XI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 01 a 05 de setembro de 2003 Universidade de Campinas – UNICAMP Campinas/SP Título da atividade: GT 10 – Movimentos sociais rurais em múltiplas dimensões Sérgio Sauer A luta pela terra e a reinvenção do rural Sérgio Sauer é doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Filosofia da Religião pela Universidade de Bergen/Stavanger (Noruega), trabalha como assessor da Senadora Heloísa Helena – PT/AL. Endereço para contato: SQN 406 – Bloco H – Apto. 305 Asa Norte Brasília/DF Fone: (61) 311 3197 (trab.) e 347 4569 (res.) e-mail: [email protected] A luta pela terra e a reinvenção do rural Sérgio Sauer* Resumo A constatação de que a cidade tem sido o lugar privilegiado do desenvolvimento econômico leva a interpretações que afirmam a “dominação” do urbano e a conseqüente diluição das contradições e diferenças entre o rural e o urbano. O tecido urbano passa a dominar toda a sociedade porque a modernização capitalista está completa, mesmo que de modo relativo. Nesta perspectiva, não há mais espaços geográficos e sociais para a existência de valores e modos de vida “tradicionais”, distintos, porque este tecido urbano consumiu todos os resíduos da vida agrária. Tem havido, no entanto, um “ressurgimento” e um processo de retomada teórica do rural nos últimos anos, em perspectivas muito diferente da leitura acima. Certamente esta “retomada” pode ser interpretada como uma simples tentativa de análise do “exótico”, de algo marginal à racionalidade ocidental, como uma tática para apreender aspectos que a cultura contemporânea exclui de seu discurso. No contexto de transformações sociais, econômicas, políticas e culturais da sociedade ocidental, este trabalho analisa a luta pela terra e as ações dos movimentos sociais agrários como processos de “recriação” ou “reinvenção” do rural brasileiro, especialmente no Estado de Goiás. Introdução O desenvolvimento do capitalismo ocidental transformou a cidade em lugar privilegiado para a localização da indústria, do comércio e dos serviços, ou seja, um lugar de produção e trocas. Os centros urbanos passaram a ser pólos irradiadores de mercadorias e tecnologia e, conseqüentemente, de valores ideológicos e culturais, reforçando uma distinção dicotômica entre a cidade e o campo. Esta dicotomia tem funcionado como uma lógica explicativa fundante da realidade social, que ora contrapõe os dois pólos, ora subordina, incondicionalmente, o rural ao urbano. Historicamente, as reflexões e elaborações sobre a modernidade exacerbaram esta dicotomia, especialmente através do estabelecimento de uma estreita identificação entre urbano e moderno, de um lado, em oposição ao rural e tradicional, de outro. Mais recentemente, as discussões em torno da globalização e da pós-modernidade têm mantido esta mesma racionalidade, provocando ou aprofundando a exclusão do rural das * doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Filosofia da Religião pela Universidade de Bergen/Stavanger (Noruega), trabalha como assessor da Senadora Heloísa Helena – PT/AL. 2 representações e explicações do real, pensado sob a ótica da modernidade. As transformações sociais, econômicas, políticas e culturais têm sido interpretadas a partir de uma visão centrada na importância da indústria (dimensão setorial) e da cidade (dimensão geográfica), relegando um espaço residual ao mundo rural e seus significados. É verdade que esta exclusão do rural e de suas populações das reflexões teóricas e interpretações da realidade não é novidade, nem é uma criação exclusiva da modernidade. Este tipo de leitura excludente remonta aos pensadores gregos e à construção de conceitos como cidadania e cidadão, tão caros ao pensamento moderno ocidental. Aristóteles, por exemplo, em seu tratado “Política” – considerando que a cidade é uma espécie de comunidade e toda comunidade se forma com vistas a um bem – afirmou que ...a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um animal social, e um homem que por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade (...) De fato, se cada indivíduo isoladamente não é auto-suficiente, conseqüentemente em relação à cidade ele é como as outras partes em relação a seu todo, e um homem incapaz de integrarse numa comunidade, ou que seja auto-suficiente a ponto de não ter necessidade de fazê-lo, não é parte de uma cidade, por ser um animal selvagem ou um deus (1997, pp. 15 e 16). Diferentemente da centralidade da cidade na Antiguidade, a Idade Média (ocidental e européia) centrou o poder político na propriedade da terra, criando uma sociedade baseada na “soberania fundiária e militar sobre o solo ocupado por comunidades subjugadas” (Lefebvre, 2001, p. 41). O desejo de vencer este domínio abriu espaço para a representação da cidade como o lugar de liberdade ou, no dizer próprio da época, “os ares da cidade libertam”. O advento da modernidade – na esteira da filosofia iluminista que entendia a cidade como “lugar da virtude, da cidadania e da civilização” – marca também a reconquista do domínio político da cidade, incorporando ou transformando a estrutura feudal, dando um novo significado ao sistema urbano a partir da industrialização. O encantamento pela efervescência dos espaços urbanos e suas possibilidades (Augé, 1997) relegou o rural ao esquecimento ou a uma posição de antítese, de oposição à cidade, ao urbano e ao moderno (como o lugar de manutenção de resquícios feudais). O processo recente de globalização – e muitas das tentativas de interpretação das mudanças sociais, políticas, culturais e econômicas deste processo – exacerbaram esta visão cunhando expressões e conceitos como “cidade global” (Ianni, 1997; Ortiz, 1997) ou “cidade mundo” (Auge, 1997). Expressões totalizadoras porque, segundo Augé, “o mundo da cidade basta-se a si mesmo. Ele tem sua própria história, suas referências, seus símbolos” (idem, p. 171), as quais eliminam qualquer oposição ou realidade distinta da urbana. 3 A luta pela terra se coloca no contexto do debate sobre a espacialidade e a territorialidade na modernidade, transformadas pelo processo de globalização. A modernidade – historicamente um conceito relacional identificado com a cidade – produz representações sociais e valores que perpassam os itinerários de vida e influenciam a reconstrução da identidade das pessoas que lutam pelo acesso à terra. Os processos sociais possibilitam, no entanto, releituras e re-apropriações destes valores, criando oportunidades e perspectivas de vida que se diferenciam do “modo de vida moderno”. As lutas pela terra e pela reforma agrária se inserem em um contexto de transformações sociais, econômicas, políticas e culturais da modernidade ocidental. Estas transformações são exacerbadas pelo que, mais recentemente, se tem denominado de globalização. Esta globalização constitui, basicamente, re-arranjos nos processos de acumulação do capital que atingem todas as dimensões da vida, inclusive o meio rural brasileiro, abrindo espaço para novas interações com o espaço urbano. A globalização tem provocado mudanças nas representações de tempo e espaço, estabelecendo novas relações entre o local e o global (Giddens, 1991). A mobilidade social e geográfica – característica desta globalização – provoca novas interações entre estas duas dimensões espaciais (não apenas o domínio de uma sobre a outra), recolocando a importância do local, da territorialidade e da espacialidade na experiência cotidiana. A luta pela terra torna-se também uma luta por um lugar que contrasta com os processos constantes de mobilidade geográfica e identitária, dando novos significados ao local. 