UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE - UFRN PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO – PROGRAD CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA MÚCIO MAGNO DE ALBUQUERQUE ROSENDO JÚNIOR MUSICOGRAFIA BRAILLE E SUA IMPORTÂNCIA NA INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA EDUCAÇÃO MUSICAL NATAL 2010 MÚCIO MAGNO DE ALBUQUERQUE ROSENDO JÚNIOR MUSICOGRAFIA BRAILLE E SUA IMPORTÂNCIA NA INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA EDUCAÇÃO MUSICAL Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciatura em Música. ORIENTADORA: Profª Lazaro de Carvalho NATAL 2010 Drª. Valéria MÚCIO MAGNO DE ALBUQUERQUE ROSENDO JÚNIOR MUSICOGRAFIA BRAILLE E SUA IMPORTÂNCIA NA INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA EDUCAÇÃO MUSICAL Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciatura em Música. Aprovado em: ____/_____/_____ BANCA EXAMINADORA ____________________________________ Prof.ª Dr.ª Valéria Lazaro de Carvalho Orientadora Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN ____________________________________ Prof.º Dr.º Jean Joubert Freitas Mendes Membro Examinador Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN _____________________________________ Prof.ª Esp.ª Catarina Shin Lima de Souza Membro Examinador Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Dedico este trabalho primeiramente a Deus, pois sem Ele, nada seria possível. À minha mãe Estela, minha irmã Isis e Minha esposa Stephany pelo esforço, dedicação e compreensão, em todos os momentos desta e de outras caminhadas. Múcio Magno AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus, por ter me dado força para enfrentar e superar os obstáculos que encontro em minha vida. Aos meus familiares pela ajuda carinho e atenção, pessoas que sempre foram exemplos de coragem, determinação e perseverança. Aos alunos Carlos, Pablo e Luiz que estiveram presentes e colaboraram na realização desse trabalho e que buscam a cada dia vencer obstáculos. Agradeço à minha orientadora, Professora Valéria Lazaro de Carvalho, Que contribuiu bastante com sua paciência e com quem aprendi conceitos fundamentais para o desenvolvimento desta monografia, sendo indispensável para o sucesso deste trabalho. A todos que colaboraram direta ou indiretamente para a concretização deste sonho. Para vocês, ofereço esta página... Que os versos do dia-a-dia formem os mais belos poemas da poesia da vida... Muito obrigado a todos! Múcio Magno "Se os meus olhos não me deixam obter informações sobre homens e eventos, sobre idéias e doutrinas, terei de encontrar outra forma." Louis Braille RESUMO Este trabalho apresenta um estudo sobre a importância da Musicografia Braille para a inclusão de pessoas com deficiência visual na Educação Musical, buscando compreender o sistema musicográfico e apresentar algumas contribuições para a área. A Musicografia em Braille é o sistema que possibilita às pessoas cegas a utilização dos fragmentos musicais para a sua aprendizagem. Para realização deste trabalho buscamos fundamentação teórica com autores Elizabet de Sá, Michael Farrell, Dolores Tomé e Fabiana Bonilha. Esse sistema é ainda pouco desenvolvido na educação musical, por isso é tão importante ser explorado, pois sua aplicabilidade possibilita o acesso à inclusão de deficientes visuais na educação musical. A metodologia adotada privilegiou a pesquisa exploratória, e os dados coletados foram analisados mediante a elaboração de um relato de experiência desenvolvido na Casa Talento, uma instituição que tem como finalidade social oferecer o ensino básico da música e lutheria de excelência para crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social, proporcionando desenvolvimento pessoal e criando a possibilidade de profissionalização. Palavras-chave: Musicografia Braille. Educação Inclusiva. Educação Musical. Deficientes Visuais. ABSTRACT This paper presents a study on the importance of Braille music in the inclusion of people with visual impairment in Music Education, seeking to understand the system music and present contributions to the area. The Braille music is the system that enables blind people to use the musical fragments for their learning. For this study, we sought with the theoretical foundation of the authors, Elizabet de Sá, Michael Farrell, Dolores Tomé and Fabiana Bonilla. This system is still underdeveloped in music education, so it's important to be explored, because its application allows access to the inclusion of visually impaired people in music education. The methodology focused exploratory research, and data collected were analyzed by preparing a report of experience developed in house talent, which aims to offer social education of music and luthería of excellence for children, adolescents and young people in social vulnerability, providing personal development and creating the possibility of professionalization. Keyword: Braille Music. Inclusive Education. Music Education. Visually Impaired. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Sonografia e Cela Braille.................................................................. 19 Figura 2 Cela ou Célula Braille....................................................................... 20 Figura 3 Ordem Braille.................................................................................... 21 Figura 4 Sistema Braille.................................................................................. 22 Figura 5 Quadro básico de Musicografia Braille............................................. 28 Figura 6 Orquestra Talento gravando seu primeiro DVD no TAM..................30 Figura 7 Alunos da Escola de lutheria da Casa Talento................................. 31 Figura 8 Carlos utilizando a Musicografia Braille .......................................... 33 Figura 9 Pablo executando uma leitura rítmica através da Musicografia Braille......................................................................... 34 Figura 10 Luiz Carlos em um dos encontros de estudo.................................. 35 Figura 11 Partitura convencional em alto-relevo............................................ 