O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E A PROTEÇÃO DOS

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O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS
DAS PESSOAS PORTADORAS DE TRANSTORNOS MENTAIS – Lei 10.216, de
06 de abril de 2001.
Inês do Amaral Büschel,
Promotora de Justiça do estado de SP, aposentada;
Mestre em Comunicação e Educação.
Associada ao Movimento do Ministério Público
Democrático: www.mpd.org.br
“Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica,
fora disso sou doido, com todo o direito de sê-lo”
Fernando Pessoa
A Reforma Psiquiátrica brasileira inspira-se nos diversos processos de
reestruturação assistencial que vêm sendo adotados desde os anos 70 por vários
países europeus. Dá-se em razão de notórios abusos praticados em manicômios
tanto por funcionários administrativos como também por profissionais da área da
saúde mental, notadamente por uma exagerada visão organicista, principalmente
contra aqueles que se encontravam internados em instituições asilares durante boa
parte de suas vidas, estando distantes do convívio social. Nossa política pública
segue orientação contida na Declaração de Caracas, datada de 14.11.1990,
aprovada por aclamação na Conferência Regional para a Reestruturação da
Assistência Psiquiátrica nas Américas, que muda o paradigma hospitalocêntrico para
o serviço de saúde comunitário.
Cada país tem dado um enfoque diferente para essas questões devido às
razões culturais autóctones. Consideradas essas peculiaridades, o que se destaca é
que todas essas iniciativas visam o respeito aos direitos humanos dos pacientes e a
melhoria na proteção e reintegração social da pessoa do enfermo mental e de sua
família. As políticas públicas relativas à saúde mental para tornarem-se eficazes
passaram a ter foco universalizante, inclusivo e multiprofissional.
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No Brasil a política governamental de saúde mental tem como uma de suas
principais diretrizes a reestruturação da assistência hospitalar psiquiátrica,
objetivando a redução contínua e programada de leitos em hospitais psiquiátricos,
com a garantia da assistência desses pacientes na rede de atenção extra-hospitalar,
buscando sua reinserção no convívio social.
A chamada Reforma Psiquiátrica de uma maneira geral vem atender não só
aos interesses dos enfermos e seus familiares, mas também aos interesses de
governos, haja vista que a manutenção de hospitais psiquiátricos acarreta dispêndio
de altos recursos públicos. Não se pode ser ingênuo nessa seara e acreditar que
tudo está sendo feito no melhor dos mundos e para o bem geral da nação. O Poder
Público não pode tudo, é certo. Mas a maioria da população que depende para sua
sobrevivência dos serviços públicos de saúde e da assistência social, caso não
encontre a sua disposição tais serviços gratuitos estará entregue à própria sorte.
Há muitos interesses em conflito além daqueles surgidos a partir das
diferentes orientações acadêmicas adotadas nos variados cursos de psiquiatria e
psicologia, tais como: políticas de inspiração neoliberal voltada à redução do
tamanho do Estado; corporações profissionais em disputa por mercado de trabalho;
interesses de proprietários de clínicas em busca de verbas públicas; disputas
partidárias na feitura de orçamentos públicos no Legislativo, lobbies de grandes
laboratórios e planos de saúde privados.
Por outro lado, a sociedade humana nunca lidou muito bem com as questões
de insanidade mental. Nesse campo vigora desde sempre muito medo e preconceito
social. Assim como se diz que na guerra a primeira vítima é a verdade, nos embates
sobre saúde mental a primeira vítima é sempre a realidade.
I – CONCEITO DE SAÚDE HUMANA
No ano de 1978, o conceito de saúde humana foi proclamado pela
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde:
“A saúde, estado de completo bem estar físico, mental e social, e não
simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, é um direito fundamental, e a
consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social
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mundial, cuja realização requer a ação de muitos setores sociais e econômicos,
além do setor saúde.”
Partindo-se desse conceito podemos concluir que a saúde não é assunto
exclusivo da medicina, mas também do meio ambiente, da pobreza local, da
segurança pública etc.
A Lei 10.216/2001, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental,
destaca em seu artigo 2º , parágrafo único, incisos VIII e IX, que são direitos da
pessoa portadora de transtorno mental: “ser tratada em ambiente terapêutico pelos
meios menos invasivos possíveis” e “ser tratada, preferencialmente, em serviços
comunitários de saúde mental”.
O artigo 4º dessa lei determina que a internação do paciente só será indicada
quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes e que essa
internação será estruturada de forma a oferecer assistência integral à pessoa
portadora de transtorno mental, incluindo serviços médicos, de assistência social,
psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros.
Importante salientar que a Lei 10.216/2001 não determina a desativação de
todo e qualquer hospital psiquiátrico, quem o faz é a política adotada pelo governo
federal na área de saúde mental a partir da promulgação dessa lei.
A referida lei também não diz palavra sobre a proteção dos direitos civis dos
enfermos mentais. Ao perderem a consciência crítica mesmo em caráter transitório
essas pessoas ficam à mercê da atitude de terceiros. Caso sejam provedores de
famílias – muitos são pais, mães ou filhos arrimos de família – o caos estará
instalado. A quem caberá legalmente a administração da eventual pensão
previdenciária, conta bancária, alugueres etc, etc? O enfermo mental em crise aguda
- internado ou não - poderá continuar assinando cheques normalmente? Caso se
prejudique economicamente isso não será da responsabilidade de alguém?
II - DEFICIÊNCIA MENTAL e ENFERMIDADE MENTAL
Com
relação
às
pessoas
com
deficiência
mental/intelectual,
nossa
Constituição Federal, em seu artigo 227, § 1o., inciso II, diz que o Poder Público
deve criar “programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores
de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do
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adolescente portador de deficiência, mediante treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a
eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos”.
