1 37° ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS 23 a 27 de setembro de 2013, Águas de Lindóia-SP ST 11 – O marxismo e seus críticos O marxismo frente a nações e nacionalismos Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2 O marxismo frente a nações e nacionalismos Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida∗ O primeiro registro de falta: Estado Ao dedicar uma resposta negativa ao título de seu célebre texto de 1975, Norberto Bobbio atualizou e conferiu grande dignidade a um clichê sobre a inexistência de uma doutrina (uma teoria?) marxista do Estado. Como veremos, a detecção de outra ausência se repetia desde o final do século XIX: o marxismo era incapaz de teorizar sobre nações e nacionalismos. No primeiro registro de falta, a tese da inexistência de uma teoria marxista do Estado fazia-se acompanhar do elogio a um antigo, portentoso e consolidado acervo de contribuições teóricas que, de múltiplas formas, se estruturava em torno do estudo das instituições políticas. O argumento de Bobbio é matizado, pois destaca dois aspectos importantes da “ideia política de Marx”: a articulação de “uma concepção realista do Estado a uma teoria revolucionária da sociedade” (Bobbio, 1979: 29); a tese de que o Estado é “um instrumento (sic) que serve à realização de interesses não gerais, mas particulares (de classe)” (Id: 30). Mesmo assim, Bobbio destacou três problemas, todos eles relacionados com o vínculo indissolúvel, no marxismo, entre teoria e prática. Mais especificamente, como pensar o Estado em um processo revolucionário, ou seja, no período de transição socialista? Dois destes problemas o autor já havia assinalado antes e serão expostos sucintamente no próximo parágrafo. O primeiro problema derivava da centralidade do foco na tomada do poder, o que privilegia a reflexão sobre o partido em detrimento do Estado. O segundo é que, após a conquista do poder, dado o caráter transitório da nova “forma de governo”, não haveria muito o que teorizar sobre esta, contentando-se os marxistas com as “fórmulas” elencadas por Marx especialmente em A guerra ∗ Professor do Departamento de Política e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP; coordenador do Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais (NEILS). 3 civil na França (Id: 14; 19; 31). Desta forma, ignorando “os clássicos do pensamento político” para quem sempre havia dois problemas teóricos fundamentais, “quem” governa e “como”, sendo este o mais importante, Marx e seus seguidores inverteram os termos. Tinham uma “concepção negativa da política” e, ao considerarem qualquer Estado “como o instrumento de domínio da classe dominante”, não viam porque se preocupar com as boas ou más formas de governo, mas com a eliminação de todas elas, o que redundaria na “extinção do Estado” e no “fim da política”. Com esta perspectiva, comprometeram o precioso estudo voltado para a segunda e principal questão: o das instituições políticas (Id: 28-9). O terceiro argumento era de ordem mais geral e apontava para “o abuso do princípio da autoridade”, que levava os marxistas a, ao invés de estudarem o mundo real, se deterem na leitura e releitura dos mesmos poucos textos de Marx sobre a transição para o socialismo. (Id: 17; 19; 31)1. Bobbio formulou sua célebre crítica pouco depois de a teoria marxista superar uma fase de imensa letargia. Na segunda metade dos anos 50, a denúncia do stalinismo e a intervenção da URSS na Hungria, já com Nikita Kruschev dirigindo o Estado soviético e o PCURSS; o crescente conflito destes com o seus homólogos na República Popular da China; a Revolução Cubana e as cisões nos partidos comunistas latino-americanos; a Revolução Cultural Chinesa; os movimentos de maio de 1968; tudo isso contribuía para um intenso processo de renovação prática e teórica do marxismo2. No que se refere à teoria política, em 1969, o intelectual inglês Ralph Miliband, professor da London School of Economics, com imensa coragem intelectual, publicou O Estado na Sociedade Capitalista, no qual tomava a ofensiva contra o forte establishment acadêmico anglo-saxônico, de Robert Dahl a Seymour Lipset, defendendo a supremacia teórica de uma abordagem marxista do Estado (Miliband, 1982). 1 Uma excelente análise crítica deste e de outro texto de Bobbio (1979a) e do debate que suscitaram foi escrita por Bianchi (2007). 