O Direito Penal e a Liberdade

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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq
Centro Universitário Ritter dos Reis
O Direito Penal e a Liberdade
Dani Rudnicki
Doutor em Sociologia
Centro Universitário Ritter dos Reis
[email protected]
Joana Coelho da Silva
Mestranda em Direito
Centro Universitário Ritter dos Reis
[email protected]
Patrícia Carvalho dos Santos
Graduanda em Direito
Centro Universitário Ritter dos Reis
[email protected]
Priscila Vargas Mello
Mestranda em Direito
Centro Universitário Ritter dos Reis
[email protected]
Resumo: O presente artigo objetiva compreender como os filósofos iluministas
pensavam a relação entre o Direito Penal e a Liberdade. Para tanto, apresenta as
principais ideias de Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, a partir,
respectivamente, de suas obras mais significativas, “Leviatã” e “O Contrato
Social”. Hobbes, ao estabelecer que os homens deveriam pactuar entre a si a
transferência de sua liberdade e auto defesa para um órgão artificial e responsável
por protegê-las e Rousseau, ao defender que o ser humano só se torna
efetivamente livre no estado social - o qual é constituído quando todos os
contratantes abrem mão de todos os seus direitos em favor da comunidade e é
governado pela vontade geral - tinham como objetivo trazer luzes ao exercício de
um poder que até então se perpetuava arbitrariamente. No que tange à
metodologia, serão utilizados os métodos nomenológico e dialético e as técnicas
de revisão de literatura, estudo histórico e pesquisa jurisprudencial. Todavia, Cabe
ressaltar que o presente estudo se encontra em desenvolvimento, uma vez que a
pesquisa foi parcialmente realizada, a partir do levantamento das ideias de apenas
dois autores clássicos iluministas.
1 Introdução
A ideia de liberdade configura-se em uma das mais caras ao homem.
Todos pretendem ser livres e usufruir dessa possibilidade. Todavia, nem
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SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014
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sempre foi assim. A Revolução Francesa, em 1789 trouxe como lema:
“Liberdade, igualde e fraternidade”, reclamando, pois, o fim de uma situação
que há muito perdurava: a escravidão. Desde então, os Estados
transformaram-se e passaram a garantir, para seus cidadãos, a situação de
seres humanos livres. Assim é que a liberdade aparece citada no artigo 1º da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (e, posteriormente,
no mesmo artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948).
O tema dos limites da punição é recorrente desde o século XVIII.
Beccaria, por exemplo, em 1764, no clássico “Dos delitos e das penas”, na
esteira dos pensadores iluministas, questiona sobre os fundamentos do direito
de punir. Ele sofreu clara influência dos mestres iluministas franceses.
Portanto, natural que se pretenda conhecer o tema, retome-se os pensamentos
destes. Neste artigo, pois, apresentam-se as ideias originais de Hobbes e
Rousseau sobre o tema, a partir, respectivamente, de suas obras mais
significativas, “Leviatã” e “O contrato social”. Cabe ressaltar que o presente
estudo se encontra em desenvolvimento, uma vez que a pesquisa foi
parcialmente realizada, a partir do levantamento das ideias de apenas dois
autores clássicos iluministas.
2 Problema de Estudo
O direito penal é o ramo do direito que aplica a mais terrível pena posta
à disposição do ordenamento jurídico em tempos sem guerra. A pena restritiva
de liberdade não é vista por ninguém como algo satisfatório; ela é
compreendida apenas como ultima ratio, como medida extrema e aplicável
quando as demais opções esgotaram-se. Assim, a fim de se buscar relacionar
as influências mútuas entre a ideia de liberdade e Direito Penal, perguntamos
como o conceito de liberdade foi e é pensado, para verificar a realidade dessa
concepção na legislação, doutrina e jurisprudência brasileira. Porém, para se
alcançar esse objetivo, cabe remontar ao passado, torna-se imprescindível
entender como os filósofos iluministas e os revolucionários franceses de 1789
pensaram a relação entre Direito Penal e liberdade.
