Tema 4 Rev. Medicina Desportiva informa, 2013, 4 (5), pp. 20–21 Oxigenoterapia hiperbárica na recuperação de lesões desportivas Dra. Mariana Cervaens1, Dra. Daniela Martins Mendes2,3, Dr. Óscar Camacho4, Prof. Dr. Pedro Barata1,5 1 Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa; 2Serviço de Medicina Interna – Centro Hospitalar V.N. Gaia Espinho, E.P.E; 3Departamento Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 4Unidade de Medicina Hiperbárica – ULS Matosinhos. 5Centro Hospitalar de S. João, E.P.E. Porto. RESUMO / ABSTRACT A oxigenoterapia hiperbárica (OTH) consiste na administração de oxigénio a 100%, a pressões superiores a 1 atmosfera absoluta dentro de uma câmara hermética. O crescente interesse pela OTH tem levado a diversos estudos que demonstram o interesse terapêutico em diversas patologias e a segurança. A OTH é conhecida por diminuir o edema, através da redução capilar, por aumentar a microcirculação, diminuindo a resposta inflamatória e por estimular a síntese a deposição de colagénio. No campo do tratamento de lesões desportivas, o uso de OTH é promissor, sendo no entanto ainda necessários estudos mais aprofundados. Hyperbaric oxygen therapy (HBO) consists in the administration of oxygen (100%), at pressures superior than 1 atmosphere absolute inside a sealed chamber. The growing interest on HBO generated many studies that demonstrated its clinical interest in several pathologies and its safety. HBO is known to reduce oedema by increasing microcirculation and therefore decrease capillary, to reduce the inflammatory response and to stimulate the synthesis of collagen as well as its deposition. Concerning to sports injuries treatment, HBO seems promising but more studies are necessary. PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS Oxigenoterapia hiperbárica, lesões desportivas Hyperbaric oxygen therapy, sports injuries Introdução A oxigenoterapia hiperbárica (OTH) é uma modalidade de tratamento que consiste na inalação de oxigénio puro (O2 a 100%), por pacientes que estão dentro de uma câmara hiperbárica, a uma pressão ambiente superior à pressão atmosférica medida ao nível do mar, ou seja, pressões superiores a 1 atmosfera absoluta (1 ATA) ou 760 mmHg1. Foi inicialmente desenvolvida devido à doença de descompressão associada a mergulhadores e a mineiros, esta terapia tem sido alvo de investigação e sofrido alterações desde o século XVIII, ganhando credibilidade científica em meados do século XX com os trabalhos de Boerema2. Os ensaios clínicos efetuados nesta altura constataram que o oxigénio quando inalado no seu estado puro em ambiente hiperbárico comporta-se como um fármaco multifacetado, dotado de propriedades 20 · Setembro 2013 www.revdesportiva.pt anti-isquémicas, anti-hipóxicas, anti-edematosas, pró-cicatrizantes e anti-infeciosas, tendo desde então suscitado enorme interesse em diversas áreas1, sendo uma delas a influência desta terapia na recuperação de lesões desportivas3. Saliente-se, no entanto, a OTH não é totalmente inócua, podendo apresentar alguns efeitos secundários, como as lesões barotraumáticas e as causadas pelo stress oxidativo4. As lesões orgânicas, induzidas pela hiperóxia, devem-se principalmente a um excesso de radicais livres que, por sua vez, pode causar toxicidade cerebral ou pulmonar2. Desta forma, tornou-se necessário definir quais as indicações para a utilização da OTH, tendo como critério a sua evidência científica dos seus benefícios. Estas indicações são aprovadas na Europa pelo Comité Europeu de Medicina Hiperbárica5. Não estando classificada como fortemente recomendada, a OTH tem sido sugerida apenas como um tratamento coadjuvante para lesões desportivas6, mas, no entanto, continua a ser uma área que necessita de estudos mais aprofundados. Modelos humanos e animais têm vindo a demonstrar resultados promissores, nomeadamente no que diz respeito à aceleração da recuperação. Potera7, em 1995, na Temple University, realizou um estudo em entorses do tornozelo, cuja recuperação foi acelerada em cerca de 30% nos atletas que realizaram protocolo com OTH, comparativamente com o grupo de controlo. No entanto, a amostra era pequena e a variabilidade dos grupos foi grande, o que limita o significado dos resultados. Outros estudos realizados em animais8 e em humanos9 demonstraram que a OTH parece ser eficaz na recuperação de lesões ligamentares, tanto a nível de diminuição de dor, como na recuperação funcional. Por sua vez, Borromeo e colaboradores10 realizaram um ensaio clínico duplamente