Salário Mínimo e Regime de Crescimento Carlos Aguiar de Medeiros (IE/UFRJ) IBRE/FGV, Maio 2014 Salário Mínimo e Taxa de Salários • O salário mínimo é essencialmente um salário político. Macroeconomicamente sua a relevância é proporcional à sua influencia sobre a taxa de salários no país, isto é, sobre os salários dos trabalhadores não qualificados. • Um salário mínimo muito baixo ou muito alto em relação ao salário médio ou a renda per capita da economia possui escassa efetividade macroeconômica. • Com a elevação do nível absoluto do salário mínimo tal como ocorrido no Brasil este passou a ganhar crescente importância para a formação desta taxa. • Devido ao seu positivo efeito para a distribuição da renda e para o consumo popular argumenta-se que a atual política de valorização do salário mínimo contribui para um regime de crescimento inclusivo mas deve ser combinada com políticas voltadas para o aumento de produtividade sobretudo em relação aos bens/serviços salários. Salário Mínimo e Crescimento Econômico na Economia Mundial da última Década • • Na última década, houve um maior esforço tanto em países em desenvolvimento como em países industrializados independente do seu nível e grau de abrangência, para elevação do salário mínimo. Na China, o sm é descentralizado crescendo mais do que 12% nos últimos anos e pelo menos 40% do salário médio, no Brasil, com a política de valorização instituída na metade da década segundo a inflação passada e o PIB dos dois anos anteriores o seu poder de compra praticamente dobrou. Ao lado do reconhecimento de seu efeito positivo sobre a distribuição de renda e redução da pobreza, com a crise global de 2009, as usuais preocupações dos economistas com possíveis efeitos negativos do aumento dos salários sobre o emprego, competitividade externa (elevação do custo do trabalho) ou com a inflação, passaram a disputar maior espaço com estudos teóricos e empíricos alternativos salientando tanto o seu papel positivo sobre a demanda agregada e o regime de produtividade. A Evolução do Salário Mínimo e a Taxa de Salários no País • Historicamente o descolamento do salário mínimo do salário médio e da renda per capita –sobretudo entre 1980 e 1994- reduziu sua influencia sobre a taxa de salários predominante no setor formal da economia, isto é sobre a remuneração da população assalariada não qualificada e, conseqüentemente sobre a distribuição da renda e da massa salarial. • Com a recuperação do seu poder de compra crescente influencia sobre a formação da taxa de salários de amplos segmentos dos trabalhadores assalariados formais e informais e da renda dos trabalhadores autônomos sem recursos de qualificação. Idem • Internacionalmente, de acordo com Global Wage Report da ILO o salário mínimo brasileiro registrado no final da década situava-se exatamente numa posição intermediária (pouco acima de $250 em paridade do poder de compra e em média semelhante com a registrada na América Latina) e em relação à renda per capita, situava-se abaixo da média (algo como 30%). • Os baixos salários são considerados na literatura comparativa internacional (ILO, 2012) como aqueles inferiores a 2/3 do salário mediano horário mensal. Na China o SM de 2015 é 40% do salário médio. Se considerarmos como um valor usual um salário mínimo situado em torno de 40% do salário médio observa-se que o salário mínimo brasileiro começou a aproximar desta relação apenas em 2011 O Regime de Crescimento da Última Década • A elevação do poder de compra do salário mínimo se deu num contexto de ampla expansão do emprego. Houve aqui uma via de mão dupla: como o salário mínimo é base para as transferências previdenciárias, a elevação do salário mínimo real possuiu importante impacto para a redução da pobreza e o consumo popular, a elevação deste e as mudanças nos padrões de consumo decorrentes da expansão do crédito levaram por sua vez à expansão do emprego formal difundindo o salário mínimo para a base do mercado de trabalho contribuindo positivamente para a demanda agregada. • No regime de crescimento da última o crescimento do assalariamento se deu a uma taxa muito superior a do crescimento observado na população ocupada. Evolução do Salário Mínimo Real Fonte: Ipeadata *empregados com carteira/ total de empregados + conta própria Formalização: Principais Hipóteses • Interação de diversos processos econômicos e institucionais. No plano econômico o principal movimento foi o aumento do consumo interno particularmente estimulado pelo aumento do salário mínimo e das transferências sociais e, de outro, das mudanças nos padrões de consumo associadas tanto ao aumento de renda quanto à difusão do crédito. • Houve um deslocamento do consumo para bens e serviços regularmente oferecidos nos estabelecimentos mercantis levando a um aumento do emprego nos estabelecimentos maiores. • No plano social as políticas de renda ampliaram as possibilidades de emprego formal (socialização positiva do indivíduo) diminuindo o número daqueles compulsoriamente ocupados em estratégias de sobrevivência (em particular no Nordeste e nas atividades agrícolas). Com o mercado de trabalho aquecido os trabalhadores passaram a demandar maior formalização devido aos salários indiretos associados à carteira e, sobretudo como via de acesso ao crédito. Os Efeitos do SM sobre os baixos salários e rendimentos • Na base da pirâmide salarial os rendimentos dos trabalhadores domésticos e os dos assalariados rurais aumentaram mais do que os demais e foram arrastados essencialmente pelo maior crescimento do salário mínimo. Houve uma convergência maior entre o salário médio e mediano dos empregados com carteira e o salário dos empregados sem carteira e os ocupados por conta própria, justamente a base da pirâmide distributiva. • Embora o assalariamento formal seja relativamente pequeno