Especificidade da terminologia de uma área humana e

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ESPECIFICIDADE DA TERMINOLOGIA DE UMA ÁREA HUMANA E SOCIAL
Anna Maria Becker Maciel
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS, Brasil)
[email protected]
1.
Introdução
O objetivo desta comunicação é contribuir para a pesquisa da especificidade da terminologia das
áreas humanas e sociais. É uma reflexão de natureza teórica que tem uma vertente aplicada
relevante, uma vez que entender como se configura o estatuto terminológico de uma unidade lexical
na comunicação de determinada temática é a primeira etapa no processo de descrição de uma
linguagem especializada.
A terminologia tradicional, nascida da Escola de Viena, acreditava que a estruturação de um
domínio em suas noções básicas era o caminho mais seguro para essa descrição. No entanto, a
Terminologia da atualidade não se preocupa somente em saber como dado conhecimento se
estrutura, mas quer examinar também a maneira como tal conhecimento é comunicado aos
diferentes grupos sociais que dele precisam (Beaugrande, 1996, p.14). Nesse sentido, propostas de
estudos terminológicos de tendências sócio-comunicativas nos levam a acreditar que, juntamente
com a face cognitiva, é preciso considerar várias outras faces da comunicação e conceber a
comunicação especializada em uma perspectiva multidimensional e poliédrica (Cabré, 1999).
Nesse entendimento, o papel da comunicação no universo científico, tecnológico e profissional
não se resume à transmissão do saber de um interlocutor para outro como se poderia postular.
Muito mais do que isso, seu papel abrange outros propósitos envolvendo intenções normativas e
persuasivas que se mesclam à motivação informativa básica. Essas intenções são derivadas da
natureza da temática, dos desejos, necessidades e condições sócio-culturais dos interlocutores e
agregadas às circunstâncias do contexto situacional. Desse modo, tais intenções contribuem para
caracterizar os textos especializados no sentido de que eles não são neutros, o que também se
reflete na seleção lexical, configurando sua especificidade terminológica.
Em certas áreas temáticas, especialmente no domínio das chamadas ciências duras, parece ser
fácil a tarefa de detectar a especificidade de um termo. No entanto, o aprofundamento dos estudos
terminológicos e a multiplicação das aplicações terminográficas demonstram que essa facilidade é
ilusória. Não há campo técnico-científico ou profissional que se encontre isolado e demarcado com
precisão. Ao contrário, impera uma inter e transdisciplinariedade entre as diferentes áreas que se
avizinham, se interligam e se alimentam mutuamente e pelas quais indivíduos, especialistas e leigos,
transitam sem cessar com necessidades e propósitos diferenciados.
Por essa razão, deste e do outro lado do Atlântico, empreendem-se novas pesquisas em busca
de outros caminhos para o reconhecimento da especificidade do termo no texto especializado.
Entre essas pesquisas, quero destacar aquelas realizadas pela equipe do Projeto TERMISUL1 que
sempre priorizou as relações textuais do léxico especializado no contexto real da comunicação. Tal
perspectiva lingüístico-textual representa um contraponto à concepção de domínio de
conhecimento como o contexto que confere especificidade terminológica a uma unidade lexical
(Krieger; Finatto, 2004, p.119).
1
http://www.ufrgs.br/termisul
1
Quando se trata da terminologia de domínios que contemplam múltiplos aspectos do mundo e
do comportamento quotidiano do homem, as relações entre linguagem, campo temático,
interlocutores e intenções se processam de maneira dinâmica em um universo que não é somente
cognitivo, mas semiótico e semântico-pragmático. Esse universo exige a adoção de uma abordagem
inter e transdisciplinar que, ultrapassando rígidos paradigmas reducionistas, consiga dar conta da
complexidade da comunicação especializada, contemplando as múltiplas funções que a compõem e
que instauram sua especificidade.
