Caracterizações morfológica e química da água de - SIGAA

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SCIENTIA PLENA
VOL. 7, NUM. 9
2011
www.scientiaplena.org.br
Procedimentos discursivos na fala e na escrita de
Itabaiana/SE: estratégias de evidencialidade/modalização
oracionais de primeira pessoa do singular1
J. C. Peixoto1; R. M. Ko. Freitag1
1
Grupo de Estudos em Linguagem, Interação e Sociedade, Departamento de Letras, Universidade Federal de
Sergipe, 49500-000, Itabaiana-SE, Brasil
[email protected]
(Recebido em 12 de março de 2011; aceito em 22 de junho de 2011)
À luz dos pressupostos teóricos do Funcionalismo Linguístico norte-americano e da Sociolinguística
Variacionista, analisamos as estratégias evidenciais/modalizadoras oracionais de primeira pessoa do
singular, na língua falada e escrita de Itabaiana/SE, especificamente a construção “acho que”. Por meio de
análise quantitativa, cujos dados foram retirados do Banco de dados do Grupo de Estudos em Linguagem,
Interação e Sociedade (GELINS), concluímos que a construção “acho que” está em processo de
gramaticalização. Impulsionado pela frequência de uso, a construção assume novos traços semânticos e
funcionais, comportando-se como marcador de opinião e marcador de dúvida.
Palavras-chave: Gramaticalização, marcador de opinião, marcador de dúvida.
Based on North American Functionalism and Variacionist Sociolinguistics theoretical assumptions we
analyzed clausal modalization/evidential strategies of 1st singular person – specify “acho que” – in
Itabaiana‟s spoken and written language. In a quantitative approach data collected from GELINS data
bank are analyzed. We conclude that “acho que” construction is in grammaticalization process: increased
by frequency of use the construction takes on new semantic and functional features, becomes as opinion
marker and a doubt marker.
Keywords: Grammaticalization, opininion marker, doubt marker.
1. INTRODUÇÃO
Estudos recentes apontam evidências de que pode estar surgindo um sistema de marcas
evidenciais no português brasileiro, por meio do processo de gramaticalização. O fenômeno é
responsável pela emergência de funções gramaticais que certos itens e construções inseridos em
um determinado contexto linguístico passam a desempenhar, ou seja, determinadas palavras ou
construções, em contextos linguísticos específicos, passam a assumir funções diferentes da que
desempenhava anteriormente [1], [2]. Mas o que são marcas evidenciais?
A evidencialidade é uma categoria gramatical que, nas palavras de Bybee, Perkings &
Pagliuca [3], indica algo sobre a fonte de informação da proposição. Para estudar algumas
dessas marcas, consideramos que “a evidencialidade é uma categoria modal que pode ou não
estar se gramaticalizando”, conforme postula De Haan [2]. Já a modalidade é a categoria
gramatical responsável por codificar as atitudes do falante em relação ao conteúdo proposicional
da sua fala, como a sua adesão ou não ao conteúdo proposicional. Uma das formas de realização
da modalidade língua é por meio de certas formas e expressões cristalizadas, as quais
denominamos modalizadores.
Assumindo
estas
premissas,
neste
trabalho
analisamos
as
construções
evidenciais/modalizadoras constituídas por verbo de cognição/percepção flexionado na primeira
pessoa do singular, retiradas de entrevistas sociolinguísticas que compõem o banco de dados do
GELINS, como em (1):
1
O presente trabalho é resultado da execução de plano de trabalho do projeto Procedimentos discursivos
na fala e na escrita de Itabaiana/SE: estratégias de evidencialidade/modalização (PIBIC/UFS),
coordenado pela Profa. Dra. Raquel Meister Ko. Freitag.
091502-1
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2
(1) Eu acho que a educação brasileira ainda não está adequada, isso acontece na minha opinião,
porque os adolescentes e os jovens não dá o devido valor para a educação. (M9-1)
No exemplo (1) acima, a construção acho que introduz o conteúdo proposicional,
funcionando tanto como um marcador de opinião como de evidencialidade, conceitos que serão
mais aprofundados adiante. O falante, ao empregar tal construção, deixa sua marca de
pessoalidade, ou seja, a evidência de que a origem da informação é primária, além do forte grau
de adesão ao enunciado. Assim, esta investigação busca especificamente analisar as construções
evidenciais/modalizadoras oracionais de primeira pessoa do singular, além de: 1) contribuir com
a coleta de dados para compor o banco de dados de fala e escrita do GELINS; 2) analisar o
banco de dados de escrita do GELINS em busca das formas evidencialidade/modalização; 3)
proceder à coleta, codificação e quantificação das formas de evidencialidade/modalização,
realizando análises estatísticas [4]; 4) fornecer subsídios para propostas de abordagem para o
ensino de língua materna contemplando as constatações do uso das estratégias de
evidencialidade/modalização, em consonância com as diretrizes dos Parâmetros Curriculares
Nacionais.
2. UMA VISÃO SOCIOFUNCIONALISTA
O quadro teórico no qual nosso trabalho está inserido abarca postulados tanto do
Funcionalismo Linguístico norte-americano, quanto da Sociolinguística Variacionista
Laboviana, um somatório conceitual denominado de Sociofuncionalismo. [5]
É preciso, inicialmente, entendermos qual a perspectiva de língua apreendida pela
Sociolinguística e pelo Funcionalismo. Para a Sociolinguística Variacionista Laboviana, o que
interessa é a língua em sociedade, pois é nela que a língua varia constantemente, devido ao seu
caráter de dinamicidade. Dentro desse contexto, é a língua vernácula que constitui seu objeto de
análise. De forma semelhante, a corrente funcionalista da linguagem, concebe a língua como
instrumento de interação social por meio da qual os falantes desenvolvem competência
comunicativa, voltada para o processamento da informação e estabelecimento da comunicação
[6]. Tendo em vista que a língua é concebida de formas bastante semelhantes pela
Sociolinguística e pelo Funcionalismo e que as duas correntes teóricas consideram importante a
frequência de uso das formas linguísticas em processo de mudança, “a conciliação entre os
quadros teóricos variacionista e funcionalista é viável e frutífera...” [7].
Considerando que o Funcionalismo associa as mudanças linguísticas à gramaticalização e que
esta ocorre na língua em uso, como postula a Sociolinguística, propomos demonstrar, de acordo
com os postulados dessas correntes, o processo de gramaticalização da construção
evidencial/modalizadora oracional de primeira pessoa do singular “acho que”, em função de
determinados fatores condicionantes, de natureza linguística e extralinguística.
2.1 A SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA
A denominação de Sociolinguística, à área da Linguística destinada a estudar a relação
existente entre língua e sociedade, firmou-se em 1964, em um congresso realizado por William
Bright. Propôs ainda que o objeto de tal campo do conhecimento fosse à diversidade linguística.
Apesar de Bright ter contribuído consideravelmente para o desenvolvimento da
Sociolinguística, é o americano William Labov quem de fato a enriquece. Nessa perspectiva,
seu objeto de análise é a língua vernácula de uma comunidade de fala, ou seja, a língua que
usamos diariamente para quaisquer situações. A Sociolinguística Variacionista tem como
precursor William Labov, “o modelo de análise proposto por Labov apresenta-se como uma
reação ao modelo gerativo. Foi, portanto, William Labov quem, mais veementemente, voltou a
insistir na relação entre língua e sociedade e na possibilidade, virtual e real, de se sistematizar a
variação existente e própria da língua falada. [8], [9]
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Como mencionado, a língua varia. “Nesse sentido, entende-se que “variantes linguísticas”
são, portanto, diversas maneiras de se dizer a mesma coisa e com o mesmo valor de verdade. A
um conjunto de variantes dá-se o nome de “variável linguística” [10].
