Insper Instituto de Ensino e Pesquisa LLM – DIREITO SOCIETÁRIO LLM – DIREITO DO MERCADO FINANCEIRO E DE CAPITAIS OFERTA PÚBLICA DE AÇÕES DISTRIBUÍDAS COM ESFORÇOS RESTRITOS: UMA VISÃO ALÉM DO ALCANCE DA NORMA – ANÁLISE DA INSTRUÇÃO CVM Nº 476, DE 16 DE JANEIRO DE 2009 PATRÍCIA BAYER São Paulo 2013 PATRÍCIA BAYER OFERTA PÚBLICA DE AÇÕES DISTRIBUÍDAS COM ESFORÇOS RESTRITOS: UMA VISÃO ALÉM DO ALCANCE DA NORMA – ANÁLISE DA INSTRUÇÃO CVM Nº 476, DE 16 DE JANEIRO DE 2009 Dissertação apresentada como requisito parcial para conclusão dos cursos de LLM – Direito Societário e LLM – Direito do Mercado Financeiro e de Capitais do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientador: Prof. Dr. Valdir Carlos Pereira Filho São Paulo 2013 Bayer, Patrícia Oferta Pública de Ações Distribuídas com Esforços Restritos: uma visão além do alcance da norma – análise da Instrução CVM nº 476, de 16 de janeiro de 2009 / Patrícia Bayer – São Paulo: Insper, 2013. 125 f. Monografia (LLM – Legal Law Master): programa de pós-graduação em Direito. Áreas de concentração: Direito Societário e Direito do Mercado Financeiro e de Capitais – Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientador: Prof. Dr. Valdir Carlos Pereira Filho 1. Oferta Pública. 2. Ações. 3. Esforços Restritos. FOLHA DE APROVAÇÃO Patrícia Bayer Oferta Pública de Ações Distribuídas com Esforços Restritos: uma visão além do alcance da norma – análise da Instrução CVM nº 476, de 16 de janeiro de 2009 Dissertação apresentada como requisito parcial para conclusão dos cursos de LLM – Direito Societário e LLM – Direito do Mercado Financeiro e de Capitais do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa e obtenção do título de pós-graduação lato sensu em Direito. Áreas de concentração: Direito Societário e Direito do Mercado Financeiro e de Capitais BANCA EXAMINADORA Orientador: Prof. Dr. Valdir Carlos Pereira Filho Assinatura: ____________________ Instituição: Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Examinador(a): __________________________ Assinatura: ____________________ Instituição: ______________________________ Examinador(a): __________________________ Assinatura: ____________________ Instituição: ______________________________ Examinador(a): __________________________ Assinatura: ____________________ Instituição: ______________________________ Examinador(a): __________________________ Instituição: ______________________________ Assinatura: ____________________ AGRADECIMENTOS A todos os meus professores do Insper, especialmente ao meu orientador Prof. Dr. Valdir Carlos Pereira Filho, pelas lições e pela inspiração para o tema desta monografia. Aos meus colegas de trabalho, Carolina Mônaco e Daniel Barros, pela compreensão, estímulo, amizade e torcida. À minha família, por sempre acreditar na concretização dos meus projetos e sonhos. E, por fim, ao Leandro Esperidião, pela paciência incansável e amor incondicional. RESUMO O objetivo do presente trabalho é apontar e comentar os motivos que sustentaram a exclusão das ações e demais dos valores mobiliários conversíveis em ou permutáveis por ações do rol taxativo de valores mobiliários passíveis de distribuição via oferta pública em regime de esforços restritos, instituída pela Instrução CVM nº 476/2009. A magnitude do tema decorre não apenas da atualidade e controvérsia da discussão, mas também de sua relevância no atual cenário dos mercados de capital e financeiro nacionais, considerando que, embora em vigor há poucos anos, tal modalidade de captação de recursos já estimulou a emissão de dezenas de bilhões de reais em valores mobiliários pelas empresas emissoras brasileiras. Neste contexto, procuramos estudar e refletir sobre os conceitos jurídicos que cercam o tema, de forma a concluir se, de fato, há razões impeditivas efetivas para a inclusão das ações no âmbito da Instrução CVM nº 476 e quais os reflexos de sua atual exclusão na prática do mercado de capitais brasileiro. Palavras-chave: Oferta Pública, Ações, Esforços Restritos; Instrução CVM nº 476. ABSTRACT The purpose of this paper is to indicate and comment on the reasons that supported the exclusion of shares and other securities convertible into or exchangeable for shares of the categorical list of securities that could be distributed through public offering under restricted efforts, introduced by CVM Rule Nr. 476/2009. The magnitude of the theme results not only from the current controversy of the discussion, but also from its relevance in today's national capital and financial markets, since, although in force for just a few years, this kind of fundraising has already stimulated the issuance of tens of billions of reais in securities by Brazilian issuers. In this context, we seek to understand and reflect on the legal concepts that involve the subject, in order to conclude whether, in fact, there are impeditive reasons for the inclusion of shares in the list of CVM Rule Nr. 476 and which are the impacts of its current exclusion in the practice of the Brazilian capital market. Keywords: Public Offer, Shares, Restricted Efforts; CVM Rule Nr. 476. ÍNDICE INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1 CAPÍTULO 1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E REGIME JURÍDICO ......................... 5 1.1. Mercado de Capitais Brasileiro .......................................................................................... 5 1.1.1. Mercado de Capitais: definição e conceitos econômicos ...................................... 5 1.1.2. Função e Características ............................................................................................ 8 1.1.3. Funcionamento do Mercado de Capitais .................................................................. 9 1.1.4. Participantes do Mercado de Capitais..................................................................... 14 1.2. Teoria da Eficiência de Mercado...................................................................................... 19 1.3. Valores Mobiliários ............................................................................................................. 25 1.3.1. Contexto Histórico ...................................................................................................... 25 1.3.2. Conceito, Importância, Abrangência e Consequências........................................ 27 1.4. A Comissão de Valores Mobiliários ................................................................................. 33 1.4.1. Instituição e Finalidade .............................................................................................. 33 1.4.2. Prerrogativas, Atribuições e Funcionamento ......................................................... 34 1.4.3. A Autorregulação ........................................................................................................ 38 1.5. Ofertas Públicas de Valores Mobiliários ......................................................................... 43 1.5.1. Noções Gerais: conceito, modalidades e características .................................... 43 1.5.2. Aplicação e Bases Legal e Regulamentar.............................................................. 46 1.5.3. Requisitos e Procedimentos: proteção do investidor ............................................ 48 1.5.3.1 Disclosure ............................................................................................................ 49 1.5.3.2 Sistema de Registro: registro do emissor e registro da oferta .................... 52 1.5.3.3 Disclosure como Pilar das Práticas de Governança Corporativa ............... 57 1.5.4. Procedimentos relativos às Ofertas Públicas......................................................... 59 CAPÍTULO 2 – A INSTRUÇÃO CVM Nº 476 ............................................................ 63 2.1. Origem e Finalidade ........................................................................................................... 63 2.1.1. Minuta Preliminar da Instrução ................................................................................. 63 2.1.2. 2.2. Audiência Pública nº 05/2008 ................................................................................... 64 Texto Normativo Definitivo: Requisitos, Restrições e Aplicação ................................ 72 2.2.1. Abrangência da ICVM 476 ........................................................................................ 72 2.2.2. Objeto da Oferta ......................................................................................................... 73 2.2.3. Investidor Qualificado ................................................................................................ 74 2.2.4. Emissor da Oferta....................................................................................................... 76 2.2.5. Intermediário da Oferta .............................................................................................. 78 2.2.6. Minuta ICVM 476 vs. ICVM 476 ............................................................................... 80 2.3. O Papel do Intermediário .................................................................................................. 80 2.4. Demais Condições da Oferta............................................................................................ 83 2.4.1. Condições de Distribuição ........................................................................................ 83 2.4.2. Encerramento da Oferta ............................................................................................ 85 2.5. Condições e Requisitos Pós Oferta via ICVM 476 ........................................................ 85 2.5.1. Novas Emissões e Período de Lock-up .................................................................. 85 2.5.2. Negociação no Mercado Secundário ...................................................................... 86 2.5.3. Circulação entre Investidores Qualificados ............................................................ 87 2.6. Alterações recentes da ICVM 476 ................................................................................... 87 CAPÍTULO 3 – A EXCLUSÃO DAS AÇÕES E DEMAIS VALORES MOBILIÁRIOS NELAS CONVERSÍVEIS OU PERMUTÁVEIS DO ÂMBITO DAS OFERTAS PÚBLICAS COM ESFORÇOS RESTRITOS ............................................................. 89 3.1. O Propósito deste Estudo ................................................................................................. 89 3.2. O Conceito de Ação e Acionista ...................................................................................... 90 3.2.1. Definições e Características ..................................................................................... 90 3.2.2. Direitos, Deveres e Prerrogativas ............................................................................ 94 3.2.3. Tutela Jurídica e Proteção ........................................................................................ 98 3.3. A CVM, suas Funções e Limitações................................................................................ 99 3.3.1. O Papel da CVM frente ao Acionista e ao Mercado ............................................. 99 3.3.2. Atendimento das Funções: preparo e condições ................................................ 100 3.4. ICVM 476 e sua Aplicação a Ações .............................................................................. 101 3.4.1. Maturidade e Completude ....................................................................................... 101 3.4.2. Paridade ou Paralelismo com a ICVM 400........................................................... 102 3.4.3. Adaptação de Regras Mínimas: mais rigidez e segurança vs. menos burocracia e custos ..................................................................................................................................... 103 3.5. O Futuro: distribuição de ações com esforços restritos ............................................. 103 3.5.1. Viabilidade sujeita a Debates Adicionais, Novos Estudos e Mudanças .......... 103 3.5.2. Cenário Atual Internacional: desenvolvimento e maturidade ............................ 104 3.5.2.1. Regulation D ...................................................................................................... 104 3.5.2.2. Rule 144-A ......................................................................................................... 107 CAPÍTULO 4 – CONCLUSÕES .............................................................................. 110 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 111 ANEXOS ................................................................................................................. 117 1 INTRODUÇÃO Em 16 de janeiro de 2009, uma modalidade alternativa de oferta pública de valores mobiliários foi regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), por meio da edição da Instrução CVM nº 476 (“ICVM 476”), que instituiu as chamadas “ofertas públicas com esforços restritos”. A ICVM 476 se destina a regular as ofertas públicas de valores mobiliários a serem distribuídos em regime de esforços restritos, assim como a negociação de tais valores mobiliários nos mercados regulamentados1. Distribuição em regime de esforços restritos nada mais é do que a simplificação das regras para emissão de – determinados, conforme veremos – valores mobiliários no Brasil, mediante dispensa do registro da oferta2 e do registro do emissor3, o que resulta na redução significativa dos custos relacionados à oferta pública e na maior agilidade da captação de tais recursos pelos emissores da oferta. No entanto, a distribuição de valores mobiliários via ICVM 476 não se aplica a qualquer oferta pública pretendida por determinado emissor; esta deve obedecer aos parâmetros e características específicas da referida colocação pública sob o regime de esforços restritos. Neste sentido, esclareça-se que tal modalidade de oferta pública (i) se destina a número limitado de investidores – máximo de 50 (cinquenta), que devem ser, necessariamente, investidores qualificados4; e (ii) tem por objeto a distribuição 1 Nos termos da Instrução CVM nº 461, 23 de outubro de 2007, são considerados ‘mercados regulamentados’ os mercados de bolsa, seja de valores ou de mercadorias e futuros, e os mercados de balcão, organizado e não organizado. 2 Exigido no art. 19 da Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e criação da CVM (“Lei 6.385/76”). 3 Conforme exigido no art. 21 da Lei 6.385/76, mas apenas nos casos em que os valores mobiliários sejam negociados em mercados de balcão organizado e não organizado. 4 Nos termos do art. 109 da Instrução CVM nº 409, de 18 de agosto de 2004. 2 de rol taxativo de valores mobiliários – conforme veremos adiante –, os quais somente poderão ser subscritos ou adquiridos por, no máximo, 20 (vinte) dos 50 (cinquenta) investidores qualificados. A iniciativa da CVM ao editar a ICVM 476 representa um avanço significativo na regulação do mercado de capitais brasileiro e um passo importante na simplificação das regras relativas às ofertas públicas de valores mobiliários, especialmente considerando que o mercado já vinha, há algum tempo, ansiando pela elaboração de normas que facilitassem tais emissões a grupos restritos de investidores qualificados, aos quais se atribui discernimento, capacitação e experiência necessários para avaliar os riscos envolvidos no investimento. Aliás, tal arrojo da autarquia permitiu ao Brasil se alinhar, de maneira geral, ao que já ocorre em diversos países, a exemplo dos Estados Unidos da América, via Regulation D e Rule 144 A5, e do Reino Unido, por meio das Exempt Offers previstas no Schedule 11 do Financial Services and Market Act 2000. Embora a CVM tenha feito a sua parte, uma vez que criou as condições que permitem a redução dos custos, a diminuição e simplificação da burocracia dos processos de ofertas públicas e o acesso de outros emissores antes excluídos do mercado de valores mobiliários, ainda há bastante caminho a percorrer para o completo desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro neste sentido. É patente a necessidade das empresas de ter à sua disposição instrumentos de captação de recursos mais céleres e menos custosos, tendo sido este o principal objetivo almejado pela atual ICVM 476. Entretanto, mais do que a mera facilidade de acesso ao mercado de valores mobiliários, o desafio a se alcançar é tornar o mercado de capitais ainda mais atrativo do que se apresenta hoje. 5 A serem comentadas mais adiante, no Capítulo 3. 3 A este respeito, pode-se considerar que o mercado de capitais brasileiro não se tornou tão atrativo quanto se esperava às vésperas da edição da ICVM 476, em razão da exclusão das ações de sociedades por ações – e títulos nelas conversíveis ou permutáveis – do rol taxativo de valores mobiliários passíveis de distribuição via oferta pública com esforços restritos; sem prejuízo de outros motivos e questões relevantes aplicáveis. Diante do exposto, o escopo do presente trabalho será, grosso modo, entender e esclarecer os motivos que justificam a exclusão das ações e/ou dos valores mobiliários conversíveis em ou permutáveis por ações, apontando os reflexos de tal exclusão para a prática do mercado de capitais brasileiro. Embora o assunto central deste estudo seja a ICVM 476 – e suas características, restrições, abrangência e demais aspectos de aplicação e regulação –, relacionando-se, portanto, a tema do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais; a delimitação deste tema propiciará a aproximação da discussão a conceitos relacionados ao Direito Societário, área prática em que possuímos melhor fluência, abordando concepções e incitando reflexões a respeito dos significados de ‘ação’, ‘acionista’, suas características, direitos, tutela, proteção, entre outras questões correlatas importantes ao encerramento do tema. Pretendemos ainda pontuar, sem grande profundidade, os aspectos positivos e negativos de uma hipotética oferta pública de ‘ações’ distribuídas com esforços restritos no mercado de capitais brasileiro, assim como comentar a viabilidade de inclusão futura das ações e outros valores mobiliários nelas conversíveis ou permutáveis no rol taxativo da ICVM 476, permitindo sua distribuição no âmbito das ofertas públicas com esforços restritos. Por fim, teceremos alguns comentários sobre o funcionamento, prática e atual situação dos mercados de capitais dos Estados Unidos da América. 4 O estudo será, portanto, apresentado em quatro etapas. No primeiro capítulo buscaremos analisar e tecer considerações sobre (i) o mercado de capitais brasileiro e a teoria do mercado eficiente; (ii) os valores mobiliários e seu conceito, com referência à criação da CVM, suas funções e atribuições; e. (iii) as ofertas públicas de valores mobiliários, esclarecendo seu conceito, modalidades, características, procedimentos e funcionamento. Em seguida, já no segundo capítulo, a atenção será voltada à análise da ICVM 476, comentando sua origem, finalidade, abrangência, características, requisitos e restrições, reflexos posteriores da oferta e demais aspectos de aplicação e regulação. O terceiro capítulo será dedicado a abordar a questão da exclusão das ações de sociedades por ações, e os títulos nelas conversíveis ou permutáveis, do rol taxativo dos valores mobiliários passíveis de distribuição por meio de oferta pública com esforços restritos (via ICVM 476), buscando apontar e esclarecer os motivos que justificaram tal exclusão, assim como seus reflexos para a prática do mercado de capitais brasileiro. Ainda neste capítulo, será feita referência à viabilidade de futura inclusão de tais valores mobiliários no rol de abrangência da ICVM 476, sendo o tema em estudo comentado à luz do direito comparado, relativamente à doutrina e sistema norte americanos, sem este seja o principal enfoque do trabalho. E, finalmente, apresentaremos no quarto capítulo nossas conclusões acerca das reflexões propostas neste trabalho. 5 CAPÍTULO 1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E REGIME JURÍDICO 1.1. Mercado de Capitais Brasileiro 1.1.1. Mercado de Capitais: definição e conceitos econômicos O mercado de capitais é um sistema de distribuição de valores mobiliários que tem por finalidade proporcionar liquidez a títulos de emissão de empresas e viabilizar seu processo de capitalização6. Em tal mercado, entes econômicos deficitários emitem valores mobiliários para fins de captar recursos de entes econômicos superavitários – que se tornarão seus investidores. Neste sentido, o mercado de capitais é uma alternativa de financiamento e captação de recursos ao mercado de crédito. Para melhor entender e analisar as características do mercado de capitais é importante compreender, previamente, o conceito de mercado de crédito, a noção de intermediação financeira e a função das instituições financeiras em tal mercado. A partir de tal compreensão será fácil perceber as diferenças entre o mercado de crédito e o mercado de capitais e distinguir claramente as funções e aplicações de cada um na economia de mercado. O mercado de crédito é uma das subdivisões ou subsistemas do mercado financeiro, juntamente com os mercados monetário, cambial e de capitais7. É no mercado de crédito que são realizadas as operações bancárias típicas de captação de recursos e de seu empréstimo, para financiamento do consumo corrente, de bens duráveis e do capital de giro de empresas.8 Tal 6 BM&FBOVESPA. Introdução ao Mercado de Capitais. Cartilha, 2012. Disponível em http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/a-bmfbovespa/download/merccap.pdf. Acesso em: 10 nov.2012. 7 EIZIRIK, Nelson, et al. Mercado de Capitais – Regime Jurídico. 2ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Renovar, 2008. p. 7. 8 Idem nota 7. 6 mercado é baseado na intermediação financeira, a qual, por sua vez, consiste na aproximação de indivíduos deficitários com indivíduos superavitários através de uma instituição financeira, que atua por si mesma. É justamente na figura da intermediação financeira e nas funções que esta exerce em cada mercado9 que se verifica a grande diferença entre o mercado de crédito e o mercado de capitais. No mercado de crédito, o intermediário financeiro é parte das relações jurídicas junto aos agentes econômicos superavitários e deficitários e seu o papel é transferir fundos dos poupadores para os tomadores, porém, agindo em seu próprio nome, de forma que estabelece, no desempenho dessa atividade, vínculo negocial em ambos os lados, com os poupadores e com os tomadores, mas nunca entre esses diretamente.10 Isto significa que, quando uma instituição financeira (intermediário) concede empréstimo a um tomador de recursos, valendo-se, para tanto, da poupança de um terceiro que lhe custodiou seus próprios recursos, tal intermediário está, na prática, (i) adquirindo do tomador a promessa de retorno e pagamento da quantia, na forma, valor e prazo estipulados entre si e, ao mesmo tempo, (ii) comprometendo-se perante o poupador a lhe disponibilizar seus próprios recursos, na forma e prazo também previamente estipulados entre si, sem estabelecer, com isso, qualquer vínculo ou relacionamento entre o tomador e o poupador. O 9 intermediário financeiro atua, portanto, como um “vaso Para fins deste estudo, o mercado de crédito e mercado de capitais. Importante esclarecer que a caracterização jurídica da atividade de intermediação financeira, assim como sua função no âmbito do mercado financeiro e/ou desempenho efetivo no mercado monetário, não se esgota na simples explanação aqui referida, conforme é possível aferir das lições de Nelson Eizirik, et al. (in Mercado de Capitais – Regime Jurídico. op. cit., pp. 1-8). 10 7 comunicante”11 entre as unidades deficitárias e superavitárias, mas tomando para si todo o risco dessa troca financeira e assumindo os direitos e obrigações respectivas, inerente às transações realizadas no mercado de crédito. Já no mercado de capitais, não há a intermediação financeira típica do mercado monetário. São efetuadas neste mercado operações que não apresentam a natureza de negócios creditícios, mas que visam, basicamente, canalizar recursos para as entidades emissoras – pincipalmente sociedades por ações de capital aberto –, através de capital de risco, mediante a emissão pública de valores mobiliários.12 Embora a figura da instituição financeira possa estar presente no mercado de capitais, como no caso de emissão pública de valores mobiliários, os recursos captados sempre fluem diretamente dos adquirentes dos valores mobiliários para as empresas abertas que o emitem, ficando a participação da instituição financeira no processo de distribuição dos títulos emitidos limitada a emprestar seu expertise para o sucesso da aproximação entre emissora e investidores e respectiva colocação pública dos valores mobiliários. O papel dos intermediários financeiros no mercado de capitais é, portanto, harmonizar as necessidades dos investidores com as necessidades das companhias abertas, já que existem companhias de diferentes portes, com necessidades financeiras variadas e, ao mesmo tempo, investidores com interesses diferenciados em relação à aplicação de seus recursos, tendo em vista o objetivo de obterem retorno financeiro no curto, médio ou longo prazo, expondo-se a diferentes níveis de risco. 11 Na expressão de Marcos Cavalcante de Oliveira (in Moeda, Juros e Instituições Financeiras – Regime Jurídico. 2ª ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 84). 12 EIZIRIK, Nelson, et al. op.cit., p. 8. 