37 Figura 12 Cela Braille....................................................................................... 38 Figura 13 Representação das escalas............................................................. 39 Figura 14 Representação das figuras musicais em alto-relevo...................... 39 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 10 2 SITUAÇÃO PROBLEMÁTICA............................................................... 12 3 OBJETIVOS............................................................................................ 13 3.1 OBJETIVO GERAL................................................................................. 13 3.2 OBJETIVO ESPECÍFICO........................................................................ 13 4 DEFICIÊNCIA VISUAL........................................................................... 14 5 INCLUSÃO DO DEFICIENTE VISUAL NA EDUCAÇÃO MUSICAL..... 16 6 O SISTEMA BRAILLE............................................................................ 19 6.1 ESCRITA E LEITURA BRAILLE............................................................. 23 7 A MUSICOGRAFIA BRAILLE................................................................ 25 8 PROJETO SOCIAL CASA TALENTO................................................... 29 9 RELATO DE EXPERIÊNCIA.................................................................. 10 A PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICO-MUSICAIS........................ 36 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 41 REFERÊNCIAS 42 ANEXOS 44 32 10 1 INTRODUÇÃO Esta monografia apresenta um estudo sobre o recurso da Musicografia Braille como ferramenta para inclusão de pessoas com deficiência visual na educação musical. O objetivo é refletir sobre a importância do sistema em altorelevo, sua característica e contribuição para uma aprendizagem significativa em música. A partir da utilização desse sistema, podemos aumentar as possibilidades das pessoas com deficiência visual ao acesso a música, gerando autonomia e independência na aprendizagem musical. O presente estudo foi idealizado e desenvolvido com o propósito de tornar o ensino musical acessível aos deficientes visuais por meio da Musicografia Braille. Esse sistema é um recurso significativo para alcançar objetivos educacionais. A finalidade da Musicografia é justamente de possibilitar o contato com a música através do código de leitura musical para deficientes visuais. Ter um ensino de música adequado para pessoas com D.V. (deficiente Visual) é um grande desafio. Com a escassez de cursos de capacitação e materiais, estudantes e professores de cursos de graduação em música não têm quase nenhum contato com a Musicografia Braille. A escolha do tema deveu-se pela importância que tem no cenário social/educacional e porque é bem sabido que para realizar o ensino de Musicografia Braille é necessário buscar métodos e desenvolver materiais para obtenção dos resultados. É por isso que o trabalho tem relevância, não somente pela importância que terá na educação musical, mas também para a promoção de integração social dessas pessoas. Quanto à escolha do assunto deveu-se pela relação profissional que o pesquisador tem com a Musicografia Braille e porque o trabalho possibilitará conhecimento de teoria e aprofundamento de estudos anteriormente realizados, que a partir dessas informações a serem levantadas terá capacidade de prestar conhecimento e ensino de qualidade, gerando acessibilidade em educação musical. Por outro lado, o estudo servirá como fonte de pesquisa e também de contribuição para cursos de graduação em música. 11 Para construir este trabalho, iniciamos com a situação problemática observada na educação musical. Na seqüência do estudo estão inseridos, os objetivos - geral e especifico, onde estão descritos os passos que serão seguidos na construção do trabalho e com os quais se propôs alcançar o êxito da pesquisa. Para tratar do tema apresentado, dividimos em sete capítulos. Iniciamos com uma exposição sobre a deficiência visual, suas características e definições. Na segunda parte, refletimos sobre a inclusão dos deficientes visuais na educação musical ressaltando a importância desse processo e os avanços já alcançados. Dando continuidade, na terceira parte, abordamos as discussões sobre o sistema Braille e a importância da Musicografia Braille na Educação Musical, com definições, surgimento e forma de aplicação na música. Em seguida, na quarta parte, abordamos a Musicografia Braille na Educação Musical. Na quinta parte mostramos a produção de recursos didático-musicais e na sexta, dedicamos à caracterização do projeto social desenvolvido na Casa Talento. Na sétima parte, concluímos com um relato de experiência do pesquisador e seu conhecimento com a Musicografia Braille. Encerrando o estudo apresentamos nossas considerações finais, considerando as obras consultadas que constituíram as referências bibliográficas. 12 2 SITUAÇÃO PROBLEMÁTICA A Musicalização de pessoas com deficiência visual representa um dos maiores desafios na área da educação musical na atualidade. Para tanto, é necessário que profissionais da área sejam capazes de promover a inclusão desse público a uma educação musical de qualidade. A Musicografia Braille é um assunto emergente na educação musical devido à grande quantidade de deficientes visuais que se interessam em música, mas não têm oportunidade de se desenvolverem musicalmente, pois, faltam cursos e professores qualificados na área. Diante deste cenário, observa-se que a inclusão de pessoas com deficiência visual em música é de extrema importância não só devido às atuais políticas públicas sobre inclusão, mas por uma questão de integração social de pessoas que são tão capazes como outras quaisquer, quebrando o preconceito de que são incapazes de desenvolver atividades em artes, em especial a música. Neste contexto, o problema central deste estudo consiste em responder a seguinte pergunta: De que forma podemos contribuir para a inclusão de deficientes visuais na educação musical? 