4 Um ano antes, na França, o jovem intelectual grego Nicos Poulantzas, já no âmbito da influência althusseriana, publicou o monumental Poder político e classes sociais, até hoje o mais portentoso projeto de elaboração sistemática de uma teoria marxista da política e do Estado e, mais especificamente, do Estado burguês. Neste livro, Poulantzas também elabora, com imensa erudição, uma análise crítica do pensamento político anglo-saxônico – desde clássicos como Max Weber aos elitistas-pluralistas, passando pelos principais teóricos da política franceses e italianos (Poulantzas, 1968). E vai além, ao iniciar um debate com o próprio Miliband, criticando-o, no fundamental, por se prender à problemática teórica de seus adversários. Este debate exerceu forte impacto sobre o marxismo em quase todo o mundo. Dois textos, um de Poulantzas outro de Miliband foram apresentados pela revista Crítica Marxista, n. 27 (Poulantzas, 2008) e Miliband (2008); um texto de cada autor é publicado edição portuguesa (Poulantzas, (1975) e Miliband (1975). O segundo registro de falta: nações e nacionalismos O segundo registro de falta, relativo à ausência de teoria sobre as nações e os nacionalismos, não era acompanhado de impactantes avaliações autocomplacentes pelos críticos do marxismo. Basta mencionar que, em 1977, após duas guerras mundiais e a substituição de grandes impérios por um planeta de Estados-nações, Hugh Setton-Watson, cuja produção é reconhecida como um dos pilares dos estudos sobre o tema, já no início do capítulo 1 de sua magnum opus, Nations and States, fez uma advertência melancólica: a nação continua a existir, mas sobre ela ainda não se vislumbra qualquer “definição científica” (Setton-Watson, 1977:5). Advertência que reproduz a de Karl Kautsky, em 1908, quando comparou a nacionalidade a um Proteu que, embora esteja sempre conosco e nos exerça enorme influência, sempre nos escapa quando tentamos pegá-lo (Kautsky, 1978, v. 2: 122). Com algumas exceções, como a de Ernest Gellner, a ser examinada mais abaixo, a avaliação deste déficit teórico era amplamente compartilhada. 5 Logo em seguida, nas duas últimas décadas do século XX, em paralelo com a ofensiva pós-moderna e suas incontáveis referências à crise da ciência “racionalista”, ocorreu um vigoroso avanço dos estudos sobre a nação. A este respeito, cheguei a afirmar que Apesar de um persistente lugar-comum sobre a resistência do “fenômeno nacional” a qualquer esforço de teorização, tem havido razoáveis avanços neste sentido. Trata-se, inclusive, de uma das poucas áreas de estudo das relações sociais que ainda permanecem imunes ao martirológio sobre a crise das chamadas ciências humanas ou mesmo de qualquer conhecimento voltado para a busca da cientificidade” (Almeida, 1990:4). Neste processo, houve uma significativa participação de antimarxistas declarados, como, por exemplo, Ernest Gellner, e também de autores que se proclamam marxistas, como Eric Hobsbawm, ou fortemente influenciados por esta abordagem, como Benedict Anderson. As principais obras de Gellner e Anderson sobre o tema, respectivamente Nations and Nationalism e Imagined Communities, foram publicadas em 1983. A de Hobsbawm, Nations and nationalism since 1780, é de 19903. Segundo o mesmo Hobsbawm, o extraordinário avanço ocorrido nesta área de estudo deve-se fundamentalmente à perda de relevância histórica de seu objeto, as nações e os nacionalismos. Discordamos desta avaliação, até porque este epitáfio nos parece um profundo equívoco. O que chegou ao final foi um longo processo de liberação nacional com a decorrente formação, por diferentes vias, de um mundo de Estados nacionais. Em outros termos, apresentou-se um universo muito mais amplo e variado de processos de constituição de nações. Além disso, o fato de que grande parte delas se formou no interior de enquadramentos territoriais produzidos pelas potências colonialistas contribuiu amplamente para fragilizar as teses que essencializavam 3 No “ano decisivo” de 1983, Hobsbawm publicou, na coletânea A invenção das tradições, que co-organizou com Terence Ranger, um ensaio no qual antecipa algumas de suas teses centrais (Hobsbawm e Ranger, 1997). Todavia, como o texto não se destina centralmente a uma análise de nações e nacionalismos, não o examinarei aqui. Por sua vez, Benedict Anderson reescreveu Imagined Communities (B. Anderson, 1991). Nesta comunicação, atenho-me à edição inglesa de livro de Gellner, à edição brasileira da segunda versão do livro de Anderson e também à edição brasileira do texto de Hobsbawm. 6 as nações. Em terceiro lugar, a crise das tentativas de transição lideradas pela URSS ativou forças nacionalistas da Ásia Menor à Polônia, recolocando, em termos candentes, as chamadas questões nacionais. Enfim, os conflitos políticomilitares no sudeste da Ásia, opondo, inicialmente, a “Indochina” ao colonialismo francês; em seguida, o Vietnam do Norte à maior potência imperialista do planeta; e, logo depois, o Vietnan, ao Cambodja e à China, os três se reivindicando marxistas4; todos estes processos contribuíram para uma extraordinária diversificação do fenômeno nacional5, o que forneceu novos e valiosos elementos para a compreensão destes. Alguns rápidos levantamentos mostram como os três autores mencionados logo acima se tornaram referência para o estudo do tema. Na primeira edição de The Oxford Handbook of the History of Nationalism (Breully, 2013), cinco dos 19 autores de alentados textos citam Benedict Anderson; cinco mencionam Eric Hobsbawm e sete, Ernst Gellner. Textos destes três autores (no caso de B. Anderson é a introdução) estão na coletânea Um mapa da questão nacional (Balakrishnan, 2000)6. Enfim, o livro introdutório Fifty Key Thinkers in International Relations (Griffiths, 1999)7, apresenta em sua última parte, intitulada Theories of the Nation, três autores: Benedict Anderson, Ernest Gellner e Anthony Smith8. Dado o referido antimarxismo de um dos autores que privilegio nesta comunicação, é em suas posições teóricas que me deterei na próxima parte desta comunicação. A posição de Ernest Gellner 4 Ao se referir à origem de seu interesse pelo tema, Benedict Anderson destaca esta tríplice guerra. (Anderson, 1991:23). 