No propósito de colaborar para uma tal abordagem, apresento aqui um estudo na perspectiva
da investigação básica e aplicada com a intenção de trazer uma pequena contribuição para o
enriquecimento das fontes do saber e das atividades em Terminologia. São reflexões, nascidas de
pesquisas empíricas, que procuram identificar os elementos responsáveis pelo significado em um
texto especializado. Tais reflexões visam a apontar caminhos para futuros estudos e, ao mesmo
tempo, abrir veredas para novas aplicações terminográficas.
Nessa direção, enfoco neste estudo a terminologia de um domínio que não se enquadra no
perfil tradicional das ciências exatas, biológicas e humanas, uma área híbrida cuja comunicação
envolve, além de visões de mundo, interesses individuais e sociais. Trata-se de uma área nova cuja
terminologia ainda não está consolidada e que tampouco foi alvo de estudos lingüísticos: o marketing
verde.
2.
Caracterização do marketing verde
Houaiss (2001) define marketing como o conjunto de ações estrategicamente formuladas que visam a
influenciar o público quanto à determinada idéia, instituição, marca, pessoa, produto ou serviço. Seu
dicionário registra os hipônimos marketing cultural, marketing político e marketing social. Como outros
dicionaristas, tais como Ferreira e Michaelis, Houaiss também oferece a forma vernácula
mercadologia em uma tentativa de substituir o empréstimo inglês já consagrado pelo uso
No entanto, marketing com o qualificativo verde não se encontra em nenhum dicionário. O
termo com diversas variantes, até hoje usadas, como marketing ecológico e marketing ambiental, hoje
de uso corrente na mídia, apareceu pela primeira vez em língua inglesa como green marketing, ecological
marketing, environmental marketing, nos anos setenta, quando a AMA (American Marketing Association)
realizou um encontro com a intenção de discutir o impacto do marketing sobre o meio ambiente
(Henion; Kinnear, 1976). Nessa época significava “o estudo dos aspectos positivos e negativos da
publicidade das empresas sobre a poluição, sobre o desperdício de energia e recursos não
energéticos” (Polonsky,1994).
A esse respeito, gostaria de observar que a evolução do significado de marketing verde merece
ser objeto de um estudo sob a luz dos pressupostos da Terminologia sócio-cognitiva porque o
direcionamento dessa estratégia publicitária tomou outros rumos. O foco original de atenção
continua o verde, cor da natureza viva, isto é, o cunho ecológico da propaganda está presente, mas
seu propósito é distinto. Agora o alvo a ser atingido é a preferência do público consumidor pela
empresa que se esforça por investir na preservação dos recursos naturais para o bem de todos.
O conceito de marketing verde se expandiu e adquiriu nova conotação a partir do movimento de
conscientização ambiental desencadeado pelas Cúpulas da Terra e pelos tratados de Direito
Ambiental Internacional. Depois da Eco92, marketing verde passou a significar um tipo peculiar de
comunicação entre duas instâncias do mundo econômico: o produtor e o consumidor e não, como
anteriormente, uma área temática entre os empresários. Na concepção atual, a ênfase na proteção
da natureza não foi posta de lado, mas é usada como um meio de promoção comercial de fins
2
competitivos de tal maneira que fez surgir o slogan “o verde é negócio”2 que bem traduz a idéia de
que proteger a natureza significa investimento econômico.
Desde então, em uma perspectiva comercial, as organizações procuram construir sua “imagem
verde” através de uma linguagem publicitária nitidamente marcada por propósitos ambientalistas.
Nesse contexto, conforme afirma a especialista em marketing empresarial, Jacquelyne Ottman, em
meio à onda do desenvolvimento sustentável, muitas empresas perceberam que podem lucrar com
a estratégia verde, inserindo-a em seus programas de gestão de qualidade e de marketing, agregando
valor e diferenciação a seus produtos e serviços no panorama competitivo do mercado econômico
(Ottman, 1993).
3.