13 3 OBJETIVOS 3.1 GERAL Refletir sobre a importância da Musicografia Braille para a inclusão de pessoas com deficiência visual na educação musical. 3.2 ESPECÍFICOS Conhecer o sistema Braille. Compreender o sistema musicográfico. Apresentar as contribuições da Musicografia Braille para a inclusão de pessoas com deficiência visual na Educação Musical. 14 4 DEFICIÊNCIA VISUAL A falta de visão constitui uma das maiores perdas dos sentidos, por ser tão importante na relação com o mundo, que por sua vez, constitui-se de símbolos, gráficos, formas, e imagens que formam um determinado ambiente, sendo assim, a visão ocupa um lugar de destaque entre os outros sentidos, pois é responsável por integrá-los, permitindo a associação, por exemplo, entre som e imagem. Conforme os art. 3° e 4° do capítulo I do Decreto Federal 3.298, de 20 de dezembro de 1999, alterado pelo Decreto 5.296 de 02 de dezembro de 2004, entende-se que: Deficiência é todo e qualquer comprometimento que afeta a integridade da pessoa e traz prejuízos na sua locomoção, na coordenação de movimentos, na fala, na compreensão de informações, na orientação espacial ou na percepção e contato com as outras pessoas. (DECRETO 5.296, 2004) A deficiência gera dificuldades ou impossibilidades de execução de atividades comuns às outras pessoas, e, inclusive, resulta na dificuldade da manutenção de emprego. De acordo com o art.3°, inciso I do Decreto 3.298/99 “é necessária a utilização de equipamentos diversos que permitam melhor convívio, dadas as barreiras impostas pelo ambiente social”. A deficiência visual é caracterizada pela perda ou redução da acuidade do campo visual, os D.Vs. são divididos em dois grupos: Pessoa cega é aquela que possui perda total ou resíduo mínimo de visão, necessitando do método Braille como meio de leitura e escrita ou outros métodos, recursos didáticos e equipamentos especiais para o processo ensino-aprendizagem. Pessoa com baixa visão é aquela que possui resíduos visuais em grau que permitam ler textos impressos à tinta, desde que se empreguem recursos didáticos e equipamentos especiais, excluindo as deficiências facilmente corrigidas pelo uso adequado de lentes. Segundo Sá (2007) “A cegueira é uma alteração grave ou total de uma ou mais das funções elementares da visão que afeta de modo irremediável a 15 capacidade de perceber cor, tamanho, forma, posição ou movimento em um campo mais ou menos abrangente”. Muitas pessoas constroem conceitos errôneos a respeito das potencialidades mentais e auditivas dos D. Vs., acham que possuem memória e ouvidos extraordinários, ou seja, compensação devido à perda da visão. Na verdade o que há é um desenvolvimento das funções sensoriais por recorrerem a esses sentidos para decifrar e armazenar informações. Segundo Sá (2007): Cada pessoa desenvolve processos particulares de codificação que formam imagens mentais. A habilidade para compreender, interpretar e assimilar a informação será ampliada de acordo com a pluralidade das experiências, a variedade e qualidade do material, a clareza, a simplicidade e a forma como o comportamento exploratório é estimulado e desenvolvido. (SÁ, 2007, p. 16) Farrell (2008) complementa o exposto quando escreve que: A deficiência visual afeta o desenvolvimento social e emocional, o desenvolvimento da linguagem, o desenvolvimento cognitivo, a mobilidade e a orientação. A combinação desses efeitos sobre o desenvolvimento influencia o funcionamento e o potencial de aprendizagem da criança com deficiência visual.( FARREL 2008, p. 23) No próximo capítulo veremos como minimizar esses efeitos, através da inclusão de pessoas com deficiência visual na educação musical. 16 5 INCLUSÃO DO DEFICIENTE VISUAL NA EDUCAÇÃO MUSICAL A inclusão de pessoas com deficiência tem sido debatida com freqüência por educadores que visam à participação de pessoas com deficiência na escola regular. É notável a pouca participação desses alunos na educação musical. Para Mittler (2003), a inclusão é um processo de reforma e de reestruturação das escolas como um todo, e o objetivo é assegurar que todos os alunos possam ter acesso a oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela escola. Nas palavras de Booth (1999) vemos que a inclusão não pode ser considerada isolada da exclusão e define o autor, que a inclusão perpassa por dois processos. “É o processo de aumentar a participação dos aprendizes na escola e de reduzir a exclusão com relação ao currículo, à cultura e as comunidades das instituições educacionais”. (BOOTH,1999, p. 78). De forma equivalente, Ainscow (1999) caracteriza a inclusão deste modo: A agenda da educação inclusiva refere-se à superação de barreiras, à participação que pode ser experienciada por quaisquer alunos. A Tendência ainda é pensar em “política de inclusão” ou educação inclusiva como dizendo respeito aos alunos com deficiência e a outros caracterizados como tendo necessidades educacionais “especiais”. Além disso, a inclusão é frequentemente vista apenas como envolvendo o movimento de alunos das escolas especiais para os contextos das escolas regulares, com a implicação de que eles estão “incluídos”, uma vez que fazem parte daquele contexto. Em contrapartida, eu vejo inclusão como um processo que nunca termina, pois é mais do que um simples estado de mudança, e como dependente de um desenvolvimento organizacional e pedagógico contínuo no sistema regular de ensino. (AINSCOW, 1999, p. 218). É preciso que haja uma reforma nas escolas em termos de avaliação, pedagogia, currículo e formas de organização dos alunos nas atividades de sala de aula. 17 A história abaixo revela uma das muitas manifestações da defesa do direito de pessoas com deficiência à educação: Em uma cidade no sul do país, a mãe de um menino cego de nove anos que nunca tinha estudado decide matricular seu filho na escola. A escola, por sua vez, não aceita a matrícula, justificando que não estão preparados para ensinar um aluno cego: nenhum professor conhece Braille e a escola não possui os recursos necessários. Segura de seus direitos, a mãe procurou um procurador da república que, junto com a mãe, procurou a secretaria de educação do município. A secretaria esclareceu