Sistema de coagulação nas glomerulopatias

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(3): 133-141
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M. C. Riyuzo e V. A. Soares - Coagulação e glomerulopatias
Sistema de coagulação nas glomerulopatias
Márcia Camegaçava Riyuzo, Vitor Augusto Soares
Realizou-se a revisão do papel do sistema de coagulação e da agregação plaquetária
na
cronificação das glomerulopatias. A importância desse mecanismo foi sugerida devido a semelhança morfológica entre doenças glomerulares mediadas pelo sistema imune e a toxemia da
gravidez. As evidências da participação do sistema de coagulação e agregação plaquetária são
demonstradas através da deposição de fibrina e agregação plaquetária nas doenças renais
humanas e experimentais. Várias evidências sugerem que a deposição de fibrina pode ser
conseqüência da infiltração glomerular de macrófagos e ou de linfócitos. Nas glomerulopatias
existe aumento da atividade procoagulante glomerular que poderia ser induzida tanto pelas
células participantes do infiltrado inflamatório (linfócitos e macrófagos) como pela lesão
endotelial.
O encontro de antígenos plaquetários nos glomérulos sugere que essas células tenham participação na gênese e progressão de diferentes nefropatias.
Baseados nestes fatos, vários autores têm proposto o uso de anticoagulantes e ou
antiagregantes plaquetários no tratamento de diferentes nefropatias com resultados variáveis.
Departamento de Pediatria e Disciplina de Nefrologia, Departamento de
Clínica Médica.
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP- SP.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Vitor Augusto Soares
Disciplina de Nefrologia - Departamento de Clínica Médica. Faculdade de
Medicina de Botucatu- UNESP - SP
CEP: 18618-970 - Caixa Postal: 584
Fone: (0149) 22-2969 - Fax: (0149) 22-2238
Glomerulopatia, coagulação, plaquetas, progressão lesão renal,
nefropatias
Glomerulopathy, coagulation, platelets, progression of glomerular
lesion, nephropathies
Introdução
Os mecanismos propostos para explicar o processo de cronificação das glomerulonefrites são múltiplos. Os mais estudados na literatura são: alterações
na
hemodinâmica
intra
renal, 1,2,3,4,5
deposição
6, 7, 8
mesangial de lípides
, hipertrofia glomerular, 9, 10, 11
participação de infiltrado celular com liberação de
substâncias vasoativas e proliferativas para células
glomerulares 12, 13, 14, 15, 16 e o envolvimento do sistema
de coagulação e agregação plaquetária. 12, 17, 18, 19, 20
Entre os mecanismos citados será abordado o papel
da coagulação e da agregação plaquetária na evolução das lesões glomerulares.
No processo de coagulação existe a ativação dos
dois mecanismos; ativação da cascata de coagulação e
agregação plaquetária, resultando em formação de
fibrina ou de agregado plaquetário. Ambos os mecanismos são ativados quando ocorre lesão do endotélio. A for mação de fibrina é resultante da ativação
da cascata de coagulação que pode ocorrer pela via
intrínseca ou pela via extrínseca.
A via intrínseca se inicia quando o fator
Hageman (XII) entra em contato com substância
colágena exposta e a via extrínseca quando há libe-
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M. C. Riyuzo e V. A. Soares - Coagulação e glomerulopatias
ração de tromboplastina tecidual - fator III dos tecidos lesados. Uma vez iniciada a cascata de coagulação, o processo torna-se irreversível com ativação
do fator X e das etapas subsequentes para for mação
de fibrina.
A lesão do endotélio com a exposição do colágeno também estimula a aderência de plaquetas no
local da lesão. As plaquetas aderidas sofrem alterações estruturais e liberam adenosina difosfato (ADP),
resultando em agregação plaquetária. As plaquetas
agregadas são ativadas e mais plaquetas tornam-se
aderentes, perdem seus grânulos liberando mais ADP
e aminas vasoativas. Também liberam componentes
lipoprotéicos que são cofatores (fator plaquetário III)
necessários na conversão de protrombina em
trombina que, por sua vez, converte fibrinogênio em
fibrina.