3 Metodologia de Trabalho
Para desenvolver a presente pesquisa, utilizaremos os métodos
nomenológico e dialético. Dentre as técnicas utilizadas, destaca-se a revisão
de literatura e o estudo histórico. Ainda, pretende-se realizar pesquisa
jurisprudencial, nesse sentido, destaca-se que, atualmente, existe tendência,
dentro do âmbito do pensar o Direito, de entendê-la como pesquisa empírica.
4 Thomas Hobbes, “O Leviatã” e o Direito Penal
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Thomas Hobbes é um filósofo da natureza e da sociedade humana.
Nasceu em 1588, próximo a Malmesbury na Inglaterra e sua preocupação não
estava restrita aos assuntos políticos, pois sua teoria contribuiu
substancialmente para a compreensão das ciências naturais no século XVII. O
estudo de Tom Sorell indica as principais contribuições de Hobbes para a teoria
política moderna e outros ramos da filosofia.
Em “Leviatã”, produzido em 1651, Hobbes apresenta argumentos cujo
objetivo está em legitimar as ações de um poder soberano. Esse deveria ser
exercido por um homem ou por uma assembleia de alguns poucos indivíduos,
indicados pela manifestação majoritária dos homens, que concordariam em
transferir sua liberdade para tal órgão artificial (HOBBES, 2012, p.141).
Hobbes parte da concepção de um Estado de natureza, no qual cada
indivíduo exerce sua liberdade e desejos independentemente da liberdade de
outrem e, ainda que existam outros tão capazes, eloquentes ou cultos, o fato é
que a natureza humana impede o reconhecimento da qualidade e das
necessidades dos demais. Além disso, mesmo que todos tenham a mesma
quantidade de bens e recursos, os homens jamais se contentam com o que
possuem, o que perpetua a instabilidade das relações e o estado de guerra de
todos contra todos (HOBBES, 2012, p.103).
Exercer a liberdade, paixões e desejos de maneira desmedida é a
essência da natureza humana, pois os homens “[...] pensam demasiadamente
em si mesmos, dão muito valor à gratificação do presente e têm dificuldades
em prever o resultado de suas ações.” (SORELL, 1996, p.531).
Assim, para garantir a sobrevivência, segurança e a paz, se mostra
necessário o pacto em que todos os homens desistem do direito de se
autogovernarem e transferem tal autoridade a um poder soberano. O Estado
Leviatã definirá diretrizes, regras e leis para evitar o estado de guerra que
emana da ausência de um poder regulador, fundamentando-se na premissa de
que “[...] quando não existe um poder comum capaz de manter os homens
numa atitude de respeito, temos a condição do que denominamos guerra, uma
guerra de todos contra todos” (HOBBES ,2012, p.104).
Assim, brevemente, pode-se dizer que Hobbes parte da concepção de
que a multidão, considerada individualmente, possui interesses, desejos e
naturezas diversas. A ausência de um poder soberano e artificial inviabiliza a
convivência humana, dá vazão para um estado em que todos estão contra
todos e exercem seu direito natural de liberdade com a força. Logo, o homem
não nasceu para a vida política e devem transferir a liberdade e o direito de
autodefesa para o Estado, sob a perspectiva de que esse garantirá a
segurança e a paz da comunidade (HOBBES, 2012 p.142).
O Estado é o responsável pela paz, segurança e elaboração de normas.
Nos capítulos XIV e XV da obra, Hobbes traça as leis naturais que regem sua
teoria política, mas, para este artigo, interessam em específico as leis naturais
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fundamentais. Ele define como lei natural “[...] a norma ou regra geral
estabelecida pela razão que proíbe o ser humano de agir de forma a destruir
sua vida ou privar-se dos meios necessários a sua preservação” (Hobbes,
2012, p. 107). Logo, a lei é a forma adequada para desenvolvimento de um
procedimento comum e, a partir disso, suas leis fundamentais resumem-se em
“[...] buscar a paz e segui-la [...]” e “[...]defendermo-nos por todos os meios
possíveis [...]” (HOBBES, 2012, p.108).