que, infelizmente, na cidade não tinha nenhum aluno cego na rede e ninguém que soubesse Braille, assim, não havia como atender àquele aluno. A solução encontrada em conjunto para garantir o direito daquele aluno foi que durante seis meses a prefeitura asseguraria o transporte do aluno a uma escola da cidade mais próxima e, durante aquele período, a secretaria realizaria a formação de professores (as) em Braille para que o aluno pudesse ser finalmente matriculado em uma escola de sua cidade. O resultado da iniciativa da mãe foi que, no ano seguinte, havia na cidade dez professores capacitados para ensinar Braille e ensinar em Braille e outras nove crianças e jovens cegos se matricularam na rede de ensino daquela cidade. (FÁVERO et al, 2009, p. 37) Experiências como esta são fundamentais para ser disseminado, servirem de modelo e mostrarem que a discriminação contra crianças e jovens alunos com deficiência não pode ser mais aceita como uma prática legítima nas escolas brasileiras. Além disso, a experiência acima ilumina como as parcerias entre prefeituras, escolas, famílias e os diversos setores da sociedade civil constituem um importante meio na busca de alternativas que garantam os direitos desses estudantes. (FÁVERO et al, 2009) Nesse contexto, os profissionais da área educacional musical devem contribuir de forma significativa e sistemática no desenvolvimento humano, e em particular as pessoas com deficiência visual na qual é abordada nesse trabalho. Em consonância a esse discurso Bonilha e Carrasco (2007) afirmam que: Compreende-se o aprendizado da Musicografia Braille, como um fator de independência na assimilação do repertório de obras musicais. Assim como os estudantes de Música que enxergam necessitam ser alfabetizados na grafia musical em tinta, os alunos com D. V. também devem ser capazes de ler e escrever partituras. Essa autonomia possibilita que essa população possa ter acesso à formação musical, comum a todas as pessoas, o que encontra em concordância com os pressupostos da educação inclusiva. (BONILHA, 2007, p.04) 18 Portanto, é de grande importância que educadores musicais tenham o acesso a essa ferramenta, que possibilita o acesso de pessoas com D.V a uma educação musical de qualidade. Bonilha e Carrasco (2007) também afirmam que: O acesso à Musicografia Braille é uma ferramenta indispensável para a inclusão dos alunos com deficiência visual em escolas de músicas regulares. Deve-se notar, entretanto, que tais escolas não oferecem recursos e condições para que os alunos com deficiência visual tenham acesso à leitura e escrita musicais em Braille, uma vez que a maioria dos professores, em sua formação, não adquire conhecimentos sobre a existência de um código musical usado pelos cegos. Disto decorre a necessidade de que se viabilize o atendimento educacional especializado a esses alunos, através do qual eles possam ter acesso a esse ensino. Essa modalidade de atendimento, tal como é concebido por Mantoan (2003), consiste em uma forma de apoio ao processo pedagógico, capacitando o aluno com deficiência para que ele seja inserido em ambientes educacionais inclusivos. (BONILHA, 2007, p. 04) Os educadores musicais quase sempre não dispõem de informações sobre o código musical em Braille. Nesse sentido, é necessário que eles tenham oportunidades de serem habilitados para poderem lecionar a essa população, tornando-se necessário nesse processo de ensino da Musicografia Braille a presença de professores do ensino regular, bem como a participação de “especialistas”, ou pessoas que se dediquem a estudar as peculiaridades do código (Bonilha, 2007; Carrasco, 2007) 19 6 O SISTEMA BRAILLE Criado por Louis Braile, em 1825, na França, o Sistema Braille é conhecido universalmente como código ou meio de leitura e escrita para pessoas cegas. Antes desse invento, registram-se inúmeras tentativas em diferentes países, no sentido de se encontrar meios que proporcionassem às pessoas cegas condições de ler e escrever. Louis Braille, ainda jovem estudante, tomou conhecimento de uma invenção denominada sonografia ou código militar, desenvolvida por Charles Barbier, oficial do exército francês. O invento tinha como objetivo possibilitar a comunicação noturna entre oficiais nas campanhas de guerra. Baseava-se em doze sinais, compreendendo linhas e pontos salientes, representando sílabas na língua francesa. A significação tátil dos pontos em relevo do invento de Barbier foi a base para a criação do Sistema Braille, aplicável tanto na leitura como na escrita por pessoas cegas e cuja estrutura diverge fundamentalmente do processo que inspirou seu inventor. Figura1: Sonografia e Cela Braille Fonte: IERC (2008) Somente dois anos após a sua morte em 1954 o código desenvolvido por Louis Braille foi reconhecido oficialmente pelo Instituto de Jovens Cegos de Paris, e passou a receber o nome de seu inventor. O sistema Braille constitui-se de seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas, possibilitando a formação de 64 (sessenta e quatro) combinações 20 possíveis, incluindo a cela vazia (quando não há pontos em relevo na cela), numerados de cima para baixo e da esquerda para a direita. Possibilitando sua aplicação em varias áreas do conhecimento como a literatura, nas simbologias matemática e científica, na música e, recentemente, na Informática. A figura 2 apresenta a representação do sistema Braille que por sua vez é constituído de seis pontos dispostos em duas colunas numeradas da esquerda para a direita. Figura 2: Cela ou Célula Braille Fonte: Departamento de Apoio à Inclusão - DAIN (2009) Estes 6 pontos formam 64 combinações diferentes, com as quais se repetem as letras do alfabeto, os sinais de pontuação, os números, a notação musical e científica. Louis Braille desenvolveu estudos que resultaram, em 1837, na proposta que determinou a composição básica do sistema, ainda hoje utilizada mundialmente. O Sistema Braille teve plena aceitação por parte das pessoas cegas, no entanto, algumas tentativas para a adoção de outras formas de leitura e escrita e, ainda outras, sem resultado prático, para aprimoramento da invenção de Louis Braille. Os símbolos fundamentais do Braille utilizados para as notações musicais foram, também, apresentados pelo próprio Louis Braille na versão final dos estudos constantes da proposta de estruturar o Sistema concluído em 1837. Durante o congresso internacional de surdos-mudos e cegos de Paris em 1877 o sistema vem a ser concebido como melhor sistema de leitura e escrita para o ensino de cegos de todo o mundo. A figura 3 apresenta um conjunto de caracteres organizados em séries denominados Ordem Braille. 