R. Vilão 1.2.4 Electromagnetismo Introdução Laplaciano O laplaciano de um campo escalar φ é um operador diferencial de segunda ordem que corresponde à divergência do gradiente desse campo: lap φ = div(grad φ) = ∇ · ∇φ = ∇2 φ (1.27) O uso do operador ∇ permite-nos obter imediatamente as componentes cartesianas do operador laplaciano: ∇2 φ = ∂ 2φ ∂ 2φ ∂ 2φ + + 2 ∂x2 ∂y 2 ∂z (1.28) Significado fı́sico Através de um desenvolvimento em série de Taylor em torno de um ponto r0 , é possı́vel demonstrar que o laplaciano nesse ponto é proporcional à diferença entre o valor médio φ̄ do campo no elemento de volume em torno do ponto e o valor φ0 do campo em r0 . Este resultado permite-nos interpretar imediatamente as equações que contenham o operador laplaciano. Um exemplo particularmente importante é o da equação de Laplace que (conforme veremos mais adiante na disciplina), governa o potencial electrostático no vazio: ∇2 V = 0 (1.29) Esta equação basicamente informa-nos então que o valor médio do potencial em torno de um ponto P é igual ao valor do potencial no próprio ponto P. 9 R. Vilão 1.2.5 Electromagnetismo Introdução Alguns resultados importantes Seguem-se alguns resultados particularmente importantes: O rotacional do gradiente de um campo escalar V é nulo. ∇ × (∇V ) = 0 (1.30) Deste modo, a um campo vectorial V cujo rotacional seja nulo pode ser associado, com imensas vantagens de cálculo, um campo escalar φ. É o que acontece, por exemplo, com o campo electrostático E, a que se associa o potencial electrostático V , convencionando-se, conforme veremos no decurso da disciplina, E = −∇V . A divergência do rotacional de um campo vectorial A é nula. ∇ · (∇ × A) = 0 (1.31) Assim, a um campo vectorial B cuja divergência seja nula também pode ser associado, com algumas vantagens de cálculo, um outro campo vectorial A. Conforme veremos, é o que acontece, por exemplo, com o campo magnetostático B, a que se pode associar o potencial vector A, convencionando-se B = ∇ × A. Um campo vectorial numa região do espaço pode ser completamente especificado através da sua divergência e do seu rotacional e de um conjunto adequado de condições fronteira. No electromagnetismo, os campos eléctrico e magnético são comummente especificados pela respectiva divergência e rotacional, pelo que este resultado assume grande importância. Faremos dele uso abundante. A condição fronteira exigida é a especificação da componente normal do campo na fronteira da região. Se, conforme acontece nas situações típicas do electromagnetismo, a região se estender até ao infinito, o campo vectorial é completamente especificado pela sua divergência e pelo seu rotacional, desde que tenda apropriadamente para zero no infinito.2 2 Este último resultado é conhecido por teorema de Helmholtz. Para uma demonstração detalhada, consultar D. J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics, 3rd edition, Prentice-Hall (1999), p. 555. 10 R. Vilão 1.2.6 Electromagnetismo Introdução Equações de Maxwell Esta revisão dos operadores diferenciais justifica-se pelo facto de as leis básicas do electromagnetismo poderem ser escritas de forma muito compacta e elegante na forma de um conjunto de equações diferenciais que relacionam os campos eléctrico E e magnético B com as densidades de carga ρ e de corrente j presentes. Trata-se das célebres equações de Maxwell, que constituem o principal objecto de estudo desta disciplina e que apresentamos desde já: ∇·E= ρ 0 ∇×E =− ∂B ∂t ∇·B=0 c2 ∇ × B = ∂E j + ∂t 0 (1.32) (1.33) (1.34) (1.35) Estas equações traduzem as propriedades básicas dos campos eléctrico e magnético, e já eram praticamente todas conhecidas antes de Maxwell: a lei de Coulomb (eq. 1.32), a inexistência de cargas magnéticas (eq. 1.34), a lei de Faraday (eq. 1.33) e a lei de Ampère-Maxwell (eq. 1.35). No caso estático (∂E/∂t = 0, ∂B/∂t = 0), as equações de Maxwell reduzem-se a dois pares de equações, que envolvem os campos eléctrico e magnético separadamente, e que correspondem a dois domı́nios importantes designados electrostática e magnetostática. Há toda a vantagem em estudá-los separadamente, dando depois lugar ao estudo da electrodinâmica. 