Labov contribui fundamentalmente para o desenvolvimento dos estudos sociolinguisticos. Já
em 1963, publicou o trabalho que realizou sobre a comunidade da ilha de Martha‟s Vineyard, no
qual “relaciona fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude ao comportamento
linguístico manifesto dos vineyardenses” [8]. O foco desta análise foi a realização dos ditongos
/ay/ e /aw/. Mas é no ano seguinte que Labov postula uma teoria bastante impactante. Em 1964,
a pesquisa que Labov realizava acerca da estratificação social do inglês em New York chega ao
fim e é através dela que o americano “fixa um modelo de descrição e interpretação do fenômeno
linguístico no contexto social de comunidades urbanas – conhecido como Sociolinguística
Variacionista ou Teoria da Variação” [8].
Nessa perspectiva, Labov constitui como objeto da Sociolinguística “a língua tal como usada
na vida diária, por membros da ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas
discutem com seus cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos” [9].
Ou seja, a língua vernácula. Percebemos, então, que a língua nos oferece uma gama de
possibilidades para nos comunicarmos de forma adequada às várias situações em que podemos
estar inseridos, além de nos oferecer múltiplas maneiras de dizermos a mesma coisa, , as
variantes lingüísticas [10], as quais, ao formarem um conjunto, constituem uma variável
linguística. É dentro desse contexto que nos valemos da Sociolinguística Variacionista
Laboviana para analisarmos as estratégias de evidencialidade/modalização oracionais de 1ª
pessoa do singular, sobretudo a construção “acho que”. Isso porque, tal área de conhecimento
possibilita-nos descrever fenômenos de variação e mudança linguística e a buscar seus fatores
condicionantes.
2.2 O VIÉS FUNCIONALISTA
A corrente funcionalista, diferentemente da formalista, preocupa-se com o uso da linguagem.
Nesse sentido, concentra-se também nos conceitos de gramática e de gramaticalização. “A
gramática é concebida como sistema adaptativo, emergente, cujas regras são motivadas no
contexto comunicativo, baseadas em estratégias e princípios de uso” [6] A gramaticalização, por
sua vez, é definida como o processo de mudança linguística que se dá através da regularização
gradual, pela qual um item frequentemente utilizado em contextos comunicativos particulares
adquire função gramatical e pode, uma vez gramaticalizado, adquirir ainda mais funções
gramaticais (ou novas funções)” [7].
Isto é, a gramática está em constante mudança, a qual é motivada pelo uso de determinadas
construções. Assim sendo, a gramática não é estável, tampouco fixa, está a todo o momento
sofrendo alterações. Essas ocorrem pelo fato de que a língua é dinâmica, sofrendo modificações
de acordo com cada indivíduo.
Tanto a Sociolinguística quanto o Funcionalismo Linguístico norte-americano concebem a
língua como um sistema flexível e heterogêneo, que se modifica através do uso que os
indivíduos fazem. É nesse sentido que investigamos como as construções verbais passam a
marcar evidencialidade/modalização, ou seja, o distanciamento e a origem da informação em
relação ao falante. E, sobretudo, analisamos a gramaticalização da construção “acho que”,
enfatizando a importância da frequência de uso como impulsionadora do processo, e de fatores
de natureza social na caracterização de mudanças via gramaticalização.
Na próxima seção, apresentamos os conceitos de evidencialidade e de modalidade, a fim de
entendermos melhor a dimensão da nossa pesquisa.
3. A EXPRESSÃO DA MODALIDADE E EVIDENCIALIDADE
Diferentemente do que muitos pensam, modalidade e modalização possuem conceitos
diferentes, embora haja estudiosos que os tratem indistintamente [11]. Neste trabalho, também
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trataremos a modalidade e a modalização indistintamente, por acreditarmos que os dois
conceitos são muito próximos ou mesmo interligados.
Os gramáticos clássicos já teciam suas considerações a respeito do que hoje se denomina
modalidade. Os modelos lógicos estabelecem, especialmente, noções como: “a) A distinção
entre a proposição de dictum e a de re, que está na base da distinção entre os dois tipos de
estruturas modais dos enunciados ; b) O estabelecimento de dois eixos conceptuais básicos, o do
conhecimento e o da conduta.” [12]
Quanto ao de dictum e ao de re, é relevante mencionar que o primeiro é “o componente
proposicional, construído de sujeito + predicado”, enquanto o segundo é o “componente modal
ou modus, que é uma avaliação sobre o dictum.” [13]
Quanto à manifestação da modalidade, tal procedimento discursivo pode ser expresso:
a)
Por um verbo
A1 - auxiliar modal
A2 -de significação plena, indicadores de opinião, crença ou saber;
b)
Por um advérbio [...] que também pode associar-se a um verbo
auxiliar modal;
c)
Por um adjetivo em posição predicativa;
d)
Por um substantivo;
e)
Pelas próprias categorias gramaticais (tempo/aspecto/modo) do verbo
da proposição [...] frequentemente associadas, por sua vez, a lexemas
modalizadores. [12]
Entendemos por modalização certas estratégias linguísticas das quais os indivíduos se
utilizam para falar, consoante o propósito a que a comunicação se destina em determinado
momento, ou seja, “conforme a intenção comunicativa” [12]. Essas estratégias revelam até que
o ponto o falante aprova o que ele mesmo disse.
Já os marcadores de evidencialidade “indicam algo sobre a fonte de informação da
proposição” [13], ou seja, marcam a relação do falante com a origem da informação da
proposição. Em construções oracionais com verbo de percepção/cognição de primeira pessoa do
singular, por exemplo, a origem da informação é primária, como em (2).
(2) Bom, eu acho que a família é a base de to/ de tudo na vida, que a família é a base de tudo,
porque, porque nós precisamos da família, por/ pois, pois amigos nós temos, mas os principais
amigos são os da nossa família. (se ita mcj 11)
No trecho retirado do banco de dados do GELINS, a construção “acho que” atua com função
evidencial/modalizadora. Formalmente, é constituída pelo verbo achar, flexionado na primeira
pessoa do singular e do complementizador “que”, introdutor oracional (presente na maioria das
ocorrências). A forma é uma marca evidencial porque atribui a origem da informação a uma
fonte primária, tendo em vista a flexão de primeira pessoa do singular. É também uma
expressão modalizadora, devido ao fato de que o falante se utilizou dessa forma mediante sua
intenção de opinar a respeito de algo, revelando também o forte grau de adesão do informante
em relação ao conteúdo proposicional expresso.
Formas como a que vimos, empregadas em determinados contextos, podem exercer novas
funções. No exemplo acima, “acho que” exerce a função de marcador de opinião, preparando o
interlocutor para o que será dito posteriormente, o conteúdo proposicional. Tal construção pode
funcionar também como um marcador de dúvida, em contextos em que o falante não tem
certeza da veracidade do que irá dizer, expressando a não adesão do falante ao conteúdo
proposicional. Ao utilizar “acho que”, o falante deixa claro que não tem certeza daquilo que foi
dito, o que implica um grau de adesão muito baixo em relação ao conteúdo proposicional. O
exemplo (3) ilustra essa situação.