21 Figura 3: Ordem Braille Fonte: Sobre a deficiência visual (2002) Na primeira série estão colocados na parte superior da cela (pontos 1, 2, 4 e 5). A segunda série é derivada da primeira acrescentando-se o ponto 3. A terceira série forma-se pelo acréscimo dos pontos 3 e 6. A quarta série é formada pela primeira linha com o acréscimo do ponto 6. A quinta série é formada pela transposição da primeira linha para a posição inferior dos pontos na cela. A sexta série é formada pelos pontos 3, 4, 5 e 6. E a sétima série que é constituída por sete sinais da coluna direita. O sistema Braille figura 4, apresenta as letras do alfabeto, números arábicos e os símbolos gráficos musicais. 22 Figura 4: Sistema Braille Fonte: Sobre a deficiência visual (2002) 23 6.1 ESCRITA E LEITURA BRAILLE A escrita Braille é desempenhada por meio de uma reglete e punção, máquina de escrever Braille ou impressoras Braille. Esse último recurso ainda é pouco utilizado por escolas e professores, por se tratar de um aparelho de custo ainda muito alto. Já a reglete que é uma régua dupla de madeira, metal ou plástico com um conjunto de celas Braille dispostas em linhas horizontais sobre uma base plana. É utilizado juntamente com o punção, um instrumento com ponta metálica, capaz de produzir a perfuração dos pontos na cela Braille. É o mais utilizado por se tratar de um material de baixo custo. A máquina Braille possui sete teclas, sendo seis correspondentes aos pontos da cela Braille e uma tecla de espaçamento. Através o toque simultâneo de uma combinação de teclas produz os sinais e símbolos almejados. O papel utilizado pelos recursos descritos acima preferencialmente é o “Peso 40” por ser mais resistente á permanência dos sinais. Reglete Máquina Braille Impressora Braille 24 Sá (2007) conceitua: A escrita em relevo e a leitura tátil baseiam-se em componentes específicos no que diz respeito ao movimento das mãos, mudança de linha, adequação da postura e manuseio do papel. Esse processo requer o desenvolvimento de habilidades do tato que envolve conceitos espaciais e numéricos, sensibilidade, destreza motora, coordenação bimanual, discriminação dentre outros aspectos. Por isso, o aprendizado do sistema Braille deve ser realizado em condições adequadas, de forma simultânea e complementar ao processo de alfabetização de alunos cegos. (SÁ, 2007, p. 24) Dessa forma, é recomendável que educadores façam a utilização desse sistema, que pode ser alcançado de forma simples e rápida, pois a leitura será visual, devido à formação de imagens que possibilita a visualização dos símbolos sem a utilização do tato, e assim contribuir para o acesso de pessoas cegas na educação musical. 25 7 A MUSICOGRAFIA BRAILLE Consiste na grafia musical convencional aplicada através do sistema Braille, e possibilita a escrita e leitura de toda a simbologia musical, desde o emprego de uma clave até os sinais de dinâmica. Dessa forma, pessoas com deficiência visual podem ter acesso a peças musicais sem perda de qualidade. Estudos relatam que Louis Braille realizou sua primeira Musicografia em 1829, na obra “Procéde pour écrie les paroles, La musique et La plainchant au moyen de points” (Método para escrever as palavras a música e o cantochão por meios de pontos). Esse sistema foi modificado ao longo de sua vida. Alguns relatos apontam que Braille por ter sido professor de piano e órgão criou seu sistema com intenção de grafar suas próprias composições. Logo o código musicográfico alcançou sucesso na França. Em 1888, foi realizada a primeira conferência sobre a escrita musical em Braille na Alemanha e estiveram envolvidos quatro países: França, Alemanha, Inglaterra e Dinamarca. Na conferência, foram realizadas algumas mudanças na simbologia, foram estabelecidas as regras para o uso dos sinais de oitava, e as regras para duplicações de símbolos. Foi também constituído o modo em que se deviam escrever os acordes. Esse acordo determinou a base da atual Musicografia Braille, sendo estendida posteriormente com novos símbolos. Em 1927, o objetivo era uniformizar o código musical, o secretário da American Braille Press - ABP de Paris, George L. Raverat buscou reunir especialistas em Musicografia Braille da Europa e da América, e organizou o Congresso Internacional de Especialistas em Notação Musical, logo após debates ocorridos entre os países europeus e os Estados Unidos. Esse congresso ocorreu em 1929, com a finalidade de unificar critérios com o patrocínio da União Braille Norte-Americana, tendo a participação de representantes da França, Itália, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Nessa reunião, importantes decisões foram adotadas para o avanço da notação musical em Braille. De acordo com Tomé (2007, p. 23), os símbolos que foram unificados em 1929 podem ser divididos em dois grupos: 26 Aquele que supunha que no primeiro passo faziam a transcrição literal, com o que a pessoa cega obtinha maiores informações sobre a partitura visual. – Aquele que usava símbolos que facilitavam e melhoravam a qualidade de leitura no Sistema Braille (repetições, sinais de dupla figura, cópia parcial e outros). A ênfase nessa conferência foi prioritariamente a estandardização dos sinais individuais da música; nenhuma discussão dos méritos dos formatos foi adiada. Novos sinais estabelecidos incluíram a forma atual da ligadura para a mesma nota, a ligadura dos acordes, o arpejo acumulado, a breve, a pausa da breve, sinais de oitavas para notas abaixo da primeira e acima da sétima oitava, a ligadura de fraseado e os sinais de haste. A adoção de símbolos para sinais de clave, indicações de oitavas e sinais