na agricultura brasileira, a expansão dos mecanismos de fiscalização ao lado de maior sindicalização resultou tanto num aumento da formalização quanto na elevação dos salários pagos no trabalho assalariado informal (eventual). Ou seja, não apenas estas ocupações reduziram-se relativamente, mas os que permaneceram nestas posições obtiveram um crescimento em suas rendas maior do que o crescimento médio dos empregados formais. • “Efeito farol” • “Efeito propulsão”. Os Efeitos do Salário Mínimo sobre os Demais Salários • Redução do salário médio em relação ao salário mínimo na maioria dos setores com a exceção da indústria de extração. Em particular destaca-se a queda do salário médio em relação ao salário mínimo na indústria de transformação. Os salários médios na indústria de transformação tanto em setores mais dinâmicos e menos intensivos em mão de obra quanto nos setores mais intensivos em mão de obra (como a têxtil) cresceram no período a taxas inferiores do que a do salário mínimo. • Salários e Preços Relativos • A valorização da taxa real de cambio contribuiu ao longo da segunda metade da década para que os preços industriais aumentassem a uma taxa inferior a do salário mínimo. O efeito combinado do cambio valorizado, grande penetração das importações, elevação proporcionalmente maior dos preços agrícolas e aumento do salário mínimo levou a estratégias de contenção dos salários mais altos visando conter o custo do trabalho da indústria de transformação. • Na indústria os setores mais afetados pela concorrência reduziram os postos de trabalho de maior qualificação e salários mais altos ampliando a contratação para os de menor qualificação e salários; os salários dos trabalhadores mais qualificados cresceram menos do que os salários de menor qualificação fortemente colados com o mínimo. A funcionalidade da atual política do Salário Mínimo • São escassos os estudos sobre a influencia do salário mínimo sobre os preços mas é possível considerar que a medida que o salário mínimo ganhou importância para a taxa de salários da economia aumentou também sua relevância para a formação dos custos salariais. A forte contração da taxa de investimento a partir de 2010 suspendeu a possibilidade de uma estratégia alternativa baseada na modernização visando ao aumento da produtividade. Taxa de Juros, Salário Real e TCR • A valorização do cambio contribuiu para a redução da taxa real de juros e a elevação do SMR • Na medida em que o salário mínimo passa a ter influencia maior sobre a taxa de salários, uma política de valorização do SM poderia ser contestada a partir de seu efeito negativo sobre a inflação e competitividade externa. • Se se admite a existência de forte elasticidade entre o cambio e as exportações líquidas poder-se-ia argumentar que uma taxa de cambio favorável à indústria levaria a um regime de crescimento em que as exportações possuiriam maior efeito positivo sobre o balanço de divisas, demanda e na produtividade. • As evidencias entretanto são escassas, adicionalmente Produtividade e Inserção externa • • • Duas transformações estruturais desafiam uma trajetória exportadora na indústria de transformação. A primeira é a integração nas cadeias globais de valor. Nas indústrias com processos produtivos modularizados na eletrônica, bens de capital, automobilística, etc. as exportações possuem elevado componente importado, o Brasil está marginalmente integrado nestas cadeias e um aumento hoje das exportações passa por uma maior integração, mas esta maior integração eleva o o conteúdo importado (de partes e componentes). A menos que se desenvolvam capacitações tecnológicas nas atividades com maior valor adicionado doméstico “à jusante” e “à montante” das cadeias produtivas, dificilmente o balanço de divisas industrial será estruturalmente distinto. A segunda circunstancia estrutural é o forte declínio dos preços industriais nas industrias de fabricação intensivas em mão-de-obra quer nas indústrias tradicionais (têxtil, vestuário) quer nas com maior conteúdo tecnológico (na eletrônica de consumo, máquinas elétricas, etc.) decorrentes da ascensão chinesa. Estes preços refletem os custos unitários de trabalho predominantes na China, - em que pese o SM ser hoje $300 em Shenzen, a produtividade é muito mais alta- que se situam num patamar inferior a metade dos que predominam no país. A Funcionalidade da Política Atual • • • • • Estas circunstâncias tornam pouco exeqüíveis uma mudança no regime de crescimento “liderado pelos salários” que supostamente teria predominado no país para um regime “liderado pelas exportações”. Devido ao baixo conteúdo importado tanto do consumo popular – isto é dos domicílios com renda inferior a 10 SM- quanto do consumo do governo, o prosseguimento da política de recuperação do seu poder de compra e a da expansão dos investimentos públicos em infraestrutura e serviços possui baixa demanda direta de divisas e amplo impacto no emprego e na qualidade de vida da maioria. Como forma de atenuar as pressões dos custos salariais sobre os preços: políticas tecnológicas visando ao aumento da produtividade, sobretudo naqueles bens e serviços que possuem alto impacto sobre o consumo popular – alimentos, tarifas públicas, remédios, habitação, transporte urbano são essenciais para a contenção de custos que impactam excessivamente sobre os salários reais e se plenamente seguidos comprometem a competitividade externa. negociação de políticas de renda de forma a manter a política de valorização do salário mínimo e evitar um acirramento no conflito distributivo e elevação da taxa de juros torna-se crescentemente importante. Evolução Índices de preços e salários (2000 = base 100) 400 350 IPA indústria 300 250 IPA agricola 200 150 100 SM Real 50 0 2000200120022003200420052006200720082009201020112012 Fonte: Ipeadata