Artigo de Revisão A oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da osteorradionecrose de mandíbula em pacientes com carcinoma epidermóide avançado de boca Hyperbaric oxygen therapy in the treatment of osteoradionecrosis of the jaw in patients with advanced squamous cell carcinoma of mouth Resumo O carcinoma epidermoide (CEC) de boca corresponde a 95% das lesões malignas desta região anatômica, sendo que aproximadamente cerca de 50% a 70% são diagnosticados como avançados e destes, 40% apresentando metástase linfonodal. A cirurgia deve ser a primeira opção de tratamento do CEC de boca em estádios avançados, entretanto, a radioterapia e quimioterapia podem ser indicadas inicialmente. A oxigenoterapia hiperbárica (OTH) consegue reverter alterações teciduais tardias causadas pela irradiação e produz efeitos sobre a angiogênese estimulando a microvascularização. Nesta revisão de literatura discutimos a importância da utilização de oxigênoterapia hiperbárica em pacientes portadores de CEC avançado de boca, tratados com radioterapia e que evoluíram para osteorradionecrose de mandíbula. Vinicius Pioli Zanetin 1 Sergio Altino Franzi 2 Abstract The oral squamous cell carcinoma (OSCC) is 95% of all malignant tumors of this anatomical region, with approximately 50% to 70% are diagnosed as advanced and of these, 40% had lymph node metastasis. Surgery should be the first choice treatment of OSCC in advanced clinical stage, however, radiotherapy and chemotherapy may be indicated initially. Hyperbaric oxygen therapy (HBOT) can reverse tissue changes caused by irradiation and delayed effect on angiogenesis by stimulating the microvasculature. In this review we discuss the importance of the use of HBOT in patients with advanced OSCC treated with radiotherapy and patient that developed osteoradionecrosis of the jaw. Key words: Carcinoma, Squamous Cell; Radiotherapy; Osteoradionecrosis; Jaw; Hyperbaric Oxygenation. Descritores: Carcinoma de Células Escamosas; Radioterapia; Osteorradionecrose; Mandíbula; Oxigenação Hiperbárica. Introdução O termo câncer de boca pode englobar várias neoplasias que acometem a cavidade bucal em suas mais variadas etiologias e aspectos histopatológicos. Sendo o mais frequente desta região anatômica o carcinoma epidermoide (CEC) que corresponde entre 90% a 95% dos casos de câncer na boca (Carvalho et al., 2001; Dedivitis et al., 2004). Dentre os fatores de risco mais conhecidos do CEC de boca, os hábitos do tabagismo e o etilismo de modo contínuo estabelecem um sinergismo entre esses dois fatores de risco, aumentando em 30 vezes o risco para o desenvolvimento deste tipo de neoplasia maligna de vias aerodigestivas superiores. Também se pode atribuir como cofatores ao desenvolvimento do CEC de boca os hábitos alimentares com baixos padrões nutricionais associados ao estilo de vida, próteses dentárias más ajustadas, câmaras de sucção (artifício utilizado para obter-se uma maior fixação de prótese dentária). Dentes fraturados ou remanescentes dentários também constituem, ao longo de anos, causa de lesões hiperplásicas ou pré-malignas e podem ser um cofator ao desenvolvimento do câncer da boca, por favorecer a ação de outros carcinógenos, particularmente, o tabaco e o álcool (Regezi e Sciubba, 1991; Pavia et al., 2006). Estimam-se para o Brasil, no ano de 2012, cerca de 9.990 casos novos de câncer de boca em homens e 4.180 em mulheres, sendo que esses valores correspondem a um risco de 10:100.000 homens e 4: 100.000 mulheres, sem considerar os tumores de pele não melanoma (INCA, 2011). A cirurgia permanece como primeira opção de tratamento do CEC bucal, devendo a radioterapia (RXT) ser 1)Especialista. Coordenador. 2)Doutor em Medicina (Oncologia) – FMUSP. Coordenador da Oncologia de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral “Dr. José Pangella” de Vila Penteado - São Paulo. Instituição: Hospital Geral “Dr. José Pangella” de Vila Penteado - São Paulo. São Paulo / SP – Brasil. Correspondência: Vinicius Pioli Zanetin - Avenida Ministro Petrônio Portella, 1642; Jardim Iracema; CEP: 02802120 - São Paulo – E-mail: [email protected] Artigo recebido em 5/11/2012; aceito para publicação em 7/1/2013; publicado online em 30/06/2013. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. 118 e������������������������������������������������ Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 2, p. 118-123, abril / maio / junho 2013 A oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da osteorradionecrose de mandíbula em pacientes com carcinoma epidermóide avançado de boca. indicada quando a lesão não é removida cirurgicamente com margem de segurança ou quando o tumor se apresenta em fase avançada no momento do diagnóstico. Entre 40% e 45% dos pacientes com lesão em estádios III ou IV, consideradas passíveis de remoção pela cirurgia, apresentam recidiva loco-regional ou à distância. Para este grupo indica-se quimioterapia (QT), porém, avaliando os resultados, não ocorre benefício significativo em termos de aumento na sobrevida (Sciubba, 2001). A osteorradionecrose (ORN) de mandíbula é descrita como uma grave complicação da radioterapia caracterizada pela seguinte sequência: radiação ionizante, trauma, exposição óssea. A radiação reduz o potencial de vascularização dos tecidos e leva a um estado hipóxico que põe em risco a atividade celular e formação de colágeno (Perrier e Moeller, 1994). A oxigenoterapia hiperbárica (OTH) é uma modalidade terapêutica que se fundamenta na obtenção de pressões parciais elevadas de oxigênio, aplicadas no interior de uma câmara hiperbárica, a uma pressão superior a da atmosfera (Muñoz et al., 2005). A OTH inclui a inalação de ar e de misturas gasosas respiráveis e hiperoxigenadas. A oxigenização hiperbárica é um tipo de tratamento baseado na inalação de oxigênio puro em ambiente com pressão superior à atmosfera medida ao nível do mar (Desola et al., 1998; Fernandez, 2009). Essa terapia é composta por três elementos fundamentais: a inalação de O2, o aumento de pressão e a câmara hiperbárica (Costa-Val et al., 2003). Com este levantamento da literatura discutimos a ORN de mandíbula decorrente do tratamento oncológico do CEC avançado de boca submetido à RXT e a indicação da OTH. Revisão da Literatura Beumer et al., em 1984, relata que a causa mais comum para o desenvolvimento da ORN é a exodontia pósradiação, seguido de patologias dentárias e exodontias pré-irradiação. A OTH é um recurso terapêutico que tem sido utilizado antes e depois de exodontias, com taxas em torno de 98,5% de cicatrização adequada, segundo a literatura. O OTH atua em sinergia com os antibióticos, tornando desfavorável a proliferação bacteriana e interferindo na produção e atividade de toxinas, além, de ser diretamente bactericida para os germes anaeróbios. Fattore e Strauss, em 1987, observaram que a OTH, para ser eficaz, necessita ser estabelecida às pressões ideais, tempos de exposição, frequência e número de tratamentos necessários para a cura da ORN de mandíbula. Buscaram relacionar a eficácia desse tratamento como uma modalidade de terapia inicial que ainda não foi estabelecida e a utilizou como adjuvante no tratamento de ORN refratário. Obtiveram como conclusão que são necessários ensaios clínicos controlados para identificação de pacientes que são suscetíveis à conduta proposta, ou seja, responder à OTH sem cirurgia radical, para delinear um programa de tratamento aos pacien- Zanetin et al. tes e para programar a cirurgia de ORN de mandíbula, quando uma quantidade significativa de perda de massa óssea estiver envolvida. Com isto posto, para possibilidades de escolhas utilizando-se os diferentes protocolos de tratamentos, dentre eles a indicação da OTH pré ou pós-sequestrectomia como adjuvante, deve-se levar em conta o estadiamento clínico do tumor se no tratamento inicial verifica-se a necessidade de cirurgia ou irradiação ionizante, a recidiva loco-regional, a extensão da ORN. Para isso, são necessários ensaios clínicos controlados para identificação de pacientes suscetíveis a responder à OTH, ou o emprego da OTH para a ocorrência de ORN