Pontes de Miranda - Procuradoria Geral do Estado de São Paulo

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“Função Social da Propriedade (C.F., art 5o, XXIII)”
DEVER IMPOSTO AO PROPRIETÁRIO
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
2. APONTAMENTOS SOBRE PROPRIEDADE E UTILIZAÇÃO ADEQUADA DA
PROPRIEDADE NA HISTÓRIA BRASILEIRA
3. ALTERAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
4. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO DIREITO E DEVER INDIVIDUAL
(ART. 5o , XXIII C. F. 88). EFEITOS PRÁTICOS. NATUREZA JURÍDICA
5. EFEITOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ART. 5o, XXIII SOBRE A
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
6. EFEITOS PRÁTICOS DO DEVER DE FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
(C. F., Art. 5o, XXIII) SOBRE LEIS ORDINÁRIAS DE POSSE E PROPRIEDADE
7. EFEITOS PRÁTICOS DO DEVER DE FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
(C.
F.,
ART.
5o,
XXIII)
SOBRE
OS
PROCEDIMENTOS
POSSESSÓRIAS, ESPECIALMENTE NO CASO DE INVASÕES
8. CONCLUSÕES
9. PROPOSIÇÕES AO CONGRESSO DE PROCURADORES
DE
AÇÕES
“O Poder Judiciário não é babá de proprietário”.
(Helio Saboya – Chefe de Polícia Civil durante o ciclo de
invasões na zona oeste do Rio de Janeiro em 1988)
1. INTRODUÇÃO
O aumento dos distúrbios possessórios, os assassinatos e dramas
provocados pelas disputas de terras no Brasil fazem qualquer observador da cena
brasileira – jurista ou leigo – indagar se as decisões e ordens judiciais, cumpridas
toscamente país afora, são adequadas, bem como se a legislação brasileira, sobre
propriedade de terras é suficiente e apropriadas às peculiaridades nacionais.
De fato, de pouco adianta copiar legislação estrangeira sobre disputas
possessórias, se não se levarem em conta as particularidades geográficas, históricas
humanas e econômicas do Brasil.
Os tratados e leis alemãs sobre posse são, em tese, perfeitos, é
verdade, mas duvida-se de que possam ser puramente aplicados ao cenário brasileiro.
Nos salões acadêmicos fala-se em “possuidor”, “interdito possessório” e
“servo na posse”.
Mas no Brasil das invasões é mais comum se falar em “posseiro”
“jagunço” e “milícia do campo”.
Tais fatos são notórios e, pelo sabor da ilustração, estão documentados
em anexo.
É bem verdade que a disputa pela posse de terras não é exclusiva da
sociedade brasileira. No entanto, o conflito brasileiro é um dos mais expressivos do
mundo, sendo um confronto nítido com partes organizadas como o MST e a UDR.
Buscar o motivo exato que faz o problema brasileiro tão peculiar é tarefa
gigantesca que transbordaria o objetivo deste trabalho. Todavia, de antemão pode-se
afirmar que falta de terra não é, posto que que o Brasil tem o imenso território de 8
milhões de km2.
Portanto, limita-se ao exame do tratamento que a nova Constituição
Federal em 1988 deu à propriedade e à “função social da propriedade”.
Por meio desse exame, verifica-se as normas Constitucionais –
históricas e atuais
- sobre o tema, seu efeito prático sobre a legislação
infraconstitucional e, em última análise, sua consonância com as decisões judiciais.
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2. APONTAMENTOS SOBRE PROPRIEDADE E UTILIZAÇÃO ADEQUADA DA
PROPRIEDADE NA HISTÓRIA BRASILEIRA.
Em proporção à enorme extensão territorial brasileira, a legislação
nacional sobre propriedade sempre foi pequena.
A propriedade do território nasceu naturalmente com a ocupação pela
Coroa Portuguesa, e já a famosa carta de Pero Vaz Caminha se referia à terra como
propriedade do Rei de Portugal.
O território brasileiro surgiu assim como propriedade da Coroa
Portuguesa. Propriedade absoluta, tal qual a monarquia, sem impor limitações a si
própria.
No entanto, a propriedade privada de terras já nasceria restrita, limitada
e condicionada.
De fato, aos particulares a Coroa concederia o uso das terras reais
mediante capitanias e sesmarias.
Mas não é só. Para a outorga de tais sesmarias deveria o sesmeiro
cumprir imposições de cultivo e cultura da terra concedida sob pena de comisso, isto
é, perda do uso da terra.