8 Para compatibilizar os diversos interesses entre companhias e investidores, estes recorrem aos intermediários financeiros, que cumprem a função de reunir investidores e companhias, propiciando a alocação eficiente dos recursos financeiros na economia.13 1.1.2. Função e Características A função econômica essencial do mercado de capitais é permitir a mobilização da poupança entre a unidade econômica superavitária e a unidade econômica deficitária, sem impor obrigação de devolução de tais recursos aos respectivos investidores – exceto no caso de debêntures ou commercial papers, conforme veremos adiante. Ocorre que no desempenho das atividades do mercado de capitais são realizados, principalmente, negócios de “participação”, em que as empresas emissoras captam recursos não exigíveis junto a investidores, para financiamento de seus projetos de investimento ou prolongamento de dívidas, sob a promessa de retorno de tal investimento sob a forma de dividendos, em vista da lucratividade da entidade emissora dos títulos, resultante do empreendimento econômico desenvolvido. Em razão disso, o mercado de capitais se trata de um mercado de risco, uma vez que o agente emissor não outorga aos investidores qualquer garantia quanto ao retorno do investimento, comprometendo-se, apenas, a remunerá-los de acordo com o desempenho de suas atividades. 13 CVM. Entendendo o Mercado de Valores Mobiliários. Disponível em http://www.portaldoinvestidor.gov.br/menu/primeiros_passos/Entendendo_mercado_valores. html. Acesso em: 10 nov.2012. 9 Ainda assim, não obstante a natureza de risco do mercado de capitais, a comercialização de títulos e valores mobiliários é responsável por fazer circular capital essencial para custear o desenvolvimento econômico do país. Segundo Rocca14, é muito importante um mercado de capitais desenvolvido para a economia de um país, pois ele será o responsável por gerar financiamento a investimentos, especialmente os de longo prazo. As companhias de capital aberto que fazem parte desse mercado serão as mais beneficiadas por esses investimentos, podendo, com isto, se modernizar e ser mais competitiva no mercado, fortalecendo a economia como um todo. Além de permitir a capitalização das empresas, o mercado de capitais apresenta outras funções econômicas relevantes, tais como: (i) transformar montantes pequenos e médios de capital, aportados por diferentes poupadores, em grandes e consolidados montantes de capital; (ii) transformar a natureza dos riscos das operações, convertendo uma série de investimentos de alto risco individual, de longo prazo e sem liquidez, em investimentos com maior segurança e prazos mais curtos; (iii) conferir maior agilidade em processos de transferências de recursos, em razão da padronização dos valores mobiliários e sua aptidão para circularem em massa; e (iv) obter maior volume de informações homogêneas sobre oferta e demanda de recursos.15 1.1.3. Funcionamento do Mercado de Capitais O sistema do mercado de capitais brasileiro é formado pelos mercados regulamentados de valores mobiliários, que compreende tanto os mercados de bolsa, quanto os mercados de balcão. 14 ROCCA, Carlos Antonio. Soluções para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. 15 EIZIRIK, Nelson, et al. op.cit., p. 9. 10 São negociados em tal mercado os instrumentos denominados valores mobiliários – cuja definição e demais características serão analisados mais adiante, ainda neste capítulo – e. por essa razão, o mercado de capitais é também referido como “mercado de valores mobiliários”. Todas as operações que ocorrem no mercado de capitais ou mercado de valores mobiliários, assim como os respectivos participantes deste mercado, são regulados e disciplinados pela CVM, nos termos da Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976 (“Lei 6.385/76”), e, por tal motivo, diz-se que mercado de capitais brasileiro é um mercado regulamentado. Os mercados de bolsa serão sempre considerados mercados organizados de valores mobiliários e, no Brasil, podem ser de bolsa de valores ou de bolsa de mercadorias e de futuros. Já os mercados de balcão podem ser (i) organizado, quando existe fiscalização governamental e (ii) não organizado, nos demais casos. Considera-se mercado organizado de valores mobiliários o espaço físico ou o sistema eletrônico destinado à negociação ou ao registro de operações com valores mobiliários, por um conjunto determinado de pessoas autorizadas a operar, que atuam por conta própria ou de terceiros.16 São, portanto, ambientes organizados, informatizados e transparentes para registro ou negociação de títulos e valores mobiliários, que conferem maior liquidez e segurança para a realização de negócios, contribuindo, assim, para a eficiência do mercado de capitais. A relevância dos diferentes segmentos do mercado de capitais entre mercado de bolsa – seja de valores ou de mercadorias e futuros –, e mercado de 16 Nos termos do art. 3º da Instrução CVM nº 461, de 23 de outubro de 2007. 11 balcão – organizado e não organizado –, está relacionada à identificação dos tipos de operações que são realizadas em cada ambiente. No mercado de balcão não organizado ocorre a negociação de valores mobiliários em que intervém, como intermediário, integrante do sistema de distribuição – e.g., instituições financeiras autorizadas, distribuidoras e corretoras de títulos e valores mobiliários – e no qual o negócio não é realizado ou registrado em mercado organizado. Referem-se, portanto, às operações realizadas fora dos ambientes de bolsa e outras entidades de balcão organizado, sujeitas à administração e fiscalização por entidades autorizadas pela CVM. Quanto à distinção entre os mercados organizados de bolsa e de balcão, esta está relacionada às regras para negociação estabelecidas em cada um deles, relativamente aos ativos registrados em cada ambiente. Tradicionalmente, o mercado de balcão é um mercado de títulos sem local físico definido para a realização das transações, que são feitas por telefone entre as instituições financeiras. Neste mercado, o sistema eletrônico de negociação configurado por terminais interliga instituições credenciadas em todo o país, processando suas ordens de compra e venda e fechando os negócios eletronicamente. No mercado de balcão organizado é admitida a negociação de uma variedade de valores mobiliários, tais como bônus de subscrição, índices representativos de carteira de ações, opções de compra e venda de valores mobiliários, direitos de subscrição, etc. No entanto, somente se admite a negociação de ações de companhias abertas que, ao requerer seu registro perante a CVM, tenham especificado sua intenção de negociar, em mercado secundário, seus títulos e valores mobiliários no mercado de balcão organizado. 12 Já com relação às debêntures de emissão de companhias abertas, estas podem ser negociadas simultaneamente em bolsa de valores e mercado de balcão organizado, desde que cumpram os requisitos de ambos os mercados. As bolsas de valores também são responsáveis por administrar o mercado secundário de ações, debêntures e outros títulos e valores mobiliários. Na prática, ainda que não haja regra ou limite específico para que uma companhia decida listar seus valores mobiliários para negociação na bolsa ou no mercado de balcão organizado, em geral, as empresas listadas em bolsas de valores são companhias de grande porte, o que acaba prejudicando a “visibilidade” de empresas de menor porte neste ambiente e, de certa forma, a própria liquidez dos ativos emitidos por essas companhias.17 Por tal motivo, em muitos países há segmentos especiais e/ou mercados segregados especializados para a negociação de ações e outros títulos emitidos por empresas de menor porte. Ainda tratando das diferenças entre o mercado de bolsa de valores e o mercado de balcão organizado, vale esclarecer que, no Brasil, o mercado de balcão organizado admite um conjunto mais amplo de intermediários do que em bolsas de valores, o que pode aumentar o grau de exposição de companhias de médio porte ou novas empresas ao mercado. Desta forma, pode-se entender que o objetivo da regulamentação do mercado de balcão organizado foi ampliar o acesso ao mercado para novas companhias, criando um segmento voltado à negociação de valores emitidos por empresas que não teriam, em bolsas de valores, o mesmo grau de exposição e visibilidade. Seria o mercado de balcão organizado, portanto, uma porta de 17 CVM. Mercado de Balcão Organizado. Cadernos CVM do Portal do Investidor. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/protinv/caderno7.pdf. p. 22. 13 entrada para o mercado de capitais para companhias de menor porte ou que sejam pouco conhecidas pelos investidores.18 Sob o ponto de vista dos investidores, a principal diferença entre as operações realizadas em bolsas de valores e aquelas realizadas no mercado de balcão organizado refere-se ao fundo de garantia que respalda as operações realizadas no ambiente de bolsa de valores. Tal fundo de garantia é mantido pelas bolsas com a finalidade exclusive de assegurar aos investidores o ressarcimento de prejuízos decorrentes de execução infiel de ordens por parte de corretoras membro, entrega de valores mobiliários ilegítimos ao investidor, decretação de liquidação extrajudicial de corretora de valores, entre outras situações. Outra diferença seria quanto aos procedimentos especiais a que as bolsas de valores estão sujeitas, caso seja verificada variação significativa de preços ou caso haja oferta representando quantidade significativa de ações. Nesses casos, visando amenizar flutuações bruscas de preços e oferecer iguais condições a todos os participantes, as bolsas de valores devem interromper a negociação do ativo e realizar leilão aberto à interferência de todos os participantes. Já as entidades administradoras do mercado de balcão organizado não estão obrigadas a realizar tais procedimentos especiais, embora todos os regulamentos adotados por estas devam ser submetidos à aprovação da CVM, para verificação da adequação dos procedimentos necessários à boa formação de preços e disseminação de informações aos participantes do mercado. Do ponto de vista das companhias, as regras para se tornar uma companhia aberta são as mesmas independente desta buscar uma listagem em 18 CVM. Mercado de Balcão Organizado. Cadernos CVM do Portal do Investidor. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/protinv/caderno7.pdf. p. 23. 14 bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado. Apenas o registro a ser concedido pela CVM é que indicará, especificamente, em qual mercado secundário seus valores mobiliários serão negociados, se em ambiente de bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado, não podendo haver negociação simultânea das ações de uma mesma companhia aberta em bolsa de valores e em instituições administradoras do mercado de balcão organizado. 1.1.4. Participantes do Mercado de Capitais O mercado de capitais brasileiro é um segmento do Sistema Financeiro Brasileiro, o qual pode ser definido e caracterizado como um conjunto de instrumentos, mecanismos e instituições que asseguram a canalização da poupança para o investimento, ou seja, o conjunto de instituições e regras que viabilizam, de forma organizada e regulamentada, a troca de recursos entre poupadores e tomadores, dos setores que possuem recursos financeiros superavitários para os que desejam ou necessitam de recursos (deficitários). No Brasil, o Sistema Financeiro Nacional (“SFN”) se consolidou a partir das reformas estruturais iniciadas em 1964. Conhecida como a Lei da reforma do Sistema Financeiro Nacional, a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, foi fundamental para este desenvolvimento uma vez, que foram criados o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil e, na mesma ocasião, foram estabelecidas as normas operacionais e procedimentos que as demais instituições deveriam se subordinar, configurando o funcionamento do SFN. A atual estrutura do SFN divide as instituições integrantes em três categorias: órgãos normativos, entidades supervisoras e operadores. Os órgãos normativos são responsáveis por definir as diretrizes gerais sobre o funcionamento do SFN e das instituições. Faz parte desta categoria apenas o Conselho Monetário Nacional, sendo, portanto, o responsável por 15 adaptar o volume dos meios de pagamento às reais necessidades da economia; regular o valor interno e externo da moeda e o equilíbrio do balanço de pagamentos; orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras; propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros; zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras; e coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária e da dívida pública interna e externa. As entidades supervisoras são as responsáveis por regulamentar as diretrizes gerais expedidas pelas instituições normativas e supervisionar o cumprimento de tais determinações. Fazem parte desta categoria o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários. O Banco Central do Brasil é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda e é o principal executor das orientações do Conselho Monetário Nacional. Dentre suas responsabilidades estão: garantir o poder de compra da moeda nacional, zelando pela adequada liquidez da economia; manter as reservas internacionais em nível adequado; estimular a formação de poupança; zelar pela estabilidade e promover o permanente aperfeiçoamento do sistema financeiro. Suas atribuições incluem emitir papel‐moeda e moeda metálica; executar os serviços do meio circulante; receber recolhimentos compulsórios e voluntários das instituições financeiras e bancárias; realizar operações de redesconto e empréstimo às instituições financeiras; regular a execução dos serviços de compensação de cheques e outros papéis; efetuar operações de compra e venda de títulos públicos federais; exercer o controle de crédito; exercer a fiscalização das instituições financeiras; autorizar o funcionamento das instituições financeiras; estabelecer as condições para o exercício de quaisquer cargos de direção nas instituições financeiras; vigiar a interferência de outras empresas nos mercados financeiros e de capitais e controlar o fluxo de capitais estrangeiros no país. 16 A Comissão de Valores Mobiliários também é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda e foi instituída pela Lei 6.385/76, sendo responsável por regulamentar, desenvolver, controlar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários do país. Outras questões mais detalhadas a respeito da CVM, suas funções, atribuições, prerrogativas e funcionamento serão abordadas adiante, ainda neste capítulo 1. Finalmente, os operadores do sistema são compostos pelas instituições que, de uma forma direta ou indireta, atuam na troca de recursos entre poupadores e tomadores. Fazem parte desta categoria as bolsas de mercadorias e futuros, as bolsas de valores, as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, as sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e as sociedades corretoras de câmbio. As bolsas de mercadorias e futuros são associações privadas civis, que possuem como objetivo efetuar o registro, a compensação e a liquidação, física e financeira, das operações realizadas em pregão ou em sistema eletrônico. Para tanto, devem desenvolver, organizar e operacionalizar um mercado de derivativos livre e transparente, que proporcione aos agentes econômicos a oportunidade de efetuarem operações de hedging (proteção), ante flutuações de preço de commodities agropecuárias, índices, taxas de juro, moedas e metais, bem como de todo e qualquer instrumento ou variável macroeconômica, cuja incerteza de preço no futuro possa influenciar negativamente suas atividades. Possuem autonomia financeira, patrimonial e administrativa e são fiscalizadas pela CVM. As bolsas de valores são sociedades por ações ou associações civis, que tem como objetivo manter local ou sistema adequado ao encontro de seus membros e à realização entre eles de transações de compra e venda de títulos e valores mobiliários, em mercado livre e aberto, especialmente organizado e 17 fiscalizado por seus membros e pela CVM. Possuem autonomia financeira, patrimonial e administrativa. As sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários podem ser constituídas sob a forma de sociedade por ações ou sociedade empresária limitada e tem por objetivos: operar em bolsas de valores, subscrever emissões de títulos e valores mobiliários no mercado; comprar e vender títulos e valores mobiliários por conta própria e de terceiros; encarregar‐se da administração de carteiras e da custódia de títulos e valores mobiliários; exercer funções de agente fiduciário; instituir, organizar e administrar fundos e clubes de investimento; emitir certificados de depósito de ações e cédulas pignoratícias de debêntures; intermediar operações de câmbio; praticar operações no mercado de câmbio de taxas flutuantes; praticar operações de conta margem; realizar operações compromissadas; praticar operações de compra e venda de metais preciosos, no mercado físico, por conta própria e de terceiros; operar em bolsas de mercadorias e de futuros por conta própria e de terceiros. As sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários são supervisionadas pelo Banco Central do Brasil. As sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários podem ser constituídas sob a forma de sociedade por ações ou sociedade empresária limitada, devendo constar na sua denominação social a expressão "Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários". Suas principais atividades incluem: intermediar a oferta pública e distribuição de títulos e valores mobiliários no mercado; administrar e custodiar as carteiras de títulos e valores mobiliários; instituir, organizar e administrar fundos e clubes de investimento; operar no mercado acionário, comprando, vendendo e distribuindo títulos e valores mobiliários, inclusive ouro financeiro, por conta de terceiros; fazer a intermediação com as bolsas de valores e de mercadorias; efetuar lançamentos públicos de ações; 18 operar no mercado aberto e intermediar operações de câmbio. Também são supervisionadas pelo Banco Central do Brasil. Além desses principais integrantes que compõe a estrutura básica do mercado de capitais brasileiro, participam deste mercado outros agentes, tais como: emissores (companhias abertas); intermediários (bancos de investimento, corretoras de administradores mercadorias, de carteiras), agentes autônomos administradores de de investimento mercado e (entidades administradoras do mercado de balcão organizado, depositárias e câmaras de compensação e liquidação), analistas de mercado de valores mobiliários e, claro, investidores (pessoas físicas, institucionais, empresas, estrangeiros, etc.). No Brasil, opera hoje, como principal bolsa, a BM&FBOVESPA S.A. – Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (“BM&F”), criada em maio de 2008 mediante a integração da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) e Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), tendo se tornado a maior bolsa da América Latina, a segunda das Américas e a terceira maior do mundo.19 Já em relação ao mercado de balcão organizado, o primeiro ambiente no Brasil destinado à negociação de ações em tal mercado foi a Sociedade Operadora de Mercado de Ativos – SOMA, adquirida pela BOVESPA em 2002. Em seu lugar, foi implantado o SOMA FIX, atual mercado de balcão organizado de títulos de renda fixa da bolsa paulista.20 19 CVM. Entendendo o Mercado de Valores Mobiliários. Disponível em http://www.portaldoinvestidor.gov.br/menu/primeiros_passos/Entendendo_mercado_valores. html. Acesso em: 10 nov.2012 20 Idem nota 19. 19 1.2. Teoria da Eficiência de Mercado A hipótese do mercado eficiente – HME é aquela que considera que os mercados financeiros são “informacionalmente eficientes” e, por tal razão, não se pode obter retornos além daqueles médios de mercado, em base ajustada ao risco, tendo em vista a existência de informação disponível no momento em que o investimento é feito.21 De acordo com tal teoria, o preço de um ativo financeiro reflete todas as informações disponíveis, sendo a melhor estimativa de seu “valor fundamental.” Se o preço do ativo financeiro afasta-se desse valor, operações de arbitragem promovem a convergência. Neste sentido, considera-se mercado eficiente aquele em que os participantes formam expectativas em relação aos preços baseados em toda a informação disponível sobre eventos que possam influenciar os preços do ativo negociado. O preço é um indicador da avaliação que o mercado faz do produto e reflete as informações disponíveis sobre o mercado em dado momento. Segundo Germain, em um mercado 100% eficiente, os preços dos títulos refletem exatamente a informação relevante disponível a respeito da emissora de tal título e, por tal motivo, não existe possibilidade de se obter lucro econômico com base em informações que já se encontram disponíveis. A impossibilidade referida por Germain se justifica, inclusive, em razão de todos os agentes terem acesso, ao mesmo tempo, a todas as informações sobre determinado ativo, de forma que não haveria informação privilegiada que possa favorecer um agente em detrimento de outro. 21 GERMAIN, L. Eficiência de mercado: um espelho para as informações. In: Dominando finanças. São Paulo: Makron Books, 2001 20 No entanto, a própria teoria do mercado eficiente admite a existência de 03 (três) níveis de eficiência: (i) eficiência fraca, quando os preços refletem a informação contida nos preços anteriores; (ii) eficiência semiforte, quando os preços refletem toda a informação publicamente disponível; e (iii) eficiência forte, quando os preços refletem toda a informação relevante, incluindo a informação privilegiada. Nas palavras de Marcos Cavalcante de Oliveira22, um mercado fraco é aquele no qual os preços atuais refletem tão somente os preços ou tendências do passado. Já em um mercado semiforte tais preços levam também em consideração informações publicamente disponíveis a respeito do ativo em questão; no entanto, a eficiência ainda não plena, já que existem informações privadas disponíveis a um grupo restrito de agentes, gerando, assim, uma ‘quase-eficiência’23. Finalmente, em mercado forte não haveria distinção entre informação existente e informação publicamente disponível, uma vez que todas as informações sobre o ativo seriam públicas. Sob tal prisma, um mercado de eficiência forte seria aquele em que todas as informações, incluindo as privadas, privilegiadas e/ou supervenientes, estariam disponíveis a todos imediatamente, de forma que os preços dos ativos se ajustariam simultânea e automaticamente, conferindo plena eficiência ao mercado. 22 OLIVEIRA, Marcos Cavalcante de. Moeda, Juros e Instituições Financeiras: op. cit., p. 40-41. 23 Vale mencionar a respeito do mercado semiforte, o seguinte comentário do Prof. Marcos Cavalcante de Oliveira: “nesse tipo de mercado [...] ainda é possível – ainda que nem sempre legítimo – se obter lucros extraordinários, desde que o agente disponha de informações privadas, que lhe permitam formar um julgamento sobre o desempenho da companhia melhor do que seria possível fazer com a análise apenas da informação pública.” (in Moeda, Juros e Instituições Financeiras: Regime Jurídico. op. cit., p. 41) 21 Importante esclarecer, no entanto que essa eficiência forte sustentada pela hipótese ou teoria do mercado eficiente se pauta nas seguintes suposições ou requisitos de validade: (i) concorrência perfeita, em que há participantes em número suficiente nos mercados de ativos financeiros para impedir que a decisão isolada de um deles afete os preços; (ii) os investidores possuem preferências estáveis, formam expectativas racionais e maximizam suas utilidades esperadas; (iii) as expectativas dos investidores são homogêneas, pois se supõem que os investidores são todos racionais e tem igual acesso às informações e aos mercados; (iv) novas informações sobre os ativos financeiros surgem aleatoriamente, ensejando ajustes instantâneos nos portfólios dos investidores; (v) não há fricções, isto é, os ativos são homogêneos, divisíveis e não envolvem custos de transação; e (vi) os agentes são capazes de processar de maneira ótima todas as informações disponíveis. À primeira vista, portanto, parece impossível a existência de um mercado efetivamente eficiente, já que as tais suposições de veracidade, em regra, não são factíveis no mundo real. Em razão disso, uma versão mais refinada da HME considera prescindível a presença das suposições de que todos os investidores estejam 22 igualmente informados sobre os fundamentos de um ativo financeiro ou de que tenham expectativas racionais e fundamentadas sobre seu preço futuro. Isto porque, embora seja possível a existência de “noise traders” (investidores desinformados, que tomam decisões irracionais), cuja atuação gera desvios entre preços de mercado e valor de fundamento, tais discrepâncias teriam curta duração, já que as oportunidades de arbitragem seriam rapidamente exploradas.24 Assim, a diferença entre valor de fundamento do ativo (estimado de acordo com as expectativas racionais) e seu preço de mercado (distorcido pela ação dos noise traders) forneceria o incentivo para que os investidores informados revelassem as informações de que dispõem, transmitindo-as aos preços.25 Embora a versão mais refinada da HME acima exposta não dispense todos os requisitos e suposições que embasam referida teoria, defensores da HME afirmam que a ausência de determinadas suposições não implicam automaticamente na ineficiência do mercado. Silva (2001)26 explica, neste sentido, que não é necessário, por exemplo, que os agentes sejam sempre racionais. A hipótese do mercado eficiente permite que, quando confrontados com novas informações, alguns 24 Interessante argumentação de FRIEDMAN, M. (in The methodology of positive economics. Essays in Positive Economics. Chicago: University of Chicago Press, 1953) no sentido de “que os investidores ‘irracionais’, ao perderem dinheiro pela ação dos arbitradores, aprenderiam o comportamento correto ou simplesmente seriam excluídos do mercado, sobrevivendo apenas os investidores informados. 25 ALDRIGHI, Dante M.; MILANEZ, Daniel Y. Finança Comportamental e a Hipótese dos Mercados Eficientes. Rio de Janeiro: Revista de Economia Contemporânea, 9(1), jan/abr 2005. p. 41-72. 