Pressupostos básicos
A caracterização do marketing verde como o lugar da interação do empresário e o consumidor revela
uma complexidade tal que não permite que sua estruturação seja empreendida a partir de uma
árvore de domínio conforme a metodologia tradicional sempre recomendou. Por essa razão, ao
invés de tratar o marketing verde como uma estrutura de conhecimento hierarquicamente
organizada, parece mais produtivo, considerá-lo como uma comunicação mercadológica em um
contexto sócio-cultural característico da atualidade, isto é, dentro da problemática ambiental de um
mundo cujos recursos naturais estão ameaçados. Nesse quadro, saberes e propósitos de diferentes
áreas se mesclam, se confundem e, em um amálgama, instauram uma comunicação de
características específicas que utiliza uma terminologia própria.
Essa perspectiva prioriza o texto como o espaço em que o sentido é produzido na medida em
que a comunicação se realiza em um processo no qual a intenção do destinador não é fazer saber,
mas fazer fazer. O destinador, isto é, aquele que lidera a interlocução, não visa apenas a transmitir
uma informação, mas quer conseguir a adesão do outro a suas crenças afim de levá-lo a assumir
determinada atitude. Nessa ótica, os pressupostos teóricos básicos da semiótica greimasiana
(Greimas; Courtés, 1979) revelam-se capazes de explicar o mecanismo da estratégia comunicativa
que se desenvolve no marketing verde, uma vez que essa estratégia se resume em levar o outro a agir
de acordo com aquilo que lhe é proposto. Desse modo, uma verdadeira manipulação se caracteriza,
pois o destinador apela para a emoção do destinatário, lançando mão de recursos persuasivos para,
a partir do “fazer crer”, conduzir ao fazer fazer.
Assim, dando primazia ao desempenho do destinatário na produção do sentido no texto, a
semiótica greimasiana parece oferecer o suporte necessário para traçar as coordenadas do quadro
teórico de uma pesquisa terminológica realizada em corpora sob a luz da Terminologia Textual e das
bases teórico-metodológicas da Lingüística de Corpus. Essas três abordagens defendem que o
significado do termo se configura no uso da unidade lexical na comunicação e valorizam texto no
evento comunicativo. Nesse sentido, seus pressupostos podem ser conjugados, configurando uma
visão ampla e abrangente da multiplicidade de facetas que uma unidade lexical apresenta na
comunicação especializada.
A Terminologia Textual não vê a significação como um dado a priori, mas como um processo
de produção de sentido num texto dado. Por isso, concebe o termo como um construto da análise
do terminólogo, validado pelo especialista da área temática e não uma realidade virtual concebida
pelo cientista e coletada pelo terminólogo in abstrato. Assim, de um lado, considera a pertinência da
unidade lexical em relação ao corpus pesquisado e identifica as estruturas específicas e estáveis de sua
2
diz Hans Jöhr, em obra com mesmo título.
3
ocorrência. De outro lado, considera a pertinência da unidade em função do usuário da
terminologia em foco, da validação do especialista da área e da natureza do produto terminográfico
a ser elaborado (Bourigault; Slodzian, 1999).
Também a Lingüística de Corpus investiga o uso da língua em uma abordagem empirista.
Defende a visão probabilística da linguagem e a configuração sistêmico–funcional do significado no
contexto. Nesse sentido, prioriza o modelo de língua que considera três aspectos principais: o
desempenho dos falantes, os fatos psicológicos da competência individual juntamente com os fatos
sociais da língua como sistema (Stubbs 2001, p.23). Desse modo, também a Lingüística de Corpus
pode ser aproximada à proposta greimasiana, já que ultrapassa o radicalismo das repetidas
dicotomias tradicionais: langue/parole, intuição/dedução, racionalismo/empirismo.