1 – Urbano e rural no mundo contemporâneo Segundo Lefebvre, o papel secundário e residual do rural já está presente nas reflexões de Marx sobre o desenvolvimento do sistema capitalista ocidental (Lefebvre, 2001). A partir de releituras de textos de Marx como, por exemplo, os Manuscritos de 1844, Lefebvre afirma que este aponta a necessidade de superar a relação pessoal do dono com a propriedade – característica do sistema feudal na Idade Média – para que a terra ganhe o status de mercadoria. Para Marx, esta passagem ou superação aconteceu, historicamente, com o processo de industrialização (na Inglaterra), a qual deu um novo impulso à cidade e um novo sentido à urbanização da sociedade moderna ocidental.1 1 Segundo Soja, as preocupações de Lefebvre se estendiam muito além de uma simples compreensão ou defesa da cidade, pois para ele “a urbanização era metáfora resumida da espacialização da modernidade e do „planejamento‟ estratégico da vida cotidiana, que haviam permitido ao capitalismo sobreviver, reproduzir com êxito suas relações essenciais de produção” (Soja, 1993, p. 65 – ênfases no original). 4 Apesar de reconhecer que Marx não desenvolveu muito esta lógica, Lefebvre sustenta que há uma centralidade (inclusive a partir de noções e conceitos como a divisão social do trabalho, práxis, produção e reprodução, etc.) da noção de cidade e da oposição desta com o campo no pensamento marxista. Esta oposição dá-se, por exemplo, na divisão do trabalho social onde ocorre, primeiro, uma separação entre trabalho industrial e comercial (dentro do espaço urbano) e, segundo, destes com o trabalho agrícola (Lefebvre, 2001, p. 39), materializando a divisão e a oposição entre campo e cidade. Em sua releitura da obra A Ideologia Alemã, Lefebvre é ainda mais incisivo afirmando que Marx e Engels teriam colocado “a cidade como sujeito da história” (2001, p. 48)2. Segundo ele, apesar de Marx nunca ter explicitado claramente a questão do sujeito em suas elaborações, nesse texto o “Sujeito da história é incontestavelmente a Cidade” (idem, p. 49), pois os autores deixam claro a divisão entre cidade e campo, a supremacia da primeira sobre o segundo e a necessidade de superar tal divisão. Segundo Lefebvre, O campo, em oposição à cidade, é a dispersão e o isolamento. A cidade, por outro lado, concentra não só a população, mas os instrumentos de produção, o capital, as necessidades, os prazeres. Logo, tudo o que faz com que uma sociedade seja uma sociedade. É assim porque “a existência da cidade implica simultaneamente a necessidade da administração, da polícia, dos impostos, etc., em uma palavra, a necessidade da organização comunal, portanto, da política em geral” (2001, p. 49 – ênfases no original). A separação e oposição entre cidade e campo – fruto da divisão social do trabalho – bloqueiam a totalidade social (Lefebvre, 2001, p. 49), relegando um “trabalho material desprovido de inteligência” ao campo (idem, p. 49). Esta separação resulta na divisão de classes e na alienação e, conseqüentemente, deve ser superada. A superação (como fruto do processo histórico e da práxis da sociedade) desta oposição “...„é uma das primeiras condições da comunidade‟” (idem, p. 50). Segundo Lefebvre, a oposição ou conflito (dialético) entre cidade e campo abarca uma certa unidade, criando dificuldades para apreender, teoricamente, a relação entre unidade e contradição (2001, p. 55). Esta dificuldade estaria na base da ambigüidade com que Marx e Engels “trataram do fim da cidade”,3 pois o surgimento da grande indústria fez 2 Esta releitura de Lefebvre reconhece que o próprio Marx não tratou diretamente (ou extensivamente) sobre a questão urbana. No entanto, segundo ele, “as numerosas considerações emitidas por Marx só têm sentido e importância em um contexto social: a realidade urbana. Ora, Marx não fala disso. Uma ou duas vezes somente, mas de uma maneira decisiva, ele traz o encadeamento dos conceitos para esse contexto, no entanto continuamente implicado” (2001, p. 32). 3 Lefebvre defende que há uma lacuna no pensamento de Marx e Engels porque “não exploraram a cidade como lugar de nascimento, quadro social e condição de uma seqüência de ideologias e de conhecimentos...” (2001, p. 65). Segundo ele, é preciso afirmar não o “fim da cidade” mas a sua superação pelo “urbano”, pois “o trabalho não acaba no lazer, mas no não-trabalho. A cidade não acaba no campo, mas na superação 5 com que a cidade deixasse de ser o “sujeito do processo histórico” (idem, p. 63). Em todos os casos, Lefebvre reafirma a noção da superação do rural pela urbanidade capitalista ocidental. A concentração da população acompanha a dos meios de produção. O tecido urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos de vida agrária. Estas palavras, “o tecido urbano” não designam, de maneira restrita, o domínio edificado nas cidades, mas o conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre o campo (Lefebvre, 1999, p. 17 – ênfases no original). Partindo da premissa de que o desenvolvimento capitalista na pós-modernidade abarcou todas as esferas da vida (inclusive a natureza e o inconsciente), Fredric Jameson aponta na mesma direção de Lefebvre afirmando a “superação” do rural porque “a modernização está, mesmo que relativamente, completa” (1997a, p. 26). Diferente do período moderno, as pessoas já não têm nenhuma possibilidade de se contraporem ao rural, ao residual porque “...aquela satisfação mais profunda de ser „absolument moderne‟ se dissipa quando as tecnologias modernas estão em toda parte...” (idem, p. 26 – ênfases no original).4 Nessa perspectiva, Jameson avalia que houve uma completa assimilação do rural pelo processo de industrialização da sociedade ocidental. A implantação da Revolução Verde, da industrialização da agricultura, em um primeiro estágio, “...reteve um modo de produção pré-capitalista na agricultura, mantendo-o intacto, explorando-o de maneira tributária, obtendo capital de relações essencialmente pré-capitalistas...” (Jameson, 1997a, p. 40). O novo estágio do capital abarcou todas as esferas da vida, inclusive a agricultura, eliminando as diferenças e tornando-a parte da própria exploração industrial (idem, p. 40). Diferentemente de Lefebvre, no entanto, Jameson afirma que este processo de assimilação capitalista da agricultura (e da natureza) acaba deteriorando o “outro termo da oposição binária”. Segundo ele, “o desaparecimento da Natureza – a mercantilização do campo e a capitalização da própria agricultura em todo o mundo – começa agora a desgastar o seu outro termo, o que antes era o urbano” (Jameson, 1997a, p. 42), provocando um processo de deterioração da vida nas cidades. Este processo de urbanização e de “deterioração” da cidade é muito evidente no recente processo histórico brasileiro. O deslocamento forçado de milhões de pessoas do simultânea do campo e da cidade. Isso deixa um vazio que pode ser preenchido pela imaginação, pela projeção e pela previsão teórica” (idem, pp. 72s). 4 A preocupação e a crítica de Jameson à sociedade contemporânea é a lógica e a estratégia de eliminar qualquer tipo de “diferença” em busca da homogeneização (espacial) e estandarização (do consumo) global (Jameson, 1997a, p. 41). 