com a presença de perda significativa de massa óssea (Fattore e Strauss, 1987). Para Teixeira et al., em 1991, a ORN é uma das complicações mais temidas no tratamento de câncer da cabeça e do pescoço. As primeiras experiências com a OTH, em combinação com uma operação de preservar a continuidade do osso (desbridamento do osso e fechamento primário de partes moles) foram realizadas em um grupo de oito pacientes que evoluíram com ORN da mandíbula. A OTH foi aplicada durante um intervalo de tempo de 13 a 52 horas e somente dois pacientes que receberam mais de 50 horas de OTH atingiram a recuperação total da mandíbula, ao salvar a sua continuidade óssea. Em um caso onde não houve recidiva clinicamente manifesta do tumor, este apresentou crescimento rápido sob a ação da OTH. Em três casos a ressecção parcial da mandíbula teve que ser realizada sem reconstrução para a cura, não havendo alteração da qualidade de vida e em dois pacientes houve persistência da doença. Hermans et al., em 1996, informa que o diagnóstico da ORN de mandíbula é baseado no exame clinico do osso cronicamente exposto, sendo que os exames de imagem revelam a densidade óssea diminuída e fraturas ocasionais. A tomografia computadorizada (TC) mostra alterações ósseas com áreas líticas focais, corticais interrompidas e perda do trabeculado esponjoso, frequentemente acompanhada de espessamento de partes moles. Neovius, Lind e Lind, em 1997, afirmam que a RXT conduz a danos das células dos tecidos e sua vascularização. A cirurgia em tais tecidos tem uma taxa aumentada de complicações, porque a cicatrização de feridas requer a angiogênese e fibroplasia, bem como a atividade leucocitária, todos os quais estão em risco. Segundo esses autores a OTH aumenta os níveis de oxigênio no tecido hipóxico, estimula a angiogênese e fibroplasia, e tem efeitos antibacterianos. Bueno e Carvalho, em 1997, estudaram pacientes portadores de CEC de boca submetidos à RXT exclusiva ou em associação com cirurgia. No cálculo da prevalência de ORN foram avaliadas a extensão da lesão primária (T) e influência das cirurgias que envolviam ou não o tecido ósseo, a dose de irradiação e a idade. Foi encontrada prevalência de 31,5% de ORN, sendo a dose de radiação o fator de maior influência. A extensão da cirurgia não interferiu na ORN, sendo indiferente se houve ou Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 2, p. 118-123, abril / maio / junho 2013 – –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 119 A oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da osteorradionecrose de mandíbula em pacientes com carcinoma epidermóide avançado de boca. não resseção de parte da mandíbula. A idade se mostrou correlacionada à ocorrência de ORN, com prevalência nas pessoas de mais de 60 anos. Cronje, em 1998, realizou uma revisão dos protocolos propostos por Marx, em 1983, para prevenção e tratamento da ORN. Orienta para que nenhuma cirurgia deva ser tentada antes de os primeiros trinta tratamentos com OTH fornecerem a angiogênese suficiente para suportar a cirurgia. Segundo o autor, ao utilizar os protocolos de Marx, em 1983, observou que mais de 95% dos pacientes podem ser curados com sucesso de sua doença, com resultados funcionais e esteticamente aceitáveis. Hao et al., em 1999, considera a ORN uma das complicações mais graves e devastadoras da RXT. Em um estudo prospectivo de uma abordagem sistemática para ORN, entre 1993 a 1998, 33 casos de ORN na área de cabeça e pescoço foram tratados com uma abordagem sistemática para sequestrectomia combinada e OTH. Com este estudo pôde-se avaliar que a cirurgia ainda desempenha um papel importante no controle da ORN e a OTH é coadjuvante. Da mesma forma, Vudiniabola et al., em 2000, em estudo com 17 pacientes em Adelaide, concluiu que a OTH foi eficaz, com ou sem cirurgia, no tratamento de câncer de boca e em tratamento de ocorrências secundárias. Becker et al., em 2002, em pesquisa em que efetuou medições de pressão parcial de oxigênio (PO2) em pacientes selecionados com câncer de cabeça e pescoço sob OTH