É a Lei nº 7853 de 24 de outubro de 1989, que disciplina esse assunto
dispondo sobre o apoio às pessoas com qualquer deficiência. Esta lei federal no
artigo 5º impõe atribuição funcional ao Ministério Público, obrigando-o a intervir nas
ações públicas coletivas ou individuais em que se discutam interesses relacionados
à deficiência das pessoas.
Devemos, também, observar a Resolução XXX/3447, de 09.12.75, da ONU,
quando, no item 1, da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, diz: “O
termo pessoas deficientes refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si
mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social
normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades
físicas ou mentais”.
As deficiências físicas, sensoriais e mentais podem ser de natureza congênita
ou adquirida. Será congênita quando a pessoa nasce com alguma anomalia cérebral
que prejudica o normal desenvolvimento de sua mente, não se tratando
especificamente de uma “doença” mental. A deficiência mental/intelectual congênita
(antigo retardo) não é questão psiquiátrica, exceto se a pessoa for portadora de comorbidade, ou seja, retardo e doença mental.
A deficiência mental adquirida poderá ocorrer de variadas maneiras: (a) a
pessoa nasce sem problemas no cérebro, mas devido a algum acidente grave em
qualquer fase de sua vida surgem seqüelas que acarretam prejuízo no seu
funcionamento mental, ou então, (b) por alguma razão de ordem biopsicossocial a
pessoa já desde a infância adoece e apresenta distúrbios psíquicos que lhe
prejudicam o desenvolvimento mental ou, (c) por ocasião da adolescência ou fase
adulta, surge a doença mental que poderá provocar sérias alterações funcionais na
mente. São as denominadas psicoses ou demências.
As questões relativas a mente e ao cérebro são muito complexas: o cérebro é
um conceito da mente e a mente é um produto do cérebro. Usando uma feliz
expressão do educador brasileiro Rubem Alves, há problemas no hardware ou no
software. E tais problemas poderão acarretar limitações nas habilidades pessoais
tais como na: comunicação; cuidados pessoais; interação social; saúde e segurança;
desenvolvimento acadêmico; lazer e, principalmente no campo do trabalho.
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No campo da deficiência mental/intelectual, todavia, surgiram obstáculos
basicamente criados pelo decreto federal 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que
regulamenta a lei 7.853/89, pois na prática o texto descarta a possibilidade da
deficiência mental adquirida, restringindo-a apenas a de origem congênita, induzindo
a equívocos de interpretação legal. Na tentativa de esclarecer e definir, o decreto
estabelece que deficiência mental é o “funcionamento intelectual significativamente
inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas
a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas,....”
Veja-se o absurdo, a lei não restringe a conceituação do que venha a ser
deficiência mental/intelectual, quem o faz é um mero decreto regulamentador que
optou pela exclusão e acientificidade. A verdade é que a deficiência mental não é
um conceito fechado.
No campo das diversas deficiências físicas, sensoriais e mentais, há um
recente decreto federal – 3.956, de 8 de outubro de 2001, que promulgou a
Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, que havia sido foi aprovada por
Assembléia Geral realizada na Guatemala no mês de junho de 1999 e, pela leitura
do texto dessa Convenção vê-se que a deficiência “uma restrição física, mental ou
sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer
uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo
ambiente econômico e social”. Nota-se que a definição é bastante abrangente e não
restritiva.
Certamente, as autoridades do Poder Executivo federal que editaram tal
norma – o Decreto 3.298/99, que dispõe sobre a Política para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência – não agiram com generosidade e provavelmente
estavam mais preocupadas com as despesas previdenciárias e orçamentárias que
adviriam a partir dos pleitos dos cidadãos acometidos de deficiência mental não
congênita, do que com a necessária política de integração social. Em vez de integrar
todas as pessoas com deficiência mental congênita ou adquirida, preferiram excluir
estas últimas. Mais uma vez prevaleceu o pensamento neoliberal.
Todavia, aos profissionais do direito, quando da aplicação das leis, caberá
interpretá-las sem fracionamentos preocupando-se com seu espírito. Se a lei
7.853/89 nasceu para dar apoio às pessoas com deficiência e promover sua
integração social, o decreto regulamentador da referida lei não poderia restringir tais
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direitos. Essa lei tem cunho social e sua interpretação deverá ser extensiva e não
restritiva. O Ministério Público deveria até mesmo insurgir-se contra essa exclusão
discriminatória que viola dispositivos constitucionais de proteção às pessoas com
qualquer deficiência.
O novo Código Civil Brasileiro, Lei federal nº 10.406/2002, no capítulo em que
trata da capacidade das pessoas, aboliu a expressão “loucos de todo o gênero” e a
substituiu por “os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem
discernimento para a prática desses atos” (art.3º-II).
As
palavras
deficiência/deficientes,
incapacidade
civil
ou
laboral,
enfermidade/transtorno, carente/necessitado, são sempre muito importantes na
definição legal dos direitos e deveres de cada pessoa humana. A linguagem nesse
campo vem sofrendo inúmeras alterações provocando mais problemas do que
soluções.
Os problemas burocráticos, por exemplo, surgem quando os portadores de
enfermidade/transtorno mental (psicoses), ou seja, transtornos psíquicos adquiridos
após o nascimento, entre eles, a esquizofrenia, o transtorno afetivo bipolar (outrora
denominada psicose maníaco-depressiva) a depressão severa, requerem para si
seus direitos ou mesmo benefícios previdenciários, pois não são consideradas
“pessoas com deficiência mental”. A única exceção para patologia mental dá-se com
relação à esquizofrenia, nos casos em que a doença provoca seqüelas mais graves.
No entanto, os que convivem com pessoas acometidas de enfermidade mental
sabem perfeitamente como é possível após os primeiros anos de tratamento mudarse o diagnóstico de transtorno bipolar para esquizofrenia e vice-versa. Por outro
lado, muitas dessas doenças mentais surgem na infância e adolescência, portanto
antes dos dezoito anos e raramente são diagnosticadas nesse período.
Apesar de tantas incertezas, no entender de zelosos agentes do poder
público, bem como de muitos profissionais da área da saúde, essas pessoas apenas
estão doentes e, quando bem medicadas e recebendo atendimento psicoterapêutico
curam-se e podem tocar a vida normalmente, portanto, não se enquadram nas
exigências legais, pois não são pessoas com deficiência. Aliás, também no
entendimento deles próprios - os portadores de transtornos mentais - há os que
vêem a palavra deficiente com preconceito. Nesta situação, repetem o chavão de
que se equiparam a quaisquer outros doentes tais como os hipertensos, renais,
diabéticos etc.
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Este argumento – de que a doença mental não é diferente da doença física é muito utilizado pelos médicos psiquiatras para amenizar a dor daqueles que
recebem o diagnóstico de doença mental. Pode ser uma forma inteligente de
convencer o paciente e seus familiares a aceitar a realidade e o tratamento de uma
doença crônica. Todavia, não podemos nos esquecer de um importante diferencial
entre sofrer de diabetes e sofrer de esquizofrenia: a doença mental prejudica o
entendimento intelectual e altera comportamento. Muitos enfermos mentais durante
suas vidas perdem o discernimento e conseqüentemente a autonomia, ainda que
por curtos períodos de tempo.
Bom seria se os medicamentos psiquiátricos fossem poções mágicas que,
após serem ingeridos, colocassem a pessoa enferma em completo bem estar físico,
mental e social. A realidade, entretanto, é que muitos portadores de transtorno
mental, apesar de bem tratados do ponto de vista terapêutico, dependendo do grau
de comprometimento provocado pela doença, têm limitações para muitas tarefas,
tais como, por ex., lidar com dinheiro, relacionar-se socialmente criando vínculos,
memorizar dados, observar pontualidade nos compromissos pois têm dificuldades
em despertar pela manhã, encontrando-se sempre sonolentos devido aos efeitos
colaterais dos medicamentos. Estarão aptos para algumas atividades sociais,
todavia com limitações que são sérios obstáculos para conquistarem bons
emprêgos.
Há, de fato, portadores de transtorno mental perfeitamente aptos para algum
trabalho – tal qual muitas pessoas com deficiência mental/intelectual congênita desde que não sejam submetidos a situações estressantes e não se exija deles
horários rígidos. O empregador deve estar ciente dessas condições especiais. Mas,
não tem sido fácil encontrar empregadores dispostos a contratá-los, uma vez que há
milhões de brasileiros saudáveis desempregados. No cômputo geral, resta-lhes
apenas os subempregos ou trabalho informal. Há iniciativas governamentais
inspiradas na economia solidária, tentando encaminhar essas questões através da
criação de cooperativas sociais nos termos da Lei 9.867/1999, porém é preciso dar
tempo ao tempo.
Oferecer atendimento especializado apenas àquelas pessoas com deficiência
mental congênita é discriminar os portadores de transtorno mental de natureza
grave. Ambos pertencem a grupos vulneráveis. Fala-se tanto em inclusão social e,
no entanto, como é possível que muitos Promotores de Justiça que atendem aos
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denominados PcD (pessoas com deficiência) excluam de sua atribuição funcional o
atendimento daqueles que por conta de doença mental têm limitação em sua
autonomia e também necessitam de ajuda e esclarecimentos sobre seus direitos?
Trata-se de um grave equívoco essa prática de corte radical entre as pessoas
com deficiência mental congênita e os enfermos mentais graves. Separar aqueles
que não tiveram completo desenvolvimento mental antes dos dezoito anos daqueles
que adoeceram após essa data, pode ter sua relevância para as ciências da área da
saúde, todavia, para as questões jurídico-sociais essas condições pessoais não têm
a mesma importância, pois ambos têm limitações na autonomia e da mesma forma
estarão sujeitos a internações involuntárias nos quadros agudos, por exemplo.
Ademais, afirmar-se que a deficiência mental em si não é uma patologia é um
exagero, considerando-se que se trata de uma anomalia genética, pois foge ao
padrão de normalidade – por excesso ou escassez funcional que faz sofrer – sendo,
portanto, uma enfermidade. E esta é uma discussão que convém aos fisiologistas,
não aos juristas.
A deficiência mental/intelectual congênita (síndrome do down, síndrome do X
frágil, etc) não se origina de doenças psiquiátricas. A epilepsia e o autismo também
não são considerados doenças mentais. Todavia, como todas essas patologias
cerebrais podem provocar limitações na autonomia pessoal tal qual algumas
enfermidades mentais, todas as pessoas acometidas desses males devem ser
tratadas pelo Direito igualmente como pessoas com deficiência mental/intelectual.
Até mesmo porque a ausência de enfermidade não significa que uma pessoa seja
saudável e, o que importa no campo jurídico é a realização concreta dos direitos
humanos.
Essa prática de segmentação reducionista acaba reforçando o preconceito
social, pois é muito comum em nossa sociedade dizer-se que “meu familiar não é
louco, apenas nasceu com um problema genético”, sem que essas pessoas
percebam que estão estigmatizando aqueles outros que tiveram a infelicidade de
adoecer mentalmente ao longo da vida. E vice-versa, pois muitos enfermos mentais
– e também seus familiares - destacam o fato de serem apenas doentes sob
tratamento médico e não portadores de defeitos genéticos. Aliás, insistem em
salientar que são muito inteligentes, dando a entender que os “deficientes” já não o
seriam, ignorando-se que as inteligências humanas são múltiplas.
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Se a lei não faz essa distinção por que os membros do MPE insistem em
fazê-la? Essa interpretação restritiva focada na definição de um Decreto,
desprezando-se até mesmo as declarações internacionais específicas, levará ao
seguinte absurdo: a internação involuntária de uma pessoa com deficiência mental
será da atribuição da Promotoria responsável pelas PcD e a internação involuntária
de uma pessoa portadora de transtorno mental será da atribuição da Promotoria
responsável pela cidadania.
Se a matéria é a mesma – insanidade mental e limitação de atividades e
autonomia - a atribuição funcional, racionalmente, deveria ser incumbência de uma
só Promotoria.
III – DEPENDÊNCIA QUÍMICA: álcool e outras drogas
É um erro tanto do Estado quanto de nossa sociedade não priorizar o
tratamento relativo ao alcoolismo e o uso de drogas nas políticas públicas de saúde
mental, pois a dependência química gera condutas que costumam desencadear
problemas psiquiátricos importantes ao longo do tempo, com total desestruturação
familiar.
Os alcoólicos e toxicômanos são pessoas enfermas que, costumeiramente,
são internadas em clínicas psiquiátricas. Não é razoável que assim seja, mas dada a
notória falta de opção de locais específicos para tratamento de casos sérios de
dependentes crônicos em estados de total comprometimento da saúde física e
psíquica, acaba sendo a única possibilidade. A internação desses pacientes não
deve ser longa e, via de regra, é importante que a pessoa seja convencida a tratarse.
Por outro lado, é bastante freqüente que os usuários de álcool e drogas
sofram de males psíquicos ainda não diagnosticados e façam uso dessas
substâncias para aplacar o mal estar e um desajustamento social que sentem
constantemente. Daí acabam caindo na armadilha da dependência química. Os
problemas psiquiátricos acabam sendo escamoteados pelo uso de substâncias
psicoativas.
Há linhas de tratamento na área da saúde que defendem a necessidade de
internação de dependentes químicos por um período de, aproximadamente, trinta
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dias para a perfeita eficácia terapêutica. Baseiam-se no fato de que o afastamento
social do paciente propicia não só sua desintoxicação mas também a própria
conscientização de seu estado de saúde.
Se não houver estabelecimentos clínicos públicos próprios para essas
internações, para onde seguirão essas pessoas e seus familiares? Hoje em dia
aqueles que não têm planos de saúde que acobertem essas clínicas de recuperação
estão em estado de completo abandono social e estigmatizados como “arruaceiros”.
IV – DIREITOS HUMANOS: multidisciplinariedade; limites do poder médico
psiquiátrico frente ao poder do juiz de direito, do promotor de justiça, da família, dos
psicólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e do próprio
paciente.
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República
federativa brasileira, conforme dispõe o inciso III do artigo 1º da Constituição
Federal. Assim sendo, todos os profissionais que se ocupam de um paciente com
sofrimento mental, deverão tratá-lo acima de tudo com humanidade e respeito.
Devem, também, desenvolver a paciência, tolerância e compaixão, que são virtudes
necessárias para a melhor compreensão desse paciente que na maioria das vezes
não se comporta adequadamente.
Cabe sempre lembrar que nunca deveremos subestimar a inteligência das
pessoas com deficiência ou enfermidade mental. Sempre deveremos nos dirigir
primeiro a elas quando queremos comunicar-lhes algo e depois ao seu
acompanhante, mormente quando o deficiente ou enfermo mental for pessoa adulta.
È uma questão de respeito.
Sabe-se, todavia, que muitos embates se dão nos bastidores dos
estabelecimentos psiquiátricos entre os profissionais dos distintos campos
científicos: medicina, psicologia, enfermagem, serviço social, terapia ocupacional. E
outros tantos embates se dão entre esses profissionais da área médica e os
familiares do paciente, bem como com advogados, juízes de direito e promotores de
justiça. O paciente é o que menos conta nessas horas de luta pelo poder
corporativo.
O médico detém o conhecimento acerca da enfermidade e da deficiência
mental. Ninguém negará isso pois é seu campo de estudo e pesquisa, muito embora
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os psicólogos também estudem essa mesma matéria sob outro enfoque. Entretanto,
nos casos de prolongamento da internação involuntária de um paciente, o médico
não deveria recusar-se a trocar idéias com juízes de direito e promotores de justiça,
uma vez que se trata de impedir a locomoção - portanto uma restrição de direito - de
alguém que momentaneamente não está em pleno gozo da sua capacidade mental.
Nesses casos não há que considerar essa intervenção como invasão de sua área de
trabalho. O diálogo entre esses profissionais é a melhor forma de entendimento.
Quando não há diálogo franco entre essas pessoas, todos restringem-se a
discursar usando a linguagem técnica de sua ciência e daí não conseguem
comunicar-se eficientemente com os colegas profissionais de outros distintos
campos do saber. Essa visão compartimentada da ciência humana por especialistas
provoca grandes prejuízos aos direitos dos enfermos. A estes, em geral, ninguém
pede opinião alguma nem mesmo sobre como se sentem, se têm algo a dizer ou
não. O paciente tem direito de saber porque está sendo internado. Se irá aceitar e
compreender esse fato é outra questão.
Por isso surgiu a necessidade da Comissão Revisora Multiprofissional
prevista na Portaria/SAS nº 2391/2002 do Ministério da Saúde. Esse corpo de
revisão deveria ter constado do texto da Lei 10.216 (constava do projeto de lei), mas
não foi aprovado pelo Congresso Nacional.
A criação desse órgão está respaldada nos Princípios para a Proteção de
Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a Melhoria da Assistência à
Saúde Mental estabelecidos pela Assembléia Geral das Nações Unidas em
17.12.1991, e que foram adotadas pelo Conselho Federal de Medicina brasileiro em
08.06.1994 através da Resolução CFM 1.407/94. O princípio 17 assim dispõe: “ 1. O
corpo de revisão deverá ser um órgão independente e imparcial, judicial ou outro,
estabelecido pela legislação nacional e funcionar de acordo com procedimentos
prescritos pela mesma. Deverá, ao formular suas decisões, ter a assistência de um
ou mais profissionais de saúde mental qualificados e independentes e levar em
consideração suas recomendações.”
É de observar-se, todavia, que uma Portaria ministerial não tem a força de lei
para obrigar a participação do Ministério Público Estadual nessas Comissões. Os
membros do Ministério Público agem em função de lei emanada do Poder
Legislativo. Mas nada impede que o MP possa aceitá-la como um convite
considerada a importância social de sua participação nessa Comissão. A
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deliberação de integrar ou não a Comissão Revisora, entretanto, será de cada
Promotor.
V - INTERNAÇÕES PSIQUIÁTRICAS: voluntária, involuntária e compulsória.
São raras as internações voluntárias e, quando ocorrem é comum o médico
perceber que a pessoa não está nada bem e, via de regra, essa internação acaba se
transformando em involuntária devido a gravidade do estado psíquico do enfermo.
Embora tenha de fato internado-se de “livre e espontânea vontade” num
estabelecimento psiquiátrico, na maioria das vezes não será possível atender ao seu
pedido de retirar-se quando assim bem o desejar. A alta médica se dará pela
decisão do profissional médico que cuida dessa pessoa ou sob a responsabilidade
de algum familiar do paciente.
Quanto às internações feitas contra a vontade do paciente sempre se darão
por ordem médica em face de condições sérias em que a pessoa ofereça perigo
para si própria (um possível suicídio, p.exemplo) ou quando ofereça perigo para a
vida de outrém (dirigir veículo em vias públicas sem ter noção correta do que está
fazendo ou, também ameaçar tocar fogo na própria casa onde mora com parentes,
p.exemplo).
Os casos de internação compulsória são decididos pelo Poder Judiciário,
decisões estas sempre baseadas em laudo médico psiquiátrico.
Sempre é bom lembrar que a grande maioria dos médicos psiquiatras são
profissionais responsáveis e apenas recomendam internações quando assim
entendam cabíveis. Não são todos algozes que estão a serviço do mal. Parece
ridículo afirmar-se isto, mas é preciso dizer pois o preconceito está arraigado na
sociedade. Por outro lado, é bom que se diga que não são todas as famílias que
rejeitam seu familiar enfermo psiquicamente, mas muitas vezes é o próprio doente
que rejeita sua família até por conta do embotamento afetivo provocado pelo
transtorno mental ou até mesmo movido pela raiva que sente de tudo e de todos. É
bastante comum o enfermo exaltar-se exatamente diante da pessoa que ama.
Ademais, devemos sempre levar em consideração que as pessoas com
sofrimento mental muitas vezes pertencem a famílias disfuncionais, seja por fatores
sócio-ambientais ou genéticos. Nessas circunstâncias fica complicado colocar o
enfermo aos cuidados apenas de seus familiares, pois com certeza haverá conflitos
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que poderão ocasionar o agravamento do quadro. É preciso que o Poder Público e a
comunidade local mantenham equipamentos “residenciais” que abriguem pessoas
enfermas que não possuam dinheiro e que, por alguma circunstância, não possam
contar com seus familiares ou até mesmo escolham não conviver com eles. Essa é
uma atitude racional e humana. Não podemos tapar o sol com a peneira.
Há um mar de incompreensões no campo da saúde mental. O fenômeno da
negação está sempre presente. Por isso a sociedade precisa receber muitas
informações de qualidade sobre essas questões de insanidade mental que, não
raras vezes, surgem desde a infância da pessoa e ninguém dá importância. O
quadro clínico do indivíduo vai pouco a pouco se agravando e a família toda acaba
se desestruturando sem nem mesmo perceber o porquê.
Nas sábias palavras do escritor Tolstoi: “Todas as famílias felizes se
assemelham; cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”
VII - CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
A orientação recente do Ministério da Saúde - acessível na página da internet
www.saude.gov.br ou www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/index.asp - fornecida
aos gestores municipais é de construção de uma rede de saúde mental que leve em
conta a população e as demandas locais, constituindo-se de ações na atenção
básica, CAPS, serviços residenciais terapêuticos (SRT), leitos em hospitais gerais,
ambulatórios, bem como o Programa de Volta para Casa. Essa rede deve funcionar
articulada, tendo os CAPS como serviços estratégicos na organização de sua porta
de entrada e de sua regulação.
Os CAPS podem ser de vários tipos dependendo do porte populacional do
município: I, II, III, Álcool e Drogas (CAPS AD) e infanto-juvenil (CAPSI).
O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) são casas localizadas no espaço
urbano, constituídas para responder as necessidades de moradia de pessoas com
transtornos mentais graves egressas de hospitais psiquiátricos ou hospitais de
custódia e tratamento psiquiátrico que perderam os vínculos familiares e sociais;
moradores em situação de rua portadores de transtornos mentais severos desde
que inseridos em projetos terapêuticos acompanhados nos CAPS. O número de
usuários em casa SRT poderá variar de uma pessoa até um pequeno grupo de no
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máximo 8 (oito) pessoas, que deverão contar com suporte profissional sensível às
demandas e necessidades de cada um.
Os SRTs deverão estar vinculados aos CAPS ou outro serviço ambulatorial e
terão prioridade na implantação de suas unidades os municípios sede de hospitais
psiquiátricos e com CAPS.
O Programa De Volta Para Casa tem por objetivo garantir a assistência, o
acompanhamento e a integração social fora da unidade hospitalar, de pessoas
acometidas de transtornos mentais com história de longa internação psiquiátrica – 2
(dois) anos ou mais ininterruptos em instituições psiquiátricas, Hospitais de Custódia
ou residência terapêutica. É parte integrante deste Programa o auxílio-reabilitação
no valor de R$240,00 mensais, pagos ao próprio beneficiário durante um ano,
podendo ser renovado se necessário.
No que tange ao programa de atenção a álcool e outras drogas, a política
pública também prevê a constituição de uma rede articuladas com os CAPSad e os
leitos para internação em hospitais gerais (para desintoxicação e outros
tratamentos). Haverá Serviços Hospitalares de Referência para Álcool e outras
Drogas (SHRad) para os municípios com população acima de 200.000 habitantes,
visando a redução de internações de alcoolistas e dependentes de outras drogas em
hospitais psiquiátricos.
Esses serviços estarão localizados somente em hospitais gerais e poderão
contar com, no máximo, 14 (catorze) leitos.
VII - LEI 10.216/2001, ARTIGO 8º, § 1º : “A internação involuntária deverá, no
prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo
responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse
mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta”
Esse mandamento legal é salutar haja vista que internar alguém contra sua
própria vontade devido a perturbação mental é ato que se assemelha a uma
detenção e que precisa, portanto, ser comunicado com rapidez a alguma autoridade
estatal. É ato público e não privado que deva ser mantido em segredo. Não é a
mesma coisa que internar alguém que esteja momentaneamente sem consciência,
em um hospital geral devido a graves males de saúde física resultantes de acidentes
vasculares cerebrais, quedas, acidentes de trânsito etc.
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A comunicação da internação de um portador de transtorno mental ao MP
servirá até mesmo de proteção para o profissional médico, pois assim agindo ele
estará a salvo de uma leviana acusação de prática do crime de cárcere privado
(art.148 do Cód. Penal), conduta bastante usual entre aqueles que não se
conformam com a sua própria internação.
Os Ministérios Públicos estaduais brasileiros devem, cada um a sua maneira
peculiar e dentro de seu território, estabelecer rotinas de trabalho que facilitem a
eficiente monitoração dos estabelecimentos clínicos públicos e privados que
trabalhem com internações psiquiátricas, até mesmo porque a lei não previu sanção
penal para os casos de descumprimento legal, ou seja, a não comunicação de
internações involuntárias por parte da direção dos estabelecimentos clínicos sequer
gera multa.
O Promotor de Justiça incumbido dessas atribuições em cada Comarca
obterá ótimas informações para seu trabalho ao aproximar-se:
a) dos Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, fazendo visitas
periódicas a esses órgãos colegiados paritários e democráticos sempre que
possível, bem como participando eventualmente de suas reuniões ordinárias. Muitas
vezes dentro desses Conselhos há Comissão ou Grupo de Estudo encarregado dos
assuntos da Reforma Psiquiátrica;
b) dos profissionais da Vigilância Sanitária local pois estes têm poder de
polícia para efetuar a interdição de estabelecimentos irregulares que abrigam
pessoas (recomendação dada pelo Procurador-Geral de Justiça do est. de SP,
através do Aviso nº 635, de 24.11.203, Assento nº 6);
c) dos colegas do Ministério Público Federal. É indispensável estabelecer
rotinas de trabalho em conjunto, pois o MPF também tem atribuições relativas às
questões de saúde pública e de direitos humanos;
d) das faculdades de medicina locais que tenham departamentos de
psiquiatria e, também, das faculdades de psicologia, pois os professores e
estudantes poderão contribuir na elucidação de dúvidas.
Essa fiscalização transindividual feita pelo MPE não poderá excluir o
acompanhamento do interno individualmente, considerando-se que uma pessoa
enferma pode permanecer internada por um determinado período em um
estabelecimento clínico, receber alta médica e logo a seguir ser novamente
internada em outro estabelecimento, cumprindo um ciclo de internações infindáveis
15
dentro do próprio município, em vários municípios vizinhos e até mesmo em outros
estados.
Com o auxílio da informática poder-se-ão desenvolver softwares adequados
para a obtenção de dados e realização de mapeamento completo de todos esses
estabelecimentos psiquiátricos públicos e privados nos limites territoriais do próprio
estado. Esta sugestão baseia-se na recomendação feita pelo PGJ do MP estadual
de SP através do Aviso nº 429, de 20.08.2003, Assento nº 4.
Com tais dados nas mãos, os membros do MP poderão contribuir
enormemente para evitar uma possível nova sentença condenatória como a que o
Brasil acaba de receber – 04.07.2006 – da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, no caso de Damião Ximenes Lopes um deficiente mental que faleceu em
4 de outubro de 1999, em conseqüência dos maus tratos recebidos durante os
poucos dias – três - em que esteve internado na Casa de Repouso Guararapes, no
município de Sobral, estado do Ceará.
Além disso, terá condições para, democraticamente, sugerir ao Poder
Executivo local a celebração de convênios inter-municipais, evitando-se assim
dispêndio de verbas públicas e eventual ociosidade de leitos ou outros
equipamentos públicos, bem como facilitando a própria monitoração das pessoas
internadas.
De outra parte, o Ministério Público estadual deve aproximar-se cada vez
mais dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátricos, onde internos cumprem
medidas de segurança impostas pelo Poder Judiciário, pleiteando até mesmo a
instalação dessas unidades nas localidades onde ainda não existam. Uma das
falhas da lei 10.216/2001 é exatamente ter silenciado a respeito das pessoas
encarceradas.
Dentre aqueles Princípios estabelecidos pela ONU e que foram acima
mencionados, encontramos o de nº 20 que se refere aos infratores da lei: “2. Essas
pessoas devem receber a melhor assistência à saúde mental disponível, como
determinado no Princípio 1. Estes Princípios serão aplicados a elas na maior
extensão
possível,
com
modificações
e
exceções
limitadas
apenas
por
necessidades circunstanciais. Nenhuma dessas modificações e exceções deverá
prejudicar os direitos da pessoa no que diz respeito aos instrumentos mencionados
no parágrafo 5 do Princípio 1.”
16
A praxe induz a que essa fiscalização se dê por Promotores de Justiça da
área criminal, todavia seria de grande valia a gradual mudança de atribuição para os
Promotores Cíveis, conforme sugestão dada pela psicóloga Sra. Odete M. Lanzotti,
que dirigiu por longos anos o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do
estado de São Paulo, considerando-se que os internos não são pessoas criminosas
no exato sentido técnico do termo e, enquanto estiverem internados cumprindo
medidas de segurança, necessitarão de assistência médica e possivelmente de
interdição civil judicial.
Essa proteção civil – a interdição - é um direito humano ao contrário do que
apregoa o senso comum que abomina essa possibilidade. Muitas vezes o portador
de enfermidade mental possui alguma propriedade imóvel mesmo que de pouco
valor econômico ou mantém conta bancária e acaba perdendo seu patrimônio por
descuido ou vilania de terceiros. Ademais, se foram declarados insanos
mentalmente
e
receberam
medidas
de
segurança,
alguém
deveria
ser
imediatamente nomeado seu curador provisório e assumir a responsabilidade de
cuidar de seus interesses.
As Escolas Superiores do Ministério Público devem oferecer cursos que
proporcionem aos membros do Ministério Público melhor conhecimento a respeito
não só das patologias mentais como também da eficiência e efeitos colaterais
provocados pelos medicamentos neurolépticos e benzodiazepinicos. A sociedade
precisa estar atenta a essas questões, sob pena de trocar a internação asilar pela
overdose medicamentosa.
As conquistas das pesquisas científicas na área química de fato tem levado
alento à vida dos enfermos mentais e, por conseqüência, de suas famílias.
Entretanto, a sociedade brasileira precisa estar melhor informada sobre os efetivos
progressos da indústria química, uma vez que há – no mundo todo – graves
denúncias a respeito de “maquiagens” feitas em medicamentos antigos com
“roupagens” novas com o evidente propósito dos laboratórios na elevação dos
preços no mercado para a obtenção de lucros indevidos.
Estamos vivendo em plena era de desvendamento dos mistérios contidos no
funcionamento do cérebro humano, escopo da neurociência, e os membros do
Ministério Público precisam ter ao menos noções básicas atualizadas sobre esse
campo científico que examina de perto as bases bioquímicas do comportamento
humano.
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O livre arbítrio nem sempre é tão livre assim como nos leva a pensar o senso
comum e a doutrina do Direito.
18
VIII – CONCLUSÃO
“Há mais coisas entre o céu e a terra,
do que pode sonhar tua filosofia.”
William Shakespeare
A se levar em conta as notícias dos jornais brasileiros a desativação de leitos
destinados às internações psiquiátricas não está sendo acompanhada da
correspondente e imediata ampliação da rede de atendimento ambulatorial de
psiquiatria, seguida de abertura de comunidades terapêuticas, hospitais-dia ou noite,
Centros de Atenção Psicossocial suficientes para cada município. Podemos concluir
então, que o setor de saúde mental não está sendo bem cuidado nem pelo Estado
nem pela sociedade brasileira.
Essa situação precária é cruel e provoca muita dor. É a total falta de respeito
para com os cidadãos deficientes ou enfermos mentais. Neste momento, está sendo
muito difícil para uma família conseguir socorrer seu parente que necessite de
internação hospitalar de curta duração que seja, até para sua própria segurança e
também para que possa conscientizar-se da rotina prescrita para seu tratamento
médico, uma vez que é muito comum o paciente recusar-se a ingerir medicamentos
ou ameaçar tomá-los todos de uma só vez.
Entendo que a política de redirecionamento da assistência psiquiatria para os
cuidados primários de saúde está correta, mas equivoca-se no que tange a extinção
paulatina de todo e qualquer hospital psiquiátrico público. Esta decisão política não é
a melhor. Sabemos que os trágicos fatos ocorridos nos manicômios asilares acabou
gerando um sentimento geral de repúdio à psiquiatria. Todavia, não se pode “jogar a
criança junto com a água do banho”.
Uma das providências para se evitar maus tratos aos pacientes é propiciar um
melhor treinamento e capacitação dos funcionários dos hospitais – dos CAPS,
inclusive – bem como a manutenção de um número suficiente de pessoas para
cuidar dos internos. O Poder Público precisará investir em recursos humanos. E a
população brasileira precisa cobrar mais solidariedade da classe abastada, que
deveria investir pesado em instituições filantrópicas comunitárias que se ocupassem
da assistência à saúde mental.
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Todas as pessoas lúcidas deste país rejeitam a manutenção e a existência
desses antigos e enormes hospícios que mais se assemelhavam a um “depósito de
gente”. Porém, essa rejeição não pode ser irracional e ir ao encontro do popular
preconceito para com a psiquiatria. Essa atitude apenas virá reforçar a negação
dessa especialidade médica pelas pessoas. Insistir em que o atendimento
psiquiátrico de urgência seja feito apenas em Hospitais Gerais é atitude insensata. A
realidade é que poucos médicos clínicos reconhecem sinais de insanidade mental,
pois não foram educados para isso. Que se dirá dos funcionários.
Parece que estamos vivenciando tempos de total negação social à insanidade
mental. As pessoas e muitos profissionais da área estão convencidos de que lidar
com uma pessoa com deficiência ou enfermidade mental é tarefa simples: basta dar
remédio e carinho; que os deficientes e enfermos mentais não necessitam nunca de
internações prolongadas pois suas famílias podem cuidar deles perfeitamente. Por
certo nunca conviveram com uma pessoa em surto psicótico grave ou com alguém
acometido de demência. É complexo e exaustivo.
Essa atitude social nos faz lembrar o retrocesso que a sociedade mundial
sofreu por determinado período – entre o fim do século 19 e início do século XX –
quando uma determinada vertente pedagógica conquistou corações e mentes e,
durante décadas, impôs às pessoas surdas o aprendizado da fala através da leitura
de lábios, em detrimento do aprendizado da língua de sinais. Restou um enorme
prejuízo pessoal e social, além do inútil sofrimento humano.
Por acaso com essa posição radical iremos eliminar toda e qualquer
internação psiquiátrica? Por acaso são poucos os seres humanos que padecem de
grave sofrimento mental e em algum momento de suas vidas necessitarão de
contenção e internação hospitalar? Se assim não é, então por que a recente Lei
10.216/2001 previu o controle dessas internações inclusive? Certamente porque
elas são e serão inevitáveis, infelizmente.
Seria razoável extinguirmos o Hospital do Câncer, por exemplo? Por que a
especialidade médica – a psiquiatria – não pode ter hospitais públicos próprios com
pronto-socorro ininterrupto tal qual as outras especialidades têm: Hospital do
Coração, Hospital do Fígado, etc?
Se a eliminação desses hospitais se dá pelo horror ao passado recente e ao
estigma deixado, então mais razoável seria acompanharmos os adeptos da
linguagem politicamente correta e mudarmos sua denominação: de hospital
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psiquiátrico para Hospital de Saúde Mental. Quem sabe assim a população brasileira
e os demais profissionais da área da saúde aceitassem melhor essa terminologia e o
atendimento imediato aos deficientes e enfermos mentais seguiria sendo feito a
qualquer hora do dia e da noite em hospitais especializados nessa patologia, tendo a
possibilidade de internar-se para um tratamento eficaz com duração dentro do
razoável.
Tanto os médicos-psiquiatras como os demais profissionais da saúde mental
não poderão omitir-se diante de situações estressantes que levam os funcionários
da clínica a conter os internos usando métodos violentos e até mesmo pedindo
ajuda de outros internos. Nisto não poderá haver tolerância com ninguém.
A exigência legal da comunicação de toda internação involuntária ao
Ministério Público Estadual poderá contribuir em muito para a eliminação da
possibilidade de maus tratos aos internos. Desde, é claro, que os membros do
Ministério Público não façam um controle apenas formal e burocrático. Se assim
agirem, um dia perderão a autoridade moral que detêm hoje, tal qual perderam os
médicos psiquiatras que se omitiram frente a estados de verdadeira calamidade
vivenciados em antigos manicômios, por acharem que não tinham nada a ver com
questões da administração hospitalar.
Oxalá em futuro próximo a sociedade brasileira possa encontrar uma boa
solução para o atendimento digno dos deficientes e enfermos mentais que buscam
ajuda médica e psicológica, sem ilusões e negação da realidade. Se a
recomendação médica for de internação breve, média ou prolongada, que os
enfermos recebam o melhor tratamento. Isto é possível.
E aos Ministérios Públicos Estaduais caberá a difícil decisão de organizarem
essa nova e complexa função, distribuindo atribuições funcionais entre as diferentes
Promotorias e encontrando uma solução plausível para a dicotomia deficiência
mental e enfermidade mental.
SP, janeiro de 2007.
Inês do Amaral Büschel,
Promotora de Justiça do estado de SP, aposentada;
Mestre em Comunicação e Educação,
associada ao Movimento do Ministério Público
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Democrático: www.mpd.org.br
22
LEITURAS RECOMENDADAS:
ASSIS, Machado de. “O Alienista”. Editora Martin Claret: SP, 2006.
BASAGLIA, Franco. “A instituição negada”. Edições Graal: RJ, 1985,
1ª edição.
DAMÁSIO, Antonio. “ O Erro de Descartes”. Cia. das Letras: SP, 1996.
DESVIAT, Manuel. “A Reforma Psiquiátrica”. Editora Fiocruz: RJ, 1999.
ERASMO DE ROTERDAM. “Elogio da Loucura”. Edit. Martins Fontes:
SP, 2004.
FIKS, José Paulo; SANTOS Jr. Andrés. “No avesso da tela: a psiquiatria pelo
cinema”. Editorial Lemos:SP, 2006.
FOUCAULT, Michel. “O Poder Psiquiátrico”. Editora Martins Fontes:
SP: 2006, 1ª edição.
_________________. “A História da Loucura”. Editora Perspectiva:
SP, 1997, 5ª edição.
GOFFMAN, Erving. “Manicômios, Prisões e Conventos”. Editora Perspectiva:
SP, 2001, 7ª edição.
LOUZã NETO, Mário Rodrigues. “Convivendo com a Esquizofrenia - Um guia
Para portadores e familiares” Editorial Prestígio/Ediouro: SP, 2006.
PESSOTTI, Isaias. “O Século dos Manicômios”. Editora 34: SP, 1996,
1ª edição.
23
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