Além das normas que envolvem a autoridade e o exercício do poder
punitivo, desenvolvido pelo teórico no capítulo XVIII da obra, importante
salientar o aspecto da liberdade nesta teoria. O soberano (ou poder soberano)
não faz parte do pacto social, ele foi instituído pela ação em conjunto dos
homens para buscar os objetivos anteriormente referidos e sua revogação por
parte dos homens se justificará, apenas, quando o objetivo de evitar a guerra e
garantir a paz não for alcançado. Nesse sentido, conforme lição de Sorrel
(1996, p.532)
A transferência do direito de natureza para um poder soberano é o
que cria um Estado ou república. Uma vez transferido, o direito de
natureza não pode ser recuperado, exceto no interesse da segurança
pessoal de um soberano fraco ou incompetente não mais é capaz de
assegurar. Em outros termos, recupera-se o direito de natureza se a
obediência ao soberano não é afinal um meio de evitar a guerra. Por
outro lado, se uma república está garantindo a segurança, é-se
obrigado a obedecer as leis do soberano, seja pelo ato que transferiu
seus direitos naturais, seja pelo dever de cumprir o pacto, seja enfim
por algum ato de submissão, caso não se tenha entrado na república
partindo de um estado de natureza.
Por conseguinte, diante da presumível restrição da liberdade dos
súditos, salienta-se que a consequente extensão dos direitos do soberano,
impede que os homens revoguem seu poder, atribuam injúrias ou injustiças a
sua atuação, bem como impedem de lhe apresentarem qualquer acusação ou
aplicar-lhe a pena de morte, isso porque, o Estado, de fato, representa cada
indivíduo na pessoa do soberano. Logo, qualquer ato atentatório a sua
condição representa a desconsideração a si próprio e a todos os demais. Por
conseguinte, além de possui o poder para legislar, julgar, definir a propriedade
e atribuir direitos, o soberano tem o poder de fazer tudo o que for necessário
para restaurar a paz e, partindo-se da premissa de que a prática de um crime
(ou de ato que contrarie a disposição da lei e coloque em risco a propriedade
ou direito de outrem) constitui um ato de violência ou perturbação da paz,
passa-se a analisar os fundamentos que justificam a aplicação de sanções na
teoria hobbesiana (HOBBES, 2012, p.145).
Hobbes divide as penas em divinas e humanas. As penas humanas, que
interessam a este breve estudo, consistem em corporais (capitais ou menos
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capitais), pecuniárias, ignomínias (envolve a aplicação de ato desonroso ou a
privação de bem considerado honroso) e a prisão (para custódia ou punição
propriamente dita). O fundamento de sua aplicação imprescinde da atuação da
autoridade pública (órgão e/ou poder competente) e segue as seguintes
premissas (1) as vinganças privadas e atos de injúria privada não constituem
punição, pois tal poder está na essência do Estado e não no exercício
particular de autodefesa, inclusive porque esse foi transferido pelos homens ao
Estado; (2) quando o indivíduo é desconsiderado (ou esquecido) na eleição das
preferências do Estado, tal circunstância não tem o caráter de punição, uma
vez que o mesmo permanece na mesma situação; (3) a punição praticada por
autoridade pública sem condenação prévia configura ato hostil; (4) atos
praticados por autoridade ou juízes não escolhidos pelo Estado (ou
carecedores de legitimidade) configura a prática de ato hostil; (5) a punição que
não tem por objetivo incitar a obediência à lei configura ato hostil; (6) se na
prática de um ato o indivíduo sofre alguma lesão física ou fatal, tal
circunstância poderá ser suscetível de reprovação divina, mas não infringe a
autoridade da lei dos homens; (7) a aplicação de punição mais severa do que o
estipulado na lei, configura ato hostil; (8) punir os danos resultantes de
determinada ação não defesa por lei, configura ato hostil; (9) os atos infringidos
ao soberano são atos de hostilidade, pois esse não se submete à punição, é o
poder legitimado a exercê-la; (10) atos praticados contra o inimigo são atos de
hostilidade, pois o mesmo não está submetido a lei e, por consequência, não é
atingido por seus efeitos o que legítima infringir-lhe qualquer espécie de dano
(HOBBES, 2012, p.247).
A partir disso, verifica-se que, embora o soberano tenha o poder de
julgar e aplicar sanções quando entender necessário, sua atuação está
vinculada ao conceito de legalidade, não só no sentido estrito, mas também na
perspectiva da anterioridade. Para o teórico, embora o Estado tenha o direito
de punir, tal punição deve estar previamente estabelecida na lei e sua
relativização será possível nos casos em que a fixação da pena inexistir no
ordenamento jurídico, circunstância em que, mediante exercício de
racionalidade, aplicará medida adequada com o fim de estimular a obediência
dos súditos e não exercício de vingança. (HOBBES, 2012, p.147).
Ainda, a pena possui um caráter eminentemente retributivo cuja
finalidade não é a vingança, mas provocar o medo e incitar a obediência da lei
como forma de garantir a paz e segurança do Estado (e, por consequência, de
todos os homens). Aliás, a os atos considerados hostis identificam-se com
objetivos que pretendem proporcionar racionalidade na aplicação do poder
punitivo ao privilegiar a presunção de inocência dos súditos, a exigência de
certa previsão legal para aplicação da pena, pois “[...] qualquer dano infligido a
um homem, por prisão ou confinamento, antes de sua causa ser ouvida,
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quando não se tratar de custódia, contra a lei natural [...]” (HOBBES, 2012,
p.251-252).
Hobbes também criticava a legitimidade de acusações consubstanciadas
em testemunhos provenientes de práticas tortuosas, pois em tais
circunstâncias o acusado poderia confessar determinado fato apenas para
livrar-se do suplício que lhe era praticado (HOBBES, 2012, p.116). Assim,
verifica-se que a teoria hobbesiana rompeu com elementos que faziam parte do
cenário inquisitorial do processo penal, cujo início atribuiu-se a meados do
século XII (LOPES JUNIOR, 2006).
Por fim, embora os elementos contidos na teoria hobbesiana estejam
submetidos à crítica da racionalidade moderna do processo penal (PIRES,
2003), pois tais previsões não afastaram a violência inerente à própria lógica do
direito penal (FOCAULT, 2012), não se pode desconsiderar a existência de
argumentos que compõe garantias processuais presentes até os dias de hoje
(juiz natural, presunção de inocência, vedação da tortura), demonstrando a
importância do clássico Leviatã para o estudo dos fundamentos do processo
penal.
5 Jean-Jacques Rousseau, o Contrato Social e a Liberdade
Jean-Jacques Rousseau, considerado um dos principais filósofos do
iluminismo, nasceu em 1712 na cidade de Genebra na Suíça. Em sua obra “O
Contrato Social”, publicada em 1762, Rousseau apresenta a ordem social
como um direito sagrado, o qual serviria de base para todos os demais.
Todavia, esse direito não provém da natureza, mas sim, das convenções
sociais (Rousseau, 2011, p.21), uma vez que é incompatível com o estado
natural, no qual a liberdade somente é alienada em benefício da utilidade de
quem a aliena e no qual “sua primeira lei é a de velar pela sua própria
conservação; seus primeiros cuidados são os que deve a si mesmo [...]”.
(ROUSSEAU, 2011, p.21-22).
Ainda, ao contrário do que vigora no estado de natureza, o autor afirma
que: “[...] a força não constitui um direito e que não somos obrigados a
obedecer senão aos poderes legítimos” (ROUSSEAU, 2011, p.24). Dessa
forma, somente as convenções constituem a “base da autoridade legítima entre
os homens”. (ROUSSEAU, 2011, p.24).