para determinar em que medida as mudanças na oxigenação promovem possível melhora e são mantidas após a OTH, obteve como resultado um aumento significativo da oxigenação do tumor em todos os sete pacientes investigados. Jereczek e Orecchia, em 2002, afirma que a RXT provoca alterações vasculares, o fluxo sanguíneo diminui bem como os nutrientes e células de defesa, levando à degeneração na estrutura do osso maxilar e mandibular e causando necrose. Esta necrose é uma complicação pós-RXT muito grave e pode persistir por um longo tempo e seu tratamento é difícil e, muitas vezes é a causa considerável de morbidade. A incidência de ORN de mandíbula varia de 0,4% a 56%. Segundo esses autores, histologicamente, a ORN é caracterizada pela morte dos osteócitos, ausência dos osteoblastos dos ossos marginais e a insuficiência de novos osteóides Portanto, a utilização da OTH como adjuvante ao tratamento oncológico, depende do diagnóstico precoce de ORN que, na maioria dos casos ainda é feito tardiamente. Nesse sentido, há a necessidade de se enfatizar a educação para a prevenção, decorrente de diagnóstico precoce, visando um prognóstico mais favorável (Machado et al., 2003). Costa-Val et al., em 2003, em relação à radiação ionizante, lesões induzidas dos ossos, tecidos moles e mucosa, afeta o tecido saudável causando necrose, cujo substrato patológico é a endarterite obliterante Zanetin et al. progressiva, o que resulta em um tecido hipocelular, hipovascular e hipóxico (Triple H). A evolução natural do processo é a deterioração gradual à necrose sem remissões espontâneas. Nos anos setenta do século XX, foi estabelecido o efeito benéfico da OTH como tratamento adjuvante de ORN mandibular e profilaxia de complicações antes e pós-manipulação óssea, ou tecidos moles irradiados, como exemplo, em casos de exodontias ou cirurgias plásticas. A OTH restaura a tensão de oxigênio nos tecidos e estimula a neovascularização, o aumento de PO2. Numa visão multidisciplinar, os protocolos odontológicos direcionados aos pacientes com câncer de cabeça e pescoço visam minimizar as sequelas decorrentes da terapia oncológica, podem vir a ser utilizados como instrumentos de prevenção e tratamento dos efeitos da RXT e da QT, na cavidade bucal. A condição de saúde bucal apresenta íntima relação com câncer de boca, sendo que as lesões na mucosa bucal são provocadas na maioria das vezes por uma saúde bucal deficitária. É difícil estabelecer uma relação causa e efeito entre a má conservação dos dentes e a neoplasia maligna de boca. No entanto, indivíduos que apresentam essas duas condições são frequentemente tabagistas, etilistas e que possuem higiene bucal deficitária, determinantes adicionais de risco (Cardoso et al., 2005). Da mesma forma, Kanatas et al., em 2005, em pesquisa realizada na Inglaterra, Gales e Escócia, identificou que a maioria dos cirurgiões buco maxilo faciais, participantes da pesquisa, consideram a OTH como parte para o tratamento da ORN e outras afecções decorrentes da irradiação ou ressecção, contudo poucos têm conhecimento da metodologia adequada para encaminhamento à OTH. Para Muñoz et al., em 2005, a presença de hiperemia do tecido bucal e, sobretudo, aumento do transporte e disponibilidade de oxigênio plasmático proporcionam um efeito terapêutico em todas as enfermidades em que há o fenômeno de hipóxia tecidual como fator etiopatogênico da OTH. A OTH produz efeitos sobre a angiogênese estimulando a microvascularização, sendo que, seu mecanismo de ação está relacionado aos tecidos irradiados da boca. Para Muñoz et al., em 2005, a OTH é uma terapêutica eletiva nas radionecroses dos tecidos moles na área da cabeça e pescoço, em especial na ORN de mandíbula e nas necroses laríngeas. É uma técnica segura, fácil de administrar e com taxas de efetividade que poderiam convertê-la em protocolo no tratamento de complicações crônicas da RXT, em determinadas localidades anatômicas do corpo humano, em nível de evidência na área de cabeça e pescoço, especialmente nas ORN de mandíbula. Wahl, em 2006, chama atenção para o fato de que a OTH não é um tratamento de consenso para a ORN e que ela deve ser aplicada juntamente com o uso de antibióticos nos pacientes submetidos à exodontias antes e após RXT de cabeça e pescoço. 120 e������������������������������������������������ Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 2, p. 118-123, abril / maio / junho 2013 A oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da osteorradionecrose de mandíbula em pacientes com carcinoma epidermóide avançado de boca. A ação da radiação ionizante é responsável por originarem radicais livres que desorganizam os nucleotídeos e a sequência de aminoácido do ácido ribonucleico, ácido desoxirribonucleico e enzimas, afetando as funções celulares normais. Como efeito das radiações, é possível que ocorra redução da densidade vascular, rarefação capilar, fibrose e atrofia que são responsáveis, então, pela hipóxia tecidual. O tecido ósseo acometido pela radiação e que se apresenta com hipóxia tecidual aponta maiores riscos para a ocorrência de ORN frente a um trauma, sendo esse o agente etiológico da ORN (D’Souza et al., 2007). Conforme Morais et al., em 2008, foi feito um estudo de caso, no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Recife/PE e a conclusão foi de que a OTH é um recurso bem estabelecido, pois o princípio terapêutico dessa modalidade possibilita adequado processo de reparação tecidual e reduz o risco de complicações, diante das reações adversas que podem ocorrer na abordagem dos pacientes irradiados e não obtiveram registro de efeitos adversos no caso observado. Segundo Martins Junior, Hilgenberg e Keim, em 2008, a abordagem terapêutica indicada por Marx, em 1983, diminui a hiperemia dos tecidos irradiados da boca, o sequestro espontâneo do osso mandibular exposto e a melhora da formação de tecido de granulação. O oxigênio na homeostasia dos tecidos normais e na reparação das feridas possibilita a restauração tanto do tecido ósseo como de tecidos moles. Para o autor, a OTH consegue reverter às alterações teciduais tardias causadas pela irradiação. Segundo Koga et al., em 2008 e OH et al., em 2009, a utilização da OTH tem como objetivo melhorar as condições de hipóxia tecidual pela revascularização dos tecidos irradiados, estimulação da angiogenese, melhora da densidade celular fibroblástica, proliferação de osteoblastos, aumentando assim os níveis de oxigênio celular e diminuindo a quantidade de osso desvitalizado. Nabil e Samman, em 2010, ao buscar incidência e prevenção de ORN, após exodontias em pacientes irradiados, concluiu que, com base em evidências, o oxigênio hiperbárico profilático é eficaz na redução do risco de desenvolvimento de ORN, após extrações pós-radiação. Deve-se ressaltar ainda que, embora as discussões sobre o tema estejam em andamento, buscas por material para este estudo revelaram que a pesquisa experimental é escassa, com carência de estudos clínicos randomizados e controlados, que possam validar o uso clínico da OTH (Chrcanovic et al., 2010; Fritz et al., 2010; Spiegelberg et al., 2010). Discussão Nesta revisão de literatura, discutimos a indicação de OTH à ORN de mandíbula, resultante do tratamento com RXT do CEC de boca, e apesar de ser considerada uma complicação de difícil tratamento e resultante de um estado de hipóxia tecidual (partes moles e osso) coloca Zanetin et al. em risco a atividade celular, e a formação de colágeno. A ORN pode ser caracterizada clínica e radiologicamente desde uma pequena exposição óssea assintomática até uma fistula ou uma fratura patológica gerando dor intensa e, assim, em frequentes protocolos de tratamento, indicando a necessidade de ressecção segmentar ou sequestrectomia de mandíbula, sendo que nesta situação, a OTH, pode ser um tratamento adjuvante desta evolução clínica (Cardoso et al., 2005; Monteiro, Barreira e Medeiros, 2005; Rubira et al., 2007). No tratamento do CEC de boca, inicialmente cirúrgico, o cirurgião de cabeça e pescoço observa através do exame anatomopatológico, algumas diretrizes que levam à indicação