5 Para não mencionarmos um processo que estendeu além do século XX: os conflitos balcânicos onde existia a Iugoslávia. 6 Publicação original: Londres: Verso, 1996. 7 A segunda edição brasileira traz o título Grandes estrategistas das relações internacionais. São Paulo: Contexto, 2005. 8 Este último, também importante referência para os estudos sobre o tema e autor de texto publicado em Um mapa..., fez seu PhD sob a orientação de Gellner (Özkirimli, 2000:128). 7 Dotado de sólida formação cultural que embasou obras sobre diversos temas, de epistemologia a sociologia, Gellner permanece uma das principais referências para o estudo das nações e dos nacionalismos, sobre os quais escreve desde os anos 60. Já no primeiro parágrafo de seu livro aqui mencionado, apresenta uma elegante definição de nacionalismo: trata-se de “um principio político segundo o qual as unidades política e nacional devem ser congruentes” (1983: 3). Sua hipótese central, que recebeu sucessivas reelaborações e refinamentos, parte de uma tipologia de sociedades que se constituíram ao longo da história. O primeiro destes tipos, o das sociedades caçadorascoletoras, devido à ausência de Estado, não têm, segundo o próprio Gellner, relevância para o nosso tema (1983: 5). Em grande parte, as sociedades do segundo tipo – as agroletradas – possuem Estado. Nelas, os dominantes monopolizam uma alta cultura, ao mesmo tempo em que os dominados ficam dispersos em um arquipélago de microuniversos culturais, com suas próprias crenças, idiomas, modos de vida. Conclui-se, portanto, que, aí, a homogeneidade cultural é desnecessária para legitimar a dominação. Ao tentar definir nação, Gellner sintetiza as duas concepções mais recorrentes – a cultural e a voluntarista – e termina por adotar um procedimento metodológico menos abrupto, pois esbarra na dificuldade da própria definição de cultura, a qual é importante para sua teorização. Antes de formalizar esta definição, Gellner, prefere, nos seus próprios termos, “examinar o que a cultura faz” (1983:7, grifos dele). Nas sociedades agrárias, não somente surge o Estado como também a alfabetização e uma classe ou estamento, os clérigos, ou seja, um grupo de homens, religiosos ou não, especializados no manejo da escrita. Constituem-se, não necessariamente em harmonia ou coextensivas territorialmente, duas espécies de centralização: uma cognitiva, controlada pelos guardiões da escrita e da cultura para cuja codificação ela é indispensável; e uma política (a cargo do Estado). (Id: 8-9). 8 Esta dupla centralização produz implicações profundas para a estrutura social típica da comunidade política agroletrada: “no alto”, os setores da classe dirigente (militares, pessoal administrativo e, muitas vezes, comerciantes) se estratificam, ou seja, se dividem horizontalmente. “Embaixo”, as comunidades de produtores agrícolas são insuladas verticalmente (Id: 9). Desta forma, tanto entre os estratos dirigentes como entre os produtores agrícolas, o que predomina é a diferenciação. No primeiro caso, os guerreiros, administradores, sacerdotes, comerciantes etc. se organizam segundo diferentes princípios e compartilham diferentes conjuntos de valores. Os “de baixo”, além de constituírem um “outro mundo” em relação aos dominantes, vivem em diversas comunidades camponesas voltadas para si mesmas, apegadas à localidade por força da atividade econômica ou também da imposição política (Id: 10). Em suma, para Gellner, as sociedades coletoras-caçadoras não têm Estado e as agroletradas têm Estado, mas não têm nação. Nestas últimas, quase tudo conspira “contra a definição de unidades políticas em termos de fronteiras culturais” (Id: 11). Como já vimos, eis um ambiente pouco propício para o nacionalismo, ou seja, para a defesa da afinidade entre unidade política e unidade nacional. Segundo Gellner, o habitat favorável a este princípio de congruência é fornecido pelo terceiro tipo de sociedade, a industrial. Pois “o nacionalismo consiste essencialmente na imposição geral de uma alta cultura à sociedade onde anteriormente baixas culturas orientavam as vidas da maioria – em alguns casos, da totalidade – da população.” Tal processo implica a difusão de um idioma codificado e supervisionado burocraticamente, uma sociedade altamente impessoal, “com indivíduos atomizados e intercambiáveis que permanecem unidos fundamentalmente por uma cultura compartilhada e não por grupos locais sustentados por culturas populares reproduzidas localmente pelos próprios microgrupos.” (Id: 