6 campo para as cidades gerou um crescimento artificial dos grandes centros urbanos, praticamente inviabilizando qualquer possibilidade de fornecimento de serviços básicos como infra-estrutura (asfalto, energia elétrica, sistema de esgoto, etc.), saúde, educação, etc. Um dos resultados é a condição sub-humana de existência nas periferias urbanas, contradizendo inclusive a lógica de que o êxodo rural deveria libertar as pessoas das amarras comunitárias. Emmanuel Wallerstein aponta em uma direção semelhante utilizando a noção de “desruralização do mundo” moderno. De forma diferente de Lefebvre e Jameson, no entanto, este autor não explica o processo de “desruralização” através da justificativa tradicional de “que a industrialização exige a urbanização” (1999, p. 245). Wallerstein busca outra explicação porque, segundo ele, “ainda restam indústrias localizadas nas regiões rurais e já temos notado a oscilação cíclica entre concentração e dispersão geográfica da indústria mundial” (idem, p. 245). Na verdade, Wallerstein recorre a outra noção definindo o rural como o lugar depositário de mão-de-obra barata. Diante da necessidade de rearranjos no sistema de acumulação para compensar a transferência de parte da mais valia para os operários qualificados e organizados, os proprietários dos meios de produção transferem setores de atividade econômica pouco rentáveis para regiões com mão-de-obra rural disponível (Wallerstein, 1999, p. 246). Essas novas localidades urbanas atraem mão-de-obra rural porque os salários representam “...um aumento de sua renda familiar, mas que no cenário mundial representam custos mínimos de trabalho industrial” (idem, p. 246). Esta lógica de acumulação força constantes processos de deslocamento de setores menos competitivos para regiões depositárias de mão-de-obra barata. Este é o processo social e econômico que resulta na “desruralização” do mundo moderno, porque “...para resolverem as dificuldades recorrentes das estagnações cíclicas, os capitalistas fomentam em cada ocasião uma desruralização parcial do mundo” (Wallerstein, 1999, p. 246). Segundo este autor, o grande problema é que já não há mais população para desruralizar, o que se transforma em um dilema insolúvel para o sistema capitalista (idem, p. 246). Este processo de desenvolvimento capitalista dos anos 50 e 60 forjou uma concepção de progresso baseada em uma relação linear entre modernização – industrialização – urbanização.5 O desenvolvimento econômico e social mundial não teria outro caminho a 5 A promoção do modelo de desenvolvimento, a partir dos anos 50 e 60, foi baseada e aprofundou a contraposição teórica entre as “economias agrárias atrasadas” e as “sociedades modernas”. De acordo com Friedrich W. Graf, os sociólogos idealistas norte-americanos definiram o termo “modernização” como um 7 não ser um processo crescente de industrialização, atraindo as pessoas para os aglomerados urbanos, na mesma lógica da interpretação de Wallerstein sobre a “desruralização” do mundo moderno. Nesta mesma perspectiva, Lefebvre sugere então que o caráter essencial da “sociedade industrial” é, acima do crescimento quantitativo da produção material, o desenvolvimento das cidades ou da sociedade urbana. É a vida urbana que dá sentido à industrialização, que a contém como segundo aspecto do processo. É possível que a partir de certo ponto crítico (onde podemos nos situar), a urbanização e sua problemática dominem o processo de industrialização. O que resta como perspectiva à “sociedade industrial”, se ela não produz a vida urbana em sua plenitude? Nada mais que produzir por produzir (Lefebvre, 1991, p. 55 – ênfases no original). Nesta perspectiva, o fenômeno da urbanização, como uma realidade mundial e inevitável, se transforma na grande aventura da humanidade. A cidade, em contraposição ao atraso do meio rural, é considerada o espaço fundamental para o desenvolvimento econômico e a construção da cidadania (Wanderley, 2001, p. 2).6 Modernização significa então um processo histórico de generalização de um padrão cultural urbano, sinônimo de emancipação, autonomia, desenvolvimento, progresso e cidadania. Estas concepções levam a interpretações que afirmam a diluição das contradições e diferenças entre o rural e o urbano (Ianni, 1997; Silva, 1996), pois o tecido urbano domina toda a sociedade porque a modernização capitalista está relativamente completa (Jameson, 1997a). Não há mais espaços geográficos e sociais para a existência de valores e modos de vida “tradicionais”, distintos, porque este tecido urbano consumiu todos os resíduos da vida agrária (Lefebvre, 1999). Conseqüentemente, segundo Octavio Ianni ...faz tempo que a cidade não só venceu como absorveu o campo, o agrário, a sociedade rural. Acabou a contradição cidade e campo, na medida em que o modo urbano de vida, a sociabilidade burguesa, a cultura do capitalismo, o capitalismo como processo civilizatório invadem, recobrem, absorvem ou recriam o campo com outros significados (1996, p. 60). Este processo civilizatório capitalista abarca todas as esferas da vida e da sociedade, integrando, modernizando e mesmo diluindo o mundo agrário. Este perde as suas características (inclusive a sua base econômica passa a ser de atividades não agrícolas) deixando de ser o lugar de manutenção e reprodução de valores tidos como “tradicionais”, a processo no qual as sociedades atrasadas e tradicionais se “desenvolveriam” em direção a sociedades modernas (1993, p. 32). 6 O texto disponibilizado como base para as reflexões do 10º Congresso Mundial de Sociologia Rural naturaliza o processo crescente de migração campo – cidade, estabelecendo uma relação automática entre urbanização e melhorias na qualidade de vida. Segundo o autor, “essa rápida urbanização cria oportunidades melhores de vida, mas também gera desafios assustadores: superpopulação, pobreza, e destruição ambiental” (Serageldin 2000, p. 7 – grifos meus). 8 exemplo do comunitarismo e do familismo. O processo de urbanização do campo traz consigo também secularização, individualização e racionalização, destruindo os últimos resquícios que poderiam diferenciar o espaço rural do urbano. O que permanece é o bucólico, a nostalgia da natureza, a utopia da comunidade agrária, tribal, indígena, passada, pretérita, remota, imaginária. (...) A própria cultura de massa, agilizada pela indústria cultural, retrabalha continuamente a nostalgia da utopia bucólica. Tanto pasteuriza como canibaliza elementos presentes e pretéritos, reais e imaginários do mundo agrário. Reinventa o campo, country, campagna, champ, sertão, deserto, serra, montanha, rio, lago, verde, ecologia, meio ambiente e outras formulações, aparecidas no imaginário de muitos como sucedâneos da utopia do paraíso (Ianni, 1997, p. 63 – ênfases no original). Muitas objeções poderiam ser feitas a estas concepções de rural e do desenvolvimento atual do mundo contemporâneo. O padrão de modernização, por exemplo, não é um dado que abarca o conjunto da sociedade de forma igual, como entende Jameson. Por outro lado, a modernização agropecuária no Brasil é implantada de forma desigual, possibilitando um profundo descompasso social e político e a convivência de situações e valores plurais, quando não contraditórios, frutos de uma “produção capitalista baseada em relações não-capitalistas” (Martins, 1989). A noção de caráter residual do rural – quando não é relegado ao completo esquecimento – faz parte das reflexões e produções teóricas sobre a modernidade (conceito essencialmente urbano). Por outro lado, a “diluição” ou “descentramento” do rural vem sendo colocado em xeque tanto por reflexões teóricas recentes como pelos processos sociais e políticos de resistência e luta de diversos segmentos da população rural. Os movimentos sociais como sujeitos políticos, especialmente na luta pela terra, recolocam a importância do rural tanto na agenda política brasileira como nas interpretações da sociedade ocidental contemporânea. 