26 SILVA, M. A. A hipótese da eficiência do mercado acionário e algumas anomalias encontradas. Revista Relações Humanas da Escola Superior de Administração de Negócios. São Paulo, nº 18. Fev, 2001. p. 3. 23 investidores possam reagir de forma exagerada e alguns possam reagir de forma retraída. Tudo o que é exigido pela hipótese do mercado eficiente é que as reações dos investidores sejam aleatórias, seguindo padrão de distribuição normal, de modo que o efeito líquido sobre os preços de mercado não pode ser explorado para fazer um lucro anormal, especialmente quando se considera os custos de transação (incluindo comissões e spreads). Assim, qualquer pessoa pode estar errada sobre o mercado de fato, mas o mercado como um todo está sempre certo. Adotando o raciocínio, Damodaran27 afirma que: (i) um mercado eficiente é aquele em que o preço de mercado é uma estimativa não tendenciosa do valor real do investimento; (ii) os preços de mercado não tem, necessariamente, que espelhar o preço justo das ações a todo o momento, ou seja, podem existir ações subavaliadas ou superavaliadas; (iii) a probabilidade de encontrar tais ativos é a mesma, não compensando, desta forma, o custo de encontrá-las; e (iv) existirem diferenças de eficiência de mercado entre os investidores, que ocorrem devido aos custos, principalmente os de transação, serem diferentes de investidor para investidor. Conclui-se, portanto, que a HEM constitui uma teoria de equilíbrio a ser aplicada ao mercado de capitais. Uma vantagem comparativa para algum investidor só é possível pela posse de níveis de informação diferenciados, que não estejam completamente incorporados nos preços dos ativos. Pouco importa, na prática, que a concorrência no mercado não seja perfeita, que os agentes não sejam todos e sempre racionais ou que os diversos agentes participantes não tenham a mesma capacidade e eficiência no processamento das informações disponíveis. 27 DAMODARAN, A. Avaliação de investimentos: ferramentas e técnicas para a determinação do valor de qualquer ativo. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1996. 24 O fator efetivamente relevante para que surja o mercado eficiente é que as informações corretas e relevantes a respeito de determinado ativo estejam disponíveis publicamente, de forma equânime e simultânea a todos os agentes do mercado. Nas palavras de Galdão e Famá (1998)28, mercado eficiente seria, portanto: “... um mercado onde haja um grande número de agentes racionais maximizadores de lucros competindo ativamente e tentando prever o valor futuro de mercado dos títulos individuais e onde informações importantes estejam disponíveis para todos os participantes a um custo próximo de zero. Em um mercado eficiente, a competição entre muitos participantes inteligentes conduz a uma situação onde, em qualquer momento no tempo, os preços reais dos ativos individuais já refletem os efeitos de informações, tanto com base em eventos que já tenham ocorrido no passado ou em eventos que o mercado espera que ocorram no futuro. Em outras palavras, em um mercado eficiente, o preço de um ativo será uma boa estimativa do seu valor intrínseco em qualquer momento.” E é nesse contexto do conceito da teoria da eficiência de mercado que as entidades reguladoras do mercado de capitais se norteiam para desempenho de suas funções e atribuições – conforme veremos em maiores detalhes nos demais tópicos deste trabalho –, uma vez que a noção de um mercado de capitais eficiente está relacionada à disponibilização de informações precisas, relevantes e de forma simultânea e equânime a todos os participantes do mercado. 28 GALDÃO, A.; FAMÁ, R. Avaliação de eficiência no mercado acionário brasileiro por volatilidades comparadas, no período 1977-1996. XXII ENANPAD, 22º. Foz do Iguaçu: ANPAD, set/1998. p. 286. 25 1.3. Valores Mobiliários 1.3.1. Contexto Histórico Tendo em vista que os valores mobiliários são normatizados no âmbito do direito comercial, dentre outros, verificaremos a evolução histórica desta legislação, bem como da sua legislação específica. Após tramitar durante 15 (quinze) anos no Congresso Nacional, a Lei nº 556 – considerada o primeiro Código Comercial brasileiro – foi aprovada em 25 de junho de 1850 (“Código Comercial de 1850”). Referido normativo foi fundamentado na legislação portuguesa, francesa e espanhola, e em especial, no que se refere às leis relativas às sociedades anônimas e suas relações comerciais, teve grandes influências do modelo francês. Com o desenvolvimento do mercado brasileiro, diversas leis relativas às matérias comerciais, especificamente as societárias e correlatas, foram aprovadas nesse sentido. Sucintamente, enfatizamos: (i) o Decreto nº 434, de 07 de abril de 1891, que consolidou os normativos sobre as sociedades anônimas; (ii) a Lei nº 2.024, de 17 de dezembro de 1908, que submeteu as sociedades anônimas ao regime falimentar; (iii) o Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940 (“Decreto-lei 2.627/40”), que determinou as diretrizes para as referidas sociedades; (iv) a Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965 (“Le 4.728/65” ou “Lei do Mercado de Capitais”), que definiu o conceito de sociedade anônima de capital aberto; (v) a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei nº 6.404/76” ou “Lei das S/A”), que substituindo o Decreto-lei 2.627/40, também dispôs sobre as sociedades anônimas – ou, atualmente, sociedades por ações –; (vi) a Lei 6.385/76, já referida, que organizou e atualizou a legislação do mercado de valores mobiliários sob a disciplina do Conselho Monetário Nacional e a fiscalização do Banco Central do Brasil, e criou a CVM; (vii) a Medida Provisória nº 1.637, de 08 de janeiro de 1998 (“MP 1.637/98”), que dispôs sobre a regulação, fiscalização e supervisão dos mercados de títulos ou contratos de investimento coletivo; e, finalmente, (viii) a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (“Lei 10.406/02” ou “Código Civil”), que, unificando a legislação do 26 direito privado e revogando parcialmente o Código Comercial de 185029, dispôs sobre a matéria comercial brasileira. A Lei 4.728/65 ou Lei do Mercado de Capitais representou uma grande inovação e avanço do mercado brasileiro, uma vez que reformou o sistema financeiro ao criar novos instrumentos para o investimento e a aplicação de capital. Tais mudanças estimularam a poupança e suas aplicações no mercado nacional, verificando-se, em decorrência disso, grande desenvolvimento do mercado nacional. No entanto, a queda da bolsa de valores de Nova York e seus fortes reflexos no Brasil – e no mundo –, interrompeu o crescimento do mercado interno, que foi evoluindo timidamente no decorrer da década de 1970. Nesse panorama, em 1976, entram em vigor a Lei das S/A e a Lei 6.385/76, que, conjuntamente, destinam-se ao fortalecimento das empresas sobre o controle de capitais privados nacionais, tendo em vista que regulam o investimento da poupança popular nas referidas empresas. Para tanto, foi criada uma estrutura visando o fortalecimento da segurança e da rentabilidade dos investidores, o que incluiu a criação da CVM e a ampliação da variedade de valores mobiliários à disposição dos agentes de mercado, ambas trazidas à tona pela Lei 6.385/76. Nas décadas seguintes, em razão do lento desenvolvimento econômico e sob a influência da recessão na economia, o Brasil sofria com o processo de hiperinflação e elevados índices de juros. Foi em tal contexto que a Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 1.289, de 20 de março de 1987, buscou fomentar o processo de internacionalização do mercado, visando que investidores estrangeiros comecem a atuar no mercado de capitais brasileiros. Tal acesso das empresas nacionais ao mercado internacional permitiu, novamente, a aceleração do crescimento do mercado interno. 29 Permanecem em vigor as normas relativas ao comércio marítimo (Parte II do normativo). 27 Entretanto, para que o Brasil fosse capaz de atrair novos investidores era preciso adequar-se ao patamar dos mercados internacionais, criando sistemáticas que trouxessem maior segurança ao investidor. E foi com esse intuito que surgiu a Lei nº 10.303, de 31 de dezembro de 2001 (“Lei 10.303/01”), a qual incorporou uma série de modificações nos dispositivos da Lei das S/A – objetivando o aperfeiçoamento e evolução dos direitos e a proteção dos acionistas minoritários30 – e na Lei 6.385/76 – no que se refere à CVM e sua competência, bem como ao mercado de valores mobiliários, sua conceituação e abrangência, conforme já vimos –, criando, inclusive, o segmento de Novo Mercado31 na bolsa de valores. 1.3.2. Conceito, Importância, Abrangência e Consequências Objetivando a melhor compreensão do conceito de valores mobiliários no Brasil, entendemos interessante traçar um paralelo com os respectivos conceitos internacionais do termo, os quais – conforme veremos – também influenciaram na definição do conceito brasileiro atualmente vigente. No contexto mundial, observamos duas sistemáticas de conceituação de valores mobiliários: (i) aquela que considera um conteúdo restrito, fundada na 30 Algumas das alterações implementadas foram (i) regras de governança corporativa (transparência); (ii) prestação de contas; (iii) tratamento equitativo; e (iv) a reinserção do instituto jurídico da venda conjunta ou ‘tag along’, que havia sido revogado anteriormente. 31 Conforme conceituação do segmento de Novo Mercado da BM&F BOVESPA: “(...) o Novo Mercado estabeleceu desde sua criação um padrão de governança corporativa altamente diferenciado. A partir da primeira listagem, em 2002, ele se tornou o padrão de transparência e governança exigido pelos investidores para as novas aberturas de capital. Na última década, o Novo Mercado firmou-se como uma seção destinada à negociação de ações de empresas que adotam, voluntariamente, práticas de governança corporativa adicionais às que são exigidas pela legislação brasileira. A listagem nesse segmento especial implica na adoção de um conjunto de regras societárias que ampliam os direitos dos acionistas, além da adoção de uma política de divulgação de informações mais transparente e abrangente. O Novo Mercado conduz as empresas ao mais elevado padrão de Governança Corporativa. As companhias listadas no Novo Mercado só podem emitir ações com direito de voto, as chamadas ações ordinárias (ON). ”. Disponível em:http://www.bmfbovespa.com.br/empresas/pages/empresas_novo-mercado.asp. Acesso em: 01 abr.2013. 28 forma do instrumento considerado; e (ii) aquela que considera um conteúdo abrangente, baseada na função econômica do título analisado. Um dos países que adota a sistemática restrita é a França, na qual os valores mobiliários são definidos de maneira formal e limitada. Referido conceito delimita os valores mobiliários aos títulos emitidos em massa, representativos de direito de sócio ou de empréstimo a longo prazo, considerando a função econômica por eles desempenhadas. Por sua vez, a segunda sistemática é utilizada, dentre outros países, pelos Estados Unidos da América. O Securities Act of 1933, Sec. 2 (a) (1)32 enumera em sua os tipos de títulos que são caracterizados como securities33. Tal norma considera, simultaneamente, tanto os títulos definidos (e.g., notas promissórias, ações, debêntures), como os títulos mais vagos, (e.g., ‘contrato de investimento’, ‘qualquer instrumento comumente conhecido como security‘ ou, ainda, ‘certificado de direito ou participação em qualquer contrato de participação de lucros’). A jurisprudência, instituto de suma importância nos Estados Unidos da América, é que determinou a abrangência do conceito de security, por meio do 32 Securities Act of 1933, Sec.2 (a) (1) The term "security" means any note, stock, treasury stock, security future, security swap bond, debenture, evidence of indebtedness, certificate of interest or participation in any profit-sharing agreement, collateral-trust certificate, preorganization certificate or subscription, transferable share, investment contract, votingtrust certificate, certificate of deposit for a security, fractional undivided interest in oil, gas, or other mineral rights, any put, call, straddle, option, or privilege on any security, certificate of deposit, or group or index of securities (including any interest therein or based on the value thereof), or any put, call, straddle, option, or privilege entered into on a national securities exchange relating to foreign currency, or, in general, any interest or instrument commonly known as a "security", or any certificate of interest or participation in, temporary or interim certificate for, receipt for, guarantee of, or warrant or right to subscribe to or purchase, any of the foregoing. 33 Pela tradução livre, securities corresponde ao valor mobiliário. 29 conhecido caso ‘SEC vs. J. Howey Co’34 – um dos mais famosos relativos à security e ainda hoje uma importante referência na solução de casos sobre o tema – ao abordar reflexões no sentido de ser necessária a análise das operações econômicas para fins de definir se estas constituíam ou não securities, objetivando, assim, seu enquadramento na legislação do mercado de capitais e fiscalização e regulação pelo órgão competente, i.e., a ‘Securities and Exchange Commission’ (“SEC”). Pela análise do caso SEC vs. J. Howey Co, é possível depreender que o conceito de security adotado pelos Estados Unidos da América, abrange também todas as modalidades de investimento realizado com a captação de poupança popular. Assim, pelo fato da definição de securities não estar restrita às formas prescritas na respectiva legislação, mas sendo igualmente importante a caracterização da security em razão da sua essência, com observação do contexto econômico em que esta se encontra, conclui-se que tal país adota a segunda sistemática de conceituação de valores mobiliários supramencionada. O conceito de valor mobiliário brasileiro tem influência em ambas as sistemáticas utilizadas pela França e pelos Estados Unidos da América. Originariamente, sua grande influência foi baseada na primeira sistemática, considerando que, além do termo “valor mobiliário” originar-se do 34 SEC vs. J. Howey Co. – A empresa Howey Co. realizou uma oferta pública de um contrato de compra e venda de lotes de terra, conjugado a um contrato de prestação de serviços de plantio e cultivo, bem como de comercialização de frutas produzidas no mesmo terreno. O negócio seria administrado sem a intervenção dos investidores, que fariam jus à participação nos lucros do empreendimento. Visto os fatos, a Corte julgou que referido negócio não representava mera venda de terrenos conjugada com a contratação de serviços, mas sim, uma oferta pública de contrato de investimento, e, portanto, de securities. Referida decisão foi fundamentada, conforme voto do juiz Murphy, na conceituação de contrato de investimento, considerada para caracterizar as demais securities, que em tradução livre, foi “um contrato de investimento, para os fins do Securities Act, significa um contrato, transação ou esquema por meio do qual uma pessoa investe seu dinheiro em um empreendimento comum e é levada a esperar lucros advindos exclusivamente dos esforços do empreendedor ou de um terceiro.” 30 termo francês ‘valeurs mobilières’, a MP 1.637/98 definiu o valor mobiliário de forma bastante semelhante ao direito francês. Entretanto, a mesma medida provisória é influenciada pelo direito norte americano, ao incluir no ordenamento jurídico o instituto do contrato de investimento coletivo, utilizando-se do conceito tratado no caso judicial supramencionado – que, no mercado, é comumente referido pelo jargão “teste Howey”. Vejamos os termos que constavam do art. 1º da MP 1.637/98: “Art. 1º. Constituem valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, quando ofertados publicamente, os títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.” Atualmente, verificamos uma influência preponderante do conceito de securities na definição brasileira de valor mobiliário, considerando que, embora a Lei 6.385/76 apresente um rol de instrumentos considerados valores mobiliários, esta também inclui um conceito abrangente baseado na função econômica do título analisado. Tal inovação, à propósito, foi implementada pela Lei 10.303/01, cujas modificações incluíram, dentre outras coisas, uma nova listagem taxativa de valores mobiliários (incisos I ao VIII do artigo 2º), assim como o já mencionado conceito abrangente dos instrumentos passíveis de serem considerados valores mobiliários, que deve se pautar na função econômica do título então analisado (inciso IX do artigo 2º). Vejamos a seguir o que dispõe o art. 2º da Lei 6.385/76, in verbis: “Art. 2º. São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: 31 “I – as ações, debêntures e bônus de subscrição; II – os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; III – os certificados de depósito de valores mobiliários IV – as cédulas de debêntures; V – as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; VI – as notas comerciais; VII – os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; VIII – outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e IX – quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.” Portanto, além de listar os instrumentos que são considerados como tipos de valores mobiliários, a lei também conceitua, de forma genérica no inciso IX, os instrumentos não descritos que devem ser considerados como valores mobiliários com base nas suas características, finalidades e contexto em que se encontram. A inclusão do referido inciso IX ocorreu pelo fato do mercado de capitais ser um ambiente de negócios extremamente dinâmico e, neste sentido, da necessidade da regulamentação de suas atividades em acompanhar de perto sua evolução. 32 Dessa forma, com a conceituação mais flexível inclusa, a constante atualização da descrição dos valores mobiliários na legislação foi superada. Ademais, o alargamento do conceito contribui para evitar manobras que objetivem privar investidores das garantias legais outorgadas aos adquirentes de valores mobiliários Considerado tudo o que foi exposto, podemos definir valores mobiliários, de acordo com a interpretação da lei e com base nos ensinamentos de Carvalhosa35, como “direitos negociados em massa no mercado de capitais, geralmente representados por títulos ou contratos (...) corporificados ou não em um documento”. Ainda assim, apesar do escopo abrangente, a lei não alargou suficientemente o conceito de valores mobiliários de forma a abranger todos os papéis negociáveis no mercado. Verificamos que os incisos do parágrafo primeiro do artigo 2º da Lei 6.385/76 complementa tal conceituação normativa, ao realizar exclusões de instrumentos não sujeitos à regulação da referida norma, que menciona: “§ 1º Excluem-se do regime desta Lei: I – os títulos da dívida pública federal, estadual e municipal; e II – os títulos cambiais de responsabilidade das instituições financeiras, exceto as debêntures.” Concluímos, portanto, que a conceituação de valor mobiliário é de suma importância, uma vez que objetiva a delimitação do âmbito específico para o exercício da regulação estatal sobre o mercado de capitais. 35 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 1º Volume – Arts. 1º ao 74. São Paulo: Saraiva, 2011. 33 E neste sentido, como já abordado no presente estudo, é a tutela do Estado, visando a defesa da economia popular e o funcionamento regular do mercado de capitais, que garante a segurança no mercado de capitais e nas diversas negociações de valores mobiliários, sem a qual o não é possível atrair investidores. 1.4. A Comissão de Valores Mobiliários 1.4.1. Instituição e Finalidade Ao organizar o mercado de capitais, por meio da Lei 4.728 /65 e sob a disciplina do Conselho Monetário Nacional e fiscalização do Banco Central do Brasil, o legislador acreditava não ser necessário criar um órgão especializado para fiscalizá-lo. O Banco Central, que, à época, também estava em fase de estruturação, encarregou-se dessa função de fiscalização. Entretanto, por ser o Banco Central o gestor da moeda, do crédito, da dívida pública e do balanço de pagamentos, percebeu-se que não era adequado que este possuísse atribuições que pudessem prejudicar suas funções principais. Com isso, a Lei 6.385/76 – alterada por leis e decretos posteriores – cria a CVM, nos termos de seu art. 5º, in verbis: “Art. 5º. É instituída a Comissão de Valores Mobiliários, entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária.” 34 Referida autarquia federal foi criada com a finalidade específica de disciplinar, regulamentar, desenvolver, controlar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários do país, sob a orientação e coordenação do Conselho Monetário Nacional, visando a torna-lo seguro e atraente para o investidor. 1.4.2. Prerrogativas, Atribuições e Funcionamento Segundo o que dispõe a Lei 6.385/76 em seus diversos dispositivos, a CVM deve exercer suas funções segundo as seguintes prerrogativas36: (i) assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; (ii) proteger os titulares de valores mobiliários contra emissões irregulares e atos ilegais de administradores e acionistas controladores de companhias ou de administradores de carteira de valores mobiliários; (iii) evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários negociados no mercado; (iv) assegurar o acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido; (v) assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários; (vi) estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores mobiliários; e 36 Disponível em: http://www.cvm.gov.br. Acesso em: 09 abr.2013. 35 (vii) promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do capital social das companhias abertas. Quanto às atribuições, referida autarquia tem o dever de disciplinar, normatizar e fiscalizar todas as matérias relativas ao mercado de valores mobiliários e a atuação dos diversos integrantes do mercado. Dispõe o art. 2º, § 3º, da Lei 6.385/76: “Art. 2º. (...) § 3º Compete à Comissão de Valores Mobiliários expedir normas para a execução do disposto neste artigo, podendo: I – exigir que os emissores se constituam sob a forma de sociedade anônima; II – exigir que as demonstrações financeiras dos emissores, ou que as informações sobre o empreendimento ou projeto, sejam auditadas por auditor independente nela registrado; III – dispensar, na distribuição pública dos valores mobiliários referidos neste artigo, a participação de sociedade integrante do sistema previsto no art. 15 desta Lei; IV – estabelecer padrões de cláusulas e condições que devam ser adotadas nos títulos ou contratos de investimento, destinados à negociação em bolsa ou balcão, organizado ou não, e recusar a admissão ao mercado da emissão que não satisfaça a esses padrões.” Dentre as matérias incluídas no escopo de sua atribuição de normatizar, destacamos: (i) registro de companhias abertas; 36 (ii) registro de distribuições de valores mobiliários; (iii) credenciamento de auditores independentes e administradores de carteiras de valores mobiliários; (iv) organização, funcionamento e operações das bolsas de valores; (v) negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários; (vi) administração de carteiras e a custódia de valores mobiliários; (vii) suspensão ou cancelamento de registros, credenciamentos ou autorizações; e (viii) suspensão de emissão, distribuição ou negociação de determinado valor mobiliário ou decretar recesso de bolsa de valores. O sistema de registro37 gera, na verdade, um fluxo permanente de informações ao investidor. Essas informações, fornecidas periodicamente por todas as companhias abertas, podem ser financeiras e, portanto, condicionadas a normas de natureza contábil, ou apenas referirem-se a fatos relevantes da vida das empresas.38 Entende-se, grosso modo, como fato relevante39, aquele evento que possa influir na decisão do investidor, quanto a negociar com valores emitidos pelas empresas. Vale destacar que, conforme afirmado pela própria CVM em sua página mantida na rede mundial de computadores, que esta não exerce julgamento de valor em relação a qualquer informação divulgada pelas 37 Que estudaremos mais adiante, no subcapítulo 1.5.3.2. Disponível em: http://www.cvm.gov.br. Acesso em: 20 jun.2013. 39 A ser melhor abordado no subcapítulo 1.5. 38 37 empresas, mas zela pela sua regularidade e confiabilidade, mediante normatização e constante persecução de sua padronização. Neste sentido, a atividade de credenciamento exercida pela CVM é realizada com base em padrões pré-estabelecidos pela autarquia, os quais permitem, inclusive, que esta avalie a capacidade dos projetos a serem implantados pelas empresas que solicitam tal credenciamento, até mesmo em razão de sua necessidade de assegurar e garantir o cumprimento de sua outra atribuição, que é o exercício da fiscalização. Apegando-nos, ainda, à atribuição de fiscalização exercida pela CVM, vale mencionar que a lei lhe atribui a competência para apurar, julgar e punir irregularidades eventualmente cometidas no mercado. Neste sentido, diante de qualquer suspeita que eventualmente surja, a CVM pode iniciar inquérito administrativo por meio do qual coletará informações, depoimentos, reunindo provas que possam identificar claramente o responsável por práticas ilegais no mercado de capitais, o qual poderá ser acusado, processado, julgado e condenado, ficando garantido seu direito de defesa.40 Dentre as penalidades que a CVM pode aplicar no âmbito de suas atribuições de fiscalização temos, desde a simples advertência, até a inabilitação para o exercício de atividades no mercado, passando pelas multas pecuniárias. A CVM mantém, ainda, uma estrutura especificamente destinada a prestar orientação aos investidores ou acolher denúncias e sugestões por eles formuladas. Ademais, quando solicitada, a CVM pode atuar em qualquer processo judicial que envolva o mercado de valores mobiliários, oferecendo provas ou 40 O Colegiado da CVM detém os poderes para julgar e punir o faltoso. 