Frente à impossibilidade de a condição natural resistir aos obstáculos e
a necessidade de mudança do “modo de ser” para garantia da subsistência, os
homens devem unir as forças, agindo conjuntamente. Dessa forma, o contrato
social é formado a partir da alienação total de cada associado, com todos os
seus direitos, em favor do todo, ou seja, da comunidade, de forma que as
condições são as mesmas para todos e que cada um se submete a todos, não
sendo ninguém o senhor do outro, uma vez que um não terá direito maior sobre
o outro, do que o outro terá sobre ele. Formando assim, a partir da união de
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todas as pessoas, um “corpo moral e coletivo”, uma república ou corpo político.
(ROUSSEAU, 2011, p.29-31).
Nesse sentido, o autor faz uma comparação das perdas e ganhos que
os indivíduos têm ao aderir ao contrato:
Limitemos tudo isso a termos fáceis de comparar. O que o homem
perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito
ilimitado a tudo o que lhe diz respeito e pode alcançar. O que ele
ganha, é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para
compreender bem estas compensações, é necessário distinguir a
liberdade natural, que não tem outros limites a não ser as forças
individuais, da liberdade civil, limitada esta pela vontade geral, e a
posse, consequência unicamente da força ou direito do primeiro
ocupante, da propriedade que só pode fundamentar-se num título
positivo. (ROUSSEAU, 2011, p.34).
Assim, Rousseau (2011, p.34) entende que somente a liberdade moral,
adquirida pelo estado civil, torna o homem “verdadeiramente dono de si
próprio”, uma vez que o agir conforme os instintos constitui a escravidão, e a
liberdade, por sua vez, é constituída pela obediência às leis.
Em adição, no que tange a escravidão, o teórico assevera que seria
absurdo e inconcebível afirmar que um homem se entregaria gratuitamente, de
forma que este se vende e, só o faz, para garantir a sua subsistência. Nesse
sentido, o autor questiona o motivo que levaria um povo a se entregar para o
Estado, e a legitimidade de um Estado autoritário sobre seu povo. Afirmando
ainda, que para que esse Estado se constitua de forma legítima, cada geração
do povo deverá aceitá-lo ou rejeitá-lo, o que, consequentemente,
descaracterizaria seu autoritarismo. (ROUSSEAU, 2011, p.24-25).
A guerra é constituída pelas relações reais, não das relações pessoais.
Ela não deriva das relações entre os homens, mas sim das relações entre os
Estados. Considerando que resta impossibilitado ao Estado que constitua
inimigos que não sejam Estados, ou seja, um Estado não pode ter por inimigo
um homem, resta impossibilitada a existência de relação entre coisas e
natureza diversa. (ROUSSEAU, 2011, p.26-27). Nesse sentido, o autor
considera o direito de escravidão nulo e ilegítimo:
Não se tem o direito de matar o inimigo senão quando não se pode
escravizá-lo. Por conseguinte, o direito de torná-lo escravo não
procede do de matá-lo. É iníquo fazer-lhe comprar o preço da própria
liberdade uma vida sobre a qual não se tem nenhum direito. [...]
(ROUSSEAU, 2011, p.27).
É através da deliberação pública que as decisões são tomadas pelo
corpo político, bem como, também é através dela que todos os associados se
obrigam para com o soberano. (ROUSSEAU, 2011, p.32). Para tanto, uma vez
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que o fim da instituição é o bem comum, somente a vontade geral tem o poder
de dirigir as forças do Estado, devendo a sociedade ser governada pelo
interesse comum e não pelos interesses particulares. Constituindo-se assim, a
soberania como exercício da vontade geral e, restando essa soberania
inexistente, a partir do momento em que um povo resolve apenas por obedecer
o seu soberano, ato pelo qual o corpo político é desconstituído. (ROUSSEAU,
2011, p.41). No mesmo sentido:
[...] Como a natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre
todos os seus membros, o pacto social dá ao corpo político um poder
absoluto sobre todos os seus, e este poder é aquele que, dirigido pela
vontade geral, leva, como já disse, o nome de soberania.