(3) ...e aí agora com o pessoal do oitavo que é o pessoal que tá se formando... elas aglutinaram
as pessoas juntaram as pessoas que... tavam no projeto da professora Josefa e o de Ana e que
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tem interesse... de tentar um mestrado... e aí a gente tem nesse grupo acho que na faixa de dez
quinze pessoas... né? (se ita fp sq 02)
No trecho, o falante não sabe ao certo a quantidade de pessoas que compõem o grupo
interessado em fazer mestrado. Como não quer se comprometer com a informação, vale-se da
expressão em destaque, que, neste contexto, funciona como marcador de dúvida, para informar
o número (incerto) de participantes do grupo.
Como se pode ver, “acho que” – e também outras construções oracionais de primeira pessoa
do singular como “eu acredito”, “eu creio”, “eu penso”, por exemplo – são utilizadas para
marcar a adesão do falante em relação ao conteúdo proposicional. A depender da situação, essas
construções revelam um maior ou menor grau de adesão, de credibilidade em relação ao
conteúdo proposicional, além de expressar a origem da informação, que é relevante no
nivelamento da aprovação do conteúdo proposicional.
Em uma perspectiva funcionalista, a forma “acho que” é visto como um operador
argumentativo de nível 3, ou seja, atua no nível da proposição (já que o verbo achar é factivo, e
a relação de factividade se estabelece no nível da proposição). Nesse sentido, a construção
“capta os mecanismos gramaticais pelos quais o falante especifica sua atitude em relação ao
conteúdo proposicional. Essa atitude pode referir-se à avaliação pessoal do falante, ou ao seu
comprometimento com o conteúdo proposicional Xi, ou pode ainda dar uma indicação do tipo
de evidência que o falante tem para garantir a exatidão do conteúdo proposicional.”[14]
Nessa perspectiva, podemos distinguir entre as modalidades proposicionais subjetiva e
evidente [14]. Para nós, “acho que” faz parte das duas classificações, tendo em vista que
apresenta características condizentes a ambas, e é por isso que estamos tratando as construções
como evidenciais/modalizadoras. Ou seja, há uma avaliação e um certo grau de adesão do
falante em relação ao conteúdo proposicional, bem como a marcação da origem do conteúdo
proposicional veiculado.
Formas como as mencionadas anteriormente, principalmente “acho que”, tomando como base
os postulados sociofuncionalistas, podem estar passando por um processo de gramaticalização.
Isto é perceptível ao compararmos contextos nos quais a forma pode assumir sentidos
diferentes. Vejamos os exemplos:
(4) Eu acho chiclete em todos os lugares em que me sento.
(5) Eu acho um absurdo o comportamento daquele advogado.
Em (4), a forma em destaque apresenta-se em seu sentido pleno, isto é, possui o mesmo traço
semântico de “eu encontro”. Entretanto, em (5), “acho” assume um novo sentido e,
consequentemente, uma nova função. Assume o traço semântico de “na minha opinião”, por
exemplo, e é utilizado justamente para introduzir uma opinião.
Essa nova possibilidade de uso e ao grande número de ocorrências de tal natureza são o
sustentáculo da nossa hipótese de gramaticalização de “acho que”. A forma altera o traço
semântico e a função de acordo com a utilização que o falante faz.
3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O VERBO ACHAR COM FUNÇÃO
EVIDENCIAL/MODALIZADORA
Em uma perspectiva funcionalista, “a gramática é concebida como sistema adaptativo,
emergente, cujas regras são motivadas no contexto comunicativo, baseadas em estratégias e
princípios de uso” [6], o que implica “a constante renovação do sistema linguístico – percebida,
sobretudo, pelo surgimento de novas funções para formas já existentes e de novas formas para
funções já existentes” [1]. Nesse sentido, é pertinente tecermos algumas considerações a
respeito do verbo achar, a fim de entendermos melhor a hipótese investigada por nós de que a
forma “acho que” está se gramaticalizando.
O verbo achar apresenta sentido cognitivo e, assim, relaciona-se à modalidade epistêmica. É
ainda classificado como factivo, tendo “a propriedade de implicar, por parte do falante, a
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pressuposição de que a proposição completiva é factual (isto é, o fato expresso na oração
completiva é verdadeiro)” [12]. Sendo um factivo epistêmico, o verbo achar é considerado
também um verbo de dizer ou verbo dicendi, cuja função é introduzir aquilo que será dito; uma
pergunta, uma informação, uma opinião, além de outros.
Quanto à carga semântica, o verbo pleno achar assemelha-se aos verbos encontrar e
descobrir. Contudo, novos valores semânticos têm sido atribuídos, devido a um possível
processo de gramaticalização. Nessa perspectiva, é provável que “achar‟, inserido na construção
“acho que” assuma traços semânticos genéricos aos verbos acreditar, considerar/crer, julgar,
pensar, notar/perceber, opinar e, consequentemente, passe a exercer funções novas, como
marcador de opinião, de percepção, marcador de dúvida e de incerteza; funções constituídas a
partir de construções verbais que marcam, apontam uma opinião, uma observação e uma
incerteza do falante acerca de algo; além de ser uma marca do grau de adesão do falante em
relação ao enunciado. Os exemplos (4) e (5), na seção anterior, explicam bem o exposto.
As construções com o verbo achar, como “eu acho (que)” podem sofrer interveniência
através dos chamados materiais intervenientes, classificados em leves e pesados; são rotuladas
de material interveniente leve as palavras “até” e “só” e de material interveniente pesado as
palavras e expressão “assim”, “também‟, „ainda”, e “pra mim” [2]. Esses elementos propiciam
uma carga semântica maior à forma. Em ocorrências do tipo “eu acho pra mim”, por exemplo,
há uma pessoalidade ainda maior, pois o falante usa duas marcas bastante individuais.
Tendo em vista que a língua é um sistema dinâmico e heterogêneo, o que confere à gramática
um caráter emergente, há posicionamentos favoráveis no tocante à gramaticalização do verbo
achar [2]. Todavia, há ideias divergentes a respeito. Não é o verbo achar que passa pelo
processo de gramaticalização, “mas sim uma construção muito específica, que é a construção
acho (que), cristalizada na primeira pessoa do singular do tempo presente do modo indicativo.”
[2]
Entretanto, para que quaisquer construções sejam realmente gramaticalizadas, é necessário
um uso constante destas. Isto é, a frequência de uso é a impulsionadora do processo de
gramaticalização [2]. Esta ideia justifica-se pela hipótese “de que haveria relação entre a
frequência de uso e o aparecimento na gramática.” [15]. Em nossa pesquisa, também nos
valemos de dados quantitativos, a fim de comprovar a hipótese de gramaticalização da forma
“acho que” na fala e na escrita da cidade de Itabaiana/SE. Salienta-se que há outras formas que
também podem assumir as funções de marcador de opinião, de dúvida e de percepção (esta
última refere-se a observações que o falante faz acerca de algo e as expressa em seus
enunciados).
Assim, a forma “acho que” pode funcionar tanto como marcador de opinião quanto como
marcador de dúvida, de acordo com o propósito comunicativo que tem em mente. [12] Na seção
seguinte, tecemos algumas considerações acerca de tais funções.
