPEC. Anuário estatístico da pecuária de corte. 20. ed. São Paulo: FNP Consultoria e Comércio Ltda., 2013. 50 p. BATALHA, M. O. (Coord.) Gestão agroindustrial. São Paulo: Atlas, 2012. BERTON, C. T.; RICHTER, E. M.; MACHADO FILHO, L. C. P. Referências agroecológicas pastoreio racional Voisin (PRV). Curitiba: CPRA, 2011. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC CIDASC – Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina. Disponível em: http://www.cidasc.sc.gov.br/. Acesso em: 10 fev. 2014. DA SILVA, L. C. Cadeia produtiva de produtos agrícolas. UFES – Universidade Federal do Espírito Santo. Departamento de Engenharia Rural. Boletim Técnico: MS: 01/05 em 21/04/2005. 10 p. Disponível em: <http://www.agais.com/manuscript/ms0105 .pdf>. Acesso em: 20 mai. 2014. DAVIS, J. H.; GOLDBERG, R. A.A concept of agribusiness. New York: Alpine, 1957. EUCLIDES FILHO, K. Produção de bovino de corte e o trinômio genótipo-ambientemercado. Campo Grande: Embrapa Gado de Corte, 2000. Disponível em: <http://www.simcorte.com/index/Palestras/s_simcorte/07_kepler.PDF >. Acesso em: 14 de abril de 2014. FONTANELI, R.S.Planejamento de pastagens: melhor caminho para produção de leite com qualidade e menor custo. Revista Plantio Direto, Passo Fundo/RS, n. 104, mar./abr. 2008. GRAZIANO DA SILVA, J. Os desafios das agriculturas brasileiras. In: GASQUES, J.G.; VIEIRA FILHO, J.E.R.; NAVARRO, Z.(orgs.). A agricultura brasileira: desempenho, desafios e perspectivas. Brasília: Ipea, 2010. 298p., pp.157-183 LOYOLA, G. Perspectivas para o Mercado de Proteína Animal. Congresso Internacional de Carnes – 2013. Jun. 2013. Disponível em: <http://www.congressodacarne2013.com.br/palestras/Gustavo%20Loyola.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2014. MENDES, J. T. G; PADILHA JUNIOR, J. B. Agronegócio uma Abordagem Econômica. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007. MEZZADRI, F. P. Cenário atual da pecuária de corte: Aspectos do Brasil com Foco no Estado do Paraná. Curitiba: SEAB/DERAL/DCA, 2007. MORVAN, Y. Fondaments d’economieindustrielle. Paris: Economica, 1988. p. 247. PEDROZO, E. A., et al.O “Sistema Integrado Agronegocial” (SIAN): uma visão interdisciplinar e sistêmica.In: II WORKSHOP BRASILEIRO DE GESTÃO DE SISTEMAS AGROALIMENTARES, 1999, Ribeirão Preto/SP. p. 21-32. Disponível em: <http://www.fearp.usp.br/egna/arquivo/2.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2014. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC PIRES, A. V. Bovinocultura de corte. Piracicaba: FEALQ. v. I. 2010. 760 p. SANTA CATARINA. Instrução de Serviço Conjunta 002/2003. CIDASC. 2013. 28p SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4a ed. 1a reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004. 384p. SILVA, C.A.B.; BATALHA, M.O.,et al. Estudo sobre a eficiência econômica e competitividade da cadeia agroindustrial da pecuária de corte no Brasil. Brasília: IEL, CNA, SEBRAE, 2000. 414 p. SILVA, M. C.; BOAVENTURA, V. M.; FIORAVANTI, M. C. S. História do povoamento bovino no Brasil Central. Revista UFG, Goiás, n. 13, ano XIII, dez. 2012. WIAZOWSKI, B. A. Dinâmica de sistemas: Uma aplicação à análise da coordenação vertical no agronegócio da carne bovina. 2000. 125 f. Dissertação (Mestrado em Economia Rural) – Departamento de Economia Rural, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2000. Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina