O papel da contabilidade e o mercado financeiro

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O papel da contabilidade e o mercado financeiro
O papel da contabilidade
e o mercado financeiro
André Taue Saito1
José Roberto Ferreira Savoia2
Resumo
O trabalho discute a relação entre o papel da Contabilidade e o mercado financeiro. A sua
relevância é explicada pelos diferentes interesses de gestores, investidores, acionistas,
credores e Governo, entre outros stakeholders, por informações confiáveis e atualizadas
sobre a condição econômico-financeira da firma. Os pilares que sustentam o estudo são: o
reconhecimento da relação existente entre Finanças e a Teoria de Contabilidade, a evolução do papel desempenhado pelos profissionais da área contábil e a importância dos impactos das informações contábeis para os agentes econômicos. O trabalho busca contribuir ao observar que o papel da Contabilidade precisa considerar as diferentes necessidades dos stakeholders, e não, exclusivamente, as métricas contábeis de rentabilidade.
Palavras-chave: Informação contábil. Finanças. Mercados financeiros.
The role of accounting in financial marks
Abstract
This paper discusses the relation between accounting and financial markets by showing
that the relevance of this relation is clearly stated by the different interests of managers,
investors, shareholders, creditors, and the government, among other stakeholders due to the
fact that it gives them updated and reliable information about the financial condition of
the company. The study is supported by three pillars: relation between finance and the
accounting theory, evolution of the role played by professionals in this area; and the
importance of the impact of the accounting information for the economic agents. The
results suggest that stakeholders demand different financial information in order to assess
company performance. This work contributes by highlighting that accounting must consider
the different needs of stakeholders and not solely financial metrics of profitability.
Key words: Accounting information. Finance. Financial markets.
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Mestre em Administração pela FEA/USP. [email protected]
Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo – USP. Professor do Departamento de Administração pela FEA/USP. [email protected]
Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 6, n. 6, p. 7-21, jan./dez. 2009
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André Taue Saito e José Roberto Ferreira Savoia
Introdução
O diálogo entre Administração e Ciências Contábeis é um tema
que possibilita reflexões acerca de duas áreas importantes do conhecimento. A globalização dos mercados, a inserção do Brasil nesse
processo e a constante preocupação relativa à adaptação dos demonstrativos financeiros das empresas ao padrão internacional são fatos
que evidenciam a relevância de trabalhos que estimulem tal diálogo.
Assim, compreender a relação entre o papel da Contabilidade e o
mercado financeiro é objetivo do presente trabalho, e seu estudo se
justifica pelo interesse de gestores, investidores, acionistas, credores e
governo, entre outros stakeholders, por informações confiáveis e atualizadas sobre a condição econômico-financeira das empresas.
Nesse sentido, é feita uma análise, cujos pilares são o reconhecimento da relação existente entre Finanças e a Teoria da Contabilidade,
a evolução do papel dos profissionais do segmento e a importância dos
impactos das informações contábeis para os agentes econômicos.
Dessa forma, o artigo possui caráter exploratório, pois procura
obter maiores informações sobre o assunto (MARTINS, 1997) e, para
tal, o seu desenvolvimento se dá por meio da pesquisa bibliográfica e
uma análise qualitativa das informações coletadas.
Por meio da pesquisa bibliográfica, pretende-se recolher informações sobre o campo de estudo. Markoni e Lakatos (2007) e Mattar
(1997) exemplificam que tal pesquisa envolve a procura em livros,
revistas especializadas ou não, dissertações e teses, por exemplo, de
forma a possibilitar o recolhimento, seleção, análise e interpretação as
contribuições teóricas existentes de um determinado assunto.
Como essas pesquisas permitem o exame de um objeto de estudo
sob novo enfoque ou abordagem (MARKONI; LAKATOS, 2007) o seu
emprego se justifica para uma compreensão diferenciada a respeito da
relação entre o papel da Contabilidade e o mercado financeiro.
Para tanto, o trabalho é constituído de quatro seções incluindo esta
introdução que em que são apresentados o objetivo, o método de pesquisa
e a justificativa. Na segunda seção é realizada a revisão bibliográfica que
fundamenta a análise realizada na terceira seção. O artigo se encerra na
quarta seção em que são apresentadas as considerações finais do trabalho.
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Contabilidade e controladoria:
a geração de informações ao mercado financeiro
Embora se observe na história da Contabilidade a existência do
registro de transações financeiras de quatro mil anos atrás, a sistematização e a organização teórica surgiram apenas no século XIV, na
Itália, com a obra do frei Luca Paccioli denominada Summa de
arithmetica, geométrica, proportioni el proportionalitá. Esses avanços ocorridos na Itália podem ser justificados pelo progresso tecnológico, pelo processo histórico e pelo desenvolvimento econômico que,
em conjunto, estimularam a necessidade do aprimoramento dos sistemas de informação contábil, de modo a oferecer maior sustentação à
gestão financeira dos negócios, dos empreendimentos e dos projetos
que estavam florescendo na época (HENDRIKSEN; BREDA, 1999).
Nesse sentido, o desenvolvimento da Contabilidade é diretamente relacionado com o contexto histórico, de forma que esse avanço
inicial ocorreu no mesmo período do Renascimento das artes e das
ciências, da intensificação do processo de integração econômica entre
Europa e Ásia, e da implantação do sistema de colonialismo pelos
europeus em seus novos territórios (HENDRIKSEN; BREDA, 1999).
O fato de a evolução do corpo teórico estar vinculada com os problemas de cada momento histórico é também defendido por Weston
(1975), mencionado por Saito, Savoia e Famá (2006).
O plano de contas e o foco da informação contábil quanto ao conteúdo e seus usuários mudaram com o decorrer do tempo. Enquanto inicialmente era destinado ao próprio dono do empreendimento, diante do
surgimento da figura dos credores, dos investidores e a da sociedade anônima, os conceitos de transparência e disclosure das informações se desenvolveram, assim como a noção de performance dos resultados entre
os períodos. De forma complementar, a função contábil precisou ser autorregulamentada, e foram criados associações e institutos, por exemplo,
para disseminar padrões e fortalecer a credibilidade do processo de contabilização. Diante disso, princípios contábeis passaram a ser formulados
e noções como a entidade, a continuidade, a periodicidade, o conservadorismo e a unidade monetária se propagaram no mercado e são
amplamente aceitos atualmente (HENDRIKSEN; BREDA, 1999).
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Por isso, pode-se dizer que os sistemas de informações contábeis
se desenvolveram, foram padronizados e resultaram no aprimoramento da função contábil, permitindo o fortalecimento das noções de
relevância e confiabilidade dos dados, tanto em decorrência da qualidade dos procedimentos, como das questões envolvendo o comportamento ético dos profissionais do ramo.
Assim, Hendriksen e Breda (1999) afirmam que a função da
Contabilidade é prover informações que sejam úteis para os tomadores de decisões envolvendo a gestão econômico-financeira das empresas, inclusive aquelas relacionadas a investimentos e empréstimos.
Esses autores complementam essa ideia ao mencionar que as
informações contábeis permitem uma alocação ótima de recursos,
tornando possível que os investidores mantenham portfolios otimizados, de acordo com o seu perfil de risco e retorno, conforme a Teoria
de Portfolios de Markowitz.
É importante ressaltar que a diferença entre o contador e o
controller consiste no fato de o último ter uma participação mais ativa
nos processos da empresa, não se limitando somente à contabilização
dos fatos contábeis. Porém, o aspecto que os une é o sistema de informação contábil, sendo o controller responsável, como afirma Beuren
(2002), pela divulgação e disseminação das informações econômicofinanceiras, permitindo a melhor eficácia e eficiência da coordenação
dos esforços organizacionais.
O papel da controladoria é mais recente que a do contador. Dessa forma, a controladoria é uma função que representa um avanço do
papel exercido pelo profissional da Contabilidade.
Beuren (2002, p. 20) explica que “a controladoria surgiu no
início do século XX nas grandes corporações norte-americanas, com a
finalidade de realizar o rígido controle de todos os negócios das empresas relacionadas, subsidiárias e/ou filiais” e argumenta que o processo de verticalização, diversificação e expansão geográfica das organizações elevaram a complexidade das atividades empresariais, de
forma a se demandar a ampliação das funções do controller.
Esse mesmo autor discute sobre os conceitos de controladoria e de
controller, e define a primeira como uma área de responsabilidade que
“tem a função de coordenar os esforços dos gestores no sentido de garantir o cumprimento da missão da empresa e assegurar a continuidade,
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gerando informações relevantes, fidedignas e tempestivas para a tomada de decisões dos gestores” (BEUREN, 2002, p. 22). “Em relação ao último, entende-se como um profissional responsável por esta tarefa, de
modo a manter os administradores “informados sobre os eventos passados, o desempenho atual e os possíveis rumos da empresa” (BEUREN,
2002, p. 23), sob diferentes abordagens, envolvendo o controle de
gestão, o controle de resultados e o controle pessoal e cultural.
Percebe-se que essa abrangência denota a complexidade do papel exercido pela controladoria. No entanto, em relação ao usuário de
seus serviços, é importante esclarecer que, além dos gestores, há outros
grupos de interesse como acionistas, credores, governo, investidores,
por exemplo, demandantes de informações confiáveis e atualizadas.
Merchant (1997) oferece uma visão esclarecedora sobre o processo de controladoria, quando afirma que este envolve três etapas:
(a) estabelecimento de padrões de desempenho; (b) mensuração da
performance de acordo com esses indicadores; (c) contribuição para a
elaboração de planos que permitam a correção de desvios e erros
cometidos no processo.
Sobre a função exercida pelo controller, cabe comentar que as
filosofias mencionadas por Jablonsky e Keating (1997) quanto ao papel do executivo financeiro podem ser aplicadas ao papel do controller:
o enfoque Business Advocate e o Corporate Cop.
Na primeira abordagem, observa-se um profissional com uma
visão sistêmica do negócio, inserido no contexto de competitividade e
com uma postura pró-ativa, sendo, de fato, um guardião da empresa
ao atuar como agente que pode afetar positivamente a performance
organizacional.
Já a segunda é caracterizada pelo papel passivo do controller,
prevalecendo a simples função de verificar a conformidade a determinados padrões, de forma a ser realizada apenas uma tarefa de inspetoria ou de policiamento.
Em outras palavras, entende-se que a coordenação de esforços
implementada pelo controller pode ser feita sob uma ótica dinâmica e
participativa ou sob a dimensão estática e de verificação.
De qualquer modo, os sistemas de informação contábil são relevantes para o êxito da função de controller e, por isso, a credibilidade
de seus processos e relatórios é importante, pois está intimamente
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ligada à correta compreensão da situação econômico-financeira da
empresa. Além de permitir a divulgação de informações formais com
a qualidade desejada, possibilitam a elaboração de relatórios mais
adequados à condução dos negócios por parte dos gestores.
E, no contexto de profundas transformações econômicas e sociais decorrentes do processo de globalização e da intensa competição
nos mercados globais, a controladoria enfrenta desafios impostos pela
constante necessidade de atualização tecnológica em seus processos e
pela contínua evolução dos mercados, como alerta Ross (1997), na
medida em que os sistemas de controle precisam se manter confiáveis
e atualizados para os seus usuários, de modo a produzirem relatórios
relevantes e com a credibilidade desejada.
Por fim, a controladoria deve preocupar-se continuamente com a
qualidade da divulgação financeira, a qual, segundo Hendriksen e
Breda (1999), compreende os seguintes elementos: (a) definição do
público-alvo; (b) decisão quanto aos níveis de divulgação; (c) escolha
das formas de divulgação; e (e) seleção dos métodos de divulgação.
Informações contábeis e decisões financeiras
Os gestores estabelecem uma visão do negócio que norteia a
definição da missão, dos objetivos estratégicos, das estratégias, das táticas, das políticas e dos valores empresariais.
Dessa forma, Stickney e Weil (2001) explicam que esses executivos necessitam tomar suas decisões nos seguintes âmbitos: (a) decisões de financiamento; (b) decisões de investimento; (c) decisões
operacionais, relacionadas às compras, à produção, ao marketing e
aos processos administrativos.
E os relatórios financeiros – balanço patrimonial, demonstrativos
de resultados, fluxo de caixa e relatório da administração – permitem
uma visualização sobre o desempenho organizacional, sendo importantes instrumentos para os agentes econômicos (WHITE; SONDHI;
FRIED, 2003; STICKNEY; WEIL, 2001).
De acordo com Stickney e Brow (1999), os demonstrativos
financeiros retratam a performance e a saúde financeira das empresas,
possibilitando que os analistas elaborem avaliações sobre seu passado
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e projetem a situação futura, de forma a atenderem aos objetivos de
públicos como investidores, credores e fornecedores, por exemplo.
Explicam que, em uma análise econômico-financeira, é preciso observar aos seguintes tópicos: (a) características do setor de atuação; (b)
estratégia competitiva da empresa; (c) compreensão dos demonstrativos financeiros; (d) fatores que envolvem o risco e a rentabilidade
dos negócios; (e) realização do Valuation.
Diante disso, percebe-se que esse processo de análise é baseado
em fundamentos, o que, na realidade, é uma característica da análise
fundamentalista de empresas e de seus negócios.
O estudo dos relatórios e demonstrativos financeiros permite que
o mercado acumule maior nível de conhecimento sobre as empresas e
seu setor. Hendriksen e Breda (1999) argumentam que, quanto for maior
o grau de informações dos agentes sobre a situação econômico-financeira das organizações, o volume de investimentos e transações se amplia,
de modo a incrementar a eficiência e reduzir o risco dos mercados.
Por outro lado, explicam que os custos de produzir, checar e
divulgar a informação individualmente são permanentes limitações a
um modelo perfeito de mercado (HENDRIKSEN; BREDA, 1999).
Esses autores mencionam que as informações contábeis permitem
uma alocação ótima de recursos, tornando possível que os investidores mantenham portfolios otimizados, de acordo com o seu perfil de
risco e retorno.
Por isso, é significativa a relevância de estudos empíricos como
os de Ball e Brown (1968, apud WHITE; SONDHI; FRIED, 2003)
que tentam explicar a influência das divulgações dos relatórios financeiros sobre o valor das empresas, por meio da metodologia de
estudos de eventos, verificando se a hipótese de eficiência dos mercados é consistente.
Em White, Sondhi e Fried (2003), observa-se que o mercado é
eficiente na sua forma semiforte e que, além dos demonstrativos tradicionais, os agentes buscam outras fontes de informação para auxiliarem no processo de precificação de ativos. Embora se possa argumentar que os preços dos ativos já estejam ajustados quando da divulgação das peças contábeis, estas são relevantes, pois permitem que
sejam feitos reajustes e sejam aperfeiçoadas as práticas adotadas pelos
analistas na obtenção e no processamento de informação.
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Contabilização da variação cambial
e hipótese de eficiência dos mercados
Em Black (1980), é possível observar uma distinção entre os
conceitos envolvidos no processo de controladoria e no de análise
financeira. Enquanto no primeiro o foco é a geração de números e informações divulgados por meio de relatórios financeiros e úteis para a
gestão de recursos, o último é voltado para a interpretação desses
demonstrativos e de seus indicadores, a fim de avaliar e estimar-se
corretamente o valor de mercado de uma ou mais empresas.
No entanto, esse processo de avaliação de ativos pode ser prejudicado pelas dificuldades impostas pelos efeitos das variações cambiais, traduzidos pelos padrões da Contabilidade Internacional e pelas
regras de conversão entre as diversas unidades monetárias, como explicam White, Sondhi e Fried (2003).
Em relação à dificuldade de análise das operações estrangeiras,
ainda conforme os autores, os critérios contábeis norte-americanos definidos pelo SFAS 52 podem distorcer os resultados, não representando o fato econômico realmente ocorrido.
Para White, Sondhi e Fried (2003), uma das principais atividades
dos analistas financeiros é discernir os efeitos provocados pela variação cambial dos que são oriundos das alterações do nível de atividade
e performance operacional das empresas, levando-se em conta os obstáculos impostos pelas regras de conversão de moedas e a existência de
diferenças entre os métodos definidos pelo SFAS 52, e considerando
que os padrões têm o objetivo de demonstrar, ainda que de forma
aproximada, as operações ocorridas no conglomerado internacional.
De qualquer forma, em White, Sondhi e Fried (2003), há uma
ponderação de que a alteração do SFAS 8 para o SFAS 52 possibilitou que fossem minorados os casos de hedge contratados de maneira
irracional. Ou seja, houve um avanço das práticas contábeis.
Para corroborar com essa visão, uma das conclusões do estudo de
Bartov e Bodnar (1994) foi que a alteração do SFAS 8 para o SFAS 52
representou um aperfeiçoamento das práticas contábeis que, por sua vez,
podem estar relacionadas com o estabelecimento de melhores condições
de avaliação da variação cambial sobre a performance das empresas.
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Esses autores explicam que há um ponto de vista difundido de
que empresas com long position, compradas em ativos no exterior ou
com fluxos de caixa positivos em moeda estrangeira, se beneficiam
com a desvalorização do dólar e são prejudicadas quando o inverso
ocorre. Mencionam que outros autores, como Jorion (1990) e Bodnar
e Gentry (1993), tiveram resultado limitado quando analisaram a relação entre variação cambial e o valor de mercado das empresas.
Dessa forma, além de mudanças nos procedimentos de amostragem, consideraram a hipótese de que os mercados estão na sua forma
de eficiência semiforte, de modo a existir uma defasagem (lag) entre
o fato da desvalorização cambial e a mudança no preço das ações.
Concluíram que isso existe e que, inclusive, (a) investidores não utilizam todas as informações públicas disponíveis, no caso específico, de
variações cambiais, para avaliarem com maior profundidade os impactos no valor de mercado das empresas; (b) há outros fatores que
exercem maior influência no valor de mercado das empresas; (c) os
analistas superestimam os resultados das empresas, com as informações disponibilizadas sobre a variação cambial das empresas; (d) há
dificuldades para avaliar os efeitos das variações das moedas estrangeiras; (e) portanto, a reação defasada aos reflexos da variação cambial sobre os resultados das empresas existe.
Governança Corporativa e informações contábeis
O conceito de Governança Corporativa surge como resposta aos conflitos de agência entre os fornecedores de recursos e os agentes, sendo
que estes podem obter benefícios privados na utilização destes fundos.
O incremento de sua importância ocorreu no início do século
XXI, em decorrência dos escândalos contábeis nos Estados Unidos
envolvendo empresas reconhecidas como Enron, WorldCom, Xerox,
Tyco, Arthur Andersen e Merck, evidenciando a existência de severos
conflitos de interesse nas organizações e a necessidade de ampliar os
mecanismos de controle (SAITO; SAVOIA; FAMÁ, 2006).
Shleifer e Vishny (1997) entendem que a Governança Corporativa
é um campo de estudo das formas encontradas pelos fornecedores de capital, almejando-se garantir o retorno sobre os investimentos realizados.
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Uma outra abordagem de Denis e McConnell (2003) entende a
Governança Corporativa como um conjunto de mecanismos que conduzem os gestores a tomarem suas decisões, em concordância com a
maximização do valor da empresa para os seus proprietários, ou fornecedores de recursos financeiros.
De forma complementar, Silveira, Barros e Famá (2003) corroboram essa ideia, afirmando ser uma reunião de procedimentos de
incentivo e de controle que objetiva a harmonização da relação entre
acionistas e gestores, ao promover a redução dos custos de agência,
em uma situação provocada pela separação de propriedade e controle.
Diante disso, cabe enumerar os mecanismos internos e externos
de Governança Corporativa, demonstrados no Quadro 1, a seguir:
Mecanismos Internos
Mecanismos Externos
Conselho de Administração
Mercado de Takeovers
e Mercado de Trabalho competitivo
Estrutura de Propriedade
Sistema Legal
Sistema de Remuneração
Relatórios Contábeis
periódicos fiscalizados externamente
Quadro 1 – Governança Corporativa e seus mecanismos
Fonte: adaptado de Shleifer e Vishny (1997) e de Silveira, Barros e Fama (2003)
Diante do exposto, nota-se que a Governança Corporativa surge
como uma forma de superar o conflito de agência, reflexo da separação entre a propriedade e o controle, assegurando que o comportamento dos agentes esteja alinhado com o interesse de maximização da
riqueza dos provedores de recursos (principal).
Os mecanismos de Governança Corporativa podem ser internos
ou externos à empresa. Dentre os externos, observa-se a papel exercido pelas auditorias independentes, cujos relatórios são de extrema
importância ao mercado, no sentido de oferecerem maior conforto e
credibilidade para as decisões dos agentes econômicos.
De forma a corroborar com essa visão, White, Sondhi e Fried
(2003) explicam que o parecer e o papel da auditoria externa são relevantes, pois possibilitam uma avaliação na qual se verifica se os princí16
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pios contábeis são seguidos pela controladoria da empresa, analisandose a qualidade e confiabilidade das informações divulgadas.
Como afirma Demsetz (1983), os gestores podem beneficiar-se
quando as regras e contratos são frágeis, e a capacidade de monitoramento é reduzida, de forma a expropriarem, os ganhos obtidos pelos
resultados positivos da empresa, com maior facilidade.
Nesse sentido, é importante haver, segundo Jensen e Meckling
(1976), processos de auditoria, estipulação de restrições orçamentárias, estabelecimento de controles formais, implementação de sistema de incentivos, para se reduzir o comportamento oportunista dos
gestores. Assim, o papel da auditoria externa é importante para evitar
a expropriação de riqueza dos acionistas.
Informações contábeis: uma análise
sobre o seu uso, limitações e importância
Os sistemas contábeis evoluíram, e sua sistematização ocorreu
na Idade Média, sendo que a sua essência permanece inalterada, ao
verificar-se que o método das partidas dobradas ainda persiste.
O papel exercido pelos profissionais da área contábil também
apresentou desenvolvimento, deixando de focar apenas na contabilização dos fatos contábeis, para enfatizar a coordenação de esforços,
oferecendo informações econômico-financeiras relevantes e confiáveis para os grupos de interesse que se relacionam com a organização.
Essa função exercida pelo controller está sendo envolvida, cada vez
mais, no contexto de Business Advocate, de forma que esse profissional deve atuar mais ativamente no processo de condução dos negócios das empresas ou organizações.
As informações contábeis divulgadas pela controladoria são questionadas em relação a sua validade para as decisões dos agentes econômicos
externos à empresa. Enquanto há correntes defendendo que sua relevância é mínima, pois o valor dos ativos já deve incorporar informações
obtidas de outras fontes, existem outras que consideram a sua importância decorrente do fato de permitir uma avaliação do processo de obtenção
e processamento de informação dos agentes econômicos e a revisão da
precificação ou dos preços-alvo por parte dos analistas financeiros.
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É relevante observar que as informações contábeis são avaliadas
sob a ótica da Governança Corporativa, a fim de evitar que dados
inconsistentes e fraudes provoquem a transferência dos direitos de
propriedade dos fornecedores de capital para os gestores da empresa.
Por isso, o papel exercido pelas auditorias independentes na avaliação
dos sistemas de controle da empresa é fundamental.