As plaquetas podem induzir lesão tecidual não só
pela sua participação na for mação de trombos, como
também, pela liberação de substâncias mediadoras da
reação inflamatória ou de fatores de crescimento celular. 17
Têm sido enfatizado que a expansão de matriz
mesangial e proliferação de células mesangiais sejam
decorrentes de estímulos de fatores de crescimento
celular, tais como fator de crescimento derivado de
plaquetas, fator beta transformador do crescimento e
fator de crescimento semelhante a insulina além de
substâncias como interleucina 6, interleucina 1 e fator
de necrose tumoral. 21, 22 Entre esses, o fator de crescimento derivado de plaquetas e o fator beta transformador do crescimento estão localizados nos grânulos
plaquetários. Este fato sugere que as plaquetas podem contribuir para progressão da lesão glomerular
através da liberação dessas sustâncias além da via de
coagulação.
Evidências da participação do
sistema de coagulação e agregação
plaquetária nas glomerulopatias
Vassalli e McCluskey, 19 em 1965, foram os primeiros autores a enfatizarem a importância do sistema de
coagulação nas glomerulonefrites. Esta dedução surgiu em decorrência da observação da semelhança
morfológica entre as lesões renais da doença do soro,
da nefrite por anticorpo anti-membrana basal
glomerular e da toxemia da gravidez. A diferença
entre estas doenças está no mecanismo de injúria.
Enquanto as duas primeiras são mediadas pelo siste-
ma imune, na toxemia da gravidez, acredita-se que o
sistema de coagulação exerça um papel importante na
sua gênese. 23
Evidências da participação do sistema de coagulação foram observadas em pacientes com glomerulonefrite aguda grave e rapidamente progressiva. Nestes
pacientes foi detectada, na histologia renal, presença
de material cuja coloração apresentava propriedades
de fibrina. 23
Diversos autores têm relatado a correlação entre
perda de função renal e evidências de presença de
fibrina ou plaquetas nas artérias ou arteríolas glomerulares. 23, 24 Em várias doenças renais têm-se observado a presença intraglomerular de antígenos de membrana plaquetária e antígenos relacionados à coagulação. 25, 26, 27, 28, 29, 30
Também há relatos de que a diminuição da atividade da ADPase na membrana basal glomerular de
rins de ratos ocasiona um aumento da tendência
trombótica intraglomerular. 31
Importância da deposição glomerular
de fibrina
Deposição de fibrina nas glomerulopatias humanas
Alguns pacientes com glomerulonefrite apresentam alterações sistêmicas de coagulação que são devidas à síndrome nefrótica ou à doença de base que
originou a glomerulonefrite tais como sepsis, vasculite
ou doença do tecido conectivo. Nessas doenças têmse relatado a presença de trombocitose, hiperfibrinogenemia, níveis aumentados de proteínas de fase
aguda com atividade anti fibrinolítica 32, 33, 34 e níveis
diminuídos de anti trombina III. 35, 36 A presença de
fibrina e tendência à coagulação nestas doenças seria
conseqüente ao desequilíbrio entre as vias anticoagulantes e coagulantes.
Existem evidências, no entanto, de que nas lesões
glomerulares possa ocorrer a ativação intrarenal do
sistema de coagulação que independe das alterações
sistêmicas.