3.2 FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELA CONSTRUÇÃO “ACHO (QUE)”
A construção “eu acho (que)”, realizada com o verbo achar, se analisada pelo viés semânticodiscursivo, é classificada como um operador argumentativo, funcionando como marcador de
opinião e de percepção e marcador de dúvida e incerteza [2]. Quanto à função de
marcador de opinião, em algumas situações “acho (que) introduz uma opinião que não é
pessoal, mas coletiva [...] algumas opiniões são subjetivas (relativas à marca linguística
“eu”), porém somente na aparência. Essas opiniões representam o senso comum, são
princípios políticos morais, religiosos que norteiam determinados grupos sociais. O
locutor os incorpora fazendo-os parecerem seus. [...] em outras situações, o (eu) “acho”
(que) marca a presença de uma informação compartilhada. É uma proposição geral,
aceita pelo senso comum.” [16]
A construção “acho que” é classificada ainda,“como marca da enunciação,
especificamente como um marcador de opinião constituído por expressão verbal” [2]. Além de
ser considerada um marcador discursivo [2], é “bem possível que [a forma] „acho que‟ ocorra
em contextos discursivos em que o falante precisa (re) formular suas ideias, ou seja, precisa de
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um tempo para processamento e (re)organização do seu discurso, e que, durante o
processamento, ele abandone no meio do caminho alguma coisa” [2].
Ao utilizar a referida forma de marcador de opinião, o falante tem um maior
comprometimento com o que foi dito, se a compararmos em contextos em que funciona como
marcador de dúvida. Nesse caso, há a veiculação de uma informação incerta, por esse motivo o
grau de adesão ao conteúdo proposicional é bem menor. Há, entretanto, outras formas além de
“acho que”, que desempenham as mesmas funções, apresentadas na seção a seguir.
3.3 PROPOSTA DE ANÁLISE
Nesta seção, apresentamos outras formas que, assim como “acho que”, funcionam como
marcador de opinião e de dúvida. “[...] Sistemas linguísticos estão em constante transformação.
Formas linguísticas são potenciais candidatas à fonte de processos constitutivos das línguas
entre os quais os processos de gramaticalização.” [17]. Comprovamos a ideia da autora pelo fato
de que na língua portuguesa existem verbos de significado pleno “cujo conteúdo se dirige
diretamente para a configuração da processualidade existente no mundo extralinguístico” [18],
que assumem novos significados, e consequentemente, desempenham novas funções. Como
vimos na seção anterior, um bom exemplo é o verbo achar. Alguns desses verbos são utilizados
muito frequentemente, o que implica um processo de gramaticalização. Nessa perspectiva, é
bem possível que a construção de primeira pessoa do singular “acho que” esteja se
gramaticalizando. Em diversos contextos, essa construção tem assumido novas funções
(marcador de opinião e marcador de dúvida), o que fortalece nossa hipótese.
Há, todavia, outras formas que desempenham a função de marcador de opinião. Assim como
“acho que”, as formas “pra mim”, “eu creio” e “eu vejo” atuam como
evidenciais/modalizadoras, tendo em vista que antecedem o conteúdo proposicional, expressam
a origem da informação contida no enunciado bem como o grau de aprovação do falante em
relação ao que disse. Com exceção da forma “eu vejo” (que também ocorreu desempenhando a
função de marcador de percepção), as duas outras formas anteriormente apresentadas,
ocorreram em nosso corpus apenas como marcador de opinião. Os marcadores de percepção
possuem o mesmo caráter que os de opinião e os de dúvida. A diferença básica é que, por meio
destas formas, o falante declara observações acerca de determinado assunto ou fato. Nos
exemplos abaixo, trechos retirados do banco de dados do GELINS, podemos observar melhor o
que foi dito.
(6) Então pra mim essa política de cotas que foi adotado na Universidade pra mim eu não
tenho o que reclamar eu eu acho que deva ser assim mesmo... (se ita mp lq 03)
(7) Como eu falei... não adianta você fazer por fazer você tem que se dedicar... chegando no
terceiro período eu eu creio que em qualquer curso você já tem a noção do que vai ser pra
frente... você só continua se quiser... (se ita mb lq 01)
(8) Acho que todo curso tem né? os seus fatores positivos e negativos (hes) o que eu vejo como
negativo e particularmente na minha formação... já que sou da primeira turma e tem um déficit
muito grande com relação... aos nossos estudos relacionados à área... que a gente diz a geografia
física... (se ita fp sq 02)
Nos exemplos acima, os operadores argumentativos em destaque funcionam como marcador
de opinião. Os falantes utilizaram-se destas formas levando em consideração o propósito de
expressar seus pontos de vista acerca de determinados assuntos. Como as formas estão
flexionadas na primeira pessoa do singular, há um forte grau de adesão em relação ao conteúdo
proposicional, tendo em vista que a fonte de informação é primária. Nos trechos elencados
abaixo, apresentamos a forma “eu vejo” assumindo o papel de marcador de percepção.
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(9) Então o curso de geografia... é um curso que eu vejo como apesar de muita gente achar que
é FÁCIL que é um curso que... ler MUITO mas é simples assim como deve acontecer
tamBÉM... pra o pessoal de letras... é um curso muito bom... (se ita fp sq 02)
(10) Considerando que são trinta que ta formando então a gente tem mais ou menos cinquenta
por cento que pretende tá... né? tenatando mestrado ainda uma parte esse ano outra parte o outro
então... eu vejo que há um interesse muito grande de continuar e eu acho que a responsabilidade
é do próprio curso... (se ita fp sq 02)
Em (9), o falante declara que observa, diferentemente de muitas pessoas, que o curso de
Geografia é muito bom e que apresenta dificuldades, embora nem todos acreditem nisso. Em
(10), por sua vez, o informante nota o interesse dos colegas de curso em fazer um mestrado. A
percepção do falante, em ambos os casos, se verifica através do emprego de “eu vejo”.
Os exemplos acima são uma pequena parte dos dados que coletamos. Salienta-se ainda que
vamos nos concentrar apenas na análise quantitativa da construção “acho que”, tendo em vista
que as formas “pra mim” e “eu creio” ocorreram somente funcionando como marcadores de
opinião; já a forma “eu vejo” registrou um número insuficiente de ocorrências para que nós
possamos analisá-la em uma perspectiva quantitativa. A seguir, apresentamos a metodologia
que guiou a análise.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A fim de analisar quantitativamente o fenômeno em estudo, utilizamos dados coletados de
dois bancos de dados: Entrevistas Sociolinguísticas e Fala & Escrita, vinculados ao Grupo
Linguagem, Interação e Sociedade (GELINS). Para a coleta, adotamos a metodologia
empregada pela Sociolinguística Variacionista [9], [19], assim como é feito pelo VARSUL
(Variação Linguística Urbana na Região Sul do Brasil) e pelo VALPB (Variação Linguística no
Estado da Paraíba), como forma de possibilitar a comparação de resultados entre as variedades
linguísticas.
Após coletados, passamos às etapas de codificação e de quantificação dos dados. Para a
primeira etapa, criamos uma sigla que representasse cada fator condicionante. Essas siglas são
importantes para a realização da segunda etapa. Os dados, representados pelas siglas, foram
quantificados pelo pacote estatístico GOLDVARB X [4], a partir do qual os resultados foram
apresentados em forma porcentagem, o que nos permitiu a elaboração de gráficos para uma
melhor apreensão acerca de nossa investigação. Na seção a seguir, apresentamos os resultados
que obtivemos.