Em resumo, nesse quadro, sob a luz de princípios semióticos básicos e dos pressupostos da
Terminologia Textual e da Lingüística de Corpus, procedi a um estudo exploratório em um corpus
de textos da temática do marketing verde. Meu objetivo foi, através da análise de dados empíricos,
investigar, em uma área humana social de propósitos persuasivos, como se instauram os
mecanismos que atribuem especificidade a um item lexical atribuindo-lhe o estatuto de termo.
4.
Reconhecimento da área
O estudo foi precedido por um trabalho piloto (Maciel et alii, 2004ª; Maciel 2004b) em que se
procurou identificar a terminologia usada pelos empresários com a intenção de criar a imagem
ambientalmente responsável e ecologicamente correta de suas organizações. Em primeiro lugar, foi
feito o reconhecimento do campo, procurando caracterizar o domínio em foco quanto à sua
natureza e posição dentro de uma área maior, a gestão ambiental empresarial.
Esse reconhecimento se procedeu através da leitura manual de uma amostragem de textos
informativos veiculando os conceitos básicos do marketing verde, enquanto campo de conhecimento
e enquanto técnica, e também da leitura de textos publicitários das empresas. Nesses, foram
identificadas unidades lexicais relacionadas com a problemática da conservação da natureza tais
como marketing verde, tecnologia mais limpa, produção limpa, proteção à natureza, compromisso
ambiental, ecologicamente correto entre outros. Essas unidades foram consideradas candidatos a
termo e, como tais serviram como primeiras chaves de busca para coleta de textos em sites
acadêmicos3, sites de organizações4 como em sites da responsabilidade das próprias firmas
comerciais5.
5.
Constituição do Corpus
Para a constituição do corpus, por razões metodológicas e operacionais em função do uso de
instrumentos informatizados para a análise, optou-se por textos já encontrados em forma digital,
acessados via Internet. Dois conjuntos perfazem o corpus: o primeiro é o corpus de estudo
propriamente dito, que focaliza o marketing verde; o segundo é o corpus de referência formado por
dois subcorpora, língua comum, e linguagem especializada. No corpus de estudo foram pesquisados os
candidatos a termo. Os corpora de referência serviram de contraponto para comprovar se as
3
tais como o da Escola de Administração da UFRGS
como o do Centro Nacional de Tecnologias Limpas, SENAI, RS
5 tais como SHELL, ARACRUZ, NATURA entre outros.
4
4
unidades lexicais consideradas típicas da área temática em foco também ocorriam quer em um corpus
com outras características de especialização, quer em um corpus de língua comum.
O corpus de estudo abrange três segmentos, subcorpora A, B e C, que têm o cuidado com a
preservação ambiental, como denominador comum, mas, os interlocutores, os propósitos da
comunicação e as funções comunicativas como diferencial. O primeiro, subcorpus A, contem
aproximadamente 240.000 palavras. São 24 textos de caráter didático, coletados de periódicos
acadêmicos, teses, conferências e boletins informativos dirigidos pelo especialista ao não
especialista. No grupo dos não especialistas, incluem-se estudantes de administração de empresa,
administradores, empresários e profissionais da defesa do meio ambiente, jornalistas e políticos. Por
se tratar de um domínio emergente ainda em formação, tais textos se constituem em fonte primária
para a construção do novo campo de conhecimento e atividade e, portanto, básicos para a
constituição de sua terminologia.
O segundo segmento, subcorpus B, compreende 100.514 palavras. São 134 peças publicitárias
dirigidas pelas empresas ao mercado consumidor. Trata-se de textos comerciais colocados na
Internet, seja na forma de propaganda paga, seja na forma de releases, isto é, notas divulgadas pela
mídia gratuitamente. São textos que visam ao consumidor com o propósito de construir a imagem
ambientalmente correta da organização antes que oferecer produtos e serviços,.