de RXT pós-operatória, principalmente na presença de linfonodos metastáticos (LN+), margens cirúrgicas comprometidas ou exíguas, estadiamento clínico avançado (EC III/IV), pois caso algum desses fatores estiverem presentes, não necessariamente isolados, o médico encaminhará o paciente para a RXT adjuvante. A localização e estádio do tumor são importantes fatores de risco para a doença, sendo que o tumor soalho de boca, e aqueles tumores com estádios clínicos avançados foram associados a maior risco de ORN pós-RXT. Supõe-se que tal associação se deva a menor distância do tumor ao tecido ósseo e também à dose de radiação ionizante para conseguir alcançar em regiões de concentração maior de isodose (Teng e Futran, 2005). Caso ocorra a recidiva do CEC de boca e na presença de ORN é conduta ter confirmação com o diagnóstico clínico através do exame loco-regional, a TC e biópsia. E, caso não se obtiver sua comprovação ou confirmação, não se deve recomendar a OTH. Na ausência de recidiva diagnosticada após tratamento, e o paciente for de estádio clínico T3 ou T4, é sugerido realizar biópsia da ORN para poder indicar a OTH. Para os casos de CEC avançados de boca que possam ser submetidos à cirurgia e com a indicação de RXT pós-operatória deverá ter a assistência da odontologia para eliminar focos de infecções dentárias e preparo de boca para o tratamento oncológico. Durante a RXT caberá ao odontólogo manter as boas condições bucais e minimizar o efeito deste tratamento, por todo o período de aplicação da radiação ionizante, sendo que nesse período é possível observar a possibilidade do aparecimento da ORN de mandíbula. Marx, em 1983, estabeleceu a sequência fisiopatológica da ORN: radiação, tecido hipóxico-hipovascularhipocelular (Triple H), desvitalização dos tecidos, ferida sem cicatrização, seguida de inflamação, podendo surgir infecção, necrose, sequestro e fratura. Instalado o processo infeccioso em osso irradiado, as perspectivas de cura são desfavoráveis, a infecção pode espalhar-se rapidamente de maneira imprevisível, podendo desenvolver sepse e levar o paciente à morte, pois neste quadro deve-se ter em mente que se trata de um paciente comprometido sistemicamente. Teng e Fultran, em 2005, ressaltam que os osteoclastos sofrem efeitos relacionados com a radiação ioni- Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 2, p. 118-123, abril / maio / junho 2013 – –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 121 A oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da osteorradionecrose de mandíbula em pacientes com carcinoma epidermóide avançado de boca. zante, promovendo uma supressão do “turnover” ósseo, levando a alterações do remodelamento ósseo e à lesão tecidual. Este distúrbio dos osteoclastos surge em estágios precoces da doença, ainda na ausência de anormalidades vasculares. Segundo Lyons e Ghazali, em 2008, propõem que a disfunção vascular seria decorrente de reações nas células endoteliais devido à radiação ionizante, sendo que essas disfunções vasculares ajudariam a promover a fase pré-fibrótica inicial. Outro conceito relacionado a essa “teoria do processo fibroartrófico” são alterações fibroblásticas do interstício, as quais ocorreriam devido à desregularização da proliferação e do metabolismo dos fibroblastos, decorrente dos radicais livres de oxigênio produzidos com a RXT. Com base nessa teoria, postulou-se o uso de drogas antioxidantes e antifibróticas no tratamento da ORN. A literatura nos mostra que não há consenso entre os pesquisadores sobre a eficiência da OTH no tratamento da ORN de mandíbula em pacientes portadores de CEC de boca, submetidos à radiação ionizante, e que existe um número insuficiente de pesquisas e evidências clínicas. Porém, também foi observado um número expressivo dos autores consultados que defendem a aplicabilidade da OTH, mais especificamente como terapia adjuvante no tratamento pré-cirúrgico (sequestrectomia ou mandibulectomia) em ORN, assim como, no tratamento pós-cirúrgico das cirurgias citadas, principalmente, na cicatrização