5. ANÁLISE QUANTITATIVA: VERIFICANDO A HIPÓTESE DE
GRAMATICALIZAÇÃO DA FOFMA “ACHO QUE”
Nesta seção, apresentamos os resultados obtidos, a partir dos quais poderemos comprovar a
hipótese que sustenta o nosso trabalho: a gramaticalização de “acho que”. Os gráficos
apresentam os resultados fatores condicionantes dos fatores controlados, em função das
ocorrências de cada forma. As seções que seguem apresentam os resultados para cada fator
condicionante. Antes, porém, apresentamos um mapeamento geral de todas as formas e funções
encontradas em nossos dados, vinculadas à expressão da evidencialidade/modalização.
5.1 FORMAS VERBAIS DE PRIMEIRA PESSOA DO SINGULAR EXPRESSANDO
EVIDENCIALIDADE/MODALIZAÇÃO
A expressão da evidencialidade/modalização pode ser desempenhada por construções
oracionais de primeira pessoa do singular com verbos de cognição/percepção, como achar, crer
e ver, além da expressão “pra mim”; essas formas são associadas às funções de marcador de
opinião, de dúvida e de percepção. Tais formas foram mapeadas entre as 280 ocorrências que
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
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obtivemos no corpus. A partir desse mapeamento, elaboramos gráficos, a fim de expor mais
claramente os dados.
Vejamos, no gráfico da figura 1, a distribuição destas formas e suas respectivas funções na
amostra analisada.
Funções desempenhadas
100
80
60
40
20
0
acho que
marcador de opinião
pra mim
marcador de dúvida
eu creio
eu vejo
marcador de percepção
F
igura 1: Formas que desempenham as funções de marcador de opinião, de dúvida e de percepção.
O rótulo “acho que” agrupa outras construções oracionais de primeira pessoa do singular, tais
como “eu acho”, “eu achava que”, estou achando”, “eu me achava”, “eu acho assim que” e
“achando que”, as quais não tinha relevância estatística para figurarem como uma categoria à
parte. Também sob o rótulo da construção “eu vejo” foi agrupada mais uma construção; “eu
vejo assim que”. Tal agrupamento deve-se ao fato da baixa ocorrência das construções
mencionadas. A distribuição dos dados no gráfico da figura 1 aponta que as expressões “pra
mim” e “eu creio” desempenham apenas a função de marcador de opinião. “Eu vejo”, por sua
vez, desempenha tanto a função de marcador de opinião quanto a de marcador de percepção.
Como marcador de opinião, a construção atingiu o percentual de 18,2%, o que corresponde a 4
ocorrências, já como marcador de percepção, o índice alcançado foi de 81,2%, correspondendo
a 18 ocorrências. Segundo os dados obtidos, “acho que”, também desempenha duas funções;
marcador de opinião e marcador de dúvida, sobressaindo a primeira função.
Chegamos, assim, à conclusão de que as formas “pra mim” e “eu creio”, individualmente,
estão em uma relação de 1:1, ou seja, uma forma para desempenhar uma função, sem
possibilidade de variação. “Acho que” e “eu vejo”, analisadas de maneira individual, estão em
uma relação de 1:2, isto é, uma forma que assume duas funções, incorrendo, assim, em variação
da forma na expressão da função. Como nosso enfoque é variacionista, optamos por, nas seções
que seguem, analisar apenas a ocorrência da forma “acho que” na expressão da função de
evidencialidade/modalização, visto que esta fora a forma que mais computou ocorrências,
permitindo uma análise quantitativa com vistas a estabelecer as relações existentes entre a forma
e as funções de marcadores de opinião e de dúvida nos diferentes contextos.
Cabe ressaltar, mais uma vez, que a construção “acho que” agrupa outras construções
oracionais de primeira pessoa do singular, tais como “eu acho”, “eu achava que”, estou
achando”, “eu me achava”, “eu acho assim que” e “achando que”. Também dentro da
construção “eu vejo”, foi agrupada mais uma construção; “eu vejo assim que”. Tal
agrupamento deve-se ao fato da baixa ocorrência das construções mencionadas.
5.2 FATORES SEMÂNTICO-DISCURSIVOS
Os fatores de natureza semântico-discursiva envolvimento do sujeito com o conteúdo
proposicional, concretude do conteúdo proposicional, valor factual do conteúdo proposicional
e tipo de sequência discursiva podem nos dar pistas da variação de “acho que” na expressão das
funções de marcador de dúvida e de opinião.
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
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Como vimos na seção 3, ao falarmos a respeito de qualquer coisa, frequentemente opinamos,
questionamos ou temos alguma dúvida. Nesses momentos, nos utilizamos de certos artifícios
linguísticos que nos ajudam a codificar a atitude/avaliação sobre o conteúdo proposicional; os
modalizadores. Estes apontam também o nosso nível de envolvimento em relação àquilo que
dissemos. Em outras palavras, se temos certeza do que estamos falando, nos comprometemos
mais efetivamente com o que dissemos. Entretanto, se não estamos certos de determinada
informação e, ainda assim, comentamos algo a respeito, é bem provável que nós não nos
envolvamos tão fortemente com o que falamos.
Nessa perspectiva, atribuímos valores bem diferentes aos marcadores de dúvida e aos
marcadores de opinião. Ao utilizarmos a primeira subfunção, geralmente, queremos expressar
mais certeza do assunto do qual falamos, enquanto que a segunda é usada quando não queremos
expressar muita certeza sobre o assunto ou fato. Insere-se nesse quadro o envolvimento do
falante com o conteúdo proposicional. Quando estamos muito envolvidos com determinado
assunto ou fato, geralmente, temos mais dúvidas a respeito. Já quando o nosso envolvimento é
menor, temos uma visão mais ampla dos acontecimentos e visualizamos, muitas vezes, coisas
que não são vistas por quem está diretamente inserido no assunto ou em determinada situação.
Controlamos o envolvimento do sujeito com o conteúdo proposicional para verificar a
recorrência das funções de marcador de opinião e de dúvida desempenhadas por “eu acho que”.
O resultado é apresentado no gráfico da figura 2.
Envolvimento do sujeito com o oconteúdo proposicional
100
50
0
menor envolvimento do sujeito
marcadores de opinião
maior envolvimento do sujeito
marcadores de dúvida
Figura 2: Relação entre o envolvimento do sujeito com o conteúdo proposicional e os marcadores de
opinião e de dúvida.
No gráfico da figura 2, o percentual de ocorrências registrado para os marcadores de opinião,
quando os informantes expressaram menor envolvimento com o conteúdo proposicional em
menor escala, foi de 93, 8%, o equivalente a 182 ocorrências, ao passo que o percentual de
ocorrências para os marcadores de dúvida foi de 6,2% ou 12 ocorrências. Em situações em que
os informantes expressaram maior envolvimento com aquilo que disseram, a função de
marcador de opinião associada à forma “eu acho que” foi de 88,1%, o que corresponde a 52
ocorrências, enquanto o percentual de marcadores de dúvida foi de 11,9%, o equivalente a 7
ocorrências.