57). Atento, ao seu modo, para o caráter ideológico do nacionalismo, Gellner observa que o processo descrito acima “é o que realmente acontece”. Ou seja, “o contrário do que o nacionalismo afirma e no qual os nacionalistas acreditam fervorosamente”, ao se apresentarem como combatentes “em nome de uma cultura popular”. Ao triunfar, apresentando-se como o “narod ou Volk”, ele não 9 substitui a velha alta cultura, apresentada como opressora e alienígena, por uma velha baixa cultura local. “Ele revitaliza ou inventa uma alta cultura local (alfabetizada, transmitida por especialistas)”, mantendo alguns traços de identificação com “os antigos estilos e dialetos populares locais” (Id: ib). Neste que é o seu mais importante livro sobre nações e nacionalismos, Gellner atualiza a tese que defendia desde os anos 60, segundo a qual, o nacionalismo é “um eco confuso e distorcido” dos “princípios organizacionais básicos da sociedade moderna” ou industrial (1981: 88). Esta, devido à “sua base tecnológica e produtiva...é homogênea, alfabetizada, tecnologicamente hábil e móvel quanto ao emprego.” Tais características são “partes ou précondições do seu alto nível de consumo e de suas esperanças de melhoramentos contínuos. (É o ‘melhorismo’, e não a revolução, que é permanente).” A mais importante consequência desses aspectos é a “homogeneidade”, pois, numa sociedade em permanente mudança e dotada de mobilidade social, todos têm de ser preparados para ocuparem novas vagas; comunicarem-se com desconhecidos; e se submeterem “a testes ‘universalísticos’ e ‘objetivos’, com respeito aos papéis ou posições que desejam ocupar. A homogeneidade pressupõe um meio comum de comunicação e alfabetização” (Id: ib). Gellner conclui que, neste processo, se constituem “lagos de líquido homogêneo” nos quais se movimentam “peixes da mesma espécie” (Id: ib). Tais lagos são as nações e este é o lado “unidade cultural”. Todavia, somente um organismo pode assegurar que “esta cultura letrada e unificada seja efetivamente produzida, que o produto educacional não seja ruim e abaixo do padrão”. Este organismo é o Estado. A inevitabilidade da “exossocialização”, ou seja, da “produção e reprodução de homens” fora da esfera da família, do clã ou qualquer outra unidade local, é a principal razão para que Estado e cultura agora estejam unidos, sendo que, “no passado, sua conexão era frágil, fortuita, diversificada, frouxa e, frequentemente, mínima. Agora é inevitável” (1983: 38). 10 A crítica de Gellner ao marxismo A boutade com a “revolução permanente” não é ocasional e nos permite elencar as principais críticas que Gellner, em seus estudos sobre nações e nacionalismos, dirigiu ao marxismo. Ao apresentar o que chama de uma lista incompleta de quatro “falsas teorias do nacionalismo”, Gellner reserva ironicamente a “Teoria do Endereço Errado” para o marxismo. “Assim como os xiitas afirmam que o Anjo Gabriel equivocou-se ao entregar a Maomé a mensagem enviada a Ali”, os marxistas costumam imaginar que “o espírito da História ou a consciência humana fez uma terrível bobagem. A mensagem do despertar era para classes, mas, por um terrível equívoco, foi entregue a nações”. Agora é preciso que “os revolucionários convençam o destinatário errado a repassar ao verdadeiro não somente a mensagem, mas o fervor que ela provoca”. O problema é que o usurpador não se dispõe a entregá-los e o verdadeiro destinatário se recusa a recebê-los, o que provoca grande irritação nos revolucionários (id: 129-30). A principal motivação ideológica, o princípio constitutivo da identidade coletiva na sociedade industrial não é a classe, mas a nação. O primado é o das lutas de nações sobre as de classes. Em outros termos, lutas de classes são lutas de nações atenuadas, ou seja, que não conseguiram chegar a um ponto crítico, a partir do qual se passa à luta pela constituição de uma nova nação. Esta é, segundo Gellner, a razão para a ausência de lutas de classes nas sociedades pré-industriais, onde não havia nações. É, em segundo lugar, a razão do nexo entre nacionalismo e igualitarismo nas sociedades modernas ou industriais, o terreno propício para a formação de nações. Foram as clivagens sociais originadas pelo início da industrialização (e não outras) e o desenvolvimento desigual desta que ativaram o nacionalismo. A rigor, diria Gellner, a relação entre classe e nação é mais complexa. Nem esta nem aquela podem ser, isoladamente, catalisadoras da ação coletiva capaz de subverter um sistema político. A classe, ou seja, os oprimidos e explorados, só o consegue quando também se define “etnicamente”. Nos termos do próprio autor, “Apenas quando uma nação se torna uma classe, ela se constituiu como uma categoria 11 desigualmente contemplada, desfavorecida, e se tornou um sujeito coletivo dotado de grande capacidade política. Reciprocamente, apenas quando uma classe se constituiu (“mais ou menos”) “como uma ‘nação’, ela se transformou de classe em si em classe para si, ou uma nação para si” (id: 121). Expostos os