2 – Industrialização e urbanização ou especificidade do rural As questões relacionadas com a terra e a exploração de seus habitantes são parte da história da América Latina desde que os primeiros colonizadores aportaram no continente. 7 Estas questões ganharam relevância e ênfases diferenciadas ao longo desta história, influenciando a própria produção teórica sobre os problemas e perspectivas do meio rural. 7 De acordo com Martins, a “questão agrária” surge no Brasil em meados do século XIX com o processo de abolição da escravidão e criação da Lei de Terras, de 1850, que impediu o acesso à terra àqueles que não podiam comprar, forçando os pobres livres, inclusive os imigrantes europeus, a trabalhar para os grandes proprietários. A questão agrária surge “...quando a propriedade da terra, ao invés de ser atenuada para viabilizar o livre fluxo e reprodução do capital, é enrijecida para viabilizar a sujeição do trabalhador livre ao capital proprietário de terra” (Martins, 1997, p. 12). 9 Diferente de muitas interpretações da sociedade ocidental contemporânea, este desenvolvimento histórico tem mantido o rural, negando sua diluição ou urbanização. Inclusive, a resistência da população rural aos processos de modernização, expropriação e exclusão, tem mantido o meio rural, seus problemas e perspectivas, na agenda política nacional, forçando reflexões e novas interpretações do real. Estas questões adquiriram, no entanto, uma perspectiva nova a partir dos anos 1950 e 1960, quando os programas de modernização agropecuária começaram a ser implantados através da chamada Revolução Verde na América Latina e de seu conseqüente “processo de modernização conservadora” no Brasil (Silva, 1994). As situações agrária e agrícola brasileiras sofreram profundas mudanças, pois a agropecuária passou por um processo de transformação tecnológica, possibilitando sua integração à dinâmica industrial de produção e a criação dos complexos agroindustriais. Estas mudanças foram realizadas basicamente através de pesados investimentos governamentais no setor industrial, buscando modernizar a economia nacional destruindo sua antiga base agrícola. O principal instrumento, utilizado pelo Estado para promover esta transformação, foi o crédito agrícola subsidiado que capitalizou os grandes proprietários, possibilitando a industrialização do campo. Os subsídios governamentais abriram a oportunidade para investimentos pesados na agropecuária, promovendo seu avanço tecnológico através do uso de tratores e máquinas, sementes selecionadas, fertilizantes químicos e pesticidas, etc. Os pesados subsídios e incentivos fiscais concedidos pelo Estado às grandes empresas abriram o campo ao investimento capitalista, protegeram e reafirmaram a renda da terra e a especulação imobiliária, incluíram a grande propriedade fundiária num projeto de desenvolvimento capitalista que tenta organizar, contraditoriamente, uma sociedade moderna sobre uma economia rentista e exportadora. Um capitalismo tributário atualizado (Martins, 1989, p. 85). O apoio à modernização do latifúndio deu ao programa seu caráter conservador. Os incentivos possibilitaram a modernização da produção agropecuária (mecanização, aumento da produção e produtividade, competitividade no mercado exportador), mas mantiveram e ampliaram a má-distribuição da propriedade da terra e, conseqüentemente, aprofundaram um modelo excludente e concentrador no País. A distribuição social, setorial e espacial dos incentivos provocou uma divisão de trabalho crescente; grosso modo, maiores propriedades, em terras melhores, tiveram acesso a crédito, subsídios, pesquisa, tecnologia e assistência técnica, a fim de produzir para o mercado externo ou para a agroindústria (Martine, 1991, p. 10). O cultivo monocultor de grandes extensões – padrão predominante do modelo de modernização – aumentou a produção agrícola do País. Não promoveu, porém, o bem-estar 10 social da maioria da população rural, ao contrário, provocou concentração da propriedade da terra, êxodo rural, fome e violência. A dominação do capital industrial, ou agroindustrial, permitiu uma subversão do processo produtivo e uma expropriação do saber dos agricultores familiares e camponeses. Este processo provocou a dominação destes, imobilizando sua força de trabalho (através do trabalho escravo ou semi-escravo) ou expropriando seus meios de produção através da expulsão da terra (Porto, 1997). O “desenvolvimento agropecuário” da Revolução Verde foi planejado e implantado em uma contraposição entre campo e cidade. Isso resultou no reforço de um modelo industrial concentrador, predatório e excludente. Este modelo seguiu a lógica dominante de privilegiar investimentos no setor industrial voltado para o desenvolvimento dos centros urbanos, transformando o “atraso do meio rural” no contraponto ideal, imagem e representação de como o desenvolvimento moderno não deveria ser. A modernização e a modernidade criam e recriam suas próprias representações ou, nos termos de Duarte (2000), seus próprios mitos. Estes mitos se constituem em fundamentos de práticas sociais, permeando inclusive muitas das análises e interpretações da realidade contemporânea. Segundo Duarte, um dos mitos fundantes da modernidade – resultado de uma “urbanização generalizada e desorganizada” – é a crença “da igualdade sócio-econômica e do sucesso nos grandes centros urbanos ditos desenvolvidos” (2000, p. 2), a qual reforça a exclusão do rural das análises teóricas e definições de progresso e de desenvolvimento econômico. O processo de modernização provocou um deslocamento de milhões de pessoas do meio rural para os meios urbanos (periferia das cidades) ou para as áreas de colonização na Região da Amazônia Legal. Tal deslocamento espacial não resultou em um processo de emancipação, como uma “conseqüência natural” do desenraizamento e urbanização, como apregoavam os defensores da modernização. Para a maioria, a mobilidade social e espacial – raiz da emancipação do indivíduo da dependência tradicional da comunidade rural, segundo concepções modernistas – não resultou em mudança de valores dos padrões tradicionais no sentido da autodeterminação individual no estilo de vida, mas em fome, pobreza e exclusão. O aprofundamento da contraposição entre “sociedades urbanas modernas” e “atrasos do meio rural” tem influenciado pensadores brasileiros em suas interpretações, perspectivas e possibilidades de vida no campo, negando a importância da luta pela terra e 11 de qualquer processo de redistribuição da propriedade fundiária.8 Partindo de um pressuposto de que “cidadania no campo” é um contra-senso e que modernização é sinônimo de urbanização, estas interpretações condenam o meio rural por sua “inviabilidade” como espaço social e produtivo (Franco, 1996).9 Em uma perspectiva um pouco diferente, José Graziano da Silva – enfatizando a racionalidade econômica das empresas rurais e do atual padrão técnico-produtivo agrícola – afirma que já não se pode caracterizar o meio rural somente como agrário. O campo não pode ser pensado apenas como um lugar produtor de mercadorias agropecuárias, pois o surgimento de uma série de atividades não-agrícolas está recriando o meio rural brasileiro (Silva, 1996), seguindo uma tendência constatada nos países desenvolvidos. Este processo – associado a outras transformações como, por exemplo, as das relações de trabalho – leva Graziano da Silva a concluir que as melhorias de condições de vida da população rural dependem do “grau de urbanização do interior” (Silva, 2000, p. 8), inclusive com incentivos para a geração de empregos não-agrícolas no meio rural. Ainda, segundo ele, o “meio rural brasileiro se urbanizou como resultado do processo de industrialização da agricultura”, mantendo uma análise que privilegia o urbano sobre o rural (Silva, 1996).10 Esta lógica – exacerbada nos anos mais recentes pelos avanços da globalização (Silva, 1998) – reforça a noção de que, em vez de diferenciação, existe um continuum entre o rural e o urbano. As dificuldades de delimitar fronteiras (exacerbadas inclusive pela idéia de que a globalização elimina todas as fronteiras territoriais) entre cidades, vilas e o campo reforçam noções que enfatizam processos de indiferenciação entre estes espaços. A conseqüência é “o fim do isolamento entre as cidades e o meio rural”, o que “é freqüentemente expresso através do conceito de continuum rural-urbano” (Wanderley, 2001, p. 32). 