Porque os marcadores de opinião foram utilizados pelos informantes em escala bem maior
que os de dúvida? Há relação entre esse maior uso e o envolvimento do falante com aquilo que
ele disse? Nossa hipótese é de que quanto mais envolvido com o conteúdo proposicional, mais
dúvida o indivíduo sentirá a respeito. Se compararmos o número de ocorrências de marcadores
de opinião às escalas de envolvimento do sujeito com o conteúdo proposicional, podemos
observar que quando o falante se envolveu menos com aquilo que falou, ele opinou mais, ao
passo que quando teve um envolvimento maior com o conteúdo proposicional, opinou menos. O
índice de ocorrências de marcadores de dúvida também foi alterado de acordo com o
envolvimento do falante. Quando houve um menor envolvimento do sujeito com o conteúdo
proposicional, o percentual de ocorrências de marcadores de dúvida foi menor, se comparado ao
índice de ocorrências da subfunção, quando houve um maior envolvimento por parte do
informante.
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
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Dentro desse contexto, um menor envolvimento por parte do sujeito com o conteúdo
proporcional implica em um maior uso de marcadores de opinião, enquanto que um maior
envolvimento do sujeito com aquilo que ele disse propicia uma maior ocorrência de marcadores
de dúvida. Mas, será apenas esse fator o responsável pela maior ocorrência de marcadores de
opinião em detrimento da ocorrência de marcadores de dúvida? É bem provável que não.
Para a nossa análise, controlamos a concretude do conteúdo proposicional [“+ concreto]/[concreto”]. De maneira simples, podemos comparar o conteúdo proposicional com traço [+
concreto] ao substantivo concreto e o conteúdo [– concreto~] ao substantivo abstrato. Esse fator
linguístico também é relevante para justificar a maior ocorrência de “acho que” como marcador
de opinião em detrimento da subfunção marcador de dúvida. O gráfico da figura 3 apresenta os
resultados que nos possibilitam verificar a ligação entre os traços de concretude e as ocorrências
das subfunções.
Os dados obtidos demonstram que o percentual de ocorrências de marcador de opinião,
85,7%, que corresponde a 12 ocorrências, foi registrado em casos de conteúdo proposicional [+
concreto], enquanto 14,3% das ocorrências, o equivalente a 2 dados, dizem respeito à subfunção
marcador de dúvida. Já o índice de ocorrências de marcador de opinião, 92,9% ,o equivalente a
222 ocorrências, se deu quando o conteúdo proposicional era [-concreto]. Em relação às
ocorrências de marcador de dúvida, o percentual atingido foi de 7,1%, o que corresponde a 17
ocorrências.
Conteúdo proposicional
100
80
60
40
20
0
conteúdo propocional mais concreto
marcador de opinião
conteúdo proposicional menos concreto
marcador de dúvida
Figura 3: Relação entre os traços de concretude do conteúdo proposicional e as ocorrências das
subfunções marcador de opinião e marcador de dúvida
Em suma, constatamos que o maior índice de ocorrência da subfunção marcador de opinião
foi registrado em situações cujo traço de concretude do conteúdo proposicional era menor, o que
implica dizer que um traço maior de concretude do conteúdo proposicional resultou numa
ocorrência menor de ocorrências de marcadores de opinião. Em outras palavras, o conteúdo
proposicional [+ concreto] possibilitou menos ocorrências de marcadores de opinião que o
conteúdo proposicional [– concreto]. Consequentemente, o traço [+ concreto] propiciou uma
maior ocorrência da subfunção marcador de dúvida, se comparado ao traço - concreto.
Saliente-se ainda que não só o envolvimento do sujeito com o conteúdo proposicional e os
traços de concretude relacionam-se às ocorrências de marcadores de opinião e de dúvida, mas
também o traço de modalidade, controlado via factualidade do conteúdo proposicional.
A factualidade do conteúdo proposicional sob o escopo dos evidenciais/modalizadores
também é um fator condicionante importante no que diz respeito à variação da forma “eu acho
que” no desempenho das funções de marcador de opinião e marcador de dúvida. Em vista disso,
nos atentamos, no corpus, aos contextos em que estavam inseridos os marcadores estudados, ou
seja, se o traço de modalidade presente nas orações sob o escopo de “eu acho que” eram fato ou
possível fato. e o quanto isto influenciava a ocorrência dos marcadores. No gráfico da figura 4,
podemos visualizar os resultados obtidos com o controle deste fator
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
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Fato ou possível fato
100
80
60
40
20
0
Fato
Possível fato
Marcadores de opinião
Marcadores de dúvida
Figura 4: Ocorrência de fato ou de um possível fato em relação aos marcadores de opinião e de dúvida
Os dados obtidos nos mostram que os marcadores de opinião registram menor ocorrência,
92,3%, o equivalente a 144 ocorrências, em contextos em que o traço de modalidade é
classificado como fato, ao passo que os marcadores de dúvida atingem um percentual de 7,7%
ou 12 ocorrências. Já em situações em que o traço de modalidade se refere a um possível fato,
os marcadores de opinião computam 92,8%, ou 90 ocorrências, enquanto os marcadores de
dúvida registram um percentual de 7,2%, o correspondente a 7 ocorrências. Se compararmos,
então, os percentuais de ocorrência de marcadores de opinião e de dúvida, levando em
consideração os diferentes traços de modalidade, percebemos que quando o traço de modalidade
é um fato, os informantes opinam menos e expressam mais dúvida do que em contextos em que
o traço de modalidade é um possível fato. Isso ocorre, provavelmente, por estarem mais
envolvidos com as situações relatadas, visto que o percentual de ocorrências de marcadores de
opinião também foi menor e o de marcadores de dúvida, maior, quando os informantes estavam
mais envolvidos com o conteúdo proposicional.
O tipo de sequência discursiva foi muito importante para a nossa investigação, pois um dos
nossos materiais de análise foram textos escritos pelos informantes. Numa produção textual oral
ou escrita, elaboramos textos narrativos, injuntivos, descritivos, opinativos e explanativos. Para
a nossa investigação, fizemos um reagrupamento dessas sequências discursivas e passamos a
considerá-las como sequências opinativas e não opinativas. Analisamos, então, a ocorrência de
marcadores de opinião e de dúvida em sequências opinativas e não opinativas.
Tipo de sequência discursiva
100
80
60
40
20
0
Sequência discursiva de opinião
Marcadores de opinião
Sequência discursiva de não opinião
Marcadores de dúvida
Figura 5: Marcadores de opinião e de dúvida em função do tipo de sequência discursiva
Em sequências discursivas de opinião, o índice de ocorrências registrado de marcadores de
opinião foi de 97,4%, o equivalente a 114 ocorrências, enquanto o percentual alcançado de
marcadores de dúvida foi de 2,6% ou 3 ocorrências. Em sequências discursivas de não opinião,
por sua vez, as ocorrências registradas de marcadores de opinião foram 88,2%, o equivalente a
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
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120 ocorrências, ao passo que as de marcadores de dúvida computaram 11,8% ou 16
ocorrências. Nessa perspectiva, os informantes utilizaram-se de uma maior quantidade de
marcadores de opinião em sequências opinativas. Se compararmos agora os dois índices de
marcadores de opinião, perceberemos que houve uma maior ocorrência em sequências
discursivas de não opinião.