principais argumentos de Gellner, mudarei a estratégia de exposição. Tentarei criticá-los ao longo de uma série de formulações por meio das quais: 1) elencarei alguns aspectos de uma análise do Estado burguês e das relações de produção capitalistas, o que implica abordar as relações entre estas e aquele; 2) examinarei rapidamente algumas contribuições e limites das formulações elaboradas por Eric Hobsbawm e Benedict Anderson para o estudo dos nacionalismos e nações; 3) sugerirei a possibilidade de uma releitura do duplo déficit mencionado no início desta comunicação. Um esboço de anticrítica Em sua brilhante análise do debate provocado por Norberto Bobbio com os dois textos de 1975, Alvaro Bianchi observa que o autor italiano igualou teoria marxista do Estado com teoria do Estado de transição para o socialismo e que, a rigor, nem nisto acertou, especialmente se levamos em conta – mesmo sem ignorar as limitações – a amplitude e densidade da produção marxista sobre o segundo tema (Bianchi, 2007:41). Embora o autor mais antigo citado por Bobbio no primeiro dos dois artigos seja Maquiavel, ele poderia também recorrer a pensadores medievais ou mesmo da antiguidade clássica para demonstrar o quão prolífera é a análise que enfatiza o “como governa” e, com isto, o estudo das instituições políticas. Obviamente, o pensamento sobre a política e, em especial, sobre as instituições políticas não nasceu com Marx. Todavia, o próprio Bobbio reconhece – embora de modo um tanto grosseiro - um déficit nos “clássicos” (anteriores e posteriores a Marx) da teoria política: o foco na relação entre Estado e dominação e exploração de classe. Pois a longa tradição de pensamento político, na medida em que não centrava o foco nas relações de dominação e exploração de classe, não tinha alternativa à 12 centralização deste foco nas instituições políticas, embora sem considerá-las na pureza asséptica que Bobbio lhes atribui. Mais ou menos conscientemente, levavam em conta de diversos modos estas relações. Observe-se, a este respeito, a posição defensiva de Montesquieu ao formular sua engenharia institucionais dos “três poderes”, com a qual procurava defender os interesses da aristocracia decadente e esconjurar o fantasma do “baixo povo” (Althusser, 1977:150-8); o debate acirrado de Hobbes com os igualitaristas (Hill, 1987: esp. Apêndice I) e os esforços de Rousseau para estabelecer os nexos entre o quem governa e o como governa (Rousseau, 1962), a começar pela referência ao “embuste”, a instituição da propriedade privada, na base da fundação da sociedade civil (Rousseau, 1958). Quando bem elaborados, os estudos das instituições políticas, ao se colocarem no oposto simétrico do economicismo, podem produzir obras importantíssimas. E, de fato, não faltaram, em nome do marxismo, análises de cunho economicista. Todavia, a ciência não avança com a simples adição de unilateralidades. Carece de sentido afirmar que O 18 Brumário de Luís Bonaparte é uma análise “de classe” ou institucionalista. Nem, muito menos, a soma dos dois enfoques, o que levaria, longe de resolver um problema teórico-metodológico, a duplicá-lo. Marx procura examinar, neste texto, as complexas imbricações de dominação de classe e instituições políticas. Não por acaso, O 18 Brumário é uma das principais fontes às quais recorre Poulantzas para elaborar uma teoria sistemática dos complexos vínculos entre Estado e relações de produção, o que abre espaço para a conceituação do primeiro como uma estrutura/instituição que, ao mesmo tempo em que assegura as condições jurídico-políticas de reprodução da dominação burguesa, se apresenta como a expressão da soberania de uma comunidade constituída por indivíduos livres, iguais e competitivos: o povo-nação. O que já nos auxilia a abordar o segundo e principal ponto de nosso argumento. Volto a insistir em que, diferentemente do triunfalismo bobbiano quanto à antiguidade e amplitude de formulações teóricas acerca da política, as 13 afirmações são mais modestas quando se trata de avaliar o acervo teórico sobre um tema específico: a nação. Ao fazer esta observação, já explicito a inspiração teórica que orienta as posições assumidas aqui: as formulações elaboradas pela corrente althusseriana, em particular, por Nicos Poulantzas, mais especialmente em seu livro Pouvoir politique et classes sociales (Poulantzas, 1968). Neste sentido, esta comunicação padecerá de um aparente paradoxo. O argumento central que adoto acerca dos nacionalismos e da ideologia nacional, apesar de inspirado nas principais teses de Nicos Poulantzas, contraria as hipóteses formuladas por este autor acerca do Estado absolutista, que ele considera, em larga medida, um Estado nacional e, de certo modo, burguês, pois teria, antes da revolução burguesa, implementado uma política favorável à transição para o capitalismo9. Destaco, em Nicos Poulantzas, a clássica conceituação do modo de produção capitalista como assinaladas pela dupla separação, nas relações de produção, entre o trabalhador e os meios de