Vislumbra-se assim desde início a preocupação do Estado com a
utilização efetiva de terras.
Sabe-se que, a partir de 1795, a Coroa imporia outro requisito para a
concessão de novas sesmarias: o trabalho escravo.
Assim, quanto mais escravos possuísse o sesmeiro, mais lotes de
sesmaria poderia reivindicar.
Este requisito demonstra, sem dúvida, a preocupação da Coroa em
atribuir terra a quem efetivamente fosse dela fazer uso.
Contudo, a demonstração dessa forma primitiva de função social da
propriedade trazia em si própria a enorme injustiça da escravidão e da apropriação do
trabalho alheio.
O regime de sesmaria seria extinto pela Resolução de 17 de julho de
1822, que, aliada à agitação geral causada pela independência naquele ano,
provocaria uma “vacatio legis”, isto é , a ausência de uma legislação definida sobre
terras no País.
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A Constituição Imperial de 1824, certidão de batismo do Estado
brasileiro, limitou-se a declarar: “é garantido o direto de propriedade em toda sua
plenitude”. (art. 129, al. 22)
Somente em 1850 surgiria uma lei formal sobre propriedade fundiária,
que foi a Lei 601, de 18 de setembro de 1850 – lei de terras. Seu objetivo primário era
estremar as terras públicas e privadas, mas foi além disso.
Por intermédio da Lei 601 se definiam os sobejos de terras reais, as
terras vagas e abandonadas como “terras devolutas” (Lei 601 / 1850, art. 3o).
Mais interessante era a disposição em relação às terras possuídas, ou
seja, aquelas que não tinham um título formal de propriedade. Previa a lei a
legitimação dessas terras mediante registro do terreno possuído na freguesia.
Contudo, determinava-se a moradia e o cultivo pelo pretendente.
Verifica-se que, em 1850, já era uma preocupação do legislador impor
alguma forma de utilização forçada do imóvel, não compreendendo a propriedade
como de uso arbitrário do proprietário.
Este período da história brasileira foi muito fecundo no esforço de
regularização do domínio. Assim, logo aparecia o regulamento da Lei de Terras
(Decreto 1318 – jan. 1854) e também o “registro paroquial de terras”, isto é, anotações
e legitimações de propriedade feitas pela Igreja.
Foi exatamente a organização feita pela legislação desse período,
especialmente a Lei de Terras, que previa, em seu art. 12, a reserva de terras
devolutas para a imigração, que propiciou a distribuição de lotes aos colonos italianos
no Rio Grande do Sul, instituindo o regime da pequena propriedade, em uma das mais
bem sucedidas experiências do Império.
Mas, o advento da República (1889) e da Constituição Republicana
(1891) foi, ao invés de renovador, estranhamente conservador. É que, para afastar
qualquer suspeita dos latifundiários e restauradores quanto ao seu suposto
jacobinismo, a Assembléia Constitucional da República fez questão de repetir a norma
da Constituição do Império:
Const. 1891, art. 72, § 18:
“O direito de propriedade mantém-se em toda sua
plenitude” (...)
Como se vê, a República não fez nenhuma imposição de uso da terra
ao proprietário. Assim, passando o pesadelo da imigração oficial, com distribuição de
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lotes, na República Velha já podia o proprietário sonhar dormindo sobre o próprio
latifúndio.
Com a vigência do Código Civil em 1917 pouco se altera. As restrições
ao exercício da propriedade são urbanas e de caráter particular, não coletivas.
É bem verdade que o Código mudou, punindo o proprietário com a
perda da propriedade pelo abandono (Cód. Civil art. 520, art. 589). Mas o problema do
latifúndio não era propriamente o abandono da terra mas sim sua subutilização.
A Revolução de 1930 veio acabar com a República Velha e,
prometendo reformar o País, inovou em sua Constituição de 1934:
C.F. 1934 – art. 113, al. 17.
“É garantido o direito de propriedade, que não pode ser
exercido contra o interesse social ou coletivo na forma
que a lei determinar”.
Assim, pela primeira vez a Constituição brasileira declarava que a
propriedade não era um direito absoluto ! Tal norma constitucional já tinha vaga
inspiração socialista, modismo ao gosto da época desde a Revolução Russa em 1917
e da Constituição de Weimar.
Mas, no embate ideológico daquele tempo, com o mundo à beira da
Guerra Mundial, o Brasil rumou para a ditadura.