(ROUSSEAU, 2011, p.45).
Apesar de o cidadão ter o dever de realizar as tarefas que lhe são
solicitadas pelo soberano de forma imediata, existem limites a este poder.
Dessa forma, o soberano: “[...] não pode sobrecarregar os cidadãos de coisas
inúteis à comunidade, tampouco pode exigi-las: porque nada se faz sem causa,
tanto sob a lei da razão como sob a da natureza” (ROUSSEAU, 2011, p.45).
Nesse sentido, o filósofo ratifica ainda:
Daqui se deduz que o poder soberano, completamente absoluto,
sagrado e inviolável, não transpassa nem pode transgredir os limites
das convenções gerais, e que todo homem pode dispor plenamente
daquilo que lhe deixarem de seus bens e da sua liberdade por meio
dessas convenções; de sorte que o soberano não tem direitos de
exigir de um súdito mais do que de outro, porque então, convertendose o assunto em particular, seu poder resulta incompetente.
(ROUSSEAU, 2011, p.47-48).
No que tange ao direito de vida e morte, o autor afirma que: “O contrato
social tem por fim a conservação dos contratantes” (ROUSSEAU, 2011, p.49).
Dessa forma, essa relação contratual não está livre de alguns riscos e de
algumas perdas por parte de seus associados de maneira que se admite a
imposição da pena de morte aos criminosos. Todavia, entende-se que a partir
do momento que o cidadão comete um crime, torna-se um rebelde, um traidor
da pátria, rompe-se o laço social e perde-se a condição de membro do Estado,
fato este que resta provado pelo processo e pelo julgamento. Nesse sentido, o
infrator é visto como um inimigo, perde sua condição de pessoa moral, e, a
partir do momento que é visto apenas como um homem, aplica-se o direito da
guerra, o qual determina sua morte. (ROUSSEAU, 2011, p.49).
Consequentemente: “Não há outro direito para matá-lo, mesmo como exemplo,
senão o perigo existente conservando-o vivo” (ROUSSEAU, 2011, p.50).
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No que tange ao direito de perdão, Rousseau (2011, p.50) afirma que
esse direito não está bem definido, seus casos de aplicação são raros e é de
competência exclusiva do soberano, uma vez que está acima do juiz e da lei.
Considera ainda que: “Num Estado bem-regido há poucos castigos, não porque
se concedam anistias, senão porque há poucos criminosos” (ROUSSEAU,
2011, p.50).
A vida é dada ao corpo político através do pacto social e seu movimento
e vontade através da legislação. Nesse sentido, o objeto das leis é sempre
geral e não compete ao legislativo legislar sobre objetos individuais. Uma vez
que as leis regulamentam as condições da sociedade, elas são concebidas
pelo povo ao qual se submetem. (ROUSSEAU, 2011, p.50-53).
Quanto ao fim do sistema legislativo, o autor reconhece que:
Se indagarmos em que consiste precisamente o maior bem de todos,
que deve ser o fim de todo sistema de legislação, achar-se-á que se
reduz a estes dois objetos principais: liberdade e igualdade. A
liberdade, porque toda dependência particular é outro tanto de força
tirada ao corpo do Estado; a igualdade, porque a liberdade não pode
existir sem ela. (ROUSSEAU, 2011, p.54).
As leis são divididas em políticas ou fundamentais, civis e criminais.