11 R. Vilão Electromagnetismo 12 Introdução Capı́tulo 2 Electrostática 2.1 Lei de Coulomb Na Natureza existem dois tipos básicos de cargas eléctricas, ditas cargas positivas e cargas negativas. A interacção básica entre duas cargas eléctricas q1 e q2 em repouso conduz a uma força (dita força de Coulomb) que tem as seguintes propriedades: • diminui com o quadrado da distância r entre as cargas; • aumenta proporcionalmente a cada uma das cargas presentes; • actua na direcção r̂ da linha que une as cargas; • é repulsiva entre cargas do mesmo tipo e atractiva entre cargas de tipos diferentes. Estas propriedades podem ser sintetizadas matematicamente na expressão da lei de Coulomb para a força F21 que actua na carga q2 devido à carga q1 : F21 = k q1 q2 r̂21 r2 (2.1) em que r̂21 = (r2 − r1 )/r e r = |r2 − r1 |, sendo r2 e r1 as posições das cargas q2 e q1 , respectivamente. k é uma constante, dita constante de Coulomb que depende do sistema de unidades utilizado. No sistema internacional (SI), k costuma exprimir-se em função de uma outra constante 0 , designada permitividade eléctrica do vazio: k= 1 4π0 13 (2.2) R. Vilão Electrostática Electromagnetismo 0 é designada permitividade eléctrica do vazio e o seu valor é, por definição: 0 = 107 ∼ 8.85 × 10−12 F/m 4π c2 onde c = 299 792 458 m/s é a velocidade da luz no vazio 2.2 (2.3) 1 . Princı́pio da sobreposição e campo eléctrico A lei de Coulomb traduz a força entre duas cargas eléctricas em repouso mas não responde à questão: existe alguma alteracção a essa força na presença de uma terceira carga? A resposta é: não. Isto significa que a força resultante na terceira carga Q devido à interacção com as duas cargas iniciais q1 e q2 corresponde simplesmente à soma (vectorial) das forças entre Q e q1 , e Q e q2 , consideradas separadamente: FQ = FQ1 + FQ2 = k qi Q q1 Q q2 r̂Q1 + k 2 r̂Q2 = Q k 2 r̂Qi = QEQ 2 rQ1 rQ2 rQi q (2.4) i Esta propriedade importante da força de Coulomb é conhecida por princı́pio da sobreposição. Daqui segue também a definição, com vantagem, do campo eléctrico EQ na posição da carga Q, devido às outras cargas presentes: EQ = k qi qi r̂Qi 2 rQi (2.5) O conhecimento do campo eléctrico numa dada zona do espaço permite-nos determinar a dinâmica de uma carga Q que lá seja colocada: FQ = QEQ 1 (2.6) Actualmente, no SI, o valor da velocidade da luz no vazio é definido, e é deste valor e da definição de segundo que decorre a definição do metro. 14 R. Vilão 2.2.1 Electromagnetismo Electrostática Aproximações macroscópicas A carga eléctrica encontra-se quantificada na Natureza. As cargas conhecidas constitutem múltiplos inteiros da carga elementar2 , correspondente à carga do protão: e = 1.602176462(63) × 10−19 C (2.7) Esta carga elementar é de tal forma reduzida em comparação com as cargas envolvidas em muitos dos processos eléctricos que se torna útil em muitas situações tomar as distribuições de carga como sendo aproximadamente contı́nuas. Esta abordagem tem a vantagem de se poder utilizar a ferramenta poderosa do cálculo diferencial e integral. É costume definir-se assim a densidade (volúmica) de carga, ρ: ρ= dq dτ (2.8) O campo eléctrico criado por uma distribuição ρ de carga obtém-se a partir da equação (2.5) considerando: qi → dq = ρ(r)dτ (2.9) e aproximando a soma de todas as cargas por uma soma de Riemann, i.e., por um integral em todo o volume τ onde se define ρ: → qi (2.10) τ A equação (2.5) pode assim ser reescrita: E= k τ ρ(r)dτ r̂ r2 (2.11) Podem-se obter expressões análogas para outras distribuições em que a carga esteja concentrada em regiões reduzidas do espaço, podendo ser descrita aproximadamente por densidade superficiais ou até lineares de carga, σ e λ, respectivamente: 2 O protão é constituı́do por quarques, cuja carga é e/3 ou 2e/3, mas os quarques não existem isolados na Natureza. Mas se existissem (existirem) isolados, isso também não alteraria o princı́pio da quantificação da carga. 15 R. Vilão Electromagnetismo E= k σ(r)dS r̂ r2 (2.12) k λ(r)dl r̂ r2 (2.13) S E= 2.3 2.3.1 l Electrostática Lei de Gauss Linhas de Campo Uma ferramenta usada frequentemente para facilitar a visualização do campo eléctrico é a noção de linhas de campo, que divergem a partir das cargas positivas e convergem em cargas negativas, sendo tangentes ao campo em causa em todos os pontos do espaço. As linhas de campo podem assim ser determinadas através da equação: êx êy êz dl × E = 0 ⇔ dx dy dz = 0 Ex Ey Ez (2.14) Figura 2.1: Representação das linhas de campo de um carga pontual. À medida que nos afastamos da origem do campo, a densidade de linhas de campo (linhas de campo por unidade de área) vai diminuindo com o inverso do quadrado da distância. 16