Assim, a Constituição do “Estado Novo” ditadura getulista de 1937,
limitou-se a dizer:
Const. 1937, art. 122, al. 14.
“É garantido o direito de propriedade, cujo conteúdo e
seus limites serão definidos nas leis que lhe regularem o
exercício”.
Ora, a lei que regulava a propriedade era basicamente o Código Civil, e
tais restrições, como já vimos, eram de Direito Privado.
Em 1945, terminada a guerra e a ditadura getulista, o Brasil resolveu
fazer nova Constituição, e o legislador Constitucional de 1946 foi renovador:
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C.F. 1946 – art. 147.
“Uso da propriedade será condicionado ao bem estar
social”.
O texto reintroduzia na Constituição condições à propriedade. Mas foi
sob a égide dessa Constituição – especialmente no governo João Goulart - que o
problema da propriedade de terras começou a se tornar agudo.
Tão agudo se tornou que foi uma das causas de uma Revolução militar
conservadora em 1964.
E, no Brasil dos militares, se fez mais uma Constituição (1967 – 1969).
A Constituição militar de 1967-1969 introduziu na parte da ordem
econômica e social um príncipio programático.
Const. 69, art. 170 (...).
“A propriedade atenderá sua função social”.
Dispenso-me de qualquer comentário sobre essa norma. Prefiro
reproduzir a palavra insuspeita de um jurista conservador, como Pontes de Miranda,
comparando-a com a Const. de 1946:
“A
Constituição
de
1967,
freada
por
elementos
reacionários apenas se refere à “função social da
propriedade”.
Pontes de Miranda – Comentários à Constituição de
1967.
A norma tem caráter meramente programático, mas durante o regime
militar a questão de terras ganharia o nome genérico e abstrato de “reforma agrária” e
mereceria páginas de jornais e refletores de televisão.
Todavia, carente de apoio político definido e de uma vontade
governamental efetiva, o problema só se agravou, com a criação do MST e da UDR.
Com o fim do regime militar, este seria um dos problemas mais graves
herdados pela renascente democracia, que tentaria equacioná-lo na Constituição.
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3. ALTERAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição de 1988 é conseqüência da “Nova República” e foi feita
por assembléia constituinte em clima “anárquico – democrático”.
No entanto, as invasões e disputas por terras eram problemas
contemporâneos à elaboração da Carta, e a assembléia não fugiu do problema,
diga-se a verdade.
De fato, pode-se acusar a Carta de 1988 de prolixa ou utópica, mas
nunca se pode afirmar que não tenha enfrentado frontalmente o problema da disputa
por terras, pois dedica apenas à função social da propriedade oito artigos – art. 5o,
XXIII – art. 156, § 1 - art. 153, § 4 - art. 170, III – art. 182, § 2 – art. 184 - art. 185
parágrafo único e art. 186.
Em linhas gerais, pode-se dizer que a Constituição foi minuciosa ao
conceituar a função social da propriedade, tanto rural (art. 186) como urbana (art. 182, § 2).
A Carta foi também imperiosa ao impor a desapropriação do imóvel que
não cumprir sua função social (art. 184).
A Carta foi, inclusive, punitiva ao atribuir efeitos tributários gravosos
pelo fato de propriedade não cumprir sua função social (art. 153, § 4 – art. 156, § 1).
E foi ainda repetitiva da Const. de 1969 quando incluiu a função social
da propriedade entre os princípios gerais da atividade econômica (art. 170).
Mas não é só ! Por último, a Constituição de 1988 inovou inserindo a
função social da propriedade como direito e garantia individual (art. 5o ,XXIII, C.F.)
De fato, no capítulo “dos direitos e deveres individuais e coletivos”
encontra-se:
C. F. 1988 – art. 5o: (...)
XXIII - A propriedade atenderá sua função social.
Esta é uma verdadeira inovação da Constituição Brasileira de 1988 em
comparação à Constituição de 1969.
Portanto, concluindo, a Constituição de 1988 criou, no art. 5o , “dos
direitos e deveres individuais”, a função social da propriedade como um dever
individual do proprietário, o que não existia na Constituição de 1967 – 1969.
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4. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO DIREITO E DEVER INDIVIDUAL
(ART. 5o , XXIII C. F. 88). EFEITOS PRÁTICOS. NATUREZA JURÍDICA.
Ao inserir a “função social da propriedade” como um direito e dever
individual, a Constituição criou efeitos práticos.