38 juntando pareceres. Em tais casos, a CVM atuará como "amicus curiae"41, assessorando a decisão da Justiça. Em termos de política de atuação, a CVM persegue seus objetivos por meio da indução de comportamento, da autorregulação e da autodisciplina, intervindo efetivamente, nas atividades de mercado, quando este tipo de procedimento não se mostrar eficaz. No que diz respeito à definição de políticas ou normas voltadas para o desenvolvimento dos negócios com valores mobiliários, a CVM procura junto a instituições de mercado, do governo ou entidades de classe, suscitar a discussão de problemas, promover o estudo de alternativas e adotar iniciativas, de forma que qualquer alteração das práticas vigentes seja feita com suficiente embasamento técnico e, institucionalmente, possa ser assimilada com facilidade, como expressão de um desejo comum. A atividade de fiscalização da CVM realiza-se pelo acompanhamento da veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participam e aos valores mobiliários negociados. Dessa forma, podem ser efetuadas inspeções destinadas à apuração de fatos específicos sobre o desempenho das empresas e dos negócios com valores mobiliários. 1.4.3. A Autorregulação A autorregulação é a espécie do gênero denominado regulação. Enquanto a regulação é considerada a atuação estatal com objetivo de ordenar e fiscalizar conduta de particulares e, eventualmente, de outros entes públicos, segundo os fins de certo modelo econômico, a autorregulação se refere aos 41 Do latim, ‘amigo do juízo’ – aquele que, não sendo parte, nem tendo interesse na questão, é admitido a oferecer ao juízo subsídios para sua melhor decisão. No ordenamento jurídico brasileiro, pode se dar pela chamada ‘intervenção de terceiro. 39 instrumentos desenvolvidos pelos próprios regulados, para fins de ordenação e organização dos mercados. A autorregulação possui três características marcantes. Em primeiro lugar, como já dito, por autorregulação devemos entender a imposição de regras desenvolvidas pelos próprios regulados. É importante frisar, contudo, sua natureza obrigatória42, diferenciando-se, neste sentido, da denominada soft law43. Em segundo, é um fenômeno coletivo, fruto de uma organização estabelecida para tal fim, não se confundindo com normas individuais e específicas de autodisciplina. Em terceiro, seu caráter privado e não estatal. Conclui Otávio Yazbek44 que a autorregulação consiste em um arranjo especial para que as atividades regulatórias se desenvolvam. Estas características demonstram que o conceito de autorregulação apresentado afasta-se da teoria econômica clássica, no sentido de livre iniciativa e ausência de regulação externa sobre as forças de mercado. 42 No tocante ao caráter impositivo das regras de autorregulação, Otávio Yazbek esclarece que, apesar de seus instrumentos serem distintos daqueles usados pela regulação estatal (calcada no direito público), por estarem fundados no direito privado, “isso não quer dizer, porém, que a relação entre a instituição autoreguladora e o regulado seja ‘horizontal’ – não se encontram os dois em relação de mera coordenação, lado a lado, mas em relação de subordinação. Trata-se de uma subordinação, porém, sustentada muito mais por aquele instrumental típico das relações entre agentes privados.” (in Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 213). 43 Expressão sinônima de droit doux, direito flexível ou soft norm, designa, no âmbito do direito internacional público, o texto internacional que é desprovido de caráter jurídico em relação a seus signatários. Refere-se, portanto, a normas facultativas, em oposição às normas cogentes (jus cogens) ou hard law. Segundo Valério de Oliveira Mazzuoli, “pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela compreende todas as regras cujo valor normativo é menos constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja porque os instrumentos que as abrigam não detêm o status de 'norma jurídica', seja porque os seus dispositivos, ainda que insertos no quadro dos instrumentos vinculantes, não criam obrigações de direito positivo aos Estados, ou não criam senão obrigações pouco constringentes.” (in Curso de Direito Internacional Público. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 123.) 44 YAZBEK, Otávio. Regulação do Mercado Financeiro e de Capitais, op. cit., p. 211. 40 A autorregulação assegura eficácia, flexibilidade e economia aos agentes de mercado. Como os regulados desempenham o papel disciplinador, as normas são elaboradas por pessoas capacitadas, que conhecem o objeto da regulação e a vivência do mercado. A expertise tende a assegurar a melhor qualidade da regulação e, via de consequência, goza de boa reputação e maior receptividade ou aderência pelo público alvo. Este benefício diz respeito também à legitimidade da norma, pois, ao ser emanada de uma entidade privada especializada, seu conteúdo não se sujeita às mesmas críticas deferidas ao processo legislativo ou instruções de órgãos governamentais. Os instrumentos da autorregulação são, ainda, distintos dos procedimentos de direito público empregados pela regulação estatal e por tal razão, as normas podem ser revistas e incrementadas de acordo com a necessidade do mercado, sem os entraves burocráticos do processo legislativo/administrativo, assim como o seu conteúdo pode avançar para padrões mais rígidos de interferência, inclusive contemplando postulados éticos. Com efeito, a presteza da autorregulação favorece fortemente os agentes privados do mercado, cujas necessidades não podem aguardar a morosidade típica das respostas governamentais. Tais vantagens permitem superar dois dos obstáculos clássicos à regulação estatal: (i) as dificuldades práticas da implementação dos programas reguladores, face à resistência dos operadores econômicos; e (ii) o problema da legitimação das medidas reguladoras impostas em nome de interesses gerais da sociedade. 41 Com relação à economia, a autorregulação internaliza os custos com edição de regras e fiscalização de seu cumprimento, reduzindo as despesas do ente estatal. Ademais, diante da facilidade de adesão dos regulados às normas editadas por entidades privadas, os custos com sua supervisão serão menores em comparação com a crise de legitimidade das normas estatais. Por ser essencial à existência e desenvolvimento do mercado de capitais, o Estado resolveu por bem incorporar sua função autorreguladora em um corpo legislativo. Nelson Eizirik45 alerta, no entanto, que: “(...) um sistema de ‘regulação cooperativo’ entre entidade reguladora e entidades auto-reguladoras pressupõe a autonomia destas últimas. Sem tal autonomia, corre-se o risco do desaparecimento da autoregulação do mercado de valores mobiliários, transformando-se a regulação exercida pela entidade governamental em administração do mercado, o que evidentemente não é desejável.” As bolsas de valores são um exemplo típico de autorregulação delegada pelo Poder Público. A importância desta estrutura é considerada sob dois aspectos: função econômica de assegurar um local apropriado para realização de negócios com valores mobiliários, conferindo liquidez aos papéis; e o aspecto autorregulatório, atribuindo ao ente de mercado a função de fixar padrões de conduta e fiscalizar o comportamento de seus membros. Especificamente quanto à atuação da CVM e a competência autorreguladora da bolsa de valores, Nelson Eizirik, et al, esclarecem que: 45 EIZIRIK, Nelson. Questões de Direito Societário e de Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 142. 42 “não há qualquer dispositivo na Lei 6.385/76 que permite à CVM limitar a competência autoreguladora da bolsa de valores ou substituí-la no papel de responsável, em caráter primário, pela fiscalização das operações bursáteis. Ao contrário, conforme reconhecido em trabalho elaborado pela própria CVM46, a autoregulação não constitui uma questão meramente de princípios, mas uma imposição legal.”47 Aliás, na esfera da autorregulação de base voluntária48 extraímos casos de iniciativa exclusivamente privada que foram incorporados pela CVM, num evidente reconhecimento do prestígio e confiança do Poder Estatal na atuação das coletividades que atuam no mercado.49 Também ganham destaque as respostas oferecidas pela regulação e autorregulação à crise dos derivativos, pois a gravidade da situação demandou de ambas as esferas regulatórias decisões emergenciais para minimizar os danos e, assim, expôs a necessidade de interação e esforços comuns. Cumpre destacar, por fim, os segmentos especiais de listagens da BM&FBovespa (Nível 1, Nível 2, Novo Mercado e Bovespa Mais), considerados os casos emblemáticos de autorregulação de base voluntária e também de 46 CVM. Órgão Regulador e a Experiência Auto Regulatória. Maio 2001. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/public/publ/PalestraAuto-regulação.ppt. 47 In Mercado de Capitais – Regime Jurídico. op. cit., p. 197. 48 Aquela que decorre da iniciativa exclusiva e espontânea dos particulares, que aderem às regras impostas pelo órgão regulador privado, tal como ocorre com os Códigos de Condutas e outros órgãos de entidades atuantes no mercado, tais como ANBIMA, APIMEC, IBGC, AMEC, CETIP, entre outros. 49 São exemplos: (i) a Instrução CVM nº 483, de 06 de julho de 2010 (que dispõe sobre a atividade de analista de valores mobiliários) , em que a CVM deixa de registrar os analistas de valores mobiliários, cabendo exclusivamente às entidades credenciadoras devidamente autorizadas pela CVM habilitar esses profissionais a exercer a atividade de análise; (ii) os convênios celebrados com a ANBIMA para “mútuo aproveitamento de termos de compromisso celebrados e de penalidades aplicadas no âmbito das duas instituições, bem como intercâmbio de informações.” E “procedimento simplificado para os registros de ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários no mercado primário ou secundário”. 43 eficiência da medida adotada, tendo em vista às contribuições que trouxeram ao desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro e melhores padrões de governança corporativa. 1.5. Ofertas Públicas de Valores Mobiliários 1.5.1. Noções Gerais: conceito, modalidades e características A oferta pública de distribuição de valores mobiliários é a operação mediante a qual se promove a colocação de valores mobiliários de uma determinada companhia no mercado de capitais, possibilitando que os investidores interessados em se tornar titulares dos papéis ofertados possam subscrevê-los ou adquiri-los, sendo o preço pago por eles revertido ao ofertante.50 Tal processo de colocação de títulos junto ao público envolve desde o levantamento das intenções do mercado em relação aos valores mobiliários ofertados, até a efetiva colocação junto ao público, passando por etapas de divulgação de informações, período de subscrição, entre outras. Há duas modalidades de ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários: as ofertas primárias e as secundárias. Nas ofertas primárias, a companhia emite novos valores mobiliários ao público investidor e os recursos captados são revertidos para a própria companhia emissora, a fim de financiar seus projetos de desenvolvimento ou quaisquer outras necessidades financeiras. As ofertas ou distribuições primárias atendem a principal função do mercado de valores mobiliários na economia, que é a capitalização de médio e longo prazo das empresas. 50 EIZIRIK, Nelson, et al. Mercado de Capitais – Regime Jurídico. 2ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Renovar, 2008. p. 135. 44 As ofertas secundárias, por sua vez, são aquelas em que um ou mais acionistas da companhia ou titulares de outros valores mobiliários de sua emissão vendem ao mercado, também mediante apelo ao público, os títulos de sua propriedade. Nesse caso, os valores mobiliários que advém da oferta secundária já são admitidos à negociação no mercado, não havendo a emissão de novos papéis, de forma que a oferta se configura como mera venda de ações já existentes. As ofertas ou distribuições secundárias, também conhecidas como ‘block trade’, são realizadas, em geral, quando os acionistas de determinada companhia querem desinvestir ou reduzir a sua participação no negócio. Portanto, diferentemente do que ocorre com as ofertas primárias, no âmbito das secundárias, os recursos captados dos investidores são destinados aos próprios ofertantes e não à companhia emissora (ao caixa da empresa). Nada impede, no entanto, que uma oferta pública tenha natureza mista, isto é, seja simultaneamente primária e secundária. Aliás, não é nada incomum, por exemplo, que o objetivo de uma oferta pública de valores mobiliários seja a colocação de novas ações – a serem emitidas pela própria companhia, para reforço de seu caixa – e de ações já existentes que sejam detidas pelos atuais acionistas – controladores ou não, que interessados no desinvestimento, como ocorrem usualmente nas operações de private equity51. Em decorrência das 02 (duas) modalidades de oferta ou distribuição pública de valores mobiliários, surgiram as terminologias ‘mercado primário’ e ‘mercado secundário’, que se referem, meramente, aos ambientes para realização das respectivas ofertas, seu público alvo ou, ainda, ao tipo de papel a ser negociado. 51 Tipo de atividade financeira realizada por instituições que investem, essencialmente, em empresas que ainda não são listadas em bolsa ou mercado de balcão organizado, com o objetivo de alavancar seu desenvolvimento. 45 Assim, circulam no mercado primário títulos e valores mobiliários para captação de novos recursos em benefício das próprias companhias emissoras, ressaltando que tais papéis devem ser novos, recém emitidos, não bastando que sejam entreguem aos investidores pela companhia, vis-à-vis a possibilidade de existência de ações já emitidas mantidas em tesouraria pela companhia. Já no mercado secundário, circulam títulos e valores mobiliários previamente adquiridos no mercado primário ou em oferta/negociação privada, ocorrendo apenas a troca de titularidade, isto é, a compra e venda dos papéis. Não envolve mais o emissor (em regra) e nem a entrada de novos recursos de capital para quem emitiu o valor mobiliário. O objetivo do mercado secundário é, portanto, gerar negócios, dar liquidez aos títulos. Pode-se considerar que a existência do mercado secundário é um pilar de sustentação da existência do próprio mercado primário, considerando que, em geral, o interesse dos investidores em adquirir valores mobiliários de uma companhia em uma oferta primária pode estar vinculada à possibilidade de um desinvestimento no futuro, no mercado secundário. Vele mencionar, por fim, que na hipótese de uma empresa estar realizando a sua primeira oferta pública, ou seja, na ocasião em que está abrindo o seu capital ao mercado, a oferta recebe o nome de oferta pública inicial ou IPO (do termo em inglês, ‘Inicial Public Offer’). Por sua vez, no caso em que a empresa já possui capital aberto ao mercado, já tendo realizado sua primeira oferta, as emissões seguintes serão denominadas como ofertas subsequentes ou, no termo em inglês, ‘follow on’.52 52 CVM. Oferta pública primária e secundária. Portal do Investidor. Disponível em http://www.portaldoinvestidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/ofertas/ofertas_publicas.html. Acesso em: 23 fev.2013 46 1.5.2. Aplicação e Bases Legal e Regulamentar Considerando que um dos objetivos básicos do mercado de capitais consiste em permitir o acesso das sociedades por ações à poupança popular, torna-se fundamental prover aos investidores um adequado sistema de proteção. Em razão disso, as ofertas públicas de valores mobiliários são disciplinadas por lei e regulamentadas pela CVM. Dispõe o artigo 1º, incisos I e II, da Lei 6.385/76: “Art. 1º. Serão disciplinadas e fiscalizadas de acordo com esta Lei as seguintes atividades: I - a emissão e distribuição de valores mobiliários no mercado; II - a negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários; (...)” Neste sentido, a Lei 6.385/76, que disciplina o mercado de capitais brasileiro, é considerada a base legal das ofertas de valores mobiliários (em geral), assim como a base legal para a outorga de competência à CVM no que tange à regulação e disciplina das ofertas públicas de valores mobiliários, uma vez que estabelece que nenhuma emissão pública de valores mobiliários poderá ser distribuída no mercado sem prévio registro na CVM53. Quanto à função precípua da CVM, agência regulatória responsável pelo controle do ambiente do mercado de capitais, vejamos o que dispõe o artigo 8º da Lei 6.385/76: “Art . 8º Compete à Comissão de Valores Mobiliários: 53 Não obstante a concessão de prerrogativa para dispensa de registro, em casos determinados. 47 I - regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente prevista nesta Lei e na lei de Sociedades por Ações; II – administrar os registros instituídos por esta Lei; III – fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o art 1º, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados. (...)” Embora advenha da Lei 6.385/76 as normas mais elementares aplicáveis ao mercado de capitais brasileiro, às empresas de capital aberto, assim consideradas por possuírem valores mobiliários de sua emissão admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários, incumbe observar as disposições da Lei das S/A. Em razão disso, considera-se, ainda, base legal aplicável às ofertas e negociações públicas de valores mobiliários a Lei das S/A, inclusive por esta tratar de determinados aspectos relativos às ofertas públicas de ações formuladas por companhias abertas – tais como a oferta pública inicial (IPO) ou a oferta pública de aquisição (OPA)54. Vale esclarecer, contudo, que as disposições da Lei das S/A a respeito de ofertas públicas de companhias abertas, não confrontam ou conflitam, mas ao 54 Uma OPA pode ser realizada, dentre outros motivos, para adquirir ações com o objetivo de fechar o capital de determinada companhia aberta, ou visando aumentar a participação acionária de um investidor, ou com objetivo de adquirir o controle acionário da companhia, ou, até mesmo, com o intuito de adquirir participação de investidores minoritários em decorrência de eventual troca do controle (tag along). 48 contrário, respeitam e adotam os moldes estabelecidos na Lei 6.385/76, que a antecedeu. Por fim, com relação à base regulamentar aplicável às ofertas públicas de valores mobiliários – e encerrando, por ora, a abordagem inicial a respeito dos seus pilares normativos gerais –, a CVM editou, em 29 de dezembro de 2003, a Instrução CVM nº 400 (“ICVM 400”), que disciplina especificamente as ofertas públicas de valores mobiliários nos mercados primários ou secundários. Em tal instrução, foram estabelecidos diversos dispositivos a respeito da obrigatoriedade do registro55, os casos de dispensas, os aspectos relacionados à informação, ao sistema de distribuição, ao recebimento de reservas, às normas de conduta, entre outros assuntos. 1.5.3. Requisitos e Procedimentos: proteção do investidor Alguns princípios regem o denominado Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. Os princípios mais ligados ao mercado de valores mobiliários seriam: proteção da mobilização da poupança nacional56, proteção da economia popular57, proteção da estabilidade da entidade financeira58 e proteção da transparência das informações. Observa-se que os objetivos da regulação do mercado de capitais se referem também aos direitos constitucionais dos investidores, com vistas ao estímulo à poupança nacional e à higidez do mercado de valores mobiliários ou 55 Registro da oferta (art. 19) e registro do emissor (art. 21). Por este principio o conjunto de normas jurídicas que regulamentam o mercado de capitais deve viabilizar a adequada mobilização da poupança nacional para os carentes de recursos. 57 Este princípio visa manter a continuidade do fluxo de capitais, e por conseqüência, a proteção da economia popular. 58 A legislação deve proteger e evitar quebras de entidades financeiras, já que elas exercem papel fundamental na circulação de capitais. 56 49 financeiros. Estes princípios se prestam a garantir a segurança, estabilidade, equilíbrio e transparência das relações no mercado de capitais. Assim, além de promover o estímulo à poupança, a regulação deste mercado viabiliza a própria circulação de capitais. A tutela estatal, visando a conciliar a captação de recursos e a proteção ao investidor, dá-se, basicamente, a partir de uma eficiente política de divulgação e transparência das informações59, referido no mercado como ‘disclosure’. A intenção é permitir que todos os investidores participem da oferta em igualdade de condições e que possam tomar suas decisões de investimento de forma consciente. 1.5.3.1 Disclosure A existência de ambiente justo no mercado acionário pressupõe a existência de elevados padrões de divulgação de informações por parte das companhias emissoras de valores mobiliários. Se assim não fosse, bastaria às companhias ressaltar seus principais trunfos, despertando o interesse dos investidores, e omitindo destes todas as espécies de fatos negativos. Visando assegurar a preservação dos interesses dos investidores, deve haver controle rígido quanto à obrigatoriedade na divulgação de informações, as quais estejam aptas a embasar, positiva ou negativamente a opção de investimento na empresa ofertante. 59 As tais informações relevantes referidas no subtítulo 1.2 deste trabalho, que tratou da Teoria da Eficiência de Mercado. 50 O investidor, por estar alheio à administração da empresa, não possui meios de avaliar o objeto de seu investimento, senão aqueles tornados públicos pela companhia ofertante. O pressuposto da regulação é de que informar o investidor é a melhor forma de protegê-lo, o que significa disponibilização de todas as informações necessárias para que ele próprio tome a sua decisão de investimento. Outrossim, a política de disclosure serve também para que as informações sobre as empresas e seus valores mobiliários sejam disponibilizadas ao mesmo tempo para todo o mercado, garantindo-se assim igualdade de acesso às informações. Em outras palavras, as empresas só podem se financiar no mercado de capitais desde que se submetam a um regime contínuo de prestação de informações. Sem a prestação das informações exigidas pela CVM é ilegal captar recursos mediante a distribuição pública de valores mobiliários. No exercício das suas atribuições, incumbiu-se à CVM estatuir o conteúdo mínimo de informações as quais devem ser disponibilizadas à generalidade de investidores pelas companhias ofertantes de valores mobiliários, dentre as quais destacamos aquelas relacionadas à situação patrimonial, econômica e financeira da companhia, à oferta e aos direitos inerentes aos valores mobiliários objeto da oferta. O dever de informar das companhias de capital aberto não se exaure no momento da oferta de valores mobiliários. Os preceitos da Lei das S/A e da Instrução nº 202, de 06 de dezembro de 1993 (“ICVM 202”)60, cuidam de assegurar que as companhias cujos valores mobiliários estejam admitidos à 60 Dispõe sobre o registro de companhia para negociação de seus valores mobiliários em bolsa de valores ou no mercado de balcão. 51 negociação no mercado de capitais divulguem, periodicamente, informações relativas à sua situação econômica, financeira e patrimonial, aos seus acionistas e ao mercado em geral. Ademais, incumbe às companhias de capital aberto comunicar ao público a ocorrência de qualquer fato tido como relevante61, o qual possa influenciar substancialmente na cotação dos valores mobiliários emitidos, nos termos da Instrução CVM nº 358, de 03 de janeiro de 2002 (“ICVM 358”)62. Vale ressaltar, por relevante, que a ofertante é responsável pela veracidade, consistência, qualidade e suficiência das informações prestadas por ocasião do registro e fornecidas ao mercado durante a distribuição de valores mobiliários, conforme dispõe o artigo 56 da ICVM 400. Não obstante, ressalte-se que a instituição financeira líder63 da distribuição responde pela falta de diligência ou omissão na análise das informações prestadas pela emissora. Com a aprovação da Lei 10.303/01, novas normas referentes à divulgação de informações por parte da companhia foram somadas àquelas inicialmente previstas na Lei das S/A, não se limitando a simplesmente ampliar o rol de obrigatoriedades, mas também, em detalhar e especificar inúmeras situações que requerem procedimento de divulgação, com o objetivo claro de melhorar a qualidade das informações prestadas. 61 Informação relevante é toda aquela que a falta ou parcialidade pode influenciar negativamente nas decisões econômicas tomadas pelos usuários dessas informações. 62 Dispõe sobre a divulgação e uso de informações sobre ato ou fato relevante relativo às companhias abertas, disciplina a divulgação de informações na negociação de valores mobiliários e na aquisição de lote significativo de ações de emissão de companhia aberta, estabelece vedações e condições para a negociação de ações de companhia aberta na pendência de fato relevante não divulgado ao mercado e dá outras providências. 63 A ser comentada mais adiante, quando da referência aos procedimentos relativos às ofertas públicas de valores mobiliários. 52 A imposição da política do disclosure está, a seu turno, fundamentada na existência de um sistema de registros perante a CVM, por meio dos quais são canalizadas as informações consideradas necessárias para o público investidor tomar suas decisões de maneira consciente. Por esse motivo, exige-se a obtenção prévia do registro de distribuição para todas as colocações de valores mobiliários que se dirijam ao público em geral. 