8 Ver, por exemplo, as reflexões recentes de Francisco Graziano Neto sobre a ausência de retorno econômico da atual política fundiária redistributiva e a necessidade de “recriar” a reforma agrária, tendo como base a necessidade de criar ocupação rural, ou seja, não centralizar as ações governamentais na redistribuição da propriedade fundiária mas utilizar outros mecanismos para gerar empregos no campo (Graziano Neto, 1999). 9 Augusto de Franco, por exemplo, enfatizando a “inevitabilidade” da má qualidade de vida no meio rural, conclui que “...o fim do campesinato na ultrapassagem da modernidade é o fim do campo enquanto espaço social e econômico oposto à cidade” (Franco, 1996). 10 Segundo Graziano da Silva, a diluição da diferenciação entre estes dois espaços se dá inclusive porque a cidade já não pode ser caracterizada única e exclusivamente como industrial. Há uma crescente semelhança nas formas de organização do trabalho industrial com o trabalho rural como, por exemplo, a flexibilidade de tarefas e da jornada, a contratação por tarefa ou por tempo determinado, etc. (Silva, 1996). 12 O problema fundamental desta noção de continuum é justamente a tendência a privilegiar uma visão centrada no urbano, relegando o rural novamente ao pólo atrasado desta inter-relação (Wanderley, 2001). Siqueira e Osório (2001) afirmam que a noção de continuum tem como base a dicotomia já conceitualmente postulada, a qual acaba se sobrepondo ao antigo conceito de rural como um lugar de permanência de mão-de-obra barata e desqualificada.11 Levada às últimas conseqüências, esta vertente das teorias da urbanização do campo e do continuum rural-urbano apontam para um processo de homogeneização espacial e social, que se traduziria por uma crescente perda de nitidez das fronteiras entre os dois espaços sociais e, sobretudo, o fim da própria realidade rural, espacial e socialmente distinta da realidade urbana (Wanderley, 2001, pp. 32s). Os questionamentos sobre a diluição de fronteiras não levam necessariamente à necessidade de reforçar qualquer visão dicotômica para preservar as singularidades do rural. A noção de continuum – ou de um processo inter-relacional – não leva necessariamente a uma homogeneização dos espaços urbano e rural. Mesmo ressaltando as semelhanças, interferências e continuidades, “as relações entre o campo e a cidade não destroem as particularidades dos dois pólos e, por conseguinte, não representam o fim do rural” (Wanderley, 2001, p. 33). Nesta perspectiva, Wanderley formula a hipótese de que o desfecho dos processos recentes de transformação não é o fim do rural e a urbanização completa do campo (2000, p. 89). As transformações do rural, intensificadas pelas trocas materiais e simbólicas com o urbano, fazem emergir uma nova ruralidade (idem, p. 89), sendo que o espaço local é, por excelência, o lugar de convergência entre o urbano e o rural (Wanderley, 2001, p. 33). Maria José Carneiro também enfatiza esta perspectiva, apesar de reconhecer a importância das mudanças no meio rural inclusive uma re-orientação da capacidade produtiva. Afirma que a integração do rural à economia global, ao invés de diluir as diferenças, “pode propiciar o reforço de identidades apoiadas no pertencimento a uma localidade” (Carneiro, 2000, p. 5). Esta “âncora territorial” permite interações e garante a “manutenção de uma identidade” (Carneiro, 2000, p. 5). Não é possível, segundo ela, entender a ruralidade apenas como um processo de urbanização do campo, “...mas também do consumo pela sociedade urbano-industrial, de bens simbólicos e materiais (a natureza como valor e os 11 Os encantos com a efervescência urbana relegaram o rural a um lugar marginal, palco de tradições e práticas sociais residuais. As noções de progresso e desenvolvimento foram identificadas apenas como parte da sociedade urbana industrial. As leituras das transformações recentes, baseadas na “urbanização do campo” (Silva, 1996), mantém essa mesma lógica relegando o especificamente rural à tradição e ao atraso. 13 produtos „naturais‟, por exemplo) e de práticas culturais que são reconhecidos como tendo a sua origem no chamado mundo rural ou agrário” (idem, p. 7). Wanderley enfatiza também as diferenciações presentes nas representações sociais do rural. Mesmo com os atuais graus de homogeneização e indiferenciação, provocados pelos processos de globalização, “...as representações sociais dos espaços rurais e urbanos reiteram diferenças significativas, que têm repercussão direta sobre as identidades sociais, os direitos e as posições sociais dos indivíduos e grupos, tanto no campo quanto na cidade” (Wanderley, 2001, p. 33). Mais importante do que uma definição precisa das fronteiras entre o rural e o urbano é buscar os significados, do ponto de vista dos diferentes agentes, das práticas sociais que operacionalizam as interações entre estes espaços (Carneiro, 2000, p. 7). Neste sentido, há um “ressurgimento” que transcende a um simples esforço de retomada teórica do rural. Estes esforços buscam incluir o rural e seus agentes sociais no contexto dos diferentes processos de transformação pelos quais passa a sociedade ocidental contemporânea. Certamente a “retomada” do rural poderia ser interpretada como uma simples tentativa de análise do “exótico”, de algo marginal à racionalidade ocidental, como uma tática para apreender aspectos que a cultura contemporânea exclui de seu discurso (Certeau, 2001). A perspectiva aqui é transcender esta “tática”, tomando em consideração processos sociais e políticos (a luta pela e a conquista de terra) que podem ser compreendidos como “recriações” do mundo rural brasileiro. Este “ressurgimento” ou “retomada” do rural pode ser interpretado também como um processo social no interior da globalização, a qual é marcada por contradições entre a “diluição de fronteiras”, de um lado, e o reforço às “identidades locais”, de outro. Segundo Hall, a tendência de “homogeneização global” (fruto da diluição das fronteiras na modernidade) possui uma antítese, pois “há também uma fascinação com a diferença e com a mercantilização da etnia e da „alteridade‟” (1999, p. 77). Esta fascinação pela diferença e pela alteridade abre espaço para a valorização do local, em geral, e do rural, em particular, nas caracterizações e interpretações da sociedade ocidental contemporânea.12 Em que pese as diferenças vários aportes teóricos, discussões sobre ruralidade (Wanderley, 2000 e 2001; Carneiro, 1996 e 2000), desenvolvimento territorial (Abramovay, 12 A definição de Giddens (1995) de que a globalização constitui uma “ação à distância”, a qual aproxima o local e o global e permite uma maior interação entre estes espaços reforça a importância do rural (mesmo em uma perspectiva de “exótico”) nas análises das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais da sociedade contemporânea. 