Relacionando os dados obtidos às variáveis controladas, notamos que os marcadores de
opinião alcançaram um percentual maior de ocorrências em sequências discursivas de opinião
cujo traço de modalidade expresso foi um possível fato em que o conteúdo proposicional menos
concreto se fez presente e os informantes tiveram um menor envolvimento com aquilo que
falaram. Em outras palavras, os informantes opinaram com maior frequência sobre coisas
possíveis de acontecer, objetos, situações ou assuntos abstratos que, possivelmente, não dizem
respeito diretamente ou não dependem exclusivamente dos informantes, mas, de algo maior, de
uma estrutura organizacional maior, implicando em um menor respaldo, em um menor
envolvimento dos sujeitos com o que disseram. É dentro deste contexto que notamos uma
ocorrência maior de marcadores de dúvida em sequências discursivas de não opinião em que o
traço de modalidade presente foi um fato, cujo conteúdo proposicional mais concreto registrado
ocasionou um maior envolvimento dos sujeitos com o conteúdo proposicional, pois é comum
sentirmos mais dúvidas ao falarmos de situações com as quais estamos diretamente ligados, por
temos, geralmente, uma visão mais restrita dos acontecimentos.
Vimos então em quais contextos há uma maior ocorrência de marcadores de opinião e de
dúvida, mas quais as estruturas gramaticais que acompanham esses marcadores?
5.3 FATORES ESTRUTURAIS
Como fatores estruturais controlados na variação de “acho que” marcador de dúvida e
marcador de opinião, temos a posição do verbo e a presença/ausência de complementizador.
A posição do verbo dentro de uma frase é extremamente importante, na medida em que
sentidos e funções, por exemplo, podem ser alterados. Na análise de modalizadores, essa
variável se faz ainda mais importante, pois em uma unidade discursiva, “um segmento de texto
caracterizado semanticamente por preservar a propriedade de coerência temática de unidade
maior, atendo-se como arranjo temático secundário ao processamento informativo de um
subtema, e formalmente por se compor de um núcleo e de duas margens, sendo facultativa a
figuração destas” [20].
Cada margem da unidade discursiva em que o verbo pode posicionar-se apresenta certas
funções. “A margem esquerda não se limita a introduzir a UD, mas também tem um papel
relevante no estabelecimento e manutenção das relações entre os interlocutores e na sequência
tópica. No plano interacional, a margem esquerda permite definir e estabelecer os papéis
exercidos pelos interlocutores (falante e ouvinte) e a forma de atuação de cada um deles. No
plano da sequência tópica, esse segmento torna-se responsável pela coesão entre as partes do
tópico em andamento e pela introdução de novos tópicos e subtópicos.” [20]. A margem direita
não apresenta tantas funções como a esquerda, mas é por meio dela que “o locutor busca a
aprovação ou a concordância do interlocutor” [20]. Assim como as margens da Unidade
Discursiva, ao núcleo também cabe desempenhar certas funções. É no núcleo que estão
manifestados “os processos que caracterizam o modo pragmático da linguagem. Embora o
núcleo veicule o conteúdo proposicional (ou seja, a informação), em sua estruturação evidenciase a articulação modular, a formulação “aos jatos” que caracteriza a língua falada. Nessa
estruturação também se manifestam os “andaimes” da construção (representadas pelas marcas
de planejamento verbal) e os sinais da presença dos interlocutores (marcadores conversacionais
do falante e do ouvinte que se insinuam no núcleo).” [20]
As posições marginais e a nuclear desempenham algumas funções importantes para o
estabelecimento e a manutenção da comunicação entre interlocutores. Em vista disso,
analisamos quais as posições assumidas pelos marcadores de opinião e de dúvida em nosso
corpus.
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
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Ao analisarmos os resultados do gráfico da figura 6, percebemos que 96,8% dos verbos
integrados à oração ou de posição nuclear desempenharam a função de marcador de opinião, o
equivalente a 30 ocorrências, ao passo que 3,2% funcionaram como marcador de dúvida, o que
corresponde a 1 ocorrência. Quanto à posição marginal esquerda, obtivemos o seguinte
resultado: 92,2% ou 202 ocorrências dos verbos parentéticos iniciais funcionaram como
marcador de opinião, enquanto 7,8%, o que equivale a 17 ocorrências, assumiram o papel de
marcador de dúvida. Os verbos parentéticos finais, por sua vez, funcionaram como marcador de
opinião em 66,7% das ocorrências, o equivalente a 2 ocorrências e como marcador de dúvida,
em 33,3% ou 1 ocorrência.
Posição do verbo
100
80
60
40
20
0
Verbo integrado à oração
Verbo parentético inicial ou
marginal esquerdo
Marcadores de opinião
Verbo parentético final ou
marginal direito
Marcadores de dúvida
Figura 6: Posição do verbo ao assumir as funções de marcador de opinião e de dúvida
Analisando valores absolutos, notamos que o maior índice de ocorrências é de verbos
parentéticos iniciais (aqueles que ocupam a margem esquerda, responsável, entre outras coisas,
pelo desenvolvimento da comunicação entre os participantes no processo de interação verbal).
Os verbos de margem esquerda atingem o índice total de 219 ocorrências, somadas as de verbos
que funcionam como marcadores de opinião e de dúvida. Assim, temos:
(10)Então... eu acho que o principal assim o que o que deveria ter ... entre a classe seria uma
união, né? (se ita fp sq 02)
Em (11), a informante fala a respeito da necessidade de haver união entre os colegas de
classe. Nesse caso, “acho que” funciona como um marcador de opinião (a informante opina a
respeito do assunto, quando questionada) e ocupa a margem esquerda, preparando o tópico que
ainda será dito. A próxima estrutura gramatical a que nos referimos anteriormente é o
complementizador verbal. De acordo com a Gramática Normativa, a palavra que pertence à
classe das conjunções sendo, então, uma palavra invariável, cuja função é ligar termos da
oração. Ou seja, a conjunção que complementa o verbo na medida em que introduz o conteúdo
proposicional. À medida que o processo de gramaticalização avança, o que é assimilado (cf.
FREITAG, 2003). Assim, o controle da presença vs. ausência do complementizador pode dar
pistas de qual das funções de “acho que” está mais gramaticalizada. O gráfico 7 mostra os
resultados da presença e a ausência do complementizador que em marcadores de opinião e de
dúvida.
Os dados computados no gráfico da figura 7 apontam que não houve ocorrência de
complementizador em 98,3% dos contextos em que foram utilizados marcadores de opinião, o
que corresponde a 57 contextos de ausência. Quanto aos marcadores de dúvida, o
complementizador não ocorreu em 1,7% ou em 1 contexto em que se utilizou marcador de
dúvida. Já a presença do complementizador foi registrada em 90,8% dos casos em que os
informantes utilizaram-se de marcadores de opinião, o correspondente a 177 ocorrências de que,
ao passo que em marcadores de dúvida, o complementizador ocorreu em 9,2% dos casos, o
equivalente a 18 ocorrências.
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
15
Complementizador
100
80
60
40
20
0
Ausência do complementizador
Marcadores de opinião
Presença do complementizador
Marcadores de dúvida
Figura 7: Ocorrências do complementizador que em marcadores de opinião e de dúvida
Ao analisarmos as ocorrências em números absolutos, verificamos que houve o
complementizador foi bastante empregado pelos informantes, pois, como mencionado, a
conjunção que antecede a real informação que o falante quer comunicar, como em (12).