1.5.3.2 Sistema de Registro: registro do emissor e registro da oferta A legislação brasileira prevê uma série de mecanismos que objetivam garantir que todas as informações importantes sejam de conhecimento público. Dentre eles, destacamos os dois registros concedidos pela CVM: (i) o registro de emissor de valores mobiliários64; e (ii) o registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários65. O registro de emissor de valores mobiliários obriga as empresas a divulgarem todas as informações relevantes sobre seu empreendimento (informações periódicas e eventuais). É desse registro que decorre o seu dever de divulgar demonstrações financeiras, parecer de auditor independente, fatos relevantes, dentre outras informações que possibilitam ao investidor conhecer a real situação da empresa. Por sua vez, o registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários também exige a disponibilização de inúmeras informações, que são condensadas no ‘Prospecto’ da emissão de valores. Dispõe o artigo 38 da ICVM 400, in verbis: 64 Previsto nos arts. 4º, § 1º da Lei das S/A e 21 e 22 da ICVM 400, bem como objeto da Instrução CVM nº 480, de 07 de dezembro de 2009 (“ICVM 480”). 65 Previsto nos arts. 4º, § 2º da Lei das S/A e 19 da ICVM 400. 53 “Art. 38. Prospecto é o documento elaborado pelo ofertante em conjunto com a instituição líder da distribuição, obrigatório nas ofertas públicas de distribuição de que trata esta instrução, e que contém informação completa, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em linguagem acessível, de modo que os investidores possam formar criteriosamente a sua decisão de investimento.” Nelson Eizirik esclarece em seu ensaio “Emissão Publica de Valores Mobiliários”, os motivos determinantes do registro e a relevância do disclosure neste particular: “As normas que impõem a necessidade de registro da emissão pública na CVM apresentam nítida feição instrumental. Com efeito, o registro consiste basicamente no meio de proceder-se à prestação de informações à CVM com vistas à sua divulgação ao público investidor. Assim, o registro da emissão está inserido no contexto mais amplo da política de disclosure, que consiste exatamente na divulgação de informações amplas e completas a respeito da companhia e dos valores mobiliários por ela publicamente ofertados. (...) Assim, o registro da emissão pública não é um fim em si mesmo, mas um meio de proceder-se a ampla divulgação das informações ao público. As normas que condicionam a realização de emissão pública ao prévio registro na CVM, ainda que instrumental." cogentes, apresentam inequívoca feição 54 Adotando igual linha de raciocínio, a CVM esclarece a respeito de seu sistema de duplo registro imposto às companhias emissoras de valores mobiliários: “O sistema de registro gera, na verdade, um fluxo permanente de informações ao investidor. Essas informações, fornecidas periodicamente por todas as companhias abertas, podem ser financeiras e, portanto, condicionadas a normas de natureza contábil, ou apenas referirem-se a fatos relevantes da vida das empresas. Entende-se como fato relevante, aquele evento que possa influir na decisão do investidor, quanto a negociar com valores emitidos pela companhia. A CVM não exerce julgamento de valor em relação a qualquer informação divulgada pelas companhias. Zela, entretanto, pela sua regularidade e confiabilidade e, para tanto, normatiza e persegue a sua padronização.”66 Com relação ao registro de emissor de valores mobiliários, vale mencionar que é competência da CVM estabelecer hipóteses de isenção do registro da companhia; assim como foi outorgado à CVM poderes para recusar, suspender ou cancelar tal registro, nos termos do art. 21, § 6º, inciso I, da Lei 6.385, in verbis: “(...) § 6º - Compete à Comissão expedir normas para a execução do disposto neste artigo, especificando: I – casos em que os registros podem ser dispensados, recusados, suspensos ou cancelados; (...)” 66 Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/acvm/atribuic.asp Acesso em: 31 mar.2013. 55 Em regra, toda oferta pública deve ser registrada na CVM. Porém, o registro poderá ser dispensado, considerando as características específicas da oferta em questão, como por exemplo, a oferta pública de valores mobiliários de emissão de empresas de pequeno porte e de microempresas, assim definidas em lei, que são dispensadas automaticamente do registro para ofertas no valor de até R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) em cada período de 12 (doze) meses, desde que observadas as condições estabelecidas nos parágrafos 4º ao 8º do artigo 5º da ICVM 400. Uma oferta pública de distribuição de valores mobiliários caracteriza-se por ser uma proposta dirigida à generalidade dos indivíduos, tendo como destinatários pessoas indeterminadas e não individualizadas. No momento da realização da oferta, busca-se atingir um número ilimitado de destinatários, sendo permitido a qualquer pessoa manifestar sua adesão à proposta do emitente. Há situações, porém, em que não se justifica a exigência de prévio registro da oferta de venda de valores mobiliários. Nos casos em que a oferta não transcenda os limites de uma operação eminentemente privada, sendo dirigia a pessoas previamente determinadas, considera-se não haver o apelo à poupança popular. Da mesma forma, quando for possível aos investidores, mesmo sem a intervenção governamental, ter acesso a informações que lhes permitam uma tomada de decisão consciente, não caberá à CVM impor o registro de distribuição, pois não haverá, aqui, qualquer benefício ao interesse público. Logo, para se determinar se uma oferta de distribuição será isenta do registro, deve-se primeiramente buscar a sua natureza, se pública ou privada. 56 A Lei 6.385/76 exemplifica algumas situações que caracterizam a oferta como pública, como por exemplo: a utilização de listas ou boletins, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, entre outros. No direito brasileiro não há uma diferenciação conceitual entre ofertas públicas e privadas. A caracterização da oferta depende da análise, caso a caso, da existência de certos elementos objetivos relativos à própria oferta (artigos 19 da Lei 6.385 e 3° da ICVM 400), bem como de elementos subjetivos referentes à pessoa dos ofertados (artigo 4°, § 1°, inciso VII, da ICVM 400). Os elementos objetivos constituem os meios empregados para a colocação dos valores mobiliários junto ao público. Deve-se verificar se os instrumentos utilizados pela companhia para fazer chegar sua emissão junto aos potenciais investidores caracterizam a intenção de atingir o público em geral ou apenas um número restrito e determinado de pessoas. Muito embora os meios utilizados na colocação da oferta sejam relevantes, o fator essencial e decisivo na determinação de sua natureza referese à situação dos ofertados (elementos subjetivos). Em primeiro lugar, deve-se levar em consideração a qualificação dos ofertados, o seu grau de sofisticação como investidores. Dessa forma, independentemente dos meios utilizados no processo de oferta, determinada distribuição de valores mobiliários não deve ser considerada pública se os ofertados, além de pessoas certas ou determinadas, detiverem conhecimento e experiência em questões financeiras e empresariais, sendo capazes de avaliar os riscos inerentes ao investimento. Outro elemento subjetivo refere-se à disponibilidade de informações sobre a companhia e os valores mobiliários em questão. Como o registro tem 57 uma natureza basicamente instrumental, se os investidores estiverem de posse de informações da mesma natureza das que seriam exigidas pela autoridade governamental, não há porque se obrigar a companhia emissora a proceder à efetivação do registro. Portanto, tendo em vista os custos e o desperdício de tempo inerentes ao processo de registro perante a autoridade reguladora, exigir-se o aludido registro em todas as situações que envolvam a emissão ou venda de valores mobiliários pode acarretar custos desnecessários ao funcionamento do mercado e, inclusive, inibir as sociedades por ações de promoverem a sua capitalização. 1.5.3.3 Disclosure como Pilar das Práticas de Governança Corporativa Como já foi destacado, o legislador brasileiro tem se preocupado em criar mecanismos que estimulem o mercado de valores mobiliários. Dentre as medidas que vem sendo implementadas principalmente a partir dos anos 90, está o incentivo constante às práticas de Governança Corporativa. Governança Corporativa é, nas palavras de Jorge Lobo67, “o conjunto de normas, consuetudinárias e escritas, de cunho jurídico e ético, que regulam os deveres de cuidado, diligência, lealdade, informação e não intervir em qualquer operação em que tiver conflitante com o da sociedade.” Destaca-se, ainda, o conceito de José Alexandre Scheinkman, segundo o qual a Governança Corporativa seria: “Todo um conjunto de mecanismos que investidores não controladores (acionistas minoritários e credores) têm à sua disposição para limitar a expropriação [dos direitos dos 67 LOBO, Jorge. Princípios de Governança Corporativa. in Revista de Direito Mercantil, industrial, econômico e financeiro. vol. 142. São Paulo: Malheiro, 2006. p. 141-154. 58 minoritários e credores pelos administradores e majoritário]. Estes mecanismos prescrevem regras de conduta para a empresa e de disclosure, e garantem a observância das regras (enforcement). (...) Uma vez que, em muitos casos, os responsáveis pela condução de uma empresa e/ou acionistas majoritários podem tomar decisões, após a venda de ações aos minoritários, que prejudiquem o interesse destes.”68 O governo brasileiro juntamente com os órgãos reguladores tem incentivado a adoção de melhores políticas de divulgação de informação e práticas de governança corporativa por parte das empresas. A exemplo disso, cite-se a criação do Novo Mercado e dos Níveis Diferenciados de Governança Corporativa da BOVESPA, que teve como principal propósito garantir maior transparência de informações, proporcionando assim, maior segurança aos investidores e a redução custos de captação de recursos. Ademais, o IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa foi fundando em 1995, como uma organização exclusivamente dedicada à promoção da governança corporativa no Brasil e a principal fomentadora das práticas e discussões sobre o tema no país, tendo alcançado reconhecimento nacional e internacional. Em 1999, o IBGC lançou a primeira versão do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa. A CVM também lançou, em 2002, uma cartilha contemplando recomendações sobre Governança Corporativa, a qual também enfatiza a relevância do disclosure. Destaque-se que a adoção das práticas recomendadas pela CVM é facultativa e representa a adoção de padrões de conduta superiores aos padrões legais, sendo que o não cumprimento não enseja a aplicação de sanção pelo órgão regulador. 68 SCHEINKMAN. José Alexandre. O Desenvolvimento do Mercado de Capitais no Brasil. Disponível em: http://www.princeton.edu. Acesso em: 27 mai.2013. 59 As práticas de Governança Corporativa estão pautadas na observância de alguns princípios básicos como: compliance (cumprimento e controle de normas e procedimentos), disclosure (transparência), fairness (tratamento justo para acionistas minoritários) e accountability (prestação de contas). Os princípios que sustentam as melhores práticas de Governança Corporativa, na verdade, já estão presentes em nosso ordenamento jurídico desde a edição da Lei das S/A69 e da Lei 6.38570, as quais já se pautavam em premissas de transparência, publicidade, controle de legalidade, prestação de contas, dever de diligência e responsabilidades dos administradores e acionistas das companhias abertas. 1.5.4. Procedimentos relativos às Ofertas Públicas As ofertas públicas devem ser realizadas por intermédio de instituições integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários, como os bancos de investimento, corretoras ou distribuidoras. Essas instituições poderão se organizar em consórcios com o fim específico de distribuir os valores mobiliários no mercado e/ou garantir a subscrição da emissão, sempre sob a organização de uma instituição líder, que assume responsabilidades específicas. Para participar de uma oferta pública, o investidor precisa ser cadastrado em uma dessas instituições. Com respeito à divulgação de informações, conforme já mencionado, o ofertante, em conjunto com a instituição líder, é obrigado a elaborar e colocar à disposição do público investidor o Prospecto da oferta. Em síntese, esse documento contém dois grandes grupos de informações: relativas ao emissor, cujo conteúdo provém do Formulário de 69 70 Destaquem-se os arts. 109, III, 100, §1º, 133, 157, 164, 224, 225 e 247. Artigo 4º. 60 Referência (documento atualizado periodicamente, que contém todas as informações sobre a companhia); e relativas à oferta em si, i.e., sobre os valores mobiliários objeto da oferta e as condições da colocação propriamente dita. O prospecto é, assim, imprescindível como fonte de informação para a tomada de decisão dos investidores. Adicionalmente, a ICVM 400 disciplina diversas outras etapas do processo de emissão pública de valores mobiliários, como a coleta de intenções, o preço, os avisos de início e encerramento, as hipóteses de cancelamento e suspensão, a possibilidade de lote suplementar e colocação parcial, além de casos especiais em que as ofertas possam ocorrer. Em resumo, em um processo de registro de distribuição pública de valores mobiliários existem várias etapas indispensáveis, tais como: (i) registro da operação na CVM, nos termos da ICVM 400; (ii) formação do consórcio de instituições que vão coordenar e distribuir a operação; (iii) estabelecimento de garantia (se houver); (iv) conteúdo da oferta, incluindo lote e forma de precificação; (v) distribuição do prospecto preliminar e definitivo (material publicitário); (vi) coleta, junto aos investidores, de intenções e reserva (quantidade e preço máximo) – procedimento de bookbuilding; (vii) recebimento de reservas (quando contemplado no prospecto e no anúncio de início de distribuição); (viii) divulgação do período de distribuição; e, finalmente, 61 (ix) resultado da oferta, incluindo o preço final da ação. Vale ressaltar que o material publicitário deve conter dados e informações sobre a oferta (quantidade, direitos inerentes, situação patrimonial da empresa etc.) e destacar a frase “LEIA O PROSPECTO ANTES DE ACEITAR A OFERTA”. O Prospecto Preliminar deverá estar disponível aos investidores nos mesmos locais em que foi disponibilizados a estes o Prospecto Definitivo, com, ao menos, 05 (cinco) dias úteis de antecedência do prazo inicial para o recebimento de reserva. Já o Prospecto Definitivo deverá estar disponível aos investidores com, ao menos, 05 (cinco) dias úteis de antecedência do prazo inicial para a aceitação da oferta. Conforme também mencionado neste trabalho, o ofertante será sempre responsável pela veracidade, consistência, qualidade e suficiência das informações prestadas por ocasião do registro e fornecidas ao mercado durante a distribuição, sendo que a instituição líder deverá tomar todas as cautelas e agir com elevado padrão de diligência, respondendo pela falta de diligência ou omissão, visando assegurar que tais informações sejam verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes, e permitir aos investidores uma tomada de decisão fundamentada a respeito da oferta. Caso haja substituição da instituição líder no decurso de programas de distribuição, a instituição líder de cada distribuição será responsável pela elaboração do respectivo suplemento e pela atualização das informações anteriormente prestadas. 62 Ademais, a ICVM 400 estabelece normas de conduta a serem seguidas pela emissora, pelo ofertante e pelas instituições intermediárias no curso de uma distribuição pública, entre elas, guardar sigilo, abster-se de negociar valores mobiliários de emissão do ofertante ou da emissora até a publicação do anúncio de encerramento e observar princípios de qualidade, transparência e igualdade na divulgação de informações. 63 CAPÍTULO 2 – A INSTRUÇÃO CVM Nº 476 2.1. Origem e Finalidade 2.1.1. Minuta Preliminar da Instrução Em 08 de setembro de 2008, a CVM submeteu à audiência pública, mediante Edital de Audiência Pública nº 05/2008, minuta preliminar da ICVM 476 (“Minuta ICVM 476”), com o objetivo de ouvir as considerações e comentários dos participantes do mercado acerca de certas questões trazidas à tona durante o processo interno da CVM de discussão da Minuta ICVM 476. Esclareça-se que, na ocasião, os principais aspectos previstos ou regulados pela Minuta ICVM 476 foram: Finalidade: dispor sobre as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos e a negociação desses valores mobiliários nos mercados de balcão organizado e não-organizado. Concepção: dispensar registro na CVM às ofertas públicas dirigidas a número restrito de investidores qualificados e permitir que os valores mobiliários ofertados sejam negociados nos mercados por emissores que não sejam registrados perante a CVM, desde a negociação fique adstrita à investidores qualificados. Meta: reduzir os custos das ofertas públicas de esforços restritos, facilitando o acesso dos emissores ao mercado de valores mobiliários e eliminar incertezas geradas pela amplitude do conceito de oferta pública previsto na legislação, garantindo segurança aos emissores quanto às situações de dispensa de registro perante a CVM. 64 Aplicação: às ofertas e negociações entre investidores qualificados, com condições de avaliar as informações prestadas e os riscos envolvidos. Requisitos: (i) oferta dirigida a, no máximo 50 (cinquenta) investidores qualificados, acessados de forma limitada; e (ii) subscrição ou aquisição de valores mobiliários por, no máximo, 20 (vinte) investidores qualificados Valores Mobiliários Abrangidos: títulos de dívida, cotas de fundos de investimento e certificados de recebíveis imobiliários – CRI. Regras ICVM 400: não aplicáveis. Intermediários e Participantes da Oferta: regras específicas quanto à verificação da veracidade, consistência e suficiência das informações fornecidas aos investidores acessados, bem como atribuições aos emissores, ofertantes e intermediários em caso de negociação dos valores mobiliários nos mercados secundários. Negociação nos Mercados Secundários: restrita aos mercados de balcão organizado e não-organizado, independentemente de registro dos emissores na CVM. Restrições à Circulação: negociação (i) vedada durante o período de 90 (noventa) dias; e (ii) restrita a investidores qualificados, exceto em caso do emissor obter registro perante a CVM e apresentar prospecto à CVM, nos termos da regulamentação aplicável. 2.1.2. Audiência Pública nº 05/2008 A Minuta ICVM 476 foi colocada em audiência pública entre os dias 08 de setembro e 31 de outubro de 2008, tendo recebido comentários, sugestões e 65 manifestações de 26 (vinte e seis) participantes do mercado71 que, de forma geral, expressaram forte apoio à iniciativa da CVM de estabelecer um arcabouço regulatório específico para as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos, afirmando, de forma unânime, que a instrução representaria avanço significativo na regulação do mercado de capitais brasileiro. Em 05 de dezembro de 2008, a Superintendência de Desenvolvimento de Mercado da CVM (“SDM”) apresentou ao Colegiado da CVM seu relatório a respeito de sua opinião e interpretações em relação às sugestões recebidas no processo de audiência pública e da adequada proposta definitiva para a instrução (“Relatório SDM”). Foram abordadas e analisadas no Relatório SDM as 03 (três) questões específicas suscitadas pela CVM, bem como outras 11 (onze) questões trazidas à tona pelos próprios participantes do mercado que contribuíram no processo de audiência pública, interpretação e/ou decorrentes sensação das de análises, críticas, dificuldades de insegurança trazidos pelo da texto Minuta ICVM 476. Os assuntos abordados e o parecer da SDM acerca de tais questões constam resumidos na tabela a seguir: 71 Os participantes foram: (i) Associação Brasileira de Bancos Internacionais; (ii) Associação Brasileira das Entidades e Crédito Imobiliário e Poupança; (iii) Associação Brasileira de Companhias Abertas; (iv) Associação Nacional dos Bancos de Investimento; (v) Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro; (vi) Azevedo Sette Advogados; (vii) Banco Central do Brasil; (viii) Banco Itaú BBA S.A.; (ix) BM&FBOVESPA; (x) Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados; (xi) Caixa Econômica Federal; (xii) CETIP S.A. – Balcão Organizado de Ativos e Derivativos; (xiii) Demarest & Almeida Advogados; (xiv) Gilberto Alvares Advogados; (xv) Grebler Advogados; (xvi) Instituto Brasileiro de Relações com Investidores; (xvii) Investidor Profissional Gestão de Recursos Ltda.; (xviii) Levy & Salomão Advogados (xix) Lobo & De Rizzo Advogados; (xx) Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados; (xxi) Miguel Lawson; (xxii) Rio Bravo Investimentos S.A. DTVM; (xxiii) Rocha, Trindade & Menegaz Advogados Associados; (xxiv) Stacchini Advogados; (xxv) Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados; e (xxvi) Veirano Advogados. 66 ASSUNTOS | QUESTÕES PARECER SDM A SDM entendeu ser mais prudente iniciar a vigência da instrução sem que tais valores mobiliários fossem passíveis de ofertas públicas distribuídas com esforços QUESTÕES SUSCITADAS PELA CVM Inclusão de ações e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações no âmbito da ICVM 476 restritos, sem prejuízo de que, após certo período inicial de familiarização por parte dos participantes do mercado, dos investidores e do próprio órgão regulador, com relação à aplicação prática da instrução, seja reavaliada a conveniência de incluir tais valores mobiliários no âmbito de tais ofertas públicas A SDM não se convenceu da necessidade Tipos societários dos emissores de restringir a possibilidade de realizar ofertas públicas distribuídas com esforços restritos a um ou mais tipos societários A SDM tornou-se mais convicta durante a audiência pública de que a exigência de obrigacões informacionais não é apenas conveniente, mas necessária à proteção Obrigações informacionais dos investidores, ainda que sejam estes qualificados, tendo em vista, especialmente, ser possível a distribuição de valores mobiliários com esforços restritos por companhias fechadas 67 ASSUNTOS | QUESTÕES PARECER SDM A SDM entendeu prudente restringir o alcance da oferta a determinados valores mobiliários já bastante difundidos no Escopo da aplicação da instrução (art. 1º, §1º) mercado (com possibilidade de incluir outros títulos no futuro), mas propôs que fosse aceita a sugestão de incluir os certificados de recebíveis do agronegócio CONTRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES DO MERCADO (“CRA”) no rol do art. 1º, § 1º A SDM propôs ser acolhida a sugestão dos participantes do mercado de excluir os incisos do caput do art. 2º, pautada na justificativa de que as formas de procura Meios de procura de investidores (art. 2º) de investidores ali previstas são, em boa parte, comuns às operações privadas, podendo, assim, gerar insegurança; e propôs ainda que fosse incluído parágrafo no art. 1º, explicitando que a instrução não se aplica às ofertas privadas de valores mobiliários, conforme receio manifestado por alguns dos participantes A SDM concordou com os argumentos dos participantes e, portanto, propôs a alteração do texto da instrução a fim de esclarecer que fundos de investimento sejam considerados investidores qualificados, independentemente dos Investidores qualificados (art. 4º) seus cotistas serem ou não investidores qualificados e, ainda, quando geridos por um mesmo administrador de carteiras de valores mobiliários, sejam considerados como um único investidor qualificado para os fins dos limites previstos nos arts. 2º e 3º da instrução 68 ASSUNTOS | QUESTÕES PARECER SDM A SDM entendeu adequados os limites Limites: investidores procurados, subscritores e adquirentes (arts. CONTRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES DO MERCADO 2º e 3º) aos números de subscritores e destinatários da oferta, sobretudo, para os primeiros anos de vigência da instrução, mas reconhecendo o mérito dos argumentos apresentados, propôs a exclusão da obrigação de tratamento equitativo prevista no art.11 A SDM entendeu que o conteúdo da declaração, conforme previsto na Minuta ICVM 476, é o mínimo que deve ser exigido dos investidores que vierem a subscrever ou adquirir valores mobiliários Declaração dos investidores qualificados (art. 7º) nas ofertas públicas de que trata a instrução, não afastando, contudo, a possibilidade dos intermediários virem a solicitar outras declarações dos investidores que, a seu exclusivo critério, julgarem necessárias, sendo, portanto, desnecessário alterar a redação do art. 7º A SDM (i) concordando com dos participantes, propôs redação do artigo para deixar restrição atinge somente as Prazo para realização de nova oferta (art. 9º) a sugestão alterar a claro que a ofertas do mesmo emissor; (ii) propôs que a indicação da data de início da oferta conste do Anexo I da de que trata a instrução; e (iii) com relação às demais sugestões, propôs não acatar, por ser necessário prevenir a realização de ofertas sucessivas em curto espaço de tempo que, em conjunto, ultrapassem os números máximos de subscritores e adquirentes destinatários, 69 ASSUNTOS | QUESTÕES PARECER SDM A SDM (i) não considerou razoável compelir o emissor a colaborar com o ofertante em uma oferta secundária, uma vez que a oferta abrange valores CONTRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES DO MERCADO mobiliários emitidos tanto por sociedades limitadas como por companhias fechadas, impondo obrigações informacionais adicionais a todos esses emissores, (ii) sugeriu que a redação do art. 17 fosse alterada de modo a obrigar que os instrumentos jurídicos relativos aos Obrigações do ofertante (art. 10) valores mobiliários ofertados contenham declaração das obrigações assumidas pelo emissor, sob pena de não se admitir a negociação dos referidos valores mobiliários nos mercados secundários (afastando a possibilidade de o emissor se ver obrigado a prestar as informações exigidas contra sua vontade); e (iii) esclareceu que a responsabilização dos administradores do ofertante, conforme prevista, apenas explicita uma responsabilidade decorrente da Lei 6.385 A SDM (i) esclareceu