cego, randomizado, em 32 indivíduos com entorse aguda do tornozelo, que foram sujeitos a três sessões de OTH a 2 ATA, e verificaram que o tratamento não influenciou a evolução do edema, os índices de dor subjetiva e de movimento passivo ou o tempo de recuperação. Staples e seus colaboradores11 também realizaram um estudo randomizado controlado com placebo, em 66 pacientes com sensação retardada de dor muscular do quadricípite. Concluíram que a OTH teve melhor efeito quando aplicada imediatamente após a lesão. Uma meta-análise realizada por Bennett e seus colaboradores3, com o intuito de explorar o efeito da OTH na sensação retardada de dor muscular, não encontrou nenhuma evidência na aceleração da recuperação e na melhoria da sintomatologia causada por esta lesão. Mesmo que em grande parte dos estudos se tenha verificado alguma evidência dos possíveis benefícios da OTH, a meta-análise encontrou muitas falhas metodológicas dos estudos, destacando-se entre elas o pequeno tamanho amostral. Ishii e seus colaboradores12 realizaram um protocolo de recuperação da fadiga muscular em atletas de alto nível nos Jogos Olímpicos de Bibliografia Inverno de Nagano. Neste estudo, sete atletas olímpicos receberam tratamento com OTH durante 30-40 minutos a 1.3 ATA, até a um máximo de 6 vezes por atleta. Verificou-se que todos os jogadores beneficiaram dos efeitos da OTH. Anteriormente, Fischer e colaboradores13 tinham relatado que o tratamento com OTH era capaz de remover o amoníaco a partir do sangue, o que poderia conduzir a uma recuperação mais rápida da fadiga. Estes dados foram igualmente confirmados por Haapaniemi e colaboradores14, os quais acrescentaram que o ácido lático também foi eliminado de forma mais rápida quando sujeitos a OTH. No entanto, tais resultados não são confirmados no estudo de Rozenek e colaboradores15. Sabe-se, contudo, e no que diz respeito à recuperação da lesão de contusão muscular, que a OTH parece influenciar os parâmetros biomecânicos do músculo. Num trabalho realizado por estes autores, este tipo lesão foi induzida nos isquiotibiais de 12 ratos, dos quais seis foram submetidos a 3 sessões de 60 minutos de OTH a 2.5 ATA e seis foram usados como controlo. Após os músculos terem sido biomecanicamente analisados através de uma máquina de tração verificou-se que, comparativamente com o grupo de controlo, o grupo submetido a OTH obteve melhores resultados nas propriedades de rigidez e carga no limite máximo. Não se verificaram diferenças nos dois grupos em relação aos parâmetros hematológicos, mas já os valores de CPK foram significativamente inferiores no grupo tratado com OTH16. Em lesões que envolvam ossos, músculos e ligamentos, a OTH aparenta ter um papel promissor no que diz respeito à aceleração da recuperação das diferentes lesões mas, devido à escassez de evidência científica, deve ser encarada como uma terapia complementar17. Conclusão A OTH está a ser cada vez mais considerada no tratamento de uma série de patologias em diferentes áreas médicas, mesmo que ainda não haja um completo conhecimento dos mecanismos envolvidos no processo de tratamento. Embora inicialmente algumas críticas tenham sido levantadas sobre a segurança desta terapêutica, a evidência está a demonstrar o contrário. Três principais mecanismos parecem estar envolvidos nos benefícios do tratamento devido ao tratamento com OTH: redução do edema, melhoria da cicatrização dos danos celulares iniciados pela lesão e / ou a atenuação do dano por radicais livres. Alguns resultados interessantes têm sido apresentados para o uso da OTH para o tratamento de lesões desportivas, mas esses estudos não são conclusivos, essencialmente devido a falhas metodológicas, sendo necessários mais estudos para poder invocar evidência científica do benefício do uso de OTH no tratamento de certas lesões desportivas. 1. Staples Je Clement D. Hyperbaric oxygen chambers and the treatment of sports injuries. Sports Medicine.1996; 22: 219-227. 2. Albuquerque e Sousa JG. Oxigenoterapia hiperbárica (OTHB): Perspectiva histórica, efeitos fisiológicos e aplicações clínicas. Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna. 2007; 14: 219-227. 3. Bennett MH, Stanford RE, e Turner R. Hyperbaric oxygen therapy for delayed onset muscle soreness and closed soft tissue injury. Cochrane Database Syst Rev.2005; 19(4). 4. Barnett A. Using Recovery Modalities between Training Sessions in Elite Athletes: Does it Help? Sports Medicine.2006;36: 781-796. 5. 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