produção. É articulado a esta dupla separação que, no MPC, o Estado pode constituir a todos os agentes da produção como indivíduos-sujeitos juridicamente livres e iguais, no mesmo processo em que os aglutina em uma comunidade. Esta comunidade de cidadãos que se percebe ideologicamente como soberana e cuja soberania se expressa no “seu” Estado é a nação. Desta forma, este tipo Estado assegura as condições políticas da reprodução da dominação burguesa. Embora Marx não tenha elaborado uma teorização sistemática acerca deste Estado no mesmo nível em que o fez sobre a estrutura econômica do modo de produção capitalista (análise que também ficou incompleta), as implicações da análise política de Marx estão presentes, de diversos modos, em obras como O capital. Já procurei demonstrar que a consideração, por Marx, da presença indireta das determinações das estruturas política e ideológica em O capital é maior do que Poulantzas estima no início de PPCS (Almeida, 1995: caps 1-2 Poulantzas, 1968: 17-18). 9 A este respeito, Althusser (1957), P. Anderson (2004), Boito Jr (1998), Almeida (2002). Uma fecunda tentativa de demonstrar a validade histórica das formulações poulantzanas foi feita por Alliès (1980). 14 Neste sentido, formulações que tomam como dado aspectos importantes das sociedades capitalistas, como a industrialização, a igualdade e a liberdade jurídica dos indivíduos, correm o sério risco de permanecer na superfície das formações sociais capitalistas, perdendo de vista muitas de suas determinações fundamentais. É o caso das que enfatizam a indústria moderna, ignorando que se trata das forças produtivas adequadas á subsunção do trabalho ao capital; ou dos que enfatizam o igualitarismo da comunidade nacional, perdendo de vista que ele é condição político-ideológica fundamental para a exploração e dominação de classe. Não poucas vezes, ambas as unilateralidades se articulam no interior de ideologias como a da modernização ou do desenvolvimento que, em formações sociais dependentes, tendem a associar industrialização a emancipação nacional. Mesmo em sociedades onde se tentou conduzir um processo de transição para o socialismo, a chamada “problemática das forças produtivas” (Bettelheim,1976:40-62), na medida em que ocultava as relações que produção que as forças produtivas materializavam, contribuiu para ocultar o processo de constituição de uma nova dominação de classe, o que impulsionou fortemente um processo ao longo do qual elementos da ideologia proletária revolucionária foram crescentemente hegemonizados pelo nacionalismo. Consideramos que todas estas unilateralidades se encontram nas formulações apresentadas por Ernest Gellner. Basta mencionar, a este respeito, a ênfase: 1) no processo de industrialização, ou seja, nas forças produtivas capitalistas, sem levar em conta as relações de produção; 2) no igualitarismo dos nacionais, ignorando que este se articula a relações de exploração e dominação de classe; 3) em decorrência, a total carência de instrumental teórico para analisar as determinações fundamentais do processo de acumulação capitalista. Obviamente, ninguém é obrigado a ver o mundo com as lentes teóricas do marxismo. O problema é que, ao ignorar as referidas determinações, os estudos realizados por Gellner, apesar das consideráveis contribuições que propiciam, padecem de graves insuficiências. É o caso da piada grosseira sobre o erro do endereço, quando traça uma separação entre nação e classe, quando, 15 a meu ver, o que importa, nas formações sociais capitalistas, é uma íntima relação contraditória entre ambas as interpelações, sob o peso determinante do Estado burguês e das relações de produção. Aqui, a ideologia nacional, estruturalmente burguesa, sofre diferentes apropriações de classe, o que, dependendo da correlação de forças, pode imprimir variadas conotações aos nacionalismos. Nesta comunicação, nos limito-me a outras duas graves insuficiências das formulações de Gellner. A primeira, também detectada por outros autores10, consiste em ignorar a imensa quantidade de movimentos nacionalistas que surgiram em sociedades pouco ou nada afetadas pelo processo de industrialização. As composições sociais destes movimentos bem como as formas de luta e as expressões ideológicas que assumiram foram bastante diversificadas. Mas todos, ao triunfarem, tiveram um desfecho comum: a montagem de um Estado burguês, condição indispensável para o desenvolvimento de relações de produção capitalistas e das forças produtivas nas quais elas se materializaram. A segunda limitação relaciona-se com a tese de que, na sociedade industrial o melhorismo é permanente. Aqui, Gellner, apesar de sua imensa erudição, corre o sério risco de se tornar, via sociologia da modernização, um vulgar apologista do capitalismo, apresentando-o como dirigido, de modo linear e constante, para a crescente igualdade social. Desta forma, ignora que a expansão do capitalismo se faz acompanhar de crises profundas, rosários de destruições e, de um lado, acumulação de riqueza, sob a forma de capital; de outro, violentos processos de proletarização acompanhados de crescimento da miséria. Ao não levar em conta em esta combinação de riqueza e miséria produzida por um sistema de exploração que se transnacionaliza, Gellner, terminou por elaborar uma avaliação demasiado simplista de um futuro em que, com o elevado atendimento das necessidades humanas pelo processo de industrialização, os nacionalismos adquirem um caráter bem mais moderado. (Gellner, 1983:120-122). 