Políticas ou fundamentais são leis que regulamentam a relação do todo com o
todo ou do soberano com o Estado, constituem a forma de governo; civis
regulamentam a relação dos associados entre si ou com a nação, dessa forma,
somente o Estado pode minorar a liberdade dos associados, os cidadãos são
independentes uns dos outros e dependentes da nação; já as leis criminais
regulamentam a relação do homem com a lei, ou seja, sancionam a
desobediência a outras leis. Somadas a essas três classes estão os costumes,
os hábitos e as opiniões que constituem importância fundamental e superior às
demais classes. (ROUSSEAU, 2011, p.66-67). Chevallier (2002, p.156)
sintetiza essa perspectiva, escrevendo que:
[...] na maioria dos regimes despotismo, monarquia, república mesmo,
as leis seguem os costumes; as leis se dispõem conforme o espírito
geral, forjado por esses costumes; força invencível. Tal situação,
porém, inverte-se em uma nação que tem por objeto direto de suas
leis constitucionais a liberdade política. Então a força do espírito de
liberdade, assim estabelecido, arrasta tudo o mais.
Por fim, independente das cláusulas do contrato, parte-se do
pressuposto de que todos os associados são iguais: “[...] o pacto social
estabelece entre os cidadãos tal igualdade, que todos se obrigam sob as
mesmas condições e devem gozar dos mesmos direitos” (ROUSSEAU, 2011,
p.47). Nesse sentido, a partir do explanado, verifica-se a forte inspiração de
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Beccaria na teoria de Rousseau, principalmente, no que tange à importância da
vontade geral no plano político. Assim como Rousseau, Beccaria (2012, p.4748) entende que a soberania e as leis são constituídas pela vontade geral e
dela prescindem, compreendendo ainda a pena de morte como uma espécie
de guerra declarada contra o cidadão, de forma que a morte deste se torna
“necessária ou útil” ao país.
6 Conclusões Parciais
Percebe-se a preocupação dos clássicos, Hobbes e Rousseau, com os
limites de punir do Estado. Estavam eles ciosos a fim de garantir uma nova
ordem, diversa da que concedia poderes absolutos para o rei. Assim, Hobbes,
ao estabelecer que os homens deveriam pactuar entre a si a transferência de
sua liberdade e auto defesa para um órgão artificial e responsável por protegêlas e Rousseau, ao defender que o ser humano só se torna efetivamente livre
no estado social - o qual é constituído quando todos os contratantes abrem
mão de todos os seus direitos em favor da comunidade e é governado pela
vontade geral (representante da soberania) - tinham como objetivo trazer luzes
ao exercício de um poder que até então se perpetuava arbitrariamente.
Ademais, embora os pontos concebidos pelos teóricos tenham
contribuído para o desenvolvimento de argumentos que continuam a legitimar
ações arbitrárias e desproporcionais no âmbito do processo penal, não se pode
desconsiderar a existência de argumentos que contribuíram essencialmente
para a construção de garantias processuais, principalmente no que se refere à
exigência de respeito ao princípio da legalidade e seus consectários da
anterioridade e taxatividade.
REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 7. ed. São Paulo: Martin Claret,
2012. 128 p.
CHEVALLIER, Jean-jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a
nossos dias. 8.ed.,4.reimp Rio de Janeiro: Agir, 2002. 446 p.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 40.ed.
Rio de Janeiro: Vozes, 2012. 291 p.
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria, forma e poder de um Estado
Eclesiástico e Civil. 2.ed. São Paulo: Martin Claret, 2012. 562 p.
PIRES, Álvaro. A racionalidade penal moderna, o público e os direitos
humanos. Disponível em:
X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq
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<http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/121354/mod_resource/content/1/Pir
es_A%20racionalidade%20penal%20moderna.pdf>. Acesso em: 04 set. 2014.
ROUSSEAU. Jean-Jacques. Do contrato social: Princípios de Direito Político.
Ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. 160 p.
SORELL, Tom. Hobbes. In: BUNNIN, Nicholas e TSUI-JAMES, E. P. (Orgs.).
Compêndios de filosofia. São Paulo: Loyola, 2002. p.529-538.
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