da ferida operatória com a intenção de evitar radionecrose de partes moles. Considerações Finais Em pacientes portadores de CEC de boca com estádio clínico avançado, que foram tratados através da RXT, e que evoluem com ORN de mandíbula, podemos considerar a utilização de OTH, desde que se tenham dados criteriosos que afastem a possibilidade de células tumorais em atividade, ou que levem a julgar a possibilidade de recidiva loco-regional e\ou à distância, pois a oxigenação provinda da OTH levará a uma progressão da doença neoplásica. Sendo assim, por meio de exames clínicos, de imagens adequadas, e biópsias, podemos indicar a OTH, nestes pacientes, porém, com rigoroso seguimento clínico periódico. Referências 1. Brasil: Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Coordenação Geral de Ações Estratégicas, Coordenação de Prevenção e Vigilância. – Rio de Janeiro: INCA. 2011. 2. Becker UM, Kuhnt T, Liedtke H, Krivokuca UM, Bloching M, Dunst J. Medidas de oxigenação em cânceres de cabeça e pescoço durante a oxigenação hiperbárica. Strahlenther Onkol. 2002; 178 (2): 105-8. 3. Beumer J, R Harrison, Sanders B, Kurrasch M. Osteorradionecrose: fatores predisponentes e resultados da terapia. Head Neck Surg . 1984 Mar-Apr; 6 (4): 819-27. 4. Bueno YC, Carvalho MB. Osteorradionecrose de mandíbula em pacientes com câncer de boca. Rev Bras Med Otorrinolaringol. 1997; 4:169-74. 5. Carvalho MB, et al. Características clínico-epidemiológicas do carcinoma epidermóide de cavidade oral no sexo feminino. Rev Assoc Med Bras 2001 jul./set.; 47(3). Zanetin et al. 6. Cronje FJ. Uma revisão dos protocolos de Marx: prevenção e tratamento da osteorradionecrose através da combinação de cirurgia e oxigenoterapia hiperbárica. SADJ. 1998 Oct; 53 (10): 469-71. 7. Chrcanovic BR, Reher P, Sousa AA, Harris M. Osteorradionecrose dos maxilares - uma visão atual - parte 1: Fisiopatologia e fatores de risco e predisponentes. Oral Surg Maxillofac. 2010 Mar; 14 (1): 3-16. 8. Costa-Val R, Silva RCO, Nunes TA, Souza TKDP. O papel da oxigenoterapia hiperbárica na doença vascular periférica. J Vasc Bras. 2003; 2:177-82. 9. Cardoso MFA, Novikoff S, Tresso A, Segreto RA. Prevention and controlo sequels in the mouth of patients treated with radiation therapy for head and neck tumors. Revista de Radiologia Brasileira. 2005;v.38, n.2, p.107-115. 10. Dedivitis RA, et al. Características clínico-epidemiológicas no carcinoma espinocelular de boca e orofaringe. Rev Bras Otorrinolaringol 2004 jan/fev. 70(1): 35-40. 11. Desola J, Crespo A, Garcia A, Salinas A, Sala J, Sánchez U. Indicaciones y Contraindicaciones de la Oxigenoterapia Hiperbarica. 1998; n. 1260, 5. 12. D’ Souza J, Goru J, Goru S, Brown J, Vaughan ED, Rogers SN. A influência do oxigênio hiperbárico sobre o desfecho de pacientes tratados para osteorradionecrose: 8 anos de estudo. Int J Oral Surg Maxillofac. 2007 set; 36(9): 783-7. 13. Fernandes, TDF. Medicina Hiperbárica, Acta Med. Port. 2009; 22(4):323-334. 14. Fattore L, Strauss RA. Oxigênio hiperbárica no tratamento de osteorradionecrose: uma revisão da sua utilização e eficácia. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1987 Mar; 63 (3): 280-6. 15. Fritz GW, Gunsolley JC, Abubaker O, Laskin DM. Eficácia da terapia de oxigênio de pré e pós-irradiação hiperbárica na prevenção da osteorradionecrose pós-extração: uma revisão sistemática. J Oral Surg Maxillofac. 2010 Nov; 68 (11): 2653-60. 16. Hermans, R.; Fosscon, E.; Ioannides, C. et al., CT findings in osteoradionecrosis of the mandible. Skeletal Radiology. Berlin, v. 25, n. 1, p. 31-6, 1996. 17. Hao SP, Chen HC, Wei FC , Chen CY, Yeh AR, Su JL. Gestão sistemática da osteorradionecrose na cabeça e pescoço. Laryngoscope. 1999 ago; 109 (8): 1324-7; discussão 1327-8. 18. Jereczek-Fossa BA, Orecchia R. Radioterapia induzidas por complicações ósseas mandibulares. Cancer Treat Rev. 2002; 28:65-74. 19. Koga DH, Salvajoli JV, Alves FA. Exodontias e radioterapia em cabeça e pescoço oncologia: revisão da literatura. Oral Dis. 2008 jan; 14 (1): 40-4. 