14 2000), neo-ruralismo (Giuliani, 1990) e desenvolvimento sustentável (Duarte, 2000) constituem exemplos que retomam o rural e as relações rural-urbanas sob outras perspectivas. São aportes teóricos que procuram demonstrar a existência de uma realidade mais complexa, permeada por fenômenos e processos que negam modelos explicativos e valores predominantes na mentalidade “moderno-desenvolvimentista” (Giuliani, 1990). Diferentemente das representações e concepções dicotômicas sobre o rural, é possível compreender o campo, em geral, e a luta pela terra, em particular, a partir de outras perspectivas que não eliminam o rural. Em primeiro lugar, é fundamental romper com qualquer concepção dicotômica da realidade evitando separar o rural do urbano. Estes dois espaços não possuem divisões ou fronteiras tão explícitas, pois há um processo permanente de interações e intercâmbios que precisam ser levados em conta nas análises (Carneiro, 2000), sem perder as especificidades e identidades de cada um. Em segundo lugar, é fundamental considerar que as lutas dos movimentos sociais no campo não se restringem a lutas pela propriedade fundiária e pela manutenção dos “valores tradicionais camponeses”. Transcendem à luta pelo acesso aos meios de produção e se transformam em um processo de construção de sujeitos políticos, recriando relações sociais e transformando o espaço rural na constituição de uma nova ruralidade. Vários autores, a exemplo de Martins, têm demonstrado que as lutas camponesas ultrapassam a simples demanda por terra porque são lutas pela libertação e emancipação humanas. Estas lutas em busca de sobrevivência e reprodução social não se restringem à dimensão econômica, mas incluem demandas por saúde, educação, justiça, paz. São lutas que reivindicam “...integração política, [de] emancipação, (isto é, de libertação de todos os vínculos de dependência e submissão), [de] reconhecimento como sujeitos de seu próprio destino e de um destino próprio, diferente, se necessário” (Martins, 1994, p. 159), possibilitando processos sociais e políticos de recriação do rural e de uma nova ruralidade. Em terceiro lugar, é fundamental considerar a importância da terra como meio de trabalho, retomando a perspectiva da “terra de trabalho”.13 Celso Furtado tem colocado esta perspectiva, relacionando a terra como um fator fundamental no combate ao grande dilema da sociedade industrial moderna: o desemprego em massa. 13 José de Souza Martins tem utilizado amplamente este conceito enfatizando a importância histórica da resistência dos posseiros da Amazônia. Resistência centrada na compreensão de que o acesso à terra representa a garantia do direito ao trabalho, dimensão que precisa ser resgatada, considerando, porém, contribuições e debates recentes sobre as transformações no mundo do trabalho. Ver, por exemplo, Antunes, 1999. 15 De 1990 para cá a agricultura criou 4 milhões de empregos, o que é extraordinário, mesmo sendo de subsistência. O setor urbano deixou de criar empregos. Quer crise maior do que essa? Só que em nosso país temos um milagre: a terra. Há hoje no mundo algum país que crie empregos na agricultura? (Furtado, 1997, p. 9). A democratização do acesso à propriedade da terra – mais do que uma simples política social compensatória de combate à pobreza rural14 – representa a possibilidade da construção de identidades e cidadania no meio rural. Além das implicações políticas, como a constituição de sujeitos pela redistribuição do poder (Martins, 1993), a luta pela terra representa uma aventura em busca de um lugar de oportunidades e autodeterminação, diferente (mas não necessariamente em oposição ao) do espaço urbano. 3 – A luta pela terra como uma recriação do rural Além das formulações teóricas, há um movimento social e político de “recriação” do campo através da luta pela terra no Brasil (Martins, 2000). Este movimento agrário – gestado como resistência ao aprofundamento da expropriação e exploração das populações rurais com a implantação da modernização agropecuária – recoloca a importância da realização de uma reforma agrária no País, a partir de uma perspectiva que transcende a mera implantação de políticas governamentais compensatórias.15 A luta pela terra – como um processo social de resistência ao modelo agropecuário e à “ruralidade de espaços vazios” (Wanderley, 2001) – se transforma em uma luta política, social, cultural, pela construção e realização da cidadania das populações rurais (Martins, 1994). Está em curso uma “práxis espacial emancipatória” (Soja, 1993), ou seja, um processo social de “reinvenção” do rural no Brasil sendo que a luta pela terra materializa esta “recriação”, agregando novos elementos e perspectivas à vida no meio rural, criando uma nova ruralidade. Esta “práxis espacial emancipatória” (Soja, 1993) se materializa em embates sociais e políticos contra a concentração da propriedade fundiária e o latifúndio, instrumento e local 14 Francisco Graziano Neto enfatiza apenas a dimensão social da reforma agrária quando afirma “...nada comprova que dar um pedaço de terra para essas famílias marginalizadas seja a única, nem a melhor solução, do ponto de vista do interesse público. Talvez um bom emprego seja preferível ao assentamento. Ou então, tratá-las com mecanismos de política social, assistindo-as devidamente, garantindo-lhes alimentação e saúde” (Graziano Neto, 1998, p. 168). 15 No processo simultâneo de construção e apreensão do real, os movimentos sociais agrários, organizações representativas e entidades de apoio têm incorporado novos aspectos e perspectivas nas elaborações sobre o rural brasileiro. Novos temas foram agregados como, por exemplo, a importância econômica e a capacidade redistributiva da produção familiar; a relação entre um programa de acesso à terra e a democratização das relações políticas na sociedade brasileira, ou ainda a formulação de alternativas de desenvolvimento, especialmente a perspectiva da sustentabilidade ambiental, a partir da expansão da agricultura familiar por meio da promoção de uma ampla reforma agrária. 16 de exercício de poder e dominação. Mais do que falta de eficiência econômica, o latifúndio – como promotor do deslocamento geográfico através do êxodo rural – é símbolo, instrumento e lugar de exclusão social e marginalização política. Grandes extensões de terras são representadas como “não-lugares” (Augé, 1994) que geram a “ruralidade de espaços vazios”, ou seja, espaços que materializam ausências e são representados como “vazios identitários” para milhões de pessoas. O Estado de Goiás – fronteira agrícola e palco histórico de lutas camponesas – tem experimentado este processo de reinvenção social que não se restringe aos seus aspectos econômicos e políticos, mas se traduz em vivência e produção de sentido. As famílias acampadas e assentadas, como agentes sociais, lutam e atuam construindo a realidade social a partir de estruturas estruturantes, mediadas pelo habitus (Bourdieu, 1996). Nesse processo, apreendem o mundo real e concreto, organizando imagens, linguagem e representações sociais para que este mundo faça sentido. Os acampamentos e assentamentos do Estado são espaços de “reinvenção da sociedade” através das interações sociais das diferentes biografias na busca de um lugar de vida, trabalho e cidadania. A luta pela terra é um processo social, político e econômico que abarca um conjunto de transformações no campo, redistribuindo a propriedade da terra e o poder, redirecionando e democratizando a participação da população rural no conjunto da sociedade brasileira. A luta social pela realização de uma reforma agrária está, portanto, baseada, em