impressos de retorno foi o primeiro movimento oficial em direção à transcrição fac-símile (reprodução), possibilitando às pessoas cegas mais informações sobre anotação impressa. (TOMÉ, 2007, p. 23) Foi promovida pela UNESCO em 1954, a Segunda Conferência de Paris, realizada em 1954, parte de um Congresso Internacional Esse que tinha por objetivo a unificação do Sistema Braille. Participaram da Conferência sobre notação Musical Dezenove países. Onde foi discutida, a possibilidade de se uniformizar a escrita de partituras. Um grupo de pessoas considerava que a forma compasso-por-compasso era a mais adequada para a escrita. Outros optavam a adoção da forma sessão-porsessão. As duas formas foram oficializadas, mas ouve um predomínio do formato compasso-por-compasso. No ano de 1992, foram realizados novos acordos, através da reunião de um grupo de 50 integrantes, em Saanen. O novo padrão dessa notação foi consolidado e divulgado em 1996, na primeira edição do Novo Manual Internacional de Musicografia Braille em língua inglesa, constituído por símbolos e regras que foram aprovados por ampla maioria de membros participantes na conferência de Saanen. Somente em 2004 o manual internacional de Musicografia Braille foi publicado em língua portuguesa pelo Ministério da Educação e Cultura - MEC. A seguir apresento a figura 5, onde se encontra um quadro básico da Musicografia Braille. 27 28 Figura 5: Quadro básico de Musicografia Braille Fonte: Tomé, 2007. 29 8 PROJETO SOCIAL CASA TALENTO A Casa Talento foi criada em Novembro de 2000 de acordo com a lei nº 9.790. Fundada por Márcia Pires, professora, violinista, empreendedora social que busca trabalhar pela área sócio-cultural no Estado do Rio Grande do Norte. A instituição surgiu com intuito de prover oportunidades àqueles que estão à margem ou fora das atividades culturais, beneficiando o acesso à população de baixa renda, incrementando o gosto pela arte no seio da população e criando oportunidades para o surgimento de novos artistas, expectadores e amantes da cultura de um modo geral. São objetivos institucionais a promoção da cultura, com a realização no ensino, estudos, seminários e pesquisas no campo das artes, em especial na área da música, confecções de instrumentos, elaboração de projetos culturais com a apresentação de concertos, audições, exposição e apresentações. A instituição atende crianças, adolescentes e jovens da rede pública de ensino da faixa etária dos 07 aos 20 anos em situação de vulnerabilidade social. O projeto proporciona formação musical gratuita para 350 beneficiários de Natal e Regiões Metropolitanas. Indiretamente, são beneficiados 1500 familiares dos aprendizes e comunidades escolares em geral. São oferecidos 11 (onze) cursos gratuitamente ao público mencionado, nas seguintes modalidades: violino, viola, violoncello, contrabaixo elétrico, bateria, teclado, violão, guitarra, flauta doce, estruturação musical e musicalização infantil. O aprendizado musical é baseado na metodologia Suzuki. O método é aplicado de maneira lúdica e utiliza repertório alegre e prazeroso. Mais do que uma forma de aprender música é uma contribuição na formação do caráter através do meio musical e social favorável. 30 Figura 6: Orquestra Talento gravando seu primeiro DVD no TAM. Fonte: Casa Talento (2010) Agregado ao ensino prático e teórico a Casa Talento realiza com seus alunos a prática de orquestra, onde conta hoje com uma orquestra de alunos (figura 6). A orquestra é referência em qualidade e profissionalismo tem como principal diferencial, um repertório que funde o clássico e o pop rock, tendo gravado seu primeiro CD/DVD e com um Know-how de apresentações a nível nacional e internacional, divulgando e levando o resultado brilhante deste projeto. Paralelo ao ensino da música funciona também na Casa Talento o curso de lutheria (figura 7), tendo 12 técnicos artesãos alunos formados pela instituição. O curso ensina a técnica de construção de instrumentos acústicos, possibilitando o exercício de confeccionar instrumentos musicais de corda, como violino, viola, violoncelo e contrabaixo acústico. As aulas de lutheria são realizadas na sede da Casa Talento. O curso funciona nos turnos da manha e tarde, de segunda a quarta-feira, num total de 10.800 horas de aula. Ao mesmo tempo, é oferecido gratuitamente aos estudantes de lutheria o ensino básico da música nos cursos oferecidos pelo projeto Casa Talento. 31 Figura 7: Alunos da Escola de Lutheria da Casa Talento Fonte: Casa Talento (2010) Esses jovens, além de apreender a restaurar, reformar, adaptar, construir instrumentos musicais. Os instrumentos construídos pelos aprendizes são utilizados pelos próprios alunos do projeto Casa Talento. Outra importante forma de estudo é o curso de Musicografia Braille, que é uma área do estudo da música que está focada em prover o acesso de deficientes visuais ao material musical escrito em tinta através do sistema de grafia Braille. Nas partituras, são utilizados os mesmos caracteres do alfabeto Braille, já familiar aos alunos. Mas cada letra funciona como símbolo musical e é precedida de um prefixo, que determina intervalo, andamento, oitavas e claves, entre outras características da música. Com tanto sucesso, o projeto ganhou prêmios que gratificam pela prova de reconhecimento dado a instituição. Entre os prêmios recebidos estão o Hangar 2001, na categoria Música Voluntária; Top Social do Nordeste pela ADVB (2004); Melhor Projeto Social, Prêmio Hangar 2005 e a reportagem ´´Guia para fazer o bem´´ da revista Veja, edição especial de Dezembro de 2001. 