O primeiro efeito prático é que os direitos e deveres individuais são
cláusulas pétreas da Carta Brasileira, não admitindo emenda para sua alteração.
De fato, regula a Constituição atual:
Art. 60 (...)
§ 4o Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir:
(...)
IV. Os direitos e garantias individuais.
Assim, a conclusão inevitável é que a “função social da propriedade” é
cláusula pétrea, não podendo ser alterada ou suprimida da carta.
O segundo efeito prático é que as normas de direitos e deveres
individuais têm aplicação imediata.
É o oposto do que acontece com as normas de princípios gerais da
atividade econômica, que são meramente programáticas e principiológicas da
legislação complementar da Constituição.
De fato, ordena a Constituição Federal 1988:
Art. 5o (...)
§ 1o as normas definidoras de direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata.
Assim, a conclusão inevitável e sumular é que a “função social da
propriedade” é dever imediato do proprietário, não precisando de qualquer legislação
ordinária ou complementar para ser exigido.
No mesmo sentido, compreendo a função social da propriedade como
um “dever imposto ao proprietário” escrevia Pontes de Miranda, em 1934, com apoio
na doutrina alemã (Comentários à Constituição de 1934 – pág. 186).
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Mas se é um dever que pode ser imediatamente exigido ao proprietário,
por quem pode ser exigido ? Certamente o direito de cobrar esse dever não é abstrato,
coletivo ou difuso, que pudesse ser exercido por qualquer um.
A primeira pessoa legitimada a cobrar do proprietário a função social
daquilo que é seu é o Estado.
Assim, naquelas hipóteses especificadas na Constituição, e só
naquelas, tem o Estado legitimidade para impor sanções tributárias (art. 156, § 1o,
IPTU, art. 153 ITR) ou desapropriatórias (C.F., art. 184).
Mas não é só o Estado que está autorizado a cobrar do proprietário o
aproveitamento racional e adequado da propriedade.
Também o particular está legitimado a exigir do proprietário a utilização
social do bem.
De fato, pois, tratando-se de direito e dever individual como definiu a
Constituição, tal dever e sua exigência situam-se também na área do direito privado.
Assim se faça uma distinção.
A “função social da propriedade” a que aludia o art. 160 III da C. F. de
1969 e disposta atualmente no art. 170, III, da C.F. de 1988, é autorizativa da
intervenção administrativa na propriedade. Diversamente, no entanto, é a outra
menção à “função social da propriedade”, uma inovação da C. F. de 1988 no art. 5o,
XXIII. Esta é legitimatória da atuação de particular na exigência ao proprietário para
que destine aproveitamento adequado a sua propriedade.
Já era esse o entendimento de Pontes de Miranda no regime da Carta
de 1967, quando comentava a função social da propriedade.
“A regra jurídica não é meramente programática. Quem
quer que
sofra prejuízo por alguém exercer o “usus” ferindo ou
ameaçando o bem-estar social pode invocar a norma, inclusive para as
ações cominatórias”.
Pontes de Miranda – Comentários à Constituição de 1967 – p. 47
Assim, o terceiro efeito prático a se mencionar é que, inserindo a
função social da propriedade no art. 5o, entre os “direitos e deveres individuais”, a
Constituição criou dever ao proprietário para que dê aproveitamento adequado do que
é seu .
Concluindo, função social da propriedade,
pois, é dever do
proprietário (C. F. art. 5o, XXIII), é dever imediato (C. F. art 5o, § 1o ), dever irrevogável
(C. F. art. 60, § 4o, IV).
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5. EFEITOS DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ART. 5o, XXIII SOBRE A
LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
Como é da sabença geral, a legislação infraconstitucional não se
confronta com a nova Constituição.
Não há conflito de normas. Apenas a nova Constituição revoga o que
lhe é contrário e recepciona o que está a seu acordo.
Sendo a função social da propriedade um dever instituido entre os
direitos e garantias fundamentais, no art. 5o da C.F., tem aplicação imediata, não
precisando de legislação comum para ser aplicado, conforme determina o § 1o do art.
5o da Constituição.
Portanto, concluindo, a aplicação da legislação, complementar e
ordinária, relativa à propriedade e posse deve incluir a exigência de função social da
propriedade, pois é um dever criado pela nova Constituição de aplicação imediata.
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6. EFEITOS PRÁTICOS DO DEVER DE FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
(C. F., Art. 5o, XXIII) SOBRE LEIS ORDINÁRIAS DE POSSE E PROPRIEDADE.