Nas glomerulonefrites humanas, a deposição de
fibrina está associada com doenças proliferativas e/ou
crescênticas. Nestas glomerulonefrites foi observada a
deposição de fibrina concomitante com o influxo de
macrófagos. 37, 38, 39 Tem sido proposto que a deposição de fibrina nos glomérulos seria consequência do
aumento da atividade procoagulante dos glomérulos
nestes pacientes. 40
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No estudo de biópsias renais de pacientes portadores de nefropatia por imunoglobulina A foi observada a presença de antígenos relacionados a coagulação (fibrina, fator Von Willebrand) em endotélio e
mesângio sugerindo a participação do endotélio em
reações procoagulantes. 29
Outro mecanismo de deposição de fibrina glomerular está relacionado à participação da hipersensibilidade tardia. Isto é sugerido pela observação de
que existe associação entre a presença de linfócitos T,
macrófagos e deposição de fibrina glomer ular. 41
Em vista destas evidências da participação de
fibrina nas glomerulonefrites humanas, vários autores
têm utilizado medicamentos anticoagulantes com o
objetivo de evitar a deterioração da função renal.
O tratamento de pacientes com diferentes glomerulonefrites, com crescentes, com heparina ou warfarin resultou em melhora da função renal em vários
relatos. 42, 43, 44, 45, 46
O tratamento com “ancrod” (um componente do
veneno de cobra que converte fibrinogênio em fibrina
solúvel facilitando sua depuração mais rápida da circulação e resultando em hipofibrinogenemia) em 5
pacientes portadores de glomerulonefrites resultou
em melhora da função renal em todos. As biópsias
renais seriadas mostraram diminuição de trombos
glomer ulares e menor intensidade de necrose. 47
Observou-se também piora da depuração de creatinina após suspensão do tratamento com heparina e
melhora da depuração da creatinina com o reinício do
medicamento 46 ou menor freqüência de evolução
para insuficiência renal. 44
Embora sugestivo de que o uso de anticoagulantes tenha efeito benéfico na evolução das
glomerulonefrites, estes estudos não são conclusivos,
pois foram realizados em pacientes com heterogeneidade de doenças renais, com o uso concomitante
de anticoagulantes e/ou esteróides ou imunossupressores ou antitrombóticos e sem grupo controle, sendo
que dificultam sua interpretação.
Deposição de fibrina nas glomerulopatias experimentais
A deposição de fibrina nos glomérulos tem sido
observada na glomerulonefrite mediada por anticorpo
anti-membrana basal glomerular, glomerulonefrite
induzida por complexos imunes e por antígenos plantados. 48,49
Os estudos dos mecanismos deter minantes da
deposição de fibrina nesses modelos têm demonstrado que existe aumento da atividade procoagulante
glomer ular. 48, 50
Os macrófagos ativados, presentes nos glomérulos, podem aumentar a atividade procoagulante,
quer diretamente pela expressão de moléculas
procoagulantes, quer indiretamente pela produção de
citocinas (Interleucina I, fator de necrose tumoral)
que, agindo nas células endoteliais, alteram a expressão de moléculas procoagulantes e anti-coagulantes
das células endoteliais. 51, 52, 53
Outros fatores que aumentam a atividade procoagulante glomerular são: deposição de componentes do sistema complemento, 53 infiltração de linfócitos
T 41, 54, 55 e imunoglobulinas e deposição de complexos
imunes. 56, 57
As células glomerulares intrínsecas contribuem
para aumento da atividade procoagulante glomerular.