32 9 RELATO DE EXPERIÊNCIA Sou professor de teclado da Casa Talento desde 2007, e o meu primeiro contato com um aluno cego ocorreu em Março de 2008, quando Carlos Magno procurou a Casa Talento a fim de dar continuidade a seus estudos musicais, pois, o professor da instituição em que ele encontrava-se vinculado, finalizou as aulas práticas de teclado alegando não ter mais conteúdos a serem contemplados no curso. Foi quando a Casa Talento me pediu que fizesse um teste para saber se poderia enquadrar Carlos em algum módulo do curso de teclado. Conversei com Carlos por alguns instantes e lhe apresentei o plano de curso de cada módulo que vai do 1º ao 6º e tem duração semestral cada. Logo percebi que seu perfil instrumental se encaixava na proposta do 3º módulo. Antes de iniciarmos as aulas explicitei para ele que ainda não tinha me deparado com tamanho desafio e iria ser algo que iríamos construir juntos ao longo do tempo. As aulas envolviam o método de imitação, audição e repetição. Mas algo me deixava inquieto, pois, via alguns assuntos se perdendo ao logo das aulas devido à dificuldade do processo de memorização, já que era algo muito explorado, e até aquele momento era o único meio. Nesse processo de inquietação comecei a pesquisar sobre outras formas de garantir ao aluno o direito de se apropriar dos materiais relacionados à sua prática musical de forma que lhe permitisse maior autonomia. Foi quando me deparei com um curso de Musicografia Braille ministrado pela Prof.ª Dr.ª Brasilena Pinto Trindade promovido no VII Encontro Regional da Associação Brasileira de Educação Musical - ABEM na UFPB em João Pessoa. O curso proporcionou uma visão geral acerca da Musicografia Braille e contribuiu para que eu pudesse de fato começar a estudar sobre o assunto. Mas algo me faltava que era a prática do sistema Braille, foi quando Carlos me avisou a respeito de um curso de iniciação Braille no IERC-RN. Um ano após a entrada de Carlos na Casa Talento comecei a empregar a Musicografia Braille nas aulas de música com ajuda apenas de uma reglete. O aluno já conhecia o sistema Braille, o que facilitou a aplicação na música. Ao longo dos estudos Carlos começou a observar a importância da musicografia em sua rotina 33 musical, já que passou a ter acesso a estudar música em casa através de partituras em Braille sem precisar memorizá-la durante uma aula. Atualmente Carlos Magno é um dos componentes da Orquestra Talento e tem acesso a todo o repertório através da Musicografia Braille. A orquestra proporcionou a oportunidade que lhe foi tirada devido à deficiência, que ocorreu aos 15 anos de idade, que era estabelecer uma relação social com alunos videntes. O meu objetivo e o da Casa Talento não foi só contribuir para seu aperfeiçoamento musical e sim contribuir para seu acesso na sociedade gerando dessa forma melhor qualidade de vida. Figura 8: Carlos utilizando a Musicografia Braille. Fonte: Casa Talento (2010) No primeiro semestre de 2010, outro aluno com D.V (cegueira), iniciou seus estudos na Casa Talento. Pablo Bruno tem 09 anos e já tinha contato com música há certo tempo e de forma informal. 34 Pablo já é alfabetizado no sistema Braille e estuda em uma escola especializada no atendimento de pessoas com deficiência visual há 4 anos. Até então nunca tinha havido falar que existisse um sistema em Braille capaz de lhe dar acesso à educação musical. Logo que sua mãe teve conhecimento do trabalho de musicografia na Casa Talento tratou de matriculá-lo. No início das aulas e antes de adentrar na musicografia Braille, Pablo passou por uma adaptação dos aspectos teórico-práticos que lhe dessem suporte até a contemplação do sistema musicográfico. Figura 9: Pablo executando uma leitura rítmica através da Musicografia Braille. Fonte: Casa Talento (2010) Hoje a escola tem 10 alunos com deficiência visual onde 3 alunos estão inseridos na aula de teclado e 7 alunos ( cegueira e baixa visão) cursam flautadoce e no próximo ano estarei aplicando a musicografia Braille com todos os cursos oferecidos pela Casa Talento. 35 Outra experiência acerca da Musicografia Braille contempla o monitoramento do primeiro aluno com deficiência visual (cegueira), da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O monitoramento do aluno Luiz Carlos iniciou no primeiro semestre de 2010 no curso de Licenciatura em Música. E tem sido um grande desafio e um enorme prazer contribuir para sua formação profissional. Antes de iniciarmos o estudo da musicografia Braille, Luiz já era adepto do sistema há algum tempo. Uma das dificuldades encontradas no decorrer dos encontros era estabelecer elo entre a Musicografia Braille e a disciplina de linguagem e estruturação, já que a musicografia requer certo tempo para a absorção de conceitos ligados à teoria musical. O desgaste no processo de ensino/aprendizagem foi uma dessas dificuldades devido à quantidade de conteúdos a ser trabalhado durante o semestre e tendo que contemplar aspectos da musicografia. Mesmo com todas as dificuldades Luiz obteve avanços significativos durante a realização desse trabalho que se encontra em fase de conclusão, tenho certeza que cada vez mais, com direcionamento correto, e força de vontade, é possível agregar possibilidades a serem trabalhadas durante nossa trajetória profissional. Figura 10: Luiz Carlos em um dos encontros de estudo. Fonte: Múcio (2010) 36 10 A PRODUÇÃO DE RECURSOS DIDÁTICO-MUSICAIS1 A utilização de recursos destinados ao atendimento dos D.Vs. pode ser inserido em situações e vivencias cotidianas que estimule a exploração e o desenvolvimento dos outros sentidos. A adequação e a qualidade desses materiais possibilitam o acesso ao conhecimento e à aprendizagem significativa em música. Segundo Sá (2007): Os recursos tecnológicos, equipamentos e jogos pedagógicos contribuem para que as situações de aprendizagem sejam mais agradáveis e motivadoras em um ambiente de cooperação e reconhecimento das diferenças. Com bom senso e criatividade, é possível selecionar, confeccionar ou adaptar recursos abrangentes ou de uso específico. (SÁ, 2007, p. 26) A produção ou a adaptação desses recursos deve ser empregada com muito cuidado, pois, deve apresentar uma relação de igualdade com o modelo original. Além disso, é indispensável que esses materiais possuam uma gama de estímulos táteis e visual. Os jogos musicais, símbolos e partituras em alto-relevo, tornam-se uma ferramenta importante para alunos cegos. Diversos tipos de materiais podem ser produzidos com material de baixo custo: linhas, palitos, frascos, embalagens, sementes, EVA, botões, barbantes etc. As dimensões e o tamanho devem ser observados, pois, objetos ou desenhos em relevo pequenos demais impossibilitam a compreensão dos detalhes, e o exagero do tamanho prejudica na compreensão da totalidade. A faixa etária é outro fator importante para que esses materiais possam obter resultados 1 São instrumentos complementares que ajudam a transformar as idéias em fatos e realidades. Eles auxiliam na transferência de situações, experiências, demonstrações, sons, imagens e fatos para o campo da consciência, onde então eles se transmutam em idéias claras e inteligíveis. São métodos pedagógico-musical de algum conteúdo ou transmissão de informações. 