A criação de um novo dever ao proprietário tem efeitos administrativos e
privados.
No campo do direito administrativo a Constituição instituiu a pena
máxima da perda da propriedade por desapropriação do imóvel rural que não cumprir
sua função social (art. 184), e penas mínimas de efeito tributário (art. 153 – art 156).
No campo do direito privado não havia, antes da C. F. de 1988,
qualquer conseqüência prática no fato de o proprietário não dar aproveitamento
adequado à propriedade.
Mas, com a criação deste dever, e com sua aplicação imediata
determinada pela Constituição, há de atribuir efeito prático a tal determinação.
Não se poderia punir o proprietário com a perda da propriedade, pois a
desapropriação privada é instituto desconhecido e não autorizado pela Constituição.
Todavia, se não se pode punir o desleixo e descaso do proprietário com
a perda da propriedade, deve-se puni-lo com a perda da posse.
De fato, no regime da função social da propriedade, instituído pela
Constituição de 1988, o proprietário que despreza a utilização adequada do que é seu
não pode ser considerado possuidor.
Já determinava o velho Cód. Civil de 1917 a perda da posse pelo
abandono da coisa (C.C. art. 520).
Foi além a Constituição de 1988. Penaliza menos que o abandono,
punindo também a subutilização do bem ou sua utilização inadequada.
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7. EFEITOS PRÁTICOS DO DEVER DE FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
(C.
F.,
ART.
5o,
XXIII)
SOBRE
OS
PROCEDIMENTOS
DE
AÇÕES
POSSESSÓRIAS, ESPECIALMENTE NO CASO DE INVASÕES.
Também a aplicação do Código de Processo Civil, de 1973, deve incluir
o cumprimento da nova Constituição Federal de 1988.
Particularmente os procedimentos de ações possessórias (C.P.C. art.
920), que sempre foram utilizados nas questões de disputas de terras, devem agora
ser aplicados conjugados com o dever de função social da propriedade.
Portanto, por aplicação direta do art. 5o, XXIII, da Constituição ao
proprietário que não cumpre o dever de função social não há direito à proteção
possessória estatal especial.
Processualmente falando, pode-se dizer que, no regime da função
social da propriedade, o pedido de reintegração de posse formulado pelo proprietário
de imóvel sem aproveitamento deve seguir o rito ordinário.
Em outras palavras, ao proprietário desleixado não cabe a defesa da
posse com a movimentação do Judiciário em regime especial ou de urgência.
Aliás, o Código de Processo, de 1973, já impunha o rito ordinário ao
possuidor relapso que defendia a sua posse passado o prazo de um ano e dia da
invasão (C.P.C., art. 924).
O Código só preve essa hipótese única realmente. Mas o Código de
processo é de 1973, ao passo que a Constituição é de 1988, e o dever de função
social da propriedade tem aplicação imediata, sem necessidade de regulamentação.
Assim, adotado o rito ordinário em relação à propriedade sem função
social: a) não é cabível liminar de reintegração ou manutenção de posse (C.P.C., art.
928); b) não é cabível preceito proibitório (C.P.C., art. 932); c) tampouco deve ser
julgada procedente “justificação de posse” (C.P.C., art. 929), pois o objeto desta audiência de
justificação são os requisitos gerais da defesa possessória (C.P.C., art. 928).
Ainda que se use o rito ordinário não se admite tutela antecipada
(C.P.C., art. 273). O impedimento decorre da idéia simples de que, se o imóvel não é
utilizado adequadamente pelo proprietário, não há porque se lhe deferir a posse do
bem no curso do processo.
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Eventual invasão e ocupação, por terceiros, de terras ou terrenos sem
uso aconteceram exatamente em razão de não ter dado o proprietário destino e
utilização apropriada ao imóvel quando isto era possível.
A cognição pelo juiz do cumprimento pelo proprietário do dever de
aproveitamento da propriedade deve dar-se no mesmo momento que verifica e
examina os demais requisitos da posse, tais como data do esbulho; caráter
clandestino ou precário da posse, etc., conforme o art. 928 do C.P.C. Vale lembrar
que é ao autor que incumbe provar a sua posse conforme o art. 927 do C.P.C.
Apenas tem direito à proteção e tutela jurisdicional urgente a
propriedade ameaçada que tem aproveitamento racional e adequado na forma do art.
186 da Constituição de 1988.
