A liderança do Brasil no continente Maria Clara Lucchetti Bingemer A crise se abateu sobre a bolsa e o mercado norte-americanos e surpreendentemente o Brasil parece que vai se saindo bem e não sendo muito afetado pela mesma. Ou pelo menos tem condição de enfrentar os desafios que advêm da dita crise. Inegavelmente é um fenomeno novo este da liderança brasileira no continente. Potencial sempre tivemos. País grande, de dimensões continentais, rico, com recursos abundantes, etc. Mas com nosso eterno complexo de cachorro vira-lata, estávamos habituados a olhar para nossos vizinhos, sobretudo para a orgulhosa Argentina sentindo-nos inferiores. Não éramos país culto, nem sofisticado, nosso povo era pobre e aqui havia miséria, enquanto em outros países havia apenas pobreza com dignidade, etc. Culpávamos vários e várias. A colonização portuguesa, o fato de termos sido repositório de degredados, com os portugueses enviando para cá a escória máxima que tinham em suas terras; a escravidão, último país que fomos a aboli-la; nossos indígenas, que eram indolentes e incapazes de inculturar-se como os dos demais países. Etc. e etc. As queixas iam por aí e não paravam tão facilmente. A não ser o futebol, não liderávamos nada. Não acreditávamos que chegaria o momento em que seriamos olhados com respeito pelos outros, desempenhando incontestável liderança no continente latino-americano. O Brasil tornou-se protagonista dos processos continentais, ganhou estatuto de “investment grade”, tem uma economia que vai se mantendo estável já há um bom tempo e se destaca nos cenários político e economico. Inclusive quando há conflitos políticos protagonizados pelos chefes de governo dos países vizinhos, a mediação brasileira tem se revelado eficaz e hábil. O próprio processo de fortalecimento do Mercosul dependerá, em grande medida, da compreensão e aceitação, por parte sobretudo da Argentina, da liderança que o Brasil exerce no continente. Em palavras do próprio Chanceler do governo Kirchner, Rafael Bielsa,”existem elementos objetivos que indicam que o Brasil, do ponto de vista quantitativo, é uma das principais potências do mundo, coisa que a Argentina não é”. Mais recentemente, há alguns meses, a conceituada revista The Economist dedicou matéria de capa a uma leitura geopolítica que incomodou profundamente os brasileiros. Na capa, estampava a provocação, quase sentença, com fotos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, e a pergunta: "Quem lidera a América Latina?". A resposta, nas páginas internas, decretava a vantagem do líder bolivariano, destacando que o Brasil perdera a frente estratégica para Chávez por excesso de timidez na hora de se contrapor às táticas agressivas do venezuelano em questões tais como a crise do gás com a Bolívia, o uso dos petrodólares como trampolim político e a corrida armamentista no continente. Olhando o quadro hoje, sobretudo após a histórica passagem brasileira ao patamar de investimento seguro, é possível concluir, com a mesma certeza dos editores britânicos, que o Brasil continua mais líder do que nunca na América Latina. E que o diagnóstico do The Economist, portanto, está defasado. Líder inconteste na economia e na política, portanto, parece que o estamos sendo. E, no entanto, como é triste perceber que em termos de desenvolvimento humano ainda pertencemos a um patamar civilizatório inferior a muitos de nossos vizinhos, sobretudo os do Cone Sul. Ainda com altas taxas de analfabetismo, o Brasil está longe de ter progredido nas áreas de saúde e educação, essenciais para um desenvolvimento que não seja medido apenas pelo crescimento econômico que beneficia sobretudo alguns poucos e deixa um terço abaixo da linha de pobreza. Que nos próximos anos e décadas nosso grande país possa consolidar uma verdadeira e real liderança que não se mostre apenas por números e menções honrosas de investimento seguro, mas pelo fato de que sua gente levanta a cabeça rumo a uma autonomia nascida da educação, da cultura, enfim de conquistas que ninguém poderá arrancar-,lhe. Que as eleições que se aproximam reflitam essa opção por parte do eleitorado brasileiro, é o que desejamos do fundo do coração.