10 A este respeito, Özkirimli (2000:128). 16 Por outro lado, entramos em uma situação muito mais delicada quando nos colocamos diante da obra de Hobsbawm, que, livro em questão incluso, constitui um belo patrimônio cultural. Aqui, a centralização do foco implica um sério risco de cometermos uma trágica unilateralidade. Mas vamos lá. Curiosamente, este marxista que escreveu o mais importante livro contemporâneo sobre nações e nacionalismos, adota explicitamente o conceito gellneriano de nacionalismo: “uso o termo ‘nacionalismo’ no sentido definido por Gellner, ou seja, significando ‘fundamentalmente um princípio que sustenta que a unidade política e nacional deve ser congruente” (Hobsbawm: 1991: 18). Ora, esta “conceituação” é puramente empírica, abdicando de desvendar os nexos que tornam possível e necessária referida congruência. Imediatamente em seguida, Hobsbawm acrescenta que “a implicação do dever político” dos nacionais ao Estado que “a abrange e representa...supera todas as outras obrigações públicas e, em casos extremos (como guerras), todas as outras obrigações de qualquer tipo”. Todavia, não explicita a razão desta fidelidade tão importante. Desta forma, Hobsbawm não apresentará qualquer contraposição teórica sistemática à crítica de Gellner sobre a pretensa incapacidade do marxismo para dar conta da “antinomia” classe – nação. Um segundo ponto de aproximação entre os dois autores é que Hobsbawm também tende a ver a nação como um artefato, algo inventado. Mas justamente aqui, o grande historiador se desvencilha das formulações de Gellner. Para o historiador marxista, os processos de invenção política e social são muito mais complexos, o que ele já havia deixado claro ao relacionair inúmeros casos deste tipo com as relações de classe em sociedades como a britânica, a alemã, a francesa e a estadunidense no belo ensaio que fecha a coletânea que co-organizou em 1983 (Hobsbawm, 1983).Hob sbawm, em Nações e nacionalismos...não assume a camisa de força de Gellner que amarra aquele princípio de congruência à sociedade industrial. Desta forma, fica à vontade para analisar uma variadíssima gama de nacionalismos ao longo dos últimos dois séculos e meio nas diversas regiões do planeta. Obviamente, para fazer tal levantamento, apoia-se em algum tipo de teoria. O que não significa que ela seja rigorosa. 17 Falta, por exemplo, em Hobsbawm uma concepção que dê conta dos nexos internos entre ideologia nacional e Estados burgueses (ou “modernos”). Por outro lado, ele fornece preciosas indicações para o estudo de como: o nacionalismos se tornam meios poderosos para a possível montagem destes Estados. Em segundo lugar, fornece elementos para o exame das distintas apropriações sociais do nacionalismo, destacando os períodos em que este foi hegemonizado pelo liberalismo; canalizado pela direita; e em que adquiriu forte tonalidade popular. Mesmo assim, Hobsbawm é totalmente desprovido de qualquer referência rigorosa à ideologia e às relações de classes que ela expressa/oculta. Uma segunda decorrência desta limitação consiste em apelar para uma concepção subjetivista-instrumentalista da comunidade nacional e do nacionalismo. Daí o conceito de invenção, que, mais uma vez, aproxima Hobsbawm de Gellner. Como o primeiro afirma, “com Gellner, eu enfatizaria o elemento do artefato, da invenção e da engenharia social que entra na formação das nações”. E faz uma longa citação de Gellner para quem “As nações, postas como modos naturais ou divinos de classificar os homens, como destino político...inerentes, são um mito; o nacionalismo, que às vezes toma culturas preexistentes e as transforma em nações, algumas vezes as inventa e frequentemente oblitera as culturas preexistentes: isto é uma realidade” (Gellner apud Hobsbawm, 1991: 20). Hobsbawm sintetiza: “para os nossos propósitos de análise, o nacionalismo vem antes das nações. As nações não formam os Estados e os nacionalismos, mas sim o oposto” (Id: ib.). Ora, se a nação é uma invenção, a conclusão lógica é que ela só pode ser posterior ao nacionalismo. Mas aqui se trata de uma pobreza teórica imensa que se reduz a uma operação de caráter lógico formal (O fabricante precede o fabricado). Uma análise que levasse a sério o conceito de ideologia em suas relações com, por um lado, as relações de produção e, por outro, o Estado burguês, poderia levar em conta, na trilha de Poulantzas, que o Estado burguês funciona nacionalmente, à medida que “dissolve” as classes em um aglomerado de indivíduos cidadãos ao mesmo tempo que