O terceiro segmento, subcorpus C, se compõe de 22 textos jornalísticos (200.000 palavras),
coletados na Internet a partir de sites ambientalistas e de sites de jornais dedicados à temática
ambiental. Redigidos por ecojornalistas, isto é, profissionais da imprensa que se dedicam às
questões do meio ambiente e/ou por Organizações Ambientais Não-Governamentais, as chamadas
ONGs, focalizam questões cruciais que envolvem a proteção da natureza frente à exploração
econômica. São textos que não poupam críticas a poderosas organizações que, assumem frente ao
público a posição de protetoras do meio ambiente para esconder seus verdadeiros propósitos
comerciais.
Os três conjuntos de textos recolhidos perfazem o corpus de estudo no total de 214 textos e
cerca de 440.000 tokens, isto é, palavras gráficas entendidas como o espaço escrito precedido e
seguido de espaços em branco.
Como corpus de referência de língua comum foi escolhido um corpus de textos jornalísticos de
um periódico de ampla circulação e tiragem. A escolha do tipo de texto se justifica porque a
imprensa jornalística é o grande veículo divulgador tanto do marketing como da problemática
ambiental e, além disso, porque a linguagem da mídia tende a espelhar a linguagem comum do
público brasileiro. Trata-se do corpus fechado e anotado, Mac-Morph, do Projeto Lácio-Web6:
composto de 1.167.183 palavras formado por artigos jornalísticos retirados da Folha de São Paulo,
ano 1994, dos cadernos esporte (ES), dinheiro (DI), ciência (FC), agronomia (AG), informática
(IF), ilustrada (IL), mais! (MA), mundo (MU), Brasil (BR) e cotidiano (CO).
O subcorpus de linguagem especializada se compõe de 727.600 palavras. São textos da legislação
ambiental brasileira desde 1934 até junho de 2004,7 na forma integral, coletados do site do Senado
Federal, e do Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais renováveis, IBAMA. Trata-se de
textos normativos dirigidos ao público leigo pela autoridade constituída. .
6
http://www.nilc.icmc.usp.br/lacioweb/descricao.htm Projeto Lácio-Web, parceria de NILC (Núcleo
Interinstitucional de Lingüística Computacional), localizado no ICMC-USP, IME (Instituto de Matemática e
Estatística) e FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).
7 Base Textual da Legislação Ambiental do Projeto TERMISUL, UFRGS.
5
6.
Análise do corpus
Com o auxílio das ferramentas do WordSmith 4 (Scott, 2004) foram levantadas listas de palavras e
produzidas concordâncias8 nos subcorpora A, B e C, individualmente e em conjunto. O exame das
listagens mostrou uma grande semelhança quanto à presença das palavras consideradas
potencialmente polarizantes, isto é, palavras que revelam de maneira especial a carga semântica e
pragmática da área, e que ,por essa razão, são consideradas candidatos a integrar sua terminologia.
Como era de se esperar, o lema “ambiental” com 2.400 ocorrências no corpus alçança o maior
índice de freqüência Comparadas as listas de cada um dos conjuntos, verificou-se que com raras
exceções, o mesmo léxico é empregado em todos os três tipos de texto. A coleta sucessiva de
clusters, isto é, grupos de 2, 3, 4 e 5 palavras, permitiu identificar unidades lexicais recorrentes que,
por se inserirem na temática da área, foram consideradas candidatos a termo. A coleta dos
candidatos permitiu visualizar a área como um recorte da problemática ambiental dentro do
universo econômico e, ao mesmo tempo, descrever os candidatos a termo sob o ponto de vista de
sua formação quer na perspectiva morfológica quer nos aspectos semântico e pragmático.
7.