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8. CONCLUSÕES
Nos casos de invasões e ocupações de propriedade para que o Estado
conceda tutela por intermédio do Poder Judiciário e da Polícia Militar, há de ser exigida
do proprietário a demonstração “ab initio” e cabal de que a propriedade cumpre o
dever constitucional de aproveitamento adequado e racional, atendendo sua função
social.
Dessa maneira se evitariam reintegrações de posse em terras
improdutivas, áreas sem muros, sem cercados, terrenos baldios e vagos.
Tais reintegrações de posse ao proprietário são fonte de violência,
causando o desalijo de dezenas de pessoas.
São reintegrações despiciendas ao proprietário que do imóvel pouco
uso faz.
São custosas ao Judiciário que junto com a Polícia Militar arca com o
ônus da operação.
São inúteis à sociedade e à Justiça.
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9. PROPOSIÇÕES AO CONGRESSO DE PROCURADORES
No 1
A Constituição Federal de 1967–1969 – regulava a função social da
propriedade no título “Da Ordem Econômica e Social” (Título III, art. 160)
No 2
A Constituição Federal de 1988 inseriu a função social da propriedade
entre os direitos e deveres individuais (Título II - capítulo II, art. 5O )
No 3
As normas de ordem social e econômicas podem ser alteradas por via de
emenda à Constituição, ao contrário das normas de direitos e deveres
individuais (art. 5o, C.F. 88), que são cláusulas pétreas, não podendo ser
alteradas ou revogadas. (art. 60, § 4o, IV., C.F. 88)
No 4
As normas constitucionais de ordem social e econômica são, geralmente,
de caráter programático e principiológico da legislação complementar e
ordinária, ao contrário das normas de direitos e garantias individuais, que tem
aplicação imediata (art. 5o, § 1o, C.F. /88), não precisando de qualquer
regulamentação legislativa para serem aplicadas.
No 5
A partir da Constituição de 1988, destinar função social à sua propriedade
é dever individual do proprietário (art. 5o, XXIII – título II – cap I, C.F. /88),
dever imediato (art. 5o, § 1o, C.F. /88) dever irrevogável (art. 60, § 4o, IV, C.F.
/88).
No 6
A aplicação da legislação ordinária, como o Cód. Civil de 1917 e o Cód
Processual Civil de 1973, deve incluir a aplicação imediata do dever social do
proprietário de destinar função socialmente adequada a sua propriedade (C.F.,
art 5o, XXIII; C.F. art 5o, § 1o)
No 7
Por aplicação imediata do art. 5o, XXIII da C. F. / 88, o proprietário que não
cumpre com o dever de destinar função social à sua propriedade deve ser
punido com a perda da posse (Cód. Civil, art. 520, conjugado com art. 5o,
XXIII, da C.F. )
No 8
Por aplicação imediata do art. 5o, XXIII, da C.F. / 88, a ação de
reintegração de posse do proprietário que não cumpre com o dever de
destinar função social a sua propriedade deve seguir o rito ordinário, vedada
antecipação de tutela (Cód. Proc. Civ., art. 924; art. 273; conjugado com art.
5o, XXIII, da C.F. / 88)
No 9
Por aplicação da garantia constitucional do direito de propriedade, em caso
de ocupações possessórias por terceiros, é legítima, ao proprietário, a
manutenção de posse da área não ocupada, mediante defesa preventiva por
empresa de vigilância ou similar (Cód. Civ. art. 502, mantido pelo art. 5o, XXIII,
da C.F. 88)
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BIBLIOGRAFIA

Vários autores
“O Império e a Lei 601 de 1850 – Lei de Terras”
“Notas sobre os Registros Paroquiais”
“A Lei de Terras e a Abolição”
In “Atlas Fundiário do Rio de Janeiro”
Edição Secretaria de Estado de Assunto Fundiário e Assentamentos Humanos –
Rio de Janeiro-1991

Luis Boni e Rovilio Costa
“Far La Merica”
“A presença italiana no Rio Grande do Sul”
Edição Riocell – Porto Alegre-1991

Pontes de Miranda
Comentários a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil
Ed. Guanabara – Rio de Janeiro
Comentários a Constituição Federal de 10 novembro de 1937
Irmãos Pongetti editores – 1938 – Rio de Janeiro
Comentários a Constituição de 1946
Henrique Cahen Editor
1a edição – Rio de Janeiro
Comentários a Constitução de 1967
Com a emenda no 1 de 1969
2a edição, Revista
Editora Revista dos Tribunais
16
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