primeiro lugar, na busca de instrumentos que gerem emprego e renda, criando melhores condições de vida no meio rural. As experiências de luta e de acesso à terra, no entanto, além de garantir bem estar social e melhoria das condições de vida (Stédile, 1997), são também impulsionadoras de transformações culturais, simbólicas e representacionais. Este processo social gesta valores e representações sociais, dando novas perspectivas ao mundo rural, permitindo inclusive transformações nas relações com o meio ambiente, com o lugar e entre as pessoas (Novaes, 1997). A participação nas mobilizações e lutas pela posse da terra produz uma renovação das representações e valores das pessoas acampadas e assentadas (Geiger, 1995). Esta renovação não se reduz a uma atualização momentânea – como resultado, por exemplo, da unidade exigida pelo contexto de privações, ameaças e medo dos acampamentos – mas em resignificações que modificam representações e a própria consciência das pessoas. O envolvimento nas lutas é um processo social que possibilita a reorganização das diversas 17 representações, provocando alterações da percepção da própria identidade. Isto possibilita também uma reconstrução da consciência de sujeito, baseada na conquista do direito ao trabalho e no significado simbólico da produção. Este é um aspecto fundante de uma nova ruralidade, ou seja, constituída por relações de sujeitos autônomos que protagonizam histórias e biografias. A modernidade é – de acordo com muitos teóricos, a exemplo de Giddens, Touraine, Beck – caracterizada por um processo político e cultural de constituição de sujeitos livres e autônomos, protagonistas da história. Independentemente dos questionamentos a esta autonomia (a exemplo das posições adotadas por Jameson e Hall), os processos sociais agrários (lutas, mobilizações, negociações, etc.) também constituem atores sociais e sujeitos da história. Este protagonismo abre possibilidades para a diluição da oposição entre terra (rural como atraso) e modernidade (urbano como local do moderno).16 A contraposição histórica entre estes se desfaz na constituição de sujeitos políticos e atores sociais no meio rural, impedindo leituras dicotômicas que estabelecem uma relação estreita entre moderno e urbano em contraposição a tradicional e rural. Conseqüentemente, a conquista da cidadania e do direito ao trabalho, através do acesso à terra, criam protagonistas da história e sujeitos modernos, mas que se apropriam de valores e perspectivas de uma forma distinta dos “sujeitos urbanos”. Os valores simbólicos e culturais da modernidade não são fenômenos exclusivos do contexto urbano industrial, mas perpassam o conjunto da sociedade brasileira. Na verdade, esta sociedade é marcada por uma mescla de valores e códigos tradicionais e modernos (Araújo, 2000), gerando disjunções e situações paradoxais e contraditórias. Historicamente, a adoção de dimensões e valores da modernidade no Brasil sempre esteve mesclada com a manutenção de valores culturais e práticas políticas arcaicas como, por exemplo, o exercício do poder político baseado na propriedade de grandes áreas de terras. Estas formulações contestam às interpretações das transformações sociais e representacionais da sociedade brasileira baseadas apenas em uma lógica linear de passagem do tradicional para o moderno, e deste para o pós-moderno. O rural brasileiro (assim como a sociedade brasileira, em geral) é caracterizado por combinações – muitas vezes contraditórias e desiguais – de valores e códigos pré-modernos e modernos (Araujo, 2000), 16 Esta perspectiva tem como referência que não há um desenvolvimento linear e progressivo, mas processos e valores sociais contraditórios, reforçados por uma globalização desigual (Hall, 1999). O processo de modernização, a modernidade e a globalização são, na verdade, misturas complexas de fenômenos que, contraditoriamente, geram disjunções e novas formulações sociais e culturais (Giddens, 1995). 18 os quais exigem uma leitura distinta de modelos explicativos baseados na lógica “modernodesenvolvimentista”. A luta pela terra não pode ser compreendida, portanto, como uma “volta ao passado”, nem como uma tentativa de preservar “resquícios bucólicos” (Ianni, 1997) ou de construir a “utopia da comunidade agrária” (Carvalho, 2002). Não se trata, no entanto, de simplesmente identificar processos sociais e simbólicos, decorrentes da mobilização e da luta pela posse da terra, com transformações recentes no contexto da modernidade. A luta pela terra constitui sujeitos históricos, impedindo que seja classificada como um movimento social arcaico ou antimoderno. De acordo com Ortiz, as transformações mundiais recentes provocaram alterações também na percepção do espaço, ou seja, a modernidade e a globalização criaram o que ele definiu como uma “territorialidade desenraizada” (Ortiz, 1997). Esta é resultado de processos de desterritorialização e reterritorialização, os quais alteram a percepção espacial. Uma característica essencial da globalização é a desterritorialização (Santos, 1997), mas a conquista e o acesso à terra não representam a sua antítese. O acesso à terra, como um processo de localização, não é uma antítese à globalização e seus processos de interação entre global e local (Giddens, 1991), mas representa uma reterritorialização que dá novos sentidos aos lugares. Diferentemente da noção de deslocamento e esvaziamento do espaço como “unidade geográfica elementar” (Ortiz, 1997), esta luta recoloca a importância da noção de território e de lugar, como parte da experiência humana de espacialidade. A estrutura espacial (entendida como resultado de processos sociais, inclusive de embates pelo poder) é parte fundante da construção e representação da vida cotidiana. A luta pela terra materializa esta importância porque é, explicitamente, a busca por um lugar, geograficamente localizado e delimitado. A luta pela terra é um processo social de reforço de vínculos locais e de relações de pertencimento a um determinado lugar, se constituindo em um processo de reterritorialização que situa as pessoas em um espaço geograficamente bem delimitado. O assentamento (e as próprias parcelas e lotes) é caracterizado por limites e fronteiras, resultado de conflitos e lutas sociais que dão identidade e sentimentos de familiaridade a seus habitantes. Isto não representa necessariamente uma contradição com a globalização, mas é uma revalorização da importância do lugar e do local (Giddens, 1995). 