Perspectiva morfológica
Quanto à estrutura morfológica, os candidatos foram classificados em unidades monoléxicas e
poliléxicas. As primeiras, menos freqüentes do que aquelas formadas por dois ou mais elementos,
foram subdivididas em unidades monoléxicas simples, isto é, constituídas por um só morfema, por
exemplo, verde, limpo e unidades monoléxicas complexas formadas por mais de um morfema, por
exemplo, bioenergia. Essas ainda foram agrupadas em dois conjuntos de acordo com a origem dos
formantes, gregos ou latinos, como ecoeficiência e vernáculos, como renovável. Destacaram-se
também as unidades lexicais aparentemente simples, mas de formação complexa, tais como siglas,
MDL e abreviações 3 Rs, já lexicalizadas na linguagem em foco. Estrangerismos também
apareceram seja como unidades monoléxicas, benchmarking, ecobusiness, seja como sintagmas CFC free,
como siglas FSC de Forest Stewardship Council
Os candidatos que revelaram freqüência9 maior foram destacados e utilizados como nódulos na
produção de listas de concordâncias a fim de identificar, através da repetição de itens co-ocorrentes,
os principais padrões lingüísticos utilizados. Dessas listagens foram selecionados os candidatos
poliléxicos. Chamou atenção a ocorrência predominante de sintagmas formados por substantivo
mais adjetivo, tais como agricultura ecológica, café sustentável, ética ambiental, produto orgânico,
tecnologia limpa, compra verde.
8.
Aspectos semânticosemântico-pragmáticos
As marcas semântico-pragmáticas foram analisadas conjuntamente porque, na perspectiva semiótica
do quadro comunicacional, torna-se difícil, senão impossível, isolar as duas faces, semântica e
pragmática. Nessa perspectiva, os candidatos a termo foram divididos em três grupos: a) referentes
8 Nesse contexto, concordâncias são as listagens de um item lexical (composto de uma ou mais palavras)
acompanhado do texto a seu redor.
9 Observo, no entanto, que o critério de freqüência não é prioritário em terminologia como o seria em um
trabalho lexicográfico, pois um hapax em uma listagem de palavras de um texto especializado pode ter uma
grande representatividade temática.
6
a conceitos ecológicos e ambientalistas, tais com ecossistema e sustentabilidade; b) referentes a
qualidades não agressivas ao ambiente dos sistemas de produção, por exemplo tecnologia limpa e
produto verde; c) referentes à colaboração da empresa a projetos voltados para a conservação do
meio ambiente como educação ambiental, saneamento básico, produtos nativos.
As duas únicas unidades monoléxicas simples encontradas no corpus, os adjetivos verde e
limpo, foram submetidas a uma análise mais detalhada (Maciel, 2006). Analisadas segundo a
gramática de valências (Borba, 1996), verificou-se que seus padrões de uso no corpus de estudo e no
corpus de referência de língua comum se mostraram diferenciados. Enquanto na língua comum,
verde e limpo são adjetivos qualificadores que descrevem uma qualidade, nos textos de marketing
verde eles são classificadores indicando a categoria dos elementos que não agridem a natureza. Essa
constatação parece sugerir que outros adjetivos recorrentes no corpus, tais como ecológico,
sustentável e ambiental, têm função classificatória semelhante, ainda que isso não tenha sido
empiricamente comprovado nesta pesquisa
9.
Discussão dos resultados
Sob o prisma dos pressupostos adotados, o texto foi considerado, neste estudo, como um objeto de
significação e um objeto de comunicação entre especialistas e não especialistas e nele foram
investigados os mecanismos responsáveis por sua construção como uma totalidade de sentido.
Assim, foi possível perceber que o especialista, no caso o destinador, lança mão de recursos
lingüísticos, tanto morfossintáticos como semântico-pragmáticos e retóricos para convencer o
destinatário, o não especialista. Para tanto, apela para sentimentos emotivos, recorre à imaginação,
cria metáforas conduzindo aquele que recebe o texto a construir uma imagem favorável da empresa.