reaglutina estes indivíduos em uma coletividade nacional, processo 18 que possibilita, ocultando, a reprodução das condições políticas da dominação de classe. A partir destas formulações, é possível demonstrar que eventuais dificuldades de o Estado constituir a todos os membros da formação social como cidadãos abrem espaço para questões nacionais e, portanto, nacionalismos, mesmo no interior de formações sociais capitalistas. Neste sentido, nacionalismos podem surgir em formações sociais estatais nacionais já constituídas, ou seja, dominadas pelo modo de produção capitalista. Hobsbawm não ignora a importância do Estado na formação das nações contemporâneas. Mas, na medida em que não incorpora qualquer teorização acerca do Estado burguês como locus fundamental da dominação política de classe, apenas constata empiricamente aquela importância, sem lhe fornecer qualquer explicação aprofundada. (Id: 34-5). No cap. III, Hobsbawm afirma que “o Estado moderno típico...era definido como um território (de preferência contínuo e inteiro) dominando a totalidade de seus habitantes, e estava separado de outros territórios semelhantes por fronteiras e limites claramente definidos.” A formulação é tipicamente weberiana. “Em resumo, o Estado dominava sobre um ‘povo’ territorialmente definido e o fazia como a agência “nacional” suprema de domínio sobre o seu território, e seus agentes cada vez mais alcançavam os habitantes mais humildes do menor de seus vilarejos”. (Id: 101-2). Como não detecta qualquer vínculo estrutural entre Estado burguês e comunidade nacional, Hobsbawm leva demasiadamente a sério a ideia de que a “globalização” fragiliza os Estados-nações e conclui precipitadamente que os nacionalismos estão no ocaso. O que, como já mencionamos, teria contribuído para a maior compreensão deles (a Coruja de Minerva só alça voo com o cair da noite...). Desta forma, Hobsbawm deixou de perceber uma extraordinária onda de nacionalismos no pós-Guerra Fria e ficou demasiado otimista com a União Europeia (Id: 210-15). Não percebeu que no interior de nações, ou melhor, formações sociais estatais-nacionais, podem se constituir nacionalismos. 19 Com extraordinária erudição, Hobsbawm aborda uma imensa variedade de processos importantíssimos de constituição de nações e nacionalismos, superando qualquer tendência a excesso de formalização. Neste sentido, seus estudos podem ser considerados, no que têm de melhor, um convite ao aprofundamento de formulações elaboradas por diversos autores de veio mais teórico, como é o caso de Poulantzas. Diferentemente de Gellner e Hobsbawm, Benedict Anderson evita explicitamente a noção de artefato ou invenção, pois ela sugere um caráter de falsidade, contrafação (B. Anderson, 2008:33). Recorre a um conceito que considera mais adequado para a abordagem de grandes sistemas de referência capazes de estruturar comunidades (Id: 39): o de comunidades imaginadas. Nos termos do próprio autor “as comunidades se distinguem não por sua falsidade/autenticidade, mas pelo estilo em que são imaginadas” (Id: 33). Daí sua classificação de três tipos de imaginação de comunidade: a comunidade religiosa, o reino dinástico e a nação (id: 39). Para esta última, oferece, como Gellner, uma elegante definição: trata-se de “uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana” (Id: 32). Desta forma, B. Anderson esboça uma linhagem de comunidades imaginadas que inclui desde a China Antiga, a cristandade medieval e o islã, até as sociedades capitalistas contemporâneas. O problema é que B. Anderson se refere à nação como comunidade política, o que a situa como estreitamente ligada a relações de poder. Ora, como descartar a hipóteses de que essas imaginações de comunidade sejam ideologias políticas? Não está B. Anderson procurando as linhas de menor resistência ao substituir o conceito de ideologia pelo de imaginação e, desta forma, diluindo a importância os nexos entre determinada imaginação de comunidade e as relações de opressão e dominação que as imaginações expressam e, ao mesmo tempo, ocultam? Afinal a própria (auto)denominação de “comunidade” a sociedades marcadas por profundas clivagens é um procedimento ideológico dos mais elementares. 20 À guisa de conclusão e retornando aos dois registros de falta, talvez se possa afirmar que o marxismo já dispõe de um importante acervo teórico que possibilita preenchê-los. Muito se avançou na produção de uma teoria do Estado, a qual pode se beneficiar com os inegáveis progressos realizados no estudo das nações e dos nacionalismos. Este duplo percurso pode ser de grande utilidade para o desenvolvimento dos estudos teóricos sobre dispositivos de exercício do poder político em formações sociais pré-capitalistas, capitalistas e também em processos de transição para o socialismo. Bibliografia ALTHUSSER, Louis. Montesquieu, a Política e a História. 2. ed. Porto: Presença/São Paulo: Martins Fontes, 1977. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 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