Assim, observou-se que as células mesangiais têm o
potencial de expressar a atividade procoagulante aumentada quando estimuladas pelo fator de necrose
tumoral. 58 Também foi observado que as células
endoteliais e mesangiais sintetizam plasminogênio
tecidual 59 e as células endoteliais glomerulares expressam trombomodulina, que é importante molécula
anticoagulante. 60 As células endoteliais podem aumentar a produção do inibidor do ativador do plasminogênio quando estimuladas por infiltração de
neutrófilos. 49
No modelo de ablação renal em ratos, os animais
desenvolvem hipertensão arterial e proteinúria. À
microscopia óptica, apresentam fibrose periglomerular,
proteína coagulada no espaço de Bowman, trombose
de capilares glomerulares e esclerose glomerular. À
microscopia eletrônica, é observado edema de
podócitos e trombo plaquetário focal. À microscopia
de varredura, verifica-se aneurismas de capilares glomerulares e à microscopia de imunofluorescência, detecta-se depósitos de fibrina. 1, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68
O uso de drogas anticoagulantes, neste modelo,
tem apresentado resultados contraditórios. 61, 62, 63, 66, 69
Assim, o tratamento com coumadin (warfarina sódica)
não alterou a evolução para esclerose glomerular. 69
Por outro lado, o tratamento com heparina, com ou
sem ação anticoagulante, resultou em melhora das
lesões glomerulares, 62, 66, 69 enquanto não ocorreu o
mesmo no estudo de Olson. 61 O tratamento com
heparina sem ação anticoagulante reduziu a proteinúria, além de melhorar as lesões glomerulares. 66
Também no estudo experimental de nefrite mediada por anticorpo anti membrana basal glomerular,
os ratos tratados simultaneamente com heparina, ciclofosfamida e betametasona apresentaram redução
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da proteinúria, porém as lesões glomerulares foram
similares aos animais não tratados. 70
Apesar das observações a respeito do tratamento das glomerulonefrites humanas ainda serem contraditórias, nas glomerulonefrites experimentais, nas
quais utilizou-se tratamento com heparina e substâncias fibrinolíticas, evidenciou-se melhora da função
renal e diminuição, ou desaparecimento, de depósitos
de fibrina na histologia renal. Isto foi evidenciado na
nefrite experimental mediada por anticorpo anti membrana basal glomerular, 30, 71, 72, 73, 74, 75 na nefrite por
complexo imune crônica, 76 na doença aguda do soro
71
e no lupus eritematoso do camundongo. 77
Impor tância da agregação plaquetária
Agregação plaquetária e glomerulopatias humanas
A participação do sistema de coagulação e de
agregação plaquetária nas glomerulonefrites humanas
tem sido estudada através da avaliação da função
plaquetária em pacientes nefróticos, da identificação
de fatores de fibrinólise-coagulação e antígenos de
membrana plaquetária em biópsias. 28, 78, 79, 80, 81
Na avaliação da função plaquetária de 73 crianças portadoras de síndrome nefrótica, com diferentes
lesões glomerulares, a agregação plaquetária estava
aumentada em 22 delas; o soro destes pacientes promoveu o aumento da agregação de plaquetas normais, enquanto que a urina tinha capacidade de inibir
essa agregação. 78 Esses achados sugerem que o aumento da agregação plaquetária tenha sido decorrente
da perda na urina de proteína inibidora da agregação,
normalmente presente no soro.
Também obser vou-se a presença de agregados
plaquetários circulantes em pacientes portadores de
várias doenças renais com Síndrome Nefrótica. No
estudo de 56 pacientes com glomerulonefrite progressiva crônica, sendo 11 deles portadores de Síndrome
Nefrótica, constatou-se níveis maiores de agregados
plaquetários circulantes em pacientes que não foram
tratados com dipiridamol ou sulfinpirazona em relação aos pacientes tratados. 80
Outros autores obser varam que pacientes com
glomerulonefrite membrano-proliferativa e glomeruloesclerose segmentar e focal apresentavam maiores
concentrações de agregados plaquetários circulantes
sugerindo a participação da agregação plaquetária
nestas doenças. 81 No estudo da função plaquetária em
pacientes nefróticos observou-se que as suas pla-
quetas foram mais sensíveis para indução de agregação pelo ácido araquidônico quando comparadas a
plaquetas de indivíduos normais. Maior agregação
plaquetária ocorreu com soro de pacientes hipoalbuminêmicos, sendo que a adição de albumina ao soro
corrigiu esta alteração. 79
Assim, na síndrome nefrótica, a função plaquetária pode estar alterada devido a hipoalbuminemia
quer devido a perda de fatores inibidores da agregação plaquetária.