Nos dois primeiros tipos de texto, aqueles de caráter didático e de caráter essencialmente
persuasivo, para alcançar o objetivo, o destinador enfatiza o valor da natureza e dos recursos que
ela proporciona ao ser humano. Ao mesmo tempo, enfatiza a necessidade da adoção de tecnologias
não poluidoras e enaltece as qualidades dos produtos que não agridem o meio ambiente. Dessa
maneira, procura estimular o destinatário a adotar os princípios fundamentais de gestão ambiental,
no caso do texto didático, enquanto no texto publicitário, tenta convencer o consumidor a comprar
aquilo que é anunciado. Ambos os destinatários não especialistas são assim estimulados pelos
especialistas a aderir ao grupo daqueles que, como bons cidadãos do país e do mundo, preservam o
meio ambiente e defendem o bem comum de todas as gerações.
Em um complexo jogo em que informação, argumentação e persuasão se mesclam, o
destinador constrói a credibilidade da mensagem, demonstrando a excelência de seu sistema de
produção não poluidor; a nobreza de suas ações que oferecem apoio moral e financeiro a projetos
sócio-ambientais e culturais. Nesse entorno de comunicação, simples palavras da língua comum
adquirem significado especializado e passam a se constituir em termos, referindo conceitos
peculiares. Tal é o caso do adjetivo verde no qual a metáfora da cor da natureza viva evoca o meio
ambiente não agredido e que, como tal, se tornou o signo por excelência da área. Semelhantemente,
o adjetivo limpo extrapolou o significado da língua comum e transformou-se na qualidade essencial
de uma indústria não poluidora. Também em habitação sustentável não se encontra mais o
significado lexicográfico oferecido pelo dicionário, mas o conceito de um sistema de construção e
funcionamento de moradias que minimizam o consumo de recursos ambientais. Dessa maneira,
mecanismos semântico–pragmáticos ativam processos metafóricos e produzem termos como
simbiose industrial, tecnologia de fim de tubo, avaliação do berço ao túmulo.
7
Ao lado da interação produtor/consumidor, não é possível esquecer outra interação não menos
relevante para o contexto significativo do marketing verde, a comunicação em que o destinador é o
ambientalista, quer na figura do jornalista ambiental, quer na figura de uma Organização NãoGovernamental (ONG). São profissionais do meio ambiente que avaliam, comentam e criticam a
publicidade das empresas verdes. Nesse propósito, procuram manter a sociedade informada a
respeito do verdadeiro desempenho das firmas nas questões ambientais. Assim, divulgam não
apenas fatos positivos, mas apontam também as falácias daquilo que eles denominam maquiagem
verde. A função comunicativa saliente nesses textos é a avaliação crítica e como agentes formadores
ou manipuladores no sentido greimasiano merecem ser considerados como um fator importante no
marketing verde
De natureza híbrida, o marketing verde de um lado, abrange o universo cognitivo das ciências
exatas e biológicas, de outro, o mundo das ciências humanas e sociais. Tal hibridismo se reflete na
linguagem que revela aspectos da ecologia como ciência, quando fala em ecossistema, bioma e
biodiversidade, ao mesmo tempo reflete o movimento ambientalista e a legislação ambiental ao se
referir à avaliação de risco e ao princípio do poluidor pagador. De outro lado, entra na esfera da
economia, ao falar de mercado verde, no âmbito da administração ao se preocupar com gestão
ambiental e ainda, da engenharia da produção, quando preconiza tecnologias mais limpas, energias
renováveis, biocombustíveis e processos de reciclagem de material.
Em tal contexto, instaura-se uma comunicação de características mercadológicas que se vale de
um léxico propositalmente selecionado no qual significante e significado contribuem para produzir
a imagem do destinador com o fim de determinar a simpatia do destinatário. Desse modo, .o
marketing verde ultrapassa a esfera cognitiva da simples transmissão de informação e atinge as
fronteiras da manipulação da vontade. Objetiva que o público consumidor seja levado a também a
proteger o meio ambiente, e que essa atitude se traduza na preferência por organizações que cuidam
da preservação da natureza tanto porque procuram processos produtivos menos poluentes, seja
porque patrocinam projetos sócio-ambientais ou financiam a produção nativa.