que, por serem os intermediários os principais garantidores Obrigações (art. 11) do intermediário do acesso dos investidores às informações, não seria prudente dispensar o registro das ofertas sem impor deveres aos mesmos nesse sentido, mas propôs ajustes na redação do art. para compatibilizar com ICVM 400; e (ii) esclareceu que a responsabilização dos administradores do intermediário apenas explicita o que dispõe a Lei 6.385 70 ASSUNTOS | QUESTÕES PARECER SDM A SDM (i) entendeu ser necessário o lockup de 90 dias para evitar a disseminação dos valores mobiliários no mercado para além de 20 subscritores ou adquirentes logo após a realização da oferta; CONTRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES DO MERCADO (ii) concordou com a sugestão de que tal prazo seja contado da data da efetiva subscrição ou aquisição pelo investidor; (iii) considerou os intermediários das Restrições à negociação: lock-up (art. 13) e negociação entre investidores qualificados (art. 15) negociações as instituições em melhores condições para realizar a verificação da observância das restrições, não devendo serem acatadas as sugestões no sentido de transferir ou estender tal responsabilidade às entidades administradoras; (iv) considerou que a apresentação de prospecto constitui importante meio de informação para o público investidor, sendo essencial para a tomada de decisão fundamentada, especialmente por parte de investidores não-qualificados A SDM (i) esclareceu a CVM tem competência para dispensar os registros Negociação em mercados de balcão organizado e nãoorganizado (art. 14) do emissor e da oferta, estando quaisquer emissores de valores mobiliários equiparados a companhias abertas para fins de aplicação da regulamentação do mercado de capitais; (ii) propôs não ser acatada a admissão da negociação em bolsa, em razão de que a oferta possui características se prestam à negociação no mercado de balcão; e (iii) esclareceu que o registro a que se refere o § único do 71 ASSUNTOS | QUESTÕES PARECER SDM art. 14 é, de fato, o registro do fundo junto à CVM, mas, no entanto, a inclusão de tal dispositivo é necessária uma vez que o Negociação em mercados de CONTRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES DO MERCADO balcão organizado organizado (art. 14) e não- caput do art. 14 dispensa o registro do emissor para a negociação dos valores mobiliários nos mercados de balcão organizado e não organizado, de forma que a inclusão da norma prevista no § único, referente às cotas de fundos de investimento, é necessária para impedir que cotas de fundos não-registrados sejam admitidas à negociação A SDM (i) entendeu que o emissor deve ser obrigado a preparar apenas as demonstrações financeiras anuais, a fim de reduzir os custos, conforme é o objetivo, mas que tais obrigações estão em equilíbrio com este objetivo em benefício dos emissores e com a Obrigações do emissor (art. 17) necessidade de assegurar informações mínimas ao mercado; (ii) já alterou o texto da minuta da instrução, visando esclarecer que os emissores cujos títulos não sejam destinados à negociação em mercados regulamentados não sejam obrigados a prestar as informações; e (iii) entendeu que o controlador só deve ser responsabilizado, caso as obrigações previstas sejam desrespeitadas virtude de suas ações ou omissões em 72 2.2. Texto Normativo Definitivo: Requisitos, Restrições e Aplicação Em reunião realizada no dia 10 de dezembro de 2008, o Colegiado da CVM definiu e aprovou as regras especificas sobre as ofertas públicas de determinados valores mobiliários distribuídas com esforços restritos e sua negociação nos mercados regulamentados, tendo, finalmente, editado, em 16 de janeiro de 2009, o texto final original da ICVM 476/0972. As regras definitivas que constaram da ICVM 476 serão analisadas pontualmente a seguir e o texto completo atual da instrução pode ser conferido no Anexo que integra o presente trabalho. 2.2.1. Abrangência da ICVM 476 Constam do texto da instrução as características das ofertas públicas com esforços restritos, que determinam as condições para a possibilidade de dispensa automática do registro das ofertas perante a CVM, bem como as restrições aplicáveis aos valores mobiliários objeto de tal modalidade de oferta pública. Tratam-se de 05 (cinco) requisitos principais que caracterizam a oferta de esforços restritos e que, consequentemente, implicam na dispensa automática do registro da distribuição. São eles: (i) os valores mobiliários objeto da oferta devem ser os expressamente previstos no parágrafo 1° do artigo 1°73; (ii) 72 a oferta deve se destinar, exclusivamente, a investidores qualificados; Publicada no Diário Oficial da União em 19 de janeiro de 2009. Conforme alterado pela Instrução CVM nº 500, de 15 de julho de 2011 (“ICVM 500”), a ser comentada no último tópico deste Capítulo. 73 73 (iii) a intermediação da operação deve ser realizada por integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários; (iv) a oferta deve ser dirigida a, no máximo, 50 (cinquenta) investidores qualificados, sendo que os valores mobiliários ofertados somente poderão ser subscritos ou adquiridos por até 20 (vinte) desse investidores, e (v) não é permitida a busca dos investidores por meio de lojas, escritórios ou estabelecimentos abertos ao público, assim como não é permitida a utilização de serviços de comunicação como jornais, revistas, rádio, televisão e páginas abertas na internet. Passemos, assim, a analisar com maior profundidade os detalhes e as implicações de cada um desses requisitos. 2.2.2. Objeto da Oferta O âmbito de aplicação da oferta pública distribuída sob o regime de esforços restritos é limitado aos valores mobiliários taxativamente elencados no parágrafo 1° do artigo 1° da ICVM 476, quais sejam, (i) notas comerciais; (ii) cédulas de crédito bancário que não sejam de responsabilidade de instituição financeira; (iii) debêntures não conversíveis ou não permutáveis em ações; (iv) cotas de fundos de investimento fechados; (v) certificados de recebíveis imobiliários (“CRI”); (vi) certificados de recebíveis de agronegócio (“CRA”), (vii) certificados de direitos creditórios do agronegócio; (viii) cédulas de produto rural – financeiras que não sejam de responsabilidade de instituição financeira; e (ix) warrants agropecuários74. 74 Os 03 (três) últimos incluídos pela ICVM 500, comentada no último tópico deste Capítulo. 74 Nota-se, portanto, que não estão incluídos no rol de valores mobiliários passíveis de serem objeto de oferta pública via ICVM 476 as ações e valores mobiliários conversíveis em ou permutáveis por ações. 2.2.3. Investidor Qualificado Ao estabelecer os parâmetros que deverão ser obedecidos, a regulamentação determinou que as ofertas fossem destinadas apenas e tão somente a investidores qualificados. Consideram-se “investidores qualificados”75: (i) as instituições financeiras; (ii) as companhias seguradoras e as sociedades de capitalização; (iii) as entidades abertas e fechadas de previdência complementar; (iv) as pessoas físicas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado e subscrevam ou adquiram, no âmbito da oferta, valores mobiliários no montante mínimo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); (v) todos os fundos de investimento (mesmo aqueles que se destinem a investidores não-qualificados)76; (vi) os administradores de carteira e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; e (vii) os regimes próprios de previdência social instituídos pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados ou pelos Municípios. 75 Definição prevista no artigo 109 da Instrução CVM nº 409, de 18 de agosto de 2004 (que dispõe sobe a constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento), observadas as disposições do artigo 4º da ICVM 476. 76 Ressalva específica incluída em decorrência da discussão da ICVM 476 na Audiência Pública 05/2008. 75 A limitação da destinação das ofertas com esforços restritos aos investidores qualificados é esclarecida por Valdir Carlos Pereira Filho e Taimi Haensel77 no seguinte sentido: “Para a CVM, limitar as ofertas com esforços restritos da IN CVM 476/2009 aos investidores qualificados tem o seguinte fundamento: ‘as dispensas de registro previstas na Minuta se aplicam justamente às hipóteses em que o registro é menos necessário, quais sejam, ofertas e negociações entre investidores qualificados, que tem condições de avaliar as informações prestadas e os riscos envolvidos.’ A dispensa de registro da oferta e a dispensa de apresentação dos documentos típicos de uma oferta pública vislumbrados em ofertas com esforços restritos, de fato, só se justificam em sede de uma colocação de valores mobiliários destinada a um público alvo diferenciado, capacitado a obter, do reduzido material que lhe será disponibilizado, as informações que necessita para a tomada de decisão e a adequada análise dos riscos envolvidos no investimento.” Além do requisito de sofisticação78 do investidor a que se destinam as ofertas via ICVM 476, a norma exige que sejam aliciados, no máximo, 50 (cinquenta) investidores qualificados, dentre os quais apenas 20 (vinte), no máximo, possam subscrever ou adquirir os valores mobiliários ofertados. É importante destacar que, para fins de verificação do número limite de investidores qualificados procurados e que venham a subscrever ou adquirir valores mobiliários no âmbito de oferta pública com esforços restritos, os fundos de investimentos que possuam o mesmo gestor – portanto, cujas decisões de 77 PEREIRA FILHO, Valdir Carlos; HAENSEL, Taimi. A Instrução CVM 476 e as Ofertas Públicas com Esforços Restritos. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. RT, n. 45, p. 333. 78 Isto é, o pressuposto de que a tais investidores pode-se atribuir diferenciado discernimento, capacitação e experiência necessários para avaliar os riscos envolvidos no investimento. 76 investimento sejam tomadas por uma única pessoa – serão considerados em conjunto como um único investidor. Dentre as regras e condições relacionadas ao público alvo das ofertas via ICVM 476, i.e., os investidores, merecem especial destaque os fatos de referida norma (a) considerar como investidores qualificados, para efeito da distribuição com esforços restritos, todos e quaisquer os fundos de investimento, mesmo quando destinados a investidores não qualificados; e (b) exigir que pessoas físicas e/ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) tenham que subscreve ou adquirir, no mínimo, R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) no âmbito da oferta via ICVM 476. Por fim, quanto aos destinatários das ofertas distribuída sob o regime de esforços restritos, vale esclarecer que os subscritores ou adquirentes dos valores mobiliários deverão fornecer, por escrito, declaração atestando que estão cientes de que: (i) a oferta não foi registrada na CVM; e (ii) os valores mobiliários ofertados estão sujeitos às restrições de negociação previstas na instrução. 2.2.4. Emissor da Oferta As ofertas públicas distribuídas com esforços restritos podem ser implementadas independentemente (a) do tipo societário do emissor (sejam sociedades por ações, sociedades limitadas ou mesmo cooperativas); e (b) do fato do emissor deter ou não registro de companhia aberta79 junto a CVM. A não exigência de registro do emissor possibilita que emissores não registrados como companhias abertas, como sociedades por ações fechadas e sociedades limitadas, se beneficiem deste regime. 79 O também referido registro de emissor de valor mobiliário, de que tratam os arts. 4º, § 1º da Lei das S/A e 21 da Lei 6.385/76. 77 Neste sentido, por exemplo, pode ser objeto de uma oferta com esforços restritos a distribuição de notas promissórias emitidas por uma sociedade limitada, ressalvado que, para a posterior negociação dos ativos, deve haver a observância do artigo 17 da ICVM 47680. No entanto, embora não seja exigido o registro do emissor perante a CVM, caso seja intenção dos participantes que os valores mobiliários emitidos sejam admitidos à negociação nos mercados regulamentados, torna-se necessário o cumprimento pelo respectivo emissor81 das seguintes obrigações adicionais: (a) preparar demonstrações financeiras de encerramento de exercício e, se for o caso, demonstrações consolidadas, em conformidade com a Lei das S/A; (b) submeter suas demonstrações financeiras a auditoria, por auditor registrado na CVM; (c) divulgar suas demonstrações financeiras, acompanhadas de notas explicativas e parecer dos auditores independentes, em sua página na rede mundial de computadores, dentro de 03 (três) meses contados do encerramento do exercício social, mantendo-as por até 03 (três) anos; (d) observar o dever de sigilo e vedações à negociação, conforme previstas na ICVM 358; (e) divulgar em sua página na rede mundial de computadores a ocorrência de qualquer fato relevante82; e 80 PEREIRA FILHO, Valdir Carlos. Ofertas com esforços restritos é alternativa de acesso a recursos. Disponível em: http://www.bovespasupervisaomercado.com.br/100311NotA.asp. Acesso em: 10 dez.2011. 81 Os controladores e administradores do emissor serão os responsáveis pelo cumprimento de tais obrigações. 82 Para os fins da ICVM 476, considera-se fato relevante qualquer decisão dos controladores ou dos administradores da companhia emissora ou qualquer outro ato ou fato de caráter 78 (f) 2.2.5. fornecer as informações solicitadas pela CVM. Intermediário da Oferta Nos termos do art. 2º da ICVM 476, as ofertas distribuídas com esforços restritos devem ser intermediadas por entidades integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários. Tais entidades são aquelas definidas no inciso I do art. 15 da Lei 6.385/76, quais sejam: “Art. 15. O sistema de distribuição de valores mobiliários compreende: I – as instituições financeiras e demais sociedades que tenham por objeto distribuir emissão de valores mobiliários: a) como agentes da companhia emissora; b) por conta própria, subscrevendo ou comprando a emissão para a colocar no mercado; (...)” A exigência de que as ofertas distribuídas via ICVM 476 devam ser intermediadas por entidades integrantes do sistema de distribuição se justifica pela necessidade de observância dos requisitos e condições de enquadramento e conduta estabelecidos na norma. Desta forma, por força do artigo 11 da ICVM 476, o intermediário líder tem deveres perante os investidores análogos àqueles previstos na ICVM 400. político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado às suas operações que possa influir de modo ponderável: (a) na cotação dos valores mobiliários ofertados; (b) na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; e (c) na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular dos referidos valores mobiliários. 79 Em outras palavras, no âmbito da oferta com esforços restritos, o distribuidor dos valores mobiliários é responsável pela qualidade e veracidade das informações prestadas, pela adequação do investimento ao perfil do investidor e pela guarda por 05 (cinco) anos dos documentos referentes à oferta. Confira abaixo a lista completa prevista no art. 11 da instrução dos deveres do intermediário líder da oferta: (i) tomar todas as cautelas e agir com elevados padrões de diligência, respondendo pela falta de diligência ou omissão, para assegurar que as informações prestadas pelo ofertante sejam verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes, permitindo aos investidores uma tomada de decisão fundamentada a respeito da oferta; (ii) divulgar eventuais conflitos de interesse aos investidores; (iii) certificar-se de que os investidores têm conhecimento e experiência em finanças e negócios suficientes para avaliar a qualidade e os riscos dos valores mobiliários ofertados; (iv) certificar-se de que o investimento é adequado ao nível de sofisticação e ao perfil de risco dos investidores; (v) obter do subscritor ou adquirente do valor mobiliário a declaração de que a oferta não foi registrada na CVM; (vi) suspender a distribuição e comunicar a CVM, imediatamente, caso constate qualquer irregularidade; (vii) efetuar a comunicação de encerramento da oferta pública; e 80 (viii) guardar, pelo prazo de 05 (cinco) anos, todos os documentos relativos ao processo de oferta pública, inclusive os documentos comprobatórios. Nota-se, portanto, que o intermediário atua (ou deveria atuar), no âmbito das ofertas com esforços restritos, como efetivos ‘gatekeepers’, dos quais falaremos melhor adiante. 2.2.6. Minuta ICVM 476 vs. ICVM 476 Pontuados os principais aspectos aprovados pela CVM quando da edição da ICVM 476, foi possível notar que a esmagadora maioria destes já constavam da Minuta ICVM 476 e foram fielmente mantidos na versão promulgada da referida instrução, que apontou alteração relevante apenas no rol dos valores mobiliários inicialmente proposto, uma vez que além dos títulos de dívida (notas comerciais, cédulas de crédito bancário que não sejam de responsabilidade de instituição financeira e debêntures não conversíveis ou não permutáveis em ações), das cotas de fundos de investimento e certificados de recebíveis imobiliários – CRI, foram incluídos também os certificados de recebíveis de agronegócio – CRA, os certificados de direitos creditórios do agronegócio – CDCA, as cédulas de produto rural – financeiras que não sejam de responsabilidade de instituição financeira; e warrants agropecuários83. 2.3. O Papel do Intermediário Conforme assunto já relativamente explorado no Capítulo 1 deste trabalho, esclarecemos que o papel do intermediário no mercado de capitais é claramente diferente do papel por ele desempenhado no financeiro. 83 Os 03 (três) últimos incluídos pela ICVM 500, comentada no último tópico deste Capítulo. 81 Enquanto lá – mercado financeiro – o intermediário é parte das relações jurídicas junto aos agentes econômicos superavitários e deficitários, atuando como um canal que viabiliza o fluxo de recursos entre a poupança e o financiamento, mas se responsabilizando pelo equilíbrio desta operação; aqui – mercado de capitais – ele atuará apenas como um prestador de serviços na emissão pública de títulos, propiciando a aproximação entre o emissor e o investidor e, em decorrência disso, sendo remunerado pelo emissor. É a chamada figura do ‘underwriting’ Ocorre que, a teoria da intermediação no mercado de capitais encontra seus fundamentos na existência de custos de transação e de assimetria informacional, imperfeições do mercado que, se desaparecessem, poderiam igualmente levar ao desaparecimento dos intermediários.84 Assim, o reconhecimento da posição do intermediário, para fins da ICVM 476, está pautado em duas diferentes situações, interligadas entre si. Na primeira, está a dimensão propriamente operacional da intermediação, i.e., o intermediário é aquele que, por dispor dos meios necessários de acesso aos sistemas de negociação ou de alguma expertise negocial, conclui as operações em nome de seus clientes. Na segunda situação, que apenas pode existir em razão da primeira, o intermediário, justamente por haver operado para seus clientes, é alçado a uma posição de fiscal de determinados atos, devendo sobre eles manter controle. A primeira posição corresponde ao cerne da atividade de intermediação, enquanto a segunda corresponde a acréscimos a ela trazidos em razão de opções legais ou regulamentares.85 84 NODA, Margareth. Acesso Eletrônico e Tendências para a Intermediação no Mercado de Valores Mobiliários. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010. p. 58. 85 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Processo Administrativo CVM nº RJ 2010/15204, Reg. Col. nº 7278/2010. Voto do Diretor Otavio Yazbek. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/descol/respdecis.asp?File=7278-1.HTM. Acesso em: 27 mai2013 82 O art. 16 da ICVM 476 estabelece que "nas negociações realizadas nos mercados de balcão organizado e não organizado, os intermediários das negociações são responsáveis pela verificação do cumprimento das regras previstas nos arts. 13 e 15". Segundo Yazbek86, quando a CVM promulgou tal regra, o que ela fez foi justamente reconhecer que, por ser o intermediário aquele agente diretamente envolvido na realização das operações, nada mais razoável do que atribuir a ele a responsabilidade pelo acompanhamento do cumprimento de algumas obrigações daquele que o contrata. E o julgador da CVM continua, esclarecendo que “estratégias dessa natureza, com a criação dos chamados ‘gatekeepers’, são cada vez mais comuns na regulação de atividades de mercado”. Mas afinal, o que seriam os gatekeepers? Os gatekeepers são os intermediários de reputação que oferecem serviços aos investidores de verificação e certificação. São exemplos de atividades envolvendo os gatekeepers: verificar a integridade das demonstrações financeiras (auditor externo); avaliar o risco de crédito de uma companhia (agência de avaliação de risco); avaliar e questionar a estratégia e as perspectivas financeiras da companhia (analista de investimento); dar uma opinião justa (fairness opinion) sobre o valor de uma determinada operação (banco de investimento); e/ou dar uma opinião legal sobre uma determinada operação (advogado). 86 BRASIL. Comissão de Valores Mobiliários. Processo Administrativo CVM nº RJ 2010/15204, Reg. Col. nº 7278/2010. Voto do Diretor Otavio Yazbek. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/port/descol/respdecis.asp?File=7278-1.HTM. Acesso em: 27 mai2013 83 São, portanto, os gatekeepers que vigiam as empresas e que dão uma segunda opinião sobre as afirmações delas. Embora sejam frequentemente pagos por esta última (p.ex. o auditor externo e a agência de classificação de risco), a credibilidade desta segunda opinião advém da reputação que o gatekeeper precisa para manter-se no mercado. Sendo assim, seja por força do que dispõe o art. 16 da ICVM 476 (análogo ao previsto na ICVM 400), seja pela (possivelmente perdurável) existência de custos de transação e de assimetria informacional e imperfeições do mercado, os intermediários atuarão como efetivos gatekeepers, no âmbito das ofertas distribuídas com esforços restritos. 2.4. Demais Condições da Oferta 2.4.1. Condições de Distribuição Inicialmente, cumpre esclarecer que o regime da ICVM 400, que regula as ofertas públicas de valores mobiliários, não incide sobre as ofertas públicas com esforços restritos, exceto as normas de conduta previstas no art. 4887 da referida instrução, dentre os quais se destaca o dever de observar o ‘quiet period’88. Com o advento da ICVM 476 não haverá mais a necessidade de se pedir à CVM registro de oferta pública, uma vez que estas estão automaticamente dispensadas de tal registro. 87 A serem observadas pelo emissor, ofertante e intermediários. Nome dado ao prazo estabelecido pela CVM para que os emissores permaneçam em silêncio, o qual se estende desde a projeção da oferta até a publicação do anúncio de seu encerramento. 88 84 Em termos práticos, a oferta não será registrada na CVM, a qual não analisará os documentos da oferta, não será devida a taxa de registro e não será necessário aguardar qualquer ato da CVM autorizando a distribuição dos valores mobiliários, resultando em evidente economia de tempo, esforços e custos. No entanto, para caracterizar a distribuição com esforços restritos e dispensar, automaticamente, o registro de distribuição previsto no art. 19 da Lei 6.385/76 e a observância das regras previstas na ICVM 400, não se admite: (i) o aliciamento de mais de 50 (cinquenta) investidores qualificados; (ii) a subscrição ou aquisição dos valores mobiliários ofertados por mais de 20 (vinte) investidores qualificados; e (iii) a busca de investidores através de lojas, escritórios ou estabelecimentos abertos ao público, ou mediante a utilização de serviços públicos de comunicação, como a imprensa, o rádio, a televisão e a rede mundial de computadores. Os valores mobiliários objeto de oferta com esforços restritos enfrentam restrições à sua negociação, pois somente poderão ser negociados nas condições específicas previstas na ICVM 476, que serão melhor pontuadas adiante. Por outro lado, a negociação pode ocorrer sem que o emissor possua o registro previsto no artigo 21 da Lei 6.385/76, exceto os fundos de investimento, que sempre devem ter registro para funcionamento junto a CVM nestes casos. Vale mencionar, apenas por conservadorismo, que as ofertas privadas de valores mobiliários não integram o espoco das distribuições com esforços restritos, não sendo, portanto, reguladas pela ICVM 476. 85 2.4.2. Encerramento da Oferta O encerramento de oferta pública distribuída com esforços restritos deverá ser informado pelo intermediário líder à CVM, no prazo de 05 (cinco) dias. Tal comunicação deverá ser encaminhada por intermédio da página da CVM mantida na rede mundial de computadores e conter as seguintes informações: (i) Ofertante – denominação, número do CNPJ, tipo societário e site; (ii) Emissor – denominação, número do CNPJ, tipo societário e site; (iii) Intermediário(s) – intermediário líder e das demais instituições intermediárias envolvidas na distribuição, se houver; e (iv) Dados da Oferta – abrangendo a quantidade, espécie, classe, forma e preço unitário dos valores mobiliários objeto da oferta, o valor total subscrito ou adquirido, a data de início e a data de encerramento da oferta e os dados finais de colocação. Caso a oferta pública via ICVM 476 não seja encerrada dentro de 06 (seis) meses de seu início, o comunicado deverá ser feito pelo intermediário líder ao mercado com os dados então disponíveis e os demais dados deverão ser complementados ou reiterados semestralmente, até a data de seu efetivo encerramento. 