Na biópsia renal de pacientes portadores de glomerulopatia, a presença de plaquetas nos glomérulos
raramente é detectada, isto porque quando a plaqueta
é estimulada ocorre liberação de substâncias dos seus
grânulos e, em algumas técnicas, a caracterização das
plaquetas é realizada a partir da detecção das substâncias contidas nesses grânulos. 82 No entanto, a pesquisa de deposição renal de antígenos plaquetários nestes pacientes geralmente é positiva, tanto nos
glomérulos como nas arteríolas. Desta forma, encontrou-se deposição de antígenos plaquetários mais freqüentemente nas lesões glomerulares de pacientes
com síndrome hemolítico-urêmica, glomerulonefrite
membrano-proliferativa tipo I e tipo II, nefropatia diabética, nefrite familiar, hipertensão arterial associada
com doença cística ou associada à insuficiência renal
crônica, nefropatia por imunoglobulina A, glomerulonefrite membranosa e glomerulonefrite lúpica. 25, 28, 29
Antígenos plaquetários foram encontrados concomitantemente à deposição de fibrina ou sem a presença de fibrina glomerular. Assim, a presença destes
antígenos foi constatada em 56 biópsias renais de 111
pacientes. Em 29% das biópsias, o antígeno plaquetário estava localizado nos mesmos locais de deposição de fibrina, sendo interpretado que a deposição de
plaquetas poderia ocorrer por ativação da via de coagulação. No entanto, 24% das biópsias renais apresentavam apenas antígeno plaquetário sem fibrina,
podendo-se inferir que o envolvimento das plaquetas
estaria relacionado à interação das plaquetas com a
membrana basal glomerular sem ativação do sistema
de coagulação. 26
Apesar dessas observações, diferentes trabalhos
têm demonstrado resultados contraditórios em relação
ao tratamento de pacientes portadores de glomerulonefrites com drogas anti-plaquetárias. Assim, pacientes com glomerulonefrites membrano-proliferativas tipos I e II tratados com dipiridamol, coumadin e
ciclofosfamida não apresentaram melhora da função
renal quando comparados aos pacientes não tratados. 83
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Em outro estudo, pacientes com glomerulonefrite
membrano-proliferativa tipo I tratados com dipiridamol e aspirina, durante o período de observação de
um ano, apresentaram melhora da função renal. 84
Os resultados diferentes desses dois estudos podem estar relacionados ao tempo de obser vação dos
pacientes. No primeiro estudo foi de 4,3 anos e no
segundo de 1 ano.
O estudo de reavaliação de vários relatos de tratamentos de pacientes com glomerulonefrite membrano-proliferativa com droga anti-plaquetária mostrou que a sobrevida é semelhante em pacientes tratados e não tratados quando avaliados por período de
10 anos. 85
Agregação plaquetária nas glomerulopatias experimentais
Embora os estudos das glomerulonefrites humanas apenas surgiram a participação do sistema de coagulação e de agregação plaquetária na evolução para
esclerose glomerular, os resultados decorrentes do
estudo das diferentes glomerulopatias experimentais
mostram maiores evidências desses fatores na patogenia das glomerulonefrites.