19 A luta pela terra é uma busca por um pedaço de terra como um lugar de trabalho, de moradia, de cidadania, de vida. Apesar de todas as dificuldades e problemas, os assentamentos – grandes propriedades fundiárias repartidas – são a materialização de uma espacialidade efetivamente vivida e socialmente construída (Soja, 1993). Resultado de conflitos sociais e disputas políticas, os assentamentos são lugares identitários, históricos e relacionais (Augé, 1997). Apesar de descontinuidades espaciais, os assentamentos não são ilhas mas territórios, social e politicamente demarcados, resultados do exercício do “poder de di-visão” (Bourdieu, 1996), ou simplesmente “contexturas das práticas sociais” (Soja, 1993). São, portanto, espaços singulares que possibilitam um “convívio face a face” (Berger e Luckmann, 1998), abrindo a possibilidade para novas interações e resignificações identitárias e representacionais.17 A criação dos assentamentos gera uma nova organização social, econômica e política. Segundo Martins, os projetos de assentamentos são “uma verdadeira reinvenção da sociedade” como “uma clara reação aos efeitos perversos do desenvolvimento excludente e da própria modernidade” (2000, p. 46s).18 Nessa mesma perspectiva, Carvalho (1999) trata os assentamentos como “um processo social inteiramente novo”. Segundo ele, Nesse espaço físico, uma parcela do território rural, plasmar-se-á uma nova organização social, um microcosmo social, quando o conjunto de famílias de trabalhadores rurais sem terra passarem a apossarem-se formalmente dessa terra. Esse espaço físico transforma-se, mais uma vez na sua história, num espaço econômico, político e social (Carvalho, 1999, p. 7). Pensados como “encruzilhadas sociais” (Carvalho, 1999), os acampamentos e assentamentos são lugares de sociabilidade, diferenciados entre si basicamente pela oportunidade de acesso à terra. As experiências de luta, privações, desejos e sonhos – associadas às histórias de vidas, verdadeiros itinerários biográficos de deslocamentos19 em busca de sobrevivência – forjam novas identidades e perspectivas de vida. 17 Esta perspectiva abre espaço para interpretar a luta pela terra como a busca e a construção de “heterotopias” (Foucault, 1984), ou seja, a constituição de “outros lugares” como espaços, simultaneamente reais e imaginários, contestatórios de valores estabelecidos pela sociedade ocidental contemporânea. 18 Ainda segundo Martins, o processo de re-socialização modernizadora nos acampamentos resulta que, nos assentamentos “...a sociedade é literalmente reinventada, abrindo-se para concepções mais largas de sociabilidade e, ao mesmo tempo, fortalecendo as concepções ordenadoras da vida social provenientes do familismo antigo” (2000, p. 47). 19 Os relatos biográficos – como verdadeiros itinerários de deslocamentos em busca de sobrevivência ou simplesmente “sintaxes espaciais” (Certeau, 2000) – revelaram uma série de desejos, imagens, sonhos e representações que desvelam a realidade social e política da luta pela terra em Goiás, influenciadas pelos processos ampliados de transformações na sociedade brasileira. 20 Apesar de considerar os acampamentos como espaço de “sociabilidade instável”, Martins enfatiza que a ressocialização nesta fase da luta pela terra “...por força do convívio e dos enfrentamentos conjuntos com estranhos. Há aí, pois, um alargamento de horizontes e de convivência” (2000, p. 47). Este convívio cotidiano e a interação face a face abrem caminho para o “intercâmbio contínuo das diferentes expressidades” (Berger e Luckmann, 1998, p. 47)20 e a construção de novos vínculos identitários. O acampamento é o lugar onde diferentes biografias se encontram e iniciam novos processos de interação e identidade sociais, os quais ganham diferentes contornos nos projetos de assentamento. Mais do que um simples espaço de transição (uma passagem) é um lugar identitário, um lugar privilegiado de reconstrução de identidade e de interação sociais. Estas “encruzilhadas sociais” são lugares (diferente dos assentamentos) de sociabilidade e construção de identidades, e não apenas uma passagem na luta pela terra, temporária e marcada pela ausência de significação. Os acampamentos e assentamentos são lugares fundamentais no processo de constituição de identidade e re-significação do mundo. A diferença mais significativa entre estes dois lugares é terra, ou seja, o sonho e o desejo da terra (acampamento) e a realidade do acesso à mesma (assentamento). O acesso a esta transforma a realidade e a identidade dos “sem terra” em pessoas “com terra”, gerando diferenças nas formas de organização e demandas políticas, sociais e econômicas. O processo de luta e a construção simbólica colocam a terra (acampamentos e assentamentos) como um lugar de vida, uma moradia, capaz de acolher e dar sentido à existência. Diferentemente dos processos de deslocamento do espaço do lugar (Giddens, 1991), a terra é representada como um local, geograficamente localizado, que possibilita trabalho e moradia. Representada como lugar de morada, a terra se transforma em símbolo de fartura e garantia de futuro, materializando a possibilidade de reprodução social. A luta pelo acesso a terra significa ainda um processo de construção de alternativas à realidade atual, portanto, na construção simbólica da terra como uma heterotopia, ou seja, um lugar, simultaneamente real e imaginário, de oposição às tendências de homogeneidade do espaço da modernidade (Foucault, 1984). 20 Segundo esses autores, a vida cotidiana é partilhada com outros na situação face a face. Esta é a experiência mais importante – o “protótipo da interação social” – quando as expressões de uma se orientam na direção da outra pessoa, criando uma “reciprocidade de atos expressivos” (Berger e Luckmann, 1998, p. 47). 21 Conseqüentemente, a terra não significa somente a sustentabilidade física da vida humana, portanto, não tem apenas um significado real de cunho político, econômico e social, mas tem também um sentido simbólico. Terra é vida, portanto, lugar e meio de produção e reprodução social. A luta dos sem terra é uma luta por uma heterotopia (Foucault, 1984), um “outro lugar” qualitativamente diferente e de resistência ao processo de desterritorialização, forçada pelo modelo agrário e agropecuário implantado no Brasil. Conclusão O Estado de Goiás tem sido palco deste processo de “re-invenção” ou “recriação” do rural através da luta pela terra. O sonho de possuir um lugar para viver, morar e trabalhar tem levado muitas famílias a ingressarem na luta por um pedaço de chão, saindo inclusive das cidades do Estado, em um movimento de “retorno” ao campo. As lutas por terra, educação, trabalho, infra-estrutura, vêm incorporando outros elementos e valores que possibilitam processos sustentáveis de desenvolvimento, melhoria nas condições de vida e preservação do meio ambiente. Todo esse processo de mobilização e luta se constitui, portanto, também na expansão da modernidade para o meio rural, calcada em valores diferentes dos impostos junto com o atual padrão de modernização tecnológica e produtiva. No contexto de globalização, a luta pela terra materializa a luta por um lugar, buscando melhores condições de vida (cidadania) e transformando as conquistas em processos de apropriação de territórios, ou seja, em reterritorializações. As mobilizações, articulações e lutas dão protagonismo social e político às organizações agrárias. Este protagonismo representa também um processo pedagógico que transforma as pessoas em atores e sujeitos de suas próprias biografias. Isso faz dessa luta um movimento moderno que permite releituras e consolidação de novos valores no meio rural, o que não dilui diferenças mas estabelece novas inter-relações entre campo e cidade. As mobilizações e lutas pela terra constroem sujeitos e transformam a realidade rural possibilitando a emergência de uma nova ruralidade. Baseada em valores e pressupostos diferentes do atual padrão de modernização e desenvolvimento, esta ruralidade se constitui na materialização da modernidade no campo. A luta pela terra é, portanto, a passagem para esta modernidade porque implica em uma série de mudanças, reais e simbólicas, que alteram as condições de vida, produção, relações com a natureza, etc., no meio rural brasileiro e em Goiás. 22 Bibliografia 1. ABRAMOVAY, Ricardo. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. São Paulo e Brasília, IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2000. 2. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo, Boitempo Editorial, 1999. 3. ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. Entre o holismo e o individualismo: Tipos morais e cultura política no Brasil. 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