2.5. Condições e Requisitos Pós Oferta via ICVM 476 2.5.1. Novas Emissões e Período de Lock-up É vedado ao ofertante realizar outra oferta pública distribuída com esforços restritos da mesma espécie de títulos e valores mobiliários e referente ao mesmo emissor, dentro do prazo de 04 (quatro) meses contados da data do 86 encerramento da última oferta, a menos que a nova oferta seja submetida a registro na CVM. Quanto às novas emissões, exceção é feita aos certificados de recebíveis imobiliários – CRI e aos certificados de recebíveis do agronegócio – CRA de uma mesma companhia securitizadora, nos termos parágrafo único do artigo 9° da ICVM 476. Ademais, os valores mobiliários ofertados de acordo a ICVM 476 somente poderão ser negociados nos mercados regulamentados de valores mobiliários depois de decorridos 90 (noventa) dias de sua subscrição ou aquisição pelo investidor. 2.5.2. Negociação no Mercado Secundário Observado o período nonagesimal de vedação à negociação, os valores mobiliários ofertados somente poderão ser negociados nos mercados de balcão organizado e não organizado, mas não nos mercados de bolsa. Para que os valores mobiliários possam ser negociados em bolsa, exige-se que o emissor possua o registro para negociação em bolsa perante a CVM89. A negociação de cotas de fundos de investimento nos mercados de balcão organizado e não organizado só será admitida caso o fundo de investimento esteja devidamente registrado para funcionamento na CVM. 89 O caput do art. 21 da Lei 6.385/76 estabelece que, além do registro de que trata o artigo 19, a CVM manterá registros separados para negociação na bolsa e para negociação no mercado de balcão, organizado ou não. De acordo com o parágrafo 1º desse mesmo dispositivo legal (artigo 21), somente valores mobiliários emitidos por companhia registrada nos termos do artigo 21 podem ser negociados em bolsa e no mercado de balcão. E o parágrafo 2º esclarece que o registro do artigo 19 importa registro para o mercado de balcão, mas não para a bolsa ou entidade de mercado de balcão organizado. 87 2.5.3. Circulação entre Investidores Qualificados Em princípio, os valores mobiliários subscritos ou adquiridos via oferta distribuída com esforços restritos somente poderão ser negociados entre investidores qualificados. Entretanto, a restrição deixará de ser aplicável se o emissor tiver ou vier a obter registro perante a CVM90 e apresentar à CVM prospecto91, nos termos da regulamentação aplicável. Caberá aos intermediários responsáveis pela negociação (nos mercados de balcão organizado e não organizado) dos valores mobiliários que foram objeto de distribuição com esforços restritos verificarem o efetivo cumprimento das regras aplicáveis e do eventual enquadramento das restrições de negociação de tais títulos. 2.6. Alterações recentes da ICVM 476 Embora para fins do presente estudo não seja este assunto relevante e/ou impactante, cabe aqui mencionar as recentes modificações introduzidas nos termos da ICVM 476. Em 15 de julho de 2011, a CVM publicou a Instrução CVM nº 500 (“ICVM 500”)92, que teve por objetivo alterar o §1º do art. 1º da ICVM 476, conforme editada, para incluir os seguintes valores mobiliários como sendo passíveis de distribuição com esforços restritos: (i) 90 certificados de direitos creditórios do agronegócio; Trata-se do registro de emissor de valores mobiliários, previsto no art. 21 da Lei 6.385/76. Elaborado nos padrões de prospecto a que referimos no subcapítulo 1.5.4 deste trabalho. 92 Para conferir o texto completo desta instrução, vide Anexo que integra o presente trabalho. 91 88 (ii) cédulas de produto rural – financeiras que não sejam de responsabilidade de instituição financeira; e (iii) warrants agropecuários. Além disso, a redação do inciso VI do referido §1º do art. 1º da Instrução CVM 476 foi alterada, de modo a fazer constar que apenas as letras financeiras “que não relacionadas a operações ativas vinculadas” podem ser objeto de distribuição com esforços restritos. A inclusão de tais títulos no rol taxativo de valores mobiliários que podem ser ofertados via ICVM 476 contribuirá, ainda mais, para fomentar as atividades, o desenvolvimento e o aquecimento do mercado de capitais, assim como ocorreu em função da possibilidade de distribuição com esforços restritos de debêntures, notas promissórias e certificados de recebíveis imobiliários, bem como incentivará seu uso no mercado secundário. No entanto, como se viu, as ações ou quaisquer títulos ou valores mobiliários conversíveis em ou permutáveis por ações continuaram de fora do âmbito da ICVM 476, em razão do que, permanece pertinente e instigante a conclusão do presente trabalho. 89 CAPÍTULO 3 – A EXCLUSÃO DAS AÇÕES E DEMAIS VALORES MOBILIÁRIOS NELAS CONVERSÍVEIS OU PERMUTÁVEIS DO ÂMBITO DAS OFERTAS PÚBLICAS COM ESFORÇOS RESTRITOS 3.1. O Propósito deste Estudo Após esse intenso exercício de raciocínio a respeito dos conceitos em torno das principais características da ICVM 476, cumpre-nos apontar e comentar os motivos que sustentaram a exclusão das ações e demais dos valores mobiliários conversíveis em ou permutáveis por ações do rol taxativo de valores mobiliários passíveis de distribuição via oferta pública em regime de esforços restritos. Conforme já comentado, o processo de discussão interna da Minuta ICVM 476 trouxe à tona certas questões em relação às quais a CVM se dispôs a ouvir os participantes do mercado. Dentre os pontos que a CVM teve interesse em receber comentários, aquele que mais nos interessou e que, certamente, gerou muita polêmica e opiniões diversas foi quanto à limitação, melhor dizendo, vedação da oferta via ICVM 476 para distribuição de ações e títulos e valores mobiliários conversíveis em ou permutáveis por ações, que ficaram impedidas de se beneficiar das isenções de registro previstas na instrução. Para tanto, convidamos, novamente, ao estudo de alguns conceitos e contextos que nos pareceu serem os responsáveis pela exclusão dos referidos títulos e valores mobiliários do âmbito de aplicação da ICVM 476. 90 3.2. O Conceito de Ação e Acionista 3.2.1. Definições e Características Acionista é o sócio da sociedade por ações, ou seja, o proprietário de ações. O art. 1ºda Lei das S/A dispõe: “Art. 1º. A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.” Há vários interesses que motivam o indivíduo a se tornar um acionista, o que é, na realidade, a própria divisão dos tipos de acionistas. Fábio Ulhoa Coelho93 aponta, para fins didáticos, que se pode apregoar que em uma companhia aberta, há dois grandes grupos: de um lado, os empreendedores, pessoas interessadas na exploração de certa atividade econômica; de outro, os investidores, que identificam na ação da companhia uma boa oportunidade para empregar o dinheiro que possuem. Neste último grupo pode-se distinguir os acionistas de acordo com os motivos que os impulsionam a adquirir ações, sejam os rendeiros ou os especuladores. Esta classificação, embora varie a nomenclatura, tem sido usada desde o século XVII. Segundo Marcelo Tadeu Cometti94 “aos controladores, também chamados de empreendedores, cabe exercer a estratégia de poder, sem necessidade de aporte substancial de investimento no capital da companhia”. 93 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 2. p. 272. 94 COMETTI, Marcelo Tadeu. O Direito dos Acionistas de Participar nos Lucros Sociais. São Paulo, 2007. Tese de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p. 81. 91 O acionista controlador preocupa-se apenas, portanto, com “a prosperidade da empresa que lhe dá poder, e, sobretudo, influência social. [...] Pretende manter, a todo custo, a posição de controle, [...] de domínio da companhia”95 Os mais importantes acionistas com esse perfil são os chamados investidores institucionais, representados pelos fundos de pensão (que devem diversificar os seus investimentos, para não expor a riscos os recursos, indispensáveis ao futuro atendimento dos compromissos com os seus filiados) e pelos fundos de investimentos (alimentados pelo dinheiro dos clientes da instituição financeira administradora).96 Já o acionista-rendeiro é aquele que pretende das ações apenas uma renda permanente, objetivando em sua carteira acionária a constituição de um patrimônio rentável. Nas palavras de Cometti97, os acionistas rendeiros são, “em regra, preferencialistas, cumpre suprir a sociedade anônima de capital próprio, encontrando nas ações uma alternativa de investimento com perspectivas de retorno a longo prazo”. Finalmente, o acionista especulador, não existente na sociedade de capital fechado, tendo em vista a falta de liquidez que o investimento correspondente apresenta, mais se preocupa com os pregões da bolsa, onde pretende lucros imediatos, pouco se importando em usufruir dividendos ou direitos, pois visa apenas aos resultados de sua especulação. 95 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2. p. 136. 96 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. op. cit., p. 272. 97 COMETTI, Marcelo Tadeu. op. cit., p. 81. 92 Cumpre salientar que, embora possam ser diversos os interesses de cada tipo de acionista, um interesse é fundamental: a consecução pela companhia de seu objeto social. Neste sentido, esclarece-se que as relações de poder que decorrem da sociedade podem levá-la a ser bem-sucedida ou não. O valor fundamental, na disciplina das relações de poder, deve ser o desenvolvimento da companhia. Naturalmente, os empreendedores procurarão impor suas opiniões nos negócios; os rendeiros pressionarão para a obtenção de mais lucros e os especuladores atentarão às possibilidades de recesso. Neste contexto, na hipótese do controlador restringir ao mínimo os dividendos distribuídos, a sociedade poderá ter dificuldades de colocar novas ações no mercado. Por outro lado, se os rendeiros, desconsiderando a imagem institucional da companhia, não forem discretos na defesa de seus direitos, isso pode prejudicar os negócios sociais. Por fim, se grandes operações no mercado de capitais não podem prescindir do capital especulativo, de outro lado, nenhuma sociedade tem condições de progredir se predominar entre os acionistas o espírito de mera especulação Ascarelli98 acrescenta que, quando os acionistas mudam a vida societária com bastante frequência, é natural que, por vezes, haja o aumento dos poderes da maioria e uma maior preocupação acerca dos direitos individuais de cada acionista, até mesmo no que tange à discricionariedade das partes na constituição da sociedade. Sendo assim, é necessário compreender dois polos das relações de poder entre os acionistas: o acionista controlador e a minoria acionária. 98 ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2001. P. 488. 93 Embora os nomes possam ensejar significações claras, nem sempre a minoria acionária reúne os detentores das menores parcelas do capital social. Ao contrário, muitas vezes, em razão dos mecanismos de organização do poder utilizados, o controle da sociedade por ações está nas mãos de quem contribuiu com parcela reduzida para constituição do capital social. Quando se fala, portanto, em maioria e minoria, no contexto das relações entre acionistas, as expressões não dizem respeito à maior ou menor participação no capital social, mas, sim, à maior ou menor influência na condução dos negócios da sociedade. Nos termos do art. 116 da Lei das S/A, o acionista controlador ou majoritário é a pessoa jurídica ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: é titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e a capacidade de eleger a maioria dos administradores da companhia; usando, efetivamente, de seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. A identificação do acionista controlador é um elemento fundamental na caracterização de seu comportamento, na legitimidade de sua atuação, sempre condicionada aos limites traçados pelo objeto social99. O controle societário pode ser compreendido, portanto, como o poder de dirigir as atividades sociais. O acionista controlador exerce o poder internamente através do prevalecimento de votos, e externamente mediante 99 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2. p. 143. 94 outros fatores extra societários, decorrentes do endividamento da sociedade ou originados da intervenção do Estado no domínio econômico.100 Por vezes, podem surgir problemas derivados da má administração ou controle da companhia, entre outros. Por exemplo, no caso do controlador (empreendedor) que aceita a contribuição de minoritário (rendeiro ou especulador), no entanto, deixa de remunerá-lo conforme poderia, mediante da aprovação de retenção de lucro desnecessária (em assembleia), por entender que a companhia é de sua propriedade exclusiva ou por apropriar-se dos recursos sociais de forma abusiva. Por outro lado, se um minoritário (com espírito empreendedor) quer ampliar sua ingerência na administração da sociedade, ou mesmo tomar o controle para suas mãos, isso também desequilibra as relações de poder e gera conflitos. Em razão disso, a Lei das S/A visa contrabalançar as relações de poder na companhia. Isto porque, não pode haver um sadio desenvolvimento das sociedades anônimas sem uma eficaz tutela da minoria e do acionista. 3.2.2. Direitos, Deveres e Prerrogativas A existência de um mercado de capitais desenvolvido funciona como um estímulo à poupança privada, vez que aproxima o capital das oportunidades de investimento.101 100 CARVALHOSA, Modesto. Comentário à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 2. p. 429. 101 AGUIAR, Danilo Augusto Barbosa de. Proteção dos acionistas minoritários nas sociedades anônimas abertas como forma de promover o desenvolvimento do mercado de capitais nacional: alteração no regime legal das ações preferenciais. Revista de direito bancário, do mercado de capitais e da arbitragem, São Paulo, v. 6, n. 22, p. 88-127, out./dez. 2003. p. 100. 95 Nesse contexto, a Lei 6.404/76 concedeu alguns direitos de natureza claramente protetiva aos acionistas minoritários, tais como o direito de recesso (arts. 136, 137, caput, 223, §§ 3º e 4º), o direito de convocação de assembleias gerais (art. 123, § único), a possibilidade de eleição de membros do conselho de administração pelo procedimento do voto múltiplo (art. 141), a votação em separado para eleição de membros do conselho de administração (art. 141, § 4º), o direito de requisitar a instalação de conselho fiscal bem como a eleição de um conselheiro em separado (art. 161), o direito de pedir a exibição integral dos livros da companhia (art. 105), o direito ao tag along (art. 254-A), e, por fim, a prerrogativa de mover ação de responsabilidade contra os administradores da companhia (art. 159, caput, §§ 3º e 4º). Acresça-se a tais direitos os principais direitos que a Lei das S/A assegura a qualquer acionista de uma companhia, conforme previstos em seu art. 109, in verbis: “Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: I – participar dos lucros sociais; II – participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; III – fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais; IV – preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172; V – retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei. (...)” (grifo nosso) Note que conferimos especial destaque ao direito de preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures 96 conversíveis em ações e bônus de subscrição, por ser este, ao nosso ver, o mais relevante para fins do presente estudo, pela maior potencialidade de seu risco de comprometimento, em caso da distribuição, sob o regime de esforços restritos, de ações ou títulos nelas conversíveis ou permutáveis. Em que pese a conferência de direitos protetivos aos acionistas minoritários, tem-se que o alto grau de absenteísmo102 encontrado entre os participantes da dinâmica econômica societária ou a ausência de transparência na condução das atividades sociais ou, ainda, em alguns casos, o fenômeno da dispersão acionária, tornam inoperante o exercício desses direitos, pois, na maioria esmagadora das HHM - #51306v1 vezes, estes só possuem eficácia quando requeridos por acionistas que representem uma determinada porcentagem do capital social. Conforme já comentamos, estabelece-se entre os acionistas relações de poder complexamente distribuídas em função da diversificação de interesses individuais. Tanto os interesses dos especuladores (classe de acionistas que possui interesse meramente pecuniário e a curto prazo pela companhia) quanto dos rendeiros (classe de acionistas que investe em ações com vistas à constituição de um patrimônio rentável) ligam-se à maior rentabilidade da companhia. Esta, por sua vez, só se concretiza com o bom desempenho econômico da empresa, que seria o objetivo perseguido pelos acionistas empreendedores (classe de acionistas que manifesta grande interesse pela administração da companhia), divididos em controladores e minoritários. São os acionistas controladores, no entanto, os que detêm o poder decisório quanto aos rumos da companhia. Cabe a eles zelar pelo sucesso do 102 Isto é, o ato de abster-se do exercício de seus direitos. 97 empreendimento, constituindo os lucros da empresa administrada a medida desse êxito. Ocorre que, não raramente, a companhia, seguindo a orientação da classe controladora, opta por sacrificar os interesses de seus próprios prestadores de capital (os acionistas investidores) com o objetivo de alcançar um maior nível de competitividade no mercado. Nesses momentos, a relação de interdependência quase que harmoniosa entre acionistas investidores e controladores torna-se uma fonte de conflito. A essa situação poderá vir a somar-se o descontentamento dos empreendedores minoritários, em virtude da não concordância com as estratégias econômicas adotadas pelos controladores. Esse descontentamento, muitas vezes, consubstancia-se na tentativa de ampliar sua influência na administração da sociedade, ou até mesmo tomar o controle para suas mãos, gerando novos conflitos. Alcançar o equilíbrio entre os diversos interesses acionários é um desafio a ser constantemente enfrentado pelas leis de companhias na atualidade, visto que uma “equilibrada composição dos interesses em confronto é condição para a sociedade continuar contando com os recursos de todos os seus integrantes”103. Fábio Ulhoa Coelho104 sustenta que “o valor fundamental, na disciplina das relações de poder, deve ser o desenvolvimento da companhia, objetivo que 103 PERIN JUNIOR, Ecio. A tutela jurídica do acionista minoritário – de acordo com a Lei 10.303/2001. Revista de direito privado, SãoPaulo. v. 3, n. 12, p. 106-130, out./dez. 2002. p. 112. 104 COELHO, Fábio Ulhoa. Op.cit., p. 284. 98 traz benefícios a todos os seus sócios e representa o núcleo aglutinante dos interesses destes”. 3.2.3. Tutela Jurídica e Proteção Em face desta realidade deve-se ter em mente que alcançar o equilíbrio entre os diversos interesses acionários é o desafio enfrentado pelas leis de companhias contemporâneas. Compor de maneira equilibrada os interesses em confronto é, como já dito, condição para que a sociedade continue a contar com os recursos de todos os seus integrantes. Esse equilíbrio significa munir o acionista com ferramentas mais eficazes para a proteção de seu investimento, sem tornar impraticável a administração da companhia por parte daqueles que cultivam sincero interesse por sua gestão. Desta forma, pode-se notar que o instituto das sociedades empresárias, especialmente a sociedade por ações (e seus sócios), contribui amplamente para o desenvolvimento social e capitalista, tendo assim, um grande impacto na sociedade. Ao conhecer o papel do sócio, é possível evitar ou reprimir práticas abusivas ou ilegais. É importante ressaltar que a proteção às minorias acionárias não encontra razão apenas no plano jurídico-axiológico, mas também, e porque não principalmente, no plano financeiro, visto que há estreita relação entre as normas legais de proteção aos direitos dos acionistas minoritários de um dado país e o efetivo estágio de desenvolvimento do mercado de capitais local.105 No atual cenário da economia globalizada, a existência de um mercado de capitais desenvolvido, capaz de tutelar de maneira adequada os interesses 105 BARBOSA, Marcelo S. A proteção dos direitos dos acionistas minoritários e o mercado de capitais. In: SADDI, Jairo (org.). Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002. p. 407-435. p. 410. 99 dos acionistas minoritários, compostos em sua grande maioria por investidores, é condição sine qua non para a captação cada vez maior de recursos destinados às companhias. 3.3. A CVM, suas Funções e Limitações 3.3.1. O Papel da CVM frente ao Acionista e ao Mercado Conforme já abordamos neste estudo de forma suficientemente detalhada, o papel da CVM é regulamentar, desenvolver, controlar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários do país. Dentre suas principais funções destaca-se: (i) assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; (ii) proteger os titulares de valores mobiliários; (iii) evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação no mercado; (iv) assegurar o acesso do público a informações sobre valores mobiliários negociados e sobre as companhias que os tenham emitido; (v) assegurar a observância de práticas comerciais equitativas no mercado de valores mobiliários; (vi) estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores mobiliários; (vii) promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações; e 100 (viii) estimular as aplicações permanentes em ações do capital social das companhias abertas. Neste contexto e considerado tudo o que já foi exposto neste trabalho, é imprescindível que se assegure que a regulação a ser exercida pela CVM cumpra o objetivo de suas funções e atribuições, i.e., a proteção do investidor e o aumento de sua confiança nas entidades do mercado e nas “regras do jogo”, garantindo que o retorno da aplicação pelo investidor em tal mercado esteja relacionado apenas ao risco inerente ao investimento, mas que seja imune às suas próprias falhas. 3.3.2. Atendimento das Funções: preparo e condições Feitas as considerações acima, questiona-se: a CVM possui atualmente todas as condições necessárias para permitir que a abrangência da ICVM 476 incluísse ações e os títulos e valores mobiliários nelas conversíveis ou permutáveis? E, ainda, a CVM conhece ou tem consciência de todo o preparo necessário para que a aplicação da ICVM 476 se estendesse às ações e valores mobiliários nelas conversíveis ou permutáveis? Ressalte-se que a resposta a tais questionamentos deve considerar as características específicas das ações, incluindo todos os conceitos, tutelas e reflexos jurídicos embutidos nesse valor mobiliário, conforme se pretendeu esclarecer no subcapítulo 3.2, acima exposto. Nestes termos e sob tal condição, nossa impressão inicial é no sentido de que não; a CVM não está (ou estava à época da edição da ICVM 476) preparada. Se quisermos, por exemplo, sair do âmbito da suposição, basta que analisemos as efetivas situações práticas já existentes no mercado, envolvendo 101 a ICVM 476. Com relação às vedações e restrições à negociação dos títulos e valores mobiliários já ofertados mediante distribuição sob o regime de esforços restritos, tem-se algum controle sobre o efetivo atendimento dos requisitos impressos na ICVM 476, i.e., os intermediários ou gatekeepers estão adotando satisfatoriamente as medidas que lhe foram atribuídas? Esta autora desconhece. Ora, se, atualmente, a CVM não dispõe de mecanismos efetivos para controle das operações que já em andamento, o que se pode aguardar no mercado de capitais se as ofertas via ICVM 476 possibilitarem sua aplicação a ações e títulos nela conversíveis ou permutáveis? Não haveria interesses e direitos igualmente importantes a se proteger antes de uma permissão precipitada de colocação de ações no mercado sob o regime de esforços restritos, pautada no argumento do crescimento e desenvolvimento do mercado de capitais? Pensamos que sim. 3.4. ICVM 476 e sua Aplicação a Ações 3.4.1. Maturidade e Completude Consideramos importante, ainda, abordar a questão de que a inclusão das ações e demais títulos nelas conversíveis ou permutáveis no rol da ICVM 476, exigiria, certamente, a inclusão de determinadas regras e condições visando a proteção dos atuais e futuros acionistas da companhia emissora dos títulos e valores mobiliários. Neste sentido, é preciso refletir se tais regras e condições a serem previstas na norma reguladora já se apresentam bem definidas pela entidade reguladora. 102 Pela análise do Relatório SDM, concluímos que não, visto que, nas próprias palavras da SDM, “a inclusão de ações e respectivos valores conversíveis ou permutáveis exigiria estudos e debates adicionais, sobretudo a respeito de questões complexas, tal como a possibilidade de exclusão do direito de preferência dos acionistas em ofertas públicas destinadas a um número pequeno de investidores”. Assim, qualquer inclusão de ações (se seus respectivos títulos conversíveis ou permutáveis) no âmbito de uma distribuição excluída da aplicação da ICVM 400, sem o devido aprofundamento dos reflexos nocivos que poderiam causar, seria não só imprudência, como também um retrocesso no desenvolvimento do mercado de capitais. 3.4.2. Paridade ou Paralelismo com a ICVM 400 Sem prejuízo dos demais motivos já mencionados, é válido avaliar se a inclusão das ações no rol da ICVM 476, mesmo que com as respectivas adaptações necessárias visando proteger os acionistas (atuais e futuros adquirentes) e o mercado de valores mobiliários em geral, não resultaria no esvaziamento parcial da ICVM 400 ou, então, na criação de paralelismo entre as referidas instruções ou, quiçá, na permissão da existência de um mercado paralelo ao mercado de oferta de ações propiciado pela ICVM 400. Ora, se a intenção é inovar a criar no mercado novos mecanismos e instrumentos para o seu desenvolvimento, cabe ponderar e ter cautela quando formalização destas iniciativas perante o mercado, de forma a agir de maneira efetiva e válida e sem criar mais confusão e insegurança jurídica aos seus participantes. 103 3.4.3. Adaptação de Regras Mínimas: mais rigidez e segurança vs. menos burocracia e custos Restou evidente certa frustração do mercado quando se constatou que os benefícios da distribuição com esforços restritos não abrangeria a colocação de ações no mercado. Não obstante o interesse e compromisso da CVM com o desenvolvimento do mercado de ações brasileiro, cabe-lhe também zelar pelo funcionamento eficiente e equilibrado deste mercado, não sendo razoável sobrepor o benefício da economia em burocracia e custos, em detrimento da segurança e proteção dos direitos dos agentes participantes. 