No modelo de ablação renal em ratos obser vouse trombose de capilares glomerulares à microscopia
óptica, edema de podócitos e presença de trombo
plaquetário focal à microscopia eletrônica e presença
de aneurismas de capilares glomerulares à microscopia de varredura. 1, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 68
A importância da agregação plaquetária na progressão da lesão renal, neste modelo, tem sido discutida. Assim, foi observado que animais tratados com
aspirina (inibidor seletivo da ciclooxigenase plaquetária) apresentaram diminuição da intensidade da lesão renal, 65 enquanto outros autores não demonstraram o efeito benéfico desta droga. 86 Zoja e cols. demonstraram que o uso de ticlopidina (droga que altera várias funções plaquetárias) associou-se com
menor intensidade de lesão glomerular. 68
Também observou-se que ratos com ablação renal
tratados com um inibidor da sintetase do tromboxane
(OK 41581) apresentaram menores alterações glomerulares. 64, 65 Como o tromboxane, entre as suas diferentes ações, é capaz de aumentar adesividade plaquetária, os autores propuseram que isto seria uma
evidência a favor da importância das plaquetas no
mecanismo de lesão neste modelo. O tromboxane
também pode ser produzido por células glomerulares
quando estimuladas por radicais de oxigênio. Estudo
in vitro, utilisando glomér ulos isolados e incubando -
os com xantina/xantina oxidase (sistema capaz de
gerar radicias livres de oxigênio), observou- se a produção aumentada de Tromboxane B2 e prostaglandinas como PGE2, 6 ceto PGF 1 alfa (metabólito ativo
da prostaciclina). 87 Entre as células glomerulares, as
mesangiais são as que predominantemente produzem
radicais livres de oxigênio. 88, 89, 90
Baseado nestas observações, tem sido proposto
que no modelo de ablação renal a presença de hipertensão glomerular provocaria a for mação de microaneurismas, lesão em endotélio com exposição de
substância colágena e subseqüente agregação plaquetária que pode levar a liberação de produtos
plaquetários (serotonina e fator de crescimento derivado de plaquetas), afetando a per meabilidade do
capilar e resultando em proteinúria, além de produzir
proliferação de músculo liso. Além disso, a agregação
plaquetária pode ativar a coagulação intra glomerular
com subseqüente fibrose e esclerose. Assim, no modelo experimental de ablação renal, as alterações
hemodinâmicas parecem ser o mecanismo inicial de
progressão de lesão glomerular e os eventos relacionados ao processo de coagulação intraglomerular e
agregação plaquetária parecem influir na evolução da
nefropatia.
Nas glomerulonefrites experimentais induzidas
por mecanismos imunológicos observa-se infiltrado
de polimorfonucleares e plaquetas localizadas em
glomérulos ou presença de infiltrado mononuclear intersticial. 70, 91, 92, 93, 94
No modelo experimental de nefrite mediada por
anticorpo anti membrana basal glomerular, o tratamento com dipiridamol resultou na diminuição da
proteinúria. 93
Neste modelo de nefrite observou-se a elevação
do fator ativador de plaqueta (PAF). Quando os animais foram depletados de plaquetas ou complemento
ocorreu a redução do fator ativador de plaquetas, supondo-se que a infiltração de plaquetas contribua
para o aumento dos níveis dessa substância. 95 Como o
fator ativador de plaquetas pode induzir agregação
plaquetária, quimiotaxia, aumento da per meabilidade
vascular e estímulo da produção de eicosanóides, 96
alguns autores têm sugerido um papel do fator ativador de plaquetas na patogênese desta glomerulonefrite. 95
Na nefrite nefrotóxica foi obser vada redução da
atividade da ADPase concomitante ao acúmulo de
plaquetas intraglomerulares. O tratamento desses animais com superóxido dismutase aumentou a atividade
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da ADPase e diminuiu o número de agregados
plaquetários intraglomerulares. 94 Em estudo in vitro
utilizando plaquetas humanas, observou-se que os
radicais livres de oxigênio aumentaram a adesão
plaquetária induzida pela trombina. 97 Estes dados em
conjunto sugerem que a deposição de plaquetas neste
modelo pode ser mediada pela for mação de radicais
livres de oxigênio.