Nesse contexto, o estudo de indicadores financeiros, com base nos
relatórios contábeis, é relevante, na medida em que a compreensão do
passado é o primeiro passo para o entendimento do futuro (BREALEY;
MYERS, 1996) e, inclusive, permitem a comparação do nível de risco
e retorno entre empresas, em certo horizonte de tempo, de forma a auxiliar os fornecedores de fundos – instituições financeiras, credores, acionistas, por exemplo, na tomada de decisão sobre a disponibilização de
recursos para a organização (WHITE; SONDHI; FRIED, 2003).
Em geral, os bancos são os investidores mais interessados no
curto prazo – liquidez imediata – da firma; os bondholders, as seguradoras e os fundos de pensão enfatizam a solvência e lucratividade de
longo prazo; e os acionistas se preocupam com a capacidade de geração de riqueza no longo prazo e com o crescimento da firma (WHITE;
SONDHI; FRIED, 2003).
Em relação aos acionistas, destaca-se que os seus direitos sobre
o retorno dos investimentos são subordinados aos dos demais fornecedores de fundos da empresa. Por isso, White, Sondhi e Fried (2003)
consideram que arcam com um risco residual mais volátil e de difícil
mensuração.
Nesse sentido, é coerente que este grupo de interesse seja o principal foco da função financeira, segundo Jensen (2001), autor discutido por Saito, Savoia e Famá (2006) com base em Romano (2006),
defensor do indivíduo e sua moral, pensamentos alinhados com a valorização do elemento individual e da livre iniciativa privada.
De qualquer forma, esses diferentes interesses dos grupos que se
relacionam com a empresa demonstram, claramente, que a análise dos
indicadores financeiros precisa abranger outros pontos de vista diferentes dos acionistas. Em outras palavras, para cada grupo, determinado grupos de indicadores e focos são enfatizados, de modo que
possam avaliar se a firma atende a seus objetivos.
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O uso dos indicadores financeiros é amplamente empregado,
pois, como afirmam White, Sondhi e Fried (2003), possibilitam a comparação entre empresas de diferentes portes e a padronização das análises, devendo ser compreendidas em seu conjunto, pois as informações referentes à atividade, à liquidez, à estrutura de capitais e à lucratividade, por exemplo, são interdependentes, e uma visão ampla e relacionada entre elas permite uma compreensão mais correta da situação econômico-financeira das empresas estudadas.
Entretanto, White, Sondhi e Fried (2003) explicam que o emprego de indicadores financeiros apresenta limitações, podendo ser destacados os seguintes aspectos: (a) a comparabilidade dos indicadores
financeiros depende da compatibilidade dos padrões de contabilização; (b) a utilização de benchmarks inadequados pode conduzir a uma
interpretação equivocada; (c) a existência uma relação linear entre os
elementos disponibilizados no numerador e no denominador dos indicadores, ignorando-se a influência dos custos.
Contribuindo para o estudo da relevância dos indicadores financeiros, Beaver (1966) avaliou se estes podem ser considerados como
um instrumento adequado na predição dos eventos de crédito e analisou se os balanços possuem essa mesma capacidade, para o período
compreendido entre 1954 e 1964. Com base em 79 empresas, concluiu que os índices podem fornecer informação utilizável para estimar solvência em períodos de até 5 anos.
Considerações finais
O trabalho realizou uma análise ao relacionar as informações
contábeis com diversos temas relativos à Teoria de Finanças, possibilitando uma compreensão sistêmica da relevância do assunto para os
mercados financeiros, sustentada por três pilares: (a) a relação existente entre a Teoria de Finanças e da Contabilidade; (b) a evolução da
função desempenhada pelos profissionais da área; (c) a relevância dos
impactos das informações contábeis sobre os agentes econômicos.
O trabalho contribui ao observar que o papel da Contabilidade
precisa considerar as diferentes necessidades dos stakeholders, e não,
exclusivamente, as métricas contábeis de rentabilidade. A análise dos
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indicadores financeiros, portanto, precisa abranger outros pontos de
vista diferentes dos acionistas. Em outras palavras, para cada grupo,
determinado grupos de indicadores e focos são requeridos enfatizados, de forma que se possa avaliar se a firma atende a seus objetivos.
Recebido em outubro de 2009.
Aprovado em novembro de 2009.
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