37 Conforme Sá (2007): O relevo deve ser facilmente percebido pelo tato e, sempre que possível, constituir-se de diferentes texturas para melhor destacar as partes componentes do todo. Contrastes do tipo liso/áspero, fino/espesso, permitem distinções adequadas. O material não deve provocar rejeição ao manuseio e ser resistente para que não se estrague com facilidade e resista à exploração tátil e ao manuseio constante. Deve ser simples de manuseio fácil, proporcionando uma prática utilização e não deve oferecer perigo para os alunos. (SÁ, 2007, p. 27) Conforme citado anteriormente pelo autor, segue abaixo algumas sugestões de recursos didáticos musicais: Figura 11: Partitura convencional em alto-relevo Fonte: Múcio (2010) 38 A figura ilustrada acima foi confeccionada com linha, palitos e sementes. Cada compasso é descrito através da Musicografia Braille. A partitura foi criada na disciplina Fundamentos da Educação Especial, onde a professora Lúcia de Araújo Ramos Martins, disponibilizou alguns materiais para a elaboração de uma proposta de recursos didáticos a serem utilizados com alunos com deficiência. Figura 12: Cela Braille Fonte: Adaptado por Múcio (2010) A figura ilustrada acima foi feita com madeira e pinos de plástico, são removíveis, possibilitando a formação de qualquer símbolo Braille, o corte feito na parte superior ajuda o aluno cego a obter a localização correta dos símbolos. As celas Braille foram criadas e confeccionadas na Escola de lutheria da Casa Talento. 39 Figura 13 Representação das Escalas Fonte: Adaptado por Múcio (2010) A figura ilustrada acima foi confeccionada com linha e miçangas. O objetivo desse recurso é proporcionar ao aluno cego uma representação do distanciamento das notas, contribuindo para a formação de escalas musicais. Figura 14: Representação das figuras musicais em alto-relevo Fonte: Múcio (2010) 40 A figura 14 foi confeccionada com EVA e tinta relevo, foi desenvolvida para que o aluno cego pudesse relacionar fragmentos musicais convencionais impressos em tinta e sua representação em Braille. 41 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo encerrado esse trabalho, que contempla a Musicografia Braille como ferramenta indispensável na educação musical para pessoas com deficiência visual, acreditou-se que fosse possível trazer alguns subsídios e reflexões que demonstrassem aspectos consideráveis para o conhecimento das condições em que ocorrem essas práticas de ensino musical. Temos plena convicção de que as informações contidas nessa monografia contribuirão para que professores alunos e profissionais da educação musical possam possibilitar o acesso dessas pessoas nos cursos de educação musical. Após o prévio conhecimento sobre o assunto tratado, foi necessário colocálo em prática para podermos evidenciar e concretizar seu funcionamento, tendo em vista as contribuições educacionais e sociais que permeiam essa prática. Os alunos descritos nessa pesquisa poderão constatar as possibilidades, dificuldades e benefícios alusivos ao uso dessa notação. Vale salientar que a inclusão só será possível quando nós professores resolvermos encarar tamanho desafio. É necessário transformar a inclusão de direito em uma inclusão de fato, pois, afinal nós somos o ponto de partida, e não devemos ficar apenas a espera de políticas públicas. "Começar já, é metade da ação" (provérbio Grego). E por que não começar agora? 42 REFERÊNCIA BONILHA, Fabiana Fator Gouvêa; CARRASCO, Claudiney Rodrigues. Ensino de musicografia braille: um caminho para a educação musical inclusiva. 2007. Disponível em: <http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2007/educacao_music l/edmus_FBonilha_CCarrasco.pdf>. Acesso em: 25 Out. 2010. BOOTH, T. From Special Needs Education to Education for all, a discussion document. Paris UNESCO, 1999. BRASIL. Decreto nº 5.296, de 02 de Dezembro de 2004. Pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/D5296.htm. Acesso em: 06 Set. 2010. BRASIL, Decreto nº 3.298, de 20 de Dezembro de 1999. Política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto/d3298.htm. Acesso em: 06 Set. 2010. Departamento de apoio à Inclusão. O sistema braille. Disponível em: http://www.uern.br/graduacao/dain/extras.html. Acesso em: 06 Set. 2010. FARRELL, Michael. Deficiências sensoriais e incapacidades físicas: guia do professor. Tradução: Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 2008. FÁVERO, Osmar.; FERREIRA, Windyz.; IRELAND, Timothy.; BARREIROS, Débora. Tornar a educação inclusiva. Brasília: UNESCO, 2009. FILHO, Francisco Amorim.; CAMPOS, Maria do Rosário Rodrigues. Curso Braille: uma necessidade de saber. Natal: IERC, 2008 MITLLER, Peter. Educação Inclusiva: contextos sociais: Porto Alegre: Artmed, 2003. MOTA, Maria Glória Batista. Manual internacional de musicografia braille: Brasília: Ministério de Educação, Secretaria de Educação Especial, 2004. 43 SÁ, Elizabeth Dias de. Atendimento educacional especializado: deficiência visual. Brasília: MEC/SEESP, 2007. TOMÉ, Dolores. Introdução à musicografia Braille. São Paulo: Global, 2003. TRINDADE, Brasilena Pinto. Introdução á musicografia Braille na educação musical. João Pessoa: ABEM, 2008. VISUAL, Deficiência. Sobre a deficiência visual. Disponível em: http://deficienciavisual2.com.sapo.pt/txt-grafiabrailleLP.htm. Acesso em: 06 Nov. 2010. 44 ANEXOS 45 ANEXO A – Luiz Carlos executando leitura rítmica através da Musicografia Braille 46 ANEXO B – Pablo estudando uma peça musical através da Musicografia Braille. 47 ANEXO C – Carlos estudando uma peça musical através da Musicografia Braille.