3.5. O Futuro: distribuição de ações com esforços restritos 3.5.1. Viabilidade sujeita a Debates Adicionais, Novos Estudos e Mudanças Entendemos que a inclusão das ações no rol das ofertas via ICVM 476 é sim viável, mas não passível de ser implementada por ora, sem que sejam estudados e debatidos todos os reflexos advindos de tal inclusão, especialmente em relação aos tópicos abordados neste capítulo 3, quais sejam: (i) as implicações de se incluir novos acionistas na companhia emissora e a tutela dos direitos e prerrogativas dos acionistas já existentes na ocasião – passando pela questão do equilíbrio e harmonia que deve imperar nas relações entre os diversos tipos de acionistas; (ii) a capacidade, o preparo e as limitações da CVM em garantir o adequado funcionamento do mercado de ações sob a vigência de uma nova modalidade de oferta pública, distribuída com esforços restritos; e (iii) os ajustes no mercado como um todo que serão necessários em função das diversas regras já existentes e de sua harmônica e lógica convivência, que não implique em insegurança jurídica ou o propiciamento / fomento de fraudes. 104 Tais questões, inclusive, podem ser analisadas à luz do panorama internacional, especialmente nos mercados de valores mobiliários mais desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos da América. 3.5.2. 3.5.2.1. Cenário Atual Internacional: desenvolvimento e maturidade Regulation D Conforme esclarecido por Ricardo Vieira106, a chamada Regulation D consiste em um conjunto de normas expedidas pela SEC com base no poder a ela outorgado pelo Securities Act de 1933, a fim de regulamentar as isenções de registro. Com isso, a SEC estabeleceu três modalidades de oferta de valores mobiliários isentas de registro, complementando as isenções / dispensas gerais previstas na Section 4. Neste sentido, as Rules 500 a 503 definem os termos e condições das dispensas, enquanto as Rules 504 a 506 tratam das isenções propriamente ditas107. As isenções da Regulation D aplicam-se exclusivamente ao emissor dos valores mobiliários objeto da oferta, de forma que, tais isenções não se aplicarão à revenda de tais ativos. Via de regra, a utilização de uma isenção prevista na Regulation D dispensa o emissor do envio de informações à SEC. No entanto, tais emissores devem enviar à SEC o chamado “Formulário D”, logo após a primeira venda dos valores mobiliários. 106 VIEIRA, Ricardo dos Santos de Almeida. As ofertas públicas de valores mobiliários em regime de esforços restritos e sua não aplicabilidade a ações e valores mobiliários nelas conversíveis ou permutáveis. Monografia de pós-graduação nos cursos de LLM – Direito do Mercado Financeiro e de Capitais e LLM – Direito Societário. São Paulo: Insper, 2012. 181 f. p. 112. 107 VIEIRA, Ricardo dos Santos de Almeida. op. cit., p. 113. 105 Apesar de conter a qualificação dos proprietários do emissor e dos distribuidores, referido formulário contém poucas informações sobre a empresa emissora. Importante mencionar que os valores mobiliários adquiridos sob as isenções da Regulation D são geralmente considerados “restritos” e só podem ser revendidos sem registro na SEC se tal revenda enquadrar-se em isenção específica. 3.5.2.1.1. Regulation D – Rule 504 A Rule 504 isenta de registro na SEC as ofertas de valores mobiliários até o valor total de US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares norte-americanos) em um período de 12 (doze) meses. Esta isenção não está disponível a investment companies108, empresas ‘blank check’109 e/ou a empresas obrigadas a apresentar as informações periódicas exigidas pelo Securities Exchange Act de 1934. Via de regra, os valores mobiliários adquiridos sob esta isenção são considerados restritos, mas a Rule 504 permite a oferta de valores mobiliários não restritos, desde que determinadas condições relativas à divulgação e/ou público alvo sejam observadas. 3.5.2.1.2. Regulation D – Rule 505 A Rule 505 isenta de registro na SEC as ofertas de valores mobiliários até o valor total de US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares norte- 108 Conforme definido na Section 2 (a) (15) do Securities Act de 1933. Considerada a empresa em estágio de desenvolvimento, sem plano de negócios ou propósito específico. 109 106 americanos) em um período de 12 (doze) meses destinada a qualquer número de accredited investors110 e a até 35 (trinta e cinco) investidores comuns. Por ser possível a aquisição por investidores comuns, não é permitido o apelo ao público. Com relação às regras de divulgação, se a oferta contar exclusivamente com accredited investors, o emissor pode decidir as informações que divulgará. Já aos investidores comuns, se houver, devem ser previamente fornecidas determinadas informações que lhes permitam ter conhecimento do emissor, do negócio e dos valores mobiliários objeto da oferta. Estão excluídos da Rule 505 os emissores que sejam investment companies, ou enquadrados na Rule 262 da Regulation A. 3.5.2.1.3. Regulation D – Rule 506 De acordo com a Rule 506, um emissor pode vender uma quantidade ilimitada de valores mobiliários a qualquer número de accredited investors e a até 35 (trinta e cinco) investidores comuns. Note que a limitação quanto ao número de investidores é idêntica à da Rule 505. A diferença, portanto, refere-se à ‘sofisticação’ dos investidores comuns. Diferentemente da Rule 505, que não impõe qualquer requisito específico nesse sentido, a Rule 506 exige que o investidor que não seja um accredited investor possua (sozinho ou em conjunto com seu representante), de forma efetiva ou razoavelmente presumida pelo emissor dos valores mobiliários, conhecimento e experiência em assuntos financeiros e de negócios que lhe permitem avaliar méritos e riscos do investimento. 110 Conforme definido na Section 2 (a) (15) do Securities Act de 1933. 107 Em suma, o investidor de uma oferta isenta nos termos da Rule 506 pode até não ser accredited investor, mas deve ser sofisticado. São vedados a publicidade e o apelo ao público para fins de utilização da Rule 506, sendo que as obrigações relativas à divulgação de informações (disclosure) são basicamente as mesmas da Rule 505. Desde que observados os requisitos das Rules 501 a 503, a isenção da Rule 506 pode ser utilizada por qualquer emissor, ainda que este seja investment company. 3.5.2.2. Rule 144-A Editada pela SEC em abril de 1999, a Rule 144-A foi a primeira a regra a permitir a colocação de valores mobiliários a investidores institucionais qualificados111, assim considerados por possuírem um alto nível de sofisticação e maior tolerância ao risco, sem necessidade de realização de uma oferta pública registrada nos termos do Securities Act. Apesar de a colocação sob a regra da Rule 144-A não possibilitar ao emissor o acesso a um amplo mercado, permite uma distribuição mais extensa, podendo ser utilizada para captar mais recursos que uma colocação privada tradicional. A vantagem trazida pela Rule 144-A consistiu, em linhas gerais, em uma isenção dos requisitos de registro estabelecidos na Section 5 do Securities Act de 1933. Seu objetivo é atrair companhias emissoras estrangeiras desiludidas em face dos limites das emissões privadas tradicionais e pelos rigorosos requisitos de registro e transparência (disclosure) de uma oferta pública. 111 Os chamados ‘qualified investor buyers’ ou QIB’s. 108 A Rule 144-A isenta de registro a revenda de valores mobiliários, desde que as principais condições a seguir sejam cumpridas: (i) ofertas somente podem ser feitas aos investidores institucionais qualificados ou àqueles que o ofertante acredita, de modo razoável, tratar-se de qualificado; (ii) os compradores devem ser informados de que a compra não é registrada sob o Securities Act; (iii) os valores mobiliários ofertados não podem ser da mesma classe (ou equivalentes, para fins de negociação) aos valores mobiliários do respectivo emissor negociados em bolsas de valores dos Estados Unidos ou na Nasdaq; (iv) os compradores devem estar aptos a obter, de forma contínua (em última instância pelo emissor), as demonstrações financeiras e outras informações recentes relativas ao negócio. Do ponto de vista prático, companhias cujos valores mobiliários são negociados no país de origem frequentemente satisfazem tal requisito através de uma isenção que lhes permite disponibilizar, para investidores residentes nos Estados Unidos, os relatórios periódicos, bem como outras informações disponibilizadas de tempos em tempos ao público, registrados nas comissões de valores mobiliários de seus próprios países. Tecnicamente, a colocação de valores mobiliários com base na Rule 144-A consiste em dois negócios interligados, ocorridos um após o outro. O primeiro é a venda de valores mobiliários pelo ofertante para o agente de colocação internacional (initial purchaser), cuja função é comparável à do underwriter numa oferta pública registrada. Normalmente, o agente é uma reconhecida instituição financeira ou banco de investimento responsável por negociar o contrato de colocação internacional (placement facilitation and purchase agreement) com o ofertante previamente à imediata revenda sob a regra da Rule 144-A. 109 O segundo negócio consiste na efetiva venda dos valores mobiliários aos investidores institucionais qualificados, normalmente envolvendo a entrega de uma detalhada circular de oferta (offering circular) preparada pelo emissor, com a participação ativa do agente de colocação, e em relação à qual o emissor, no contrato de colocação, terá prestado amplas declarações e garantias quanto à integridade, correção e adequação das informações sobre o emissor e os valores mobiliários objeto da oferta. Na prática, o mercado de ofertas realizadas sob a regra da Rule 144-A desenvolveu-se de modo tal que o conteúdo e a forma de apresentação de informações constantes da “offering circular”, buscado pelos emissores e pelos agentes de colocação, tornaram-se equivalentes aos verificados em um prospecto arquivado junto à SEC por meio de um “registration statement”. No entanto, a regulamentação aplicável a tais ofertas proporciona mais flexibilidade na elaboração de uma “offering circular” no que tange a forma, a apresentação e a inclusão de informações financeiras e de outro tipo. 110 CAPÍTULO 4 – CONCLUSÕES Conforme já defendido, entendemos que a inclusão das ações no rol das ofertas via ICVM 476 é sim viável, porém, não passível de ser implementada sem que sejam estudados e debatidos os reflexos desta inclusão no mercado de capitais brasileiro. Isto porque deve ser objeto de investigação os prejuízos advindos, quem sabe, mais danosos das falhas na regulação ou falhas de gestão decorrentes de medidas impostas sob pretexto da indispensabilidade de intervenção. Ora, com fundamento nas idéias defendidas na Teoria Econômica da Regulação, não deve o agente regulador se tornar um refém dos regulados, apenas em função dos regulados exercem forte pressão para que as normas atendam suas necessidades e interesses pessoais. Seja qual for o entendimento dos diversos participantes do mercado, é inegável que a CVM nem sempre consegue (ou conseguirá) disciplinar corretamente as interações de mercado, tanto por incapacidade ou desinteresse, como em razão falta de estrutura adequada, lentidão na elaboração de soluções ou dificuldade de enforcement. Também compete destacar outro dilema do órgão regulador no que diz respeito à medida certa de intervenção, vez que seu excesso pode ser tão prejudicial ao mercado quanto às falhas que se quer evitar. O presente trabalho não pretende oferecer respostas aos problemas colocados. Acreditamos que nossa maior contribuição seja circunscrever o debate à realidade concreta do mercado brasileiro e seguir teorias que rompem com o paradigma do mercado ideal. 111 REFERÊNCIAS AGUIAR, Carlos G. Governança Corporativa e a Geração de Valor ao Acionista. Monografia. UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2005. ALDRIGHI, Dante M.; MILANEZ, Daniel Y. Finança Comportamental e a Hipótese dos Mercados Eficientes. Rio de Janeiro: Revista de Economia Contemporânea, 9(1), jan/abr 2005. p. 41-72. ARAGÃO, Alexandre dos Santos. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2003. ASCARELLI, Tullio. 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Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 117 ANEXOS TEXTO INTEGRAL DA INSTRUÇÃO CVM No 476, DE 16 DE JANEIRO DE 2009, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELAS INSTRUÇÔES CVM No 482/10 E 488/10. INSTRUÇÃO CVM Nº 476, DE 16 DE JANEIRO DE 2009 Dispõe sobre as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos e a negociação desses valores mobiliários nos mercados regulamentados. A PRESIDENTE DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM torna público que o colegiado, em reunião realizada em 10 de dezembro de 2008, com fundamento no disposto nos arts. 4º, incisos II e VI, 8º, inciso I, 19, §5º, e 21, §6º, da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, aprovou a seguinte Instrução: Aplicação Art. 1º Serão regidas pela presente Instrução, as ofertas públicas de valores mobiliários distribuídas com esforços restritos. §1º Esta Instrução se aplica exclusivamente às ofertas públicas de: I – notas comerciais; II – cédulas de crédito bancário que não sejam de responsabilidade de instituição financeira; III – debêntures não-conversíveis ou não-permutáveis por ações; IV – cotas de fundos de investimento fechados; e V – certificados de recebíveis imobiliários ou do agronegócio. IV - cotas de fundos de investimento fechados; 118 V - certificados de recebíveis imobiliários ou do agronegócio; e • Incisos IV e V com redação dada pela Instrução CVM nº 488, de 16 de dezembro de 2010. VI - letras financeiras. • Inciso VI incluído pela Instrução CVM nº 488, de 16 de dezembro de 2010. §2º Esta Instrução não se aplica às ofertas privadas de valores mobiliários. Art. 2º As ofertas públicas distribuídas com esforços restritos deverão ser destinadas exclusivamente a investidores qualificados e intermediadas por integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários. Parágrafo único. Não será permitida a busca de investidores através de lojas, escritórios ou estabelecimentos abertos ao público, ou com a utilização de serviços públicos de comunicação, como a imprensa, o rádio, a televisão e páginas abertas ao público na rede mundial de computadores. Art. 3º Nas ofertas públicas distribuídas com esforços restritos: I – será permitida a procura de, no máximo, 50 (cinqüenta) investidores qualificados; e II – os valores mobiliários ofertados deverão ser subscritos ou adquiridos por, no máximo, 20 (vinte) investidores qualificados. Parágrafo único. Fundos de investimento cujas decisões de investimento sejam tomadas pelo mesmo gestor serão considerados como um único investidor para os fins dos limites previstos neste artigo. Art. 4º Para os fins desta Instrução, consideram-se investidores qualificados, os referidos no art. 109 da Instrução CVM nº 409, de 18 de agosto de 2004, observado que: I – todos os fundos de investimento serão considerados investidores qualificados, mesmo que se destinem a investidores não-qualificados; e 119 II – as pessoas naturais e jurídicas mencionadas no inciso IV do art. 109 da Instrução CVM nº 409, de 2004, deverão subscrever ou adquirir, no âmbito da oferta, valores mobiliários no montante mínimo de R$1.000.000,00 (um milhão de reais). Procedimento de Distribuição Art. 5º Exceto nos casos expressamente previstos nesta Instrução, não se aplicam às ofertas públicas distribuídas com esforços restritos: I – a Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003; e II – demais normas da CVM relativas ao procedimento de distribuição de valores mobiliários específicos. Art. 6º As ofertas públicas distribuídas com esforços restritos estão automaticamente dispensadas do registro de distribuição de que trata o caput do art. 19 da Lei nº 6.385, de 1976. Art. 7º Nas ofertas públicas distribuídas com esforços restritos, os subscritores ou adquirentes dos valores mobiliários deverão fornecer, por escrito, declaração atestando que estão cientes de que: I – a oferta não foi registrada na CVM; e II – os valores mobiliários ofertados estão sujeitos às restrições de negociação previstas nesta Instrução. Art. 8º O encerramento de oferta pública distribuída com esforços restritos deverá ser informado pelo intermediário líder à CVM, no prazo de 5 (cinco) dias, contado de seu encerramento. §1º A comunicação de que trata o caput deverá ser encaminhada por intermédio da página da CVM na rede mundial de computadores e conter as informações indicadas no Anexo I desta Instrução. §2º Caso a oferta pública distribuída com esforços restritos não seja encerrada dentro de 6 (seis) meses de seu início, o intermediário líder deverá realizar a comunicação de que 120 trata o caput com os dados então disponíveis, complementando-os semestralmente até o encerramento. Art. 9º O ofertante não poderá realizar outra oferta pública da mesma espécie de valores mobiliários do mesmo emissor dentro do prazo de 4 (quatro) meses contados da data do encerramento da oferta, a menos que a nova oferta seja submetida a registro na CVM. Parágrafo único. A restrição prevista no caput não será aplicável a ofertas de certificados de recebíveis imobiliários ou certificados de recebíveis do agronegócio de uma mesma companhia securitizadora lastreados em créditos segregados em diferentes patrimônios por meio de regime fiduciário. Obrigações dos Participantes Art. 10. O ofertante deverá oferecer informações verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes para os investidores. Parágrafo único. Os administradores do ofertante também são responsáveis pelo cumprimento da obrigação prevista no caput. Art. 11. São deveres do intermediário líder da oferta: I – tomar todas as cautelas e agir com elevados padrões de diligência, respondendo pela falta de diligência ou omissão, para assegurar que as informações prestadas pelo ofertante sejam verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes, permitindo aos investidores uma tomada de decisão fundamentada a respeito da oferta; II – divulgar eventuais conflitos de interesse aos investidores; III – certificar-se de que os investidores têm conhecimento e experiência em finanças e negócios suficientes para avaliar a qualidade e os riscos dos valores mobiliários ofertados; IV – certificar-se de que o investimento é adequado ao nível de sofisticação e ao perfil de risco dos investidores; V – obter do subscritor ou adquirente do valor mobiliário a declaração prevista no art. 7º desta Instrução; 121 VI – suspender a distribuição e comunicar a CVM, imediatamente, caso constate qualquer irregularidade; VII – efetuar a comunicação prevista no art. 8º; e VIII – guardar, pelo prazo de 5 (cinco) anos, todos os documentos relativos ao processo de oferta pública, inclusive os documentos que comprovem sua diligência nos termos do inciso I. Parágrafo único. Os administradores do intermediário líder da oferta também são responsáveis pelo cumprimento da obrigação prevista no caput. Art. 12. Aplicam-se às ofertas públicas distribuídas com esforços restritos, as normas de conduta previstas no art. 48 da Instrução CVM nº 400, de 2003, com exceção do inciso III. Negociação dos Valores Mobiliários Art. 13. Os valores mobiliários ofertados de acordo com esta Instrução somente poderão ser negociados nos mercados regulamentados de valores mobiliários depois de decorridos 90 (noventa) dias de sua subscrição ou aquisição pelo investidor. Art. 14. Observado o período de vedação à negociação previsto no art. 13, os valores mobiliários ofertados de acordo com esta Instrução poderão ser negociados nos mercados de balcão organizado e não-organizado, mas não em bolsa, sem que o emissor possua o registro de que trata o art. 21 da Lei nº 6.385, de 1976. Parágrafo único. Caso os valores mobiliários ofertados sejam cotas de fundos de investimento, sua negociação nos mercados de balcão organizado e não-organizado só será admitida se o fundo estiver registrado para funcionamento na CVM. Art. 15. Os valores mobiliários ofertados nos termos desta Instrução só poderão ser negociados entre investidores qualificados. § 1º A restrição à negociação prevista no caput deixará de ser aplicável caso o emissor tenha ou venha a obter o registro de que trata o art. 21 da Lei nº 6.385, de 1976. • § 1º incluído pela Instrução CVM nº 482, de 5 de abril de 2010. 122 § 2º No caso de fundos de investimento fechados, a restrição à negociação prevista no caput deixará de ser aplicável caso o fundo apresente Prospecto, nos termos da regulamentação aplicável. • § 2º incluído pela Instrução CVM nº 482, de 5 de abril de 2010. Parágrafo único. A restrição à negociação prevista no caput deixará de ser aplicável caso o emissor tenha ou venha a obter o registro de que trata o art. 21 da Lei nº 6.385, de 1976, e apresente prospecto à CVM, nos termos da regulamentação aplicável. Art. 16. Nas negociações realizadas nos mercados de balcão organizado e nãoorganizado, os intermediários das negociações são responsáveis pela verificação do cumprimento das regras previstas nos arts. 13 e 15. Art. 17. Sem prejuízo do disposto em regulamentação específica, são obrigações do emissor dos valores mobiliários admitidos à negociação nos termos do art. 14 desta Instrução: I – preparar demonstrações financeiras de encerramento de exercício e, se for o caso, demonstrações consolidadas, em conformidade com a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e com as regras emitidas pela CVM; II – submeter suas demonstrações financeiras a auditoria, por auditor registrado na CVM; III – divulgar suas demonstrações financeiras, acompanhadas de notas explicativas e parecer dos auditores independentes, em sua página na rede mundial de computadores, dentro de 3 (três) meses contados do encerramento do exercício social; IV – manter os documentos mencionados no inciso III em sua página na rede mundial de computadores, por um prazo de 3 (três) anos; V – observar as disposições da Instrução CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002, no tocante a dever de sigilo e vedações à negociação; VI – divulgar em sua página na rede mundial de computadores a ocorrência de fato relevante, conforme definido pelo art. 2º da Instrução CVM nº 358, de 2002, comunicando imediatamente ao intermediário líder da oferta; e VII – fornecer as informações solicitadas pela CVM. 123 §1º Somente poderão ser negociados em mercados regulamentados os valores mobiliários cujos instrumentos jurídicos reproduzam as obrigações do emissor previstas neste artigo. §2º As obrigações previstas neste artigo não se aplicam: I – a emissores de valores mobiliários que não possam ser negociados em mercados regulamentados, nos termos do §1º; e II – a fundos de investimento. §3º As informações divulgadas na rede mundial de computadores nos termos dos incisos III e VI deste artigo deverão ser imediatamente enviadas às entidades administradoras dos mercados em que os valores mobiliários forem admitidos a negociação. §4º Os controladores e administradores do emissor são responsáveis pelo cumprimento das obrigações previstas neste artigo. Disposições Gerais Art. 18. Constitui infração grave: I – a realização de oferta pública sem registro na CVM em descumprimento aos arts. 1º, 2º e 3º desta Instrução; II – o descumprimento dos arts. 10, 12 e 17 bem como do parágrafo único do art. 14 desta Instrução; III – a violação das obrigações previstas nos incisos I, II, III, IV, V e VIII do artigo 11 desta Instrução; e IV – a inobservância das restrições previstas nos arts. 13 e 15 desta Instrução. Art. 19. Esta Instrução entra em vigor na data de sua publicação. Original assinado por MARCOS BARBOSA PINTO Presidente Em exercício 124 ANEXO I INFORMAÇÕES DO ENCERRAMENTO DA OFERTA PÚBLICA DE VALORES MOBILIÁRIOS DISTRIBUÍDA COM ESFORÇOS RESTRITOS OFERTANTE Nome: CNPJ: Tipo societário: Página na rede mundial de computadores: EMISSOR Nome: CNPJ: Tipo societário: Página na rede mundial de computadores: Nome do intermediário líder e das demais instituições intermediárias envolvidas na distribuição, se houver: DADOS DA OFERTA Quantidade de valores mobiliários objeto da oferta: Espécie: Classe: Forma: Preço unitário: Valor total subscrito ou adquirido na oferta: Data de início da oferta: Data de encerramento da oferta: Dados finais de colocação, nos termos do anexo VII da Instrução CVM nº 400, de 2003: 125 INSTRUÇÃO CVM N.º 500 DE 15 DE JULHO DE 2011 Altera o artigo 1º da Instrução CVM nº 476, de 16 de janeiro de 2009. A PRESIDENTE DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM torna público que o Colegiado, em reunião realizada em 13 de julho de 2011, com fundamento nos arts. 4º, 8º, inciso I, e 19, § 5º, da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e no art. 39 da Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, APROVOU a seguinte Instrução: Art. 1º O art. 1º da Instrução CVM nº 476, de 16 de janeiro de 2009, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º ............................................................ § 1º ................................................................. V - certificados de recebíveis imobiliários ou do agronegócio; VI - letras financeiras, desde que não relacionadas a operações ativas vinculadas; VII - certificados de direitos creditórios do agronegócio; VIII - cédulas de produto rural - financeiras que não sejam de responsabilidade de instituição financeira; e IX - warrants agropecuários. .........................................................................” (NR) Art. 2º Esta Instrução entra em vigor na data de sua publicação. Original assinado por MARIA HELENA DOS SANTOS FERNANDES DE SANTANA Presidente