(12)... eu acho que quando eu fiz pesquisa na área de Química me ajudou muito a estar
contribuindo e pensando assim em estar fazendo essas discussões estar tornando a aula diferente
né? (se ita fp lq 12)
No trecho retirado de uma das entrevistas realizadas com estudantes de nível superior, vemos
que o complementizador foi utilizado. Na situação, a informante fala sobre a importância da
pesquisa que ela fez, em que ela contribuiu para dinamizar suas aulas. “Acho que” funciona
como marcador de opinião e o complementizador que introduz o conteúdo proposicional, aquilo
que a informante realmente tem a dizer. Analisadas as variáveis linguísticas, passamos a
analisar as variáveis extralinguísticas.
5.4 FATORES EXTRALINGUÍSTICOS
Controlamos, como fatores extralingüísticos, o tipo da amostra e o sexo e escolaridade dos
informantes.Na amostra Fala & Escrita, registramos 94,0% de ocorrências de marcadores de
opinião, o que equivale a 47 ocorrências, no total. Ao passo que o percentual de 6,0% diz
respeito aos marcadores de dúvida, que numericamente equivale a 3 ocorrências. Ma amostra
Entrevistas Sociolinguísticas, por sua vez, o percentual de ocorrências registradas para a
subfunção marcador de opinião atingiu o índice de 92,1%, o que corresponde a 187 ocorrências,
enquanto o percentual de 7,9% alcançado refere-se à subfunção de marcador de dúvida, o que
equivale a 16 ocorrências. Essa diferença de percentuais entre as duas amostras deve-se ao fato
de que a segunda é mais extensa e, consequentemente, nos ofereceu um número maior de dados.
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
16
Tipo de amostra
100
80
60
40
20
0
Amostra Fala & Escrita
Amostra Entrevistas Sociolinguísticas
marcadores de opinião
marcadores de dúvida
Figura 8: Relação entre tipo de amostra e marcadores de opinião e de dúvida.
Nota-se também que as formas utilizadas pelos informantes desempenharam em escala bem
maior a função de marcador de opinião. Mas a que se deve isso? O sexo do informante também
é muito importante para o desenvolvimento da nossa investigação, pois, de acordo com os
estudos sociolinguísticos, homens e mulheres falam de maneiras diferentes, utilizando-se de
recursos linguísticos diferentes.
Sexo
100
80
60
40
20
0
Sexo feminino
Marcadores de opinião
Sexo masculino
Marcadores de dúvida
Figura 9: Influência do sexo em ocorrências de marcadores de opinião e de dúvida
Os dados apresentados no gráfico da figura 9 nos permitem perceber que o sexo feminino
emprega mais marcadores de opinião que o masculino. As mulheres empregaram 144
marcadores de opinião, o que corresponde a 94,7% das ocorrências, ao passo que utilizaram 8
marcadores de dúvida, ou 5,3% das ocorrências. Já os homens, utilizaram 90 marcadores de
opinião, o equivalente a 89,1% das ocorrências e 11 marcadores de dúvida, ou 10,9% das
ocorrências.
Em um sistema global tão avançado quanto esse em que estamos inseridos, faz-se cada vez
mais necessário indivíduos qualificados, que supram possíveis necessidades. Por isso as
instituições de ensino são tão importantes. A elas cabem formar cidadãos e profissionais
capacitados, que respondam positivamente às exigências da sociedade.
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
17
Dentro desse contexto, analisamos o quanto a variável escolaridade influencia na ocorrência
de marcadores de opinião e de percepção, pois acreditamos que quanto maior o nível escolar,
mais o indivíduo torna-se crítico e apto a opinar.
Escolaridade
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Nível de escolaridade até o 1° Nível de escolaridade até o 3°
ano do Ensino Médio
ano do Ensino Médio
Marcadores de opinião
Nível superior
Marcadores de dúvida
Figura 8: Relação entre escolaridade e ocorrência de marcadores de opinião e de dúvida
No gráfico da figura 10, o percentual de ocorrências de marcadores de opinião em entrevistas
realizadas com informantes que possuem até o 1° ano do Ensino Médio atingiu o índice de
97,2%, o que corresponde a 35 ocorrências. Já o percentual de marcadores de dúvida registrado
foi de 2,8%, o equivalente a 1 ocorrência. Em entrevistas realizadas com informantes que
estudam ou estudaram até o 3° ano do Ensino Médio, o percentual de ocorrências de marcadores
de opinião chegou a 85,7%, ou 12 ocorrências, em números absolutos. Enquanto o índice de
ocorrências de marcadores de dúvida foi de 14,3%, o equivalente a 2 ocorrências. Nas
entrevistas realizadas com informantes de nível superior completo ou em curso, foram
registradas 187 ocorrências de marcadores de opinião, o equivalente a 92,1%, já as ocorrências
de marcadores de dúvida alcançaram o percentual de 7,5%, o que corresponde a 16 ocorrências.
Se observarmos as ocorrências dos marcadores em números absolutos, percebemos que os
informantes de nível superior opinaram muito mais que os outros, há 187ocoorências de
marcadores de opinião. Nessa perspectiva, a hipótese de que quanto maior o nível de
escolaridade, mais apto a opinar o indivíduo se torna pode ser comprovada. O contato com
pessoas mais informadas, cuja visão de mundo é ampla desenvolve nos indivíduos um poder
maior de comunicação, o que os fazem opinar mais. Entretanto, os estudantes do 3° ano do
Ensino Médio deram menos opinião do que os que possuem até o 1° ano do Ensino Médio. Esse
fato se deu, possivelmente, por que a idade também interfere no poder comunicativo do
indivíduo. Geralmente quanto mais jovens, mais as pessoas gostam de falar, de lançar sua
opinião, essa é a possível razão através da qual podemos explicar a maior ocorrência de
marcadores de opinião em entrevistas de informantes que possuem até o 1° ano do Ensino
Médio em detrimento das entrevistas de informantes cujo nível de escolaridade é até o 3° ano.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise dos fatores condicionantes, verificamos que há uma grande recorrência da
forma de primeira pessoa do singular “acho que”. No corpus, a forma em estudo funciona tanto
como marcador de opinião quanto como marcador de dúvida, contudo, a frequência de uso é
bem maior ao assumir a primeira função mencionada.
J. C. Peixoto, R. M. Ko. Freitag, Scientia Plena 7, 091502 (2011)
18
Quadro1: Contextos de uso de “acho que” marcador de opinião e marcador de dúvida
Grupo de fatores condicionantes
Marcador de opinião
Marcador de dúvida
Envolvimento do sujeito com o
conteúdo proposicional
Menor envolvimento
Maior envolvimento
Conteúdo proposicional
[- concreto]
[+ concreto]
Traço de modalidade
Possível fato
Fato
Tipo de sequência discursiva
Sequências opinativas
Sequências não opinativas
Posição do verbo
Verbo integrado à oração
Verbo em posição marginal
esquerda
Verbo em posição marginal
esquerda
Verbo em posição marginal
direita
Verbo em posição marginal
direita
Complementizador
Presença de complementizador
Presença de complementizador
Amostra
Fala & Escrita
Fala & Escrita
Entrevista Sociolinguística
Entrevista Sociolinguística
Sexo
Feminino
Masculino
Escolaridade
Maior nível de escolaridade
Menor nível de escolaridade
Nesse sentido, podemos afirmar que a hipótese de gramaticalização da forma de primeira
pessoa do singular “acho que” se confirma, na fala e na escrita de Itabaiana-SE, corroborando a
ideia de que “não há gramática como produto acabado, mas sim constante
gramaticalização.”[1].
1.
2.
3.
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