Nesse quadro, o marketing verde é um campo multidisciplinar de limites pouco nítidos que
abrange o universo extralingüístico dos conceitos e das intenções dos interlocutores, das
circunstâncias, dos condicionamentos e dos contextos situacionais. Instaura uma comunicação que
tem como pano de fundo o panorama da problemática ambiental e como propósito obter um
diferencial competitivo no mercado. De um lado, alimenta a opinião pública voltada para
conservação da natureza; de outro, vale-se expansão da atitude preservacionista do ambiente criada
por essa mesma opinião pública. Nesse contexto, ao mesmo tempo em que manipula a opinião
pública, o marketing verde é manipulado pela “onda verde” que cada vez se expande mais.
Em suma, trata-se de uma estratégia publicitária que constrói um espaço na mídia com
interlocutores, propósitos e características peculiares. Seu objetivo é comercial e sua metodologia é
a criação da imagem “verde” da empresa, seu instrumento é a publicidade feita através de uma
linguagem abertamente marcada pelos propósitos e características da inter-relação
mercado/empresa/meio ambiente.
10. Considerações finais
Análise do corpus permitiu visualizar a área como um recorte da problemática ambiental dentro do
universo econômico e nele identificar a função persuasiva motivadora da seleção lexical que se
revela no texto de marketing verde. A grande ocorrência dos adjetivos verde, limpo, orgânico,
8
ambiental, ecológico demonstram a preocupação do autor em se colocar no clima sócio-cultural
dominante de cuidado com a natureza.
As empresas se caracterizam como ecologicamente corretas, seus processos produtivos são
limpos, não causam impactos na natureza e seus produtos são verdes, isto é, em conformidade com
as leis ambientais. Prioridade da vida como um bem a preservar sob todas suas formas é evocada
pela produtividade dos afixos eco a partir de ecologia e bio de biologia que fazem surgir
neologismos como ecoturismo, bioenergia e outros, mais raros, mas também econtrados no corpus
como ecocarne, ecocemitério.
Nesse panorama, o processo de comunicação instaura uma linguagem na qual a escolha das
palavras obedece a critérios motivados pela visão de mundo compartilhada pelos interlocutores e
ao, mesmo tempo, marcada pela presença do autor e sua intencionalidade. Tal linguagem não é de
maneira nenhuma neutra, mas é usada propositalmente para provocar efeitos de sentido que criam
a imagem ambientalmente correta da empresa e manipulam a vontade do consumidor e conseguem
sua preferência.
Este estudo constatou que as palavras que se constituem em termos, isto é, as unidades lexicais
tematicamente marcadas, que no processo de coleta eram apenas candidatos a termo, são
intencionalmente selecionadas com fins persuasivos nos propósitos estratégicos de uma
comunicação de fins mercadológicos. Como já vimos, o verde, por exemplo, não é usado como
uma metáfora semântica da cor da natureza viva, mas a evocação dessa imagem objetiva a adesão
ao movimento de conservação dos recursos ambientais; o mesmo acontece com os adjetivos limpo,
ecológico, sustentável e orgânico entre outros.
A proposta deste estudo foi investigar os mecanismos que configuram os traços peculiares de
uma unidade lexical no contexto da comunicação em uma área humana social e persuasiva. O
princípio de que a identificação de uma terminologia está vinculada ao reconhecimento dos
propósitos daqueles que a utilizam foi seu ponto de partida. Os resultados revelaram que o valor
persuasivo é a característica marcante dos termos do marketing verde. A análise dos dados mostrou
que a estratégia persuasiva recorre a processos metafóricos de manipulação da imaginação e da
vontade na constituição dessa terminologia. Como conclusão, gostaria de sugerir a realização de
outros estudos sobre a motivação de caráter persuasivo como um dos elementos capazes de
instaurar a especificidade de uma terminologia. Até agora, a maioria das pesquisas tem focalizado a
natureza semântica da motivação na formação de termos, enquanto o peso do valor persuasivo na
seleção dos termos não tem sido valorizado.
9
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