No modelo de glomerulonefrite ativa de Heymann, o tratamento com dipiridamol resultou na diminuição da proteinúria, sem melhora das lesões glomerulares. 93 Também, neste estudo, o tratamento com
aspirina, ticlopidina ou batroxobina (substância que
reduz o fibrinogênio plasmático) não reduziu a proteinúria e nem impediu a evolução da lesão renal. 93
Resultados diferentes foram obtidos no modelo
experimental de glomerulonefrite por complexo
imune, induzida pela imunização subcutânea com
albumina do soro bovino, em ratos espontaneamente
hipertensos. Os animais tratados com ticlopidina ou
dipiridamol apresentaram diminuição da proteinúria,
entretanto, apenas os tratados com ticlopidina apresentaram menores freqüências de lesões glomer ulares. 98
Na glomerulonefrite por complexo imune induzida pela concanavalina A em ratos, a depleção de
plaquetas resultou em diminuição da excreção
urinária de albumina e redução significante de trombos intraglomerulares, da necrose segmentar e menor
deposição de fibrina nos glomérulos. 70
No modelo experimental de glomerulonefrite com
anticorpo anti-timócito, obser vou-se a redução da atividade da ADPase concomitante ao acúmulo de
plaquetas intraglomerulares. O tratamento desses animais com superóxido dismutase aumentou a atividade da ADPase e diminuiu o número de agregados plaquetários intraglomerulares. 94 Assim, neste modelo, é
sugestivo que a deposição de plaquetas pode ser
mediada pela formação de radicais livres de oxigênio.
A depleção de plaquetas, prévia à indução de glomerulonefrite experimental anti timócito em ratos, resultou em menor proliferação de células glomerulares e
melhor função renal. 91
Outros modelos experimentais têm sido utilizados
para estudar os mecanismos de progressão de lesão
glomerular para esclerose tais como as nefropatias induzidas por drogas como a adriamicina e o aminonucleosídeo de puromicina. 6, 99, 100
Nestes modelos experimentais, a importância das
plaquetas tem sido pouco estudada. Na nefropatia
induzida pelo aminonucleosídeo de puromicina em
ratos, obser vou-se presença de imunoglobulina M e
antígeno, relacionado a fibrina nas paredes capilares
e no mesângio. 101 Neste modelo, ocorreu redução do
infiltrado intersticial e da proteinúria nos animais tratados com antagonista do fator ativador de plaquetas.
102
De for ma semelhante, o antagonista do fator
ativador de plaquetas reduziu o infiltrado intersticial e
a proteinúria na nefropatia induzida por adriamicina
em ratos 102, 103 e a morfologia renal foi semelhante aos
animais controles sadios. 103
Na nefropatia induzida pela adriamicina, o tratamento com inibidor da tromboxane-sintetase resultou
em redução da síntese de tromboxane B2, da excreção do tromboxane B2, da proteinúria e da freqüência de esclerose glomerular. 104
Conclusão
Em conclusão, podemos afirmar que a presença
de depósitos de fibrina e de antígenos plaquetários
nas diferentes glomerulopatias humanas e experimentais está bem determinado, porém., a importância dessa deposição na gênese e progressão das diferentes
nefropatias é discutível.
Os estudos em seres humanos feitos, na sua
maior parte, com a utilização de diferentes associações de drogas e geralmente não apresentando grupos controles, não per mitem chegar a conclusões.
Os trabalhos experimentais, que avaliaram a importância de deposição de fibrina, demonstraram que
existe associação entre a diminuição dos depósitos de
fibrina e atenuação das lesões glomerulares, sugerindo que esta deposição tenha importância na gênese
da lesão glomerular.
A importância da agregação plaquetária na patogenia e evolução das glomerulopatias humanas e
experimentais, no entanto, não está completamente
esclarecida.
Observa-se que nas nefropatias mediadas pelo
sistema imune, os estudos sobre a importância das
plaquetas na gênese das lesões renais indicam que o
bloqueio da agregação plaquetária é capaz de reduzir
a proteinúria sem alterar a intensidade da lesão renal.
Por outro lado, estudos realizados nas nefropatias
induzidas por drogas (aminonucleosídeo de puromicina, adriamicina) ou por ablação de massa renal
obser varam que a inibição da agregação plaquetária
foi capaz de reduzir a progressão da lesão glomerular,
quando estudada a curto prazo.
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Agradecimentos
Os autores agradecem a Professora Doutora
Dinah Borges de Almeida e ao Professor Doutor
Herculano Dias Bastos pela revisão criteriosa deste
manuscrito.
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