20. Kanatas AN, Lowe D, Harrison J, Rogers SN. Levantamento do uso de oxigênio hiperbárico por oncologistas maxilofaciais no Reino Unido. Br J Oral Surg Maxillofac. 2005 jun; 43 (3): 219-25. 21. Lyons A, Ghazali N. Osteorradionecrose dos maxilares: compreensão atual da sua fisiopatologia e tratamento. Br J Oral Surg Maxillofac. 2008 dec; 46 (8): 653-60. 22. Machado ACP, Tavares PG, Anbinder AL, Quirino MRS. Perfil epidemiológico, tratamento e sobrevida de pacientes com câncer bucal em Taubaté e região. Rev. biociênc. 2003 out-dez; v.9, n.4, p.65-71. 23. Martins Junior, JC; Hilgenberg, A.; Keim, FS. Abordagem de Pacientes Portadores de Osteoradionecrose Mandibular após Radioterapia de Cabeça e Pescoço. Arq. Int. Otorrinolaringol./ Intl. Arch. Otorhinolaryngol., São Paulo, 2008; v.12, n. 2, p. 239-245. 24. Marx, RE. Osteoradionecrosis: a new concepto f its pathophisiology. J. Oral maxillofac Surg. 1983; 41: 283-288. 25. Monteiro L, Barreira E, Medeiros L. Osteorradionecrose dos maxilares. Revista Portuguesa de estomatologia, medicina dentária e cirurgia maxilofacial. 2005 v. 46, n. 01. 26. Morais HHA, Vasconcelos BCE, Vasconcellos RJH, Caubi AF, Carvalho RWF. Oxigenoterapia hiperbárica na abordagem cirúrgica de paciente irradiado. RGO - Rev Gaúcha Odontol. 2008; 56(2):207-12. 27. Muñoz MC, González AC, Ojea AM, Louzára MLL, Bernárdez JRF, Alonso IA, De la Torre MLV, Cerdeira CR, Garzón VMM, Dominguéz RCH. Papel de la oxigenoterapia hiperbárica en el tratamiento de las complicaciones crónicas derivadas del tratamiento con radioterapia en pacientes con cáncer: bases físicas, técnicas y clínicas. Oncología (Barc.). 2005; v.28, n.1, p.26-35. 28. Nabil S, Samman N. Incidência e prevenção da osteorradionecrose após exodontia em pacientes irradiados: uma revisão sistemática. Int J Oral Surg Maxillofac. 2011 Mar; 40 (3): 229-43. 122 e������������������������������������������������ Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 2, p. 118-123, abril / maio / junho 2013 A oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da osteorradionecrose de mandíbula em pacientes com carcinoma epidermóide avançado de boca. 29. Neovius EB, Lind MG, Lind FG. A oxigenoterapia hiperbárica para complicações da ferida após a cirurgia na cabeça e pescoço irradiado: uma revisão da literatura e um relatório de 15 pacientes consecutivos. Cabeça e Pescoço. 1997 Jul; 19 (4): 315-22. 30. Oh HK , Chambers MS , Jardim AS , Wong PF , Martin JW . Risco de osteorradionecrose após a extração de terceiros molares retidos na cabeça irradiado e pacientes com câncer de pescoço. J Oral Surg Maxillofac. 2004 feb; 62 (2) :139-44. 31. Pavia M, Pillegi C, Nobile CGA, Angelillo IF. Association between fruit and vegetable consumption and oral cancer: a meta-analysis of observational studies. Am J Clin Nutr 2006 May; 83( 5):1126-34. 32. Perrier M, Moeller P. Osteorradionecrose. Uma revisão da literatura. Schweiz Monatsschr Zahnmed. 1994; 104 (3): 271-7. 33. Regezi JÁ, Sciubba JJ. Patologia Bucal: correlação clinicopatológicas. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. 1991. 34. Rubira CM, Devides NJ, Ubeda LT, Bortolucci Jr AG, Lauris JR, Rubira-Bullen IR, Damante JH. Evaluation of some oral postradiotherapy sequelae in patients treated for head and neck tumors.Braz Oral Res. 2007 Jul-Sep; 21(3):272-7. Zanetin et al. 35. Sciubba JJ. Oral cancer and its early detection: historytaking and the diagnostic phase management. JADA. 2001; 132:12S-18S. 36. Spiegelberg L, Djasim UM, Van Neck HW, Wolvius EB, Van der Wal KG. A oxigenoterapia hiperbárica no tratamento de radiação induzidalesão na região da cabeça e pescoço: uma revisão da literatura. J Oral Surg Maxillofac. 2010 ago; 68 (8): 1732-9. 37. Teixeira W, Müller F, Vuillemin T, Meyer E. Oxigênio hiperbárica no tratamento de osteorradionecrose da mandíbula. Laryngorhinootologie. 1991 jul; 70 (7): 380-3. 38. Teng MS, Futran ND. Osteorradionecrose da mandíbula. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2005 ago; 13 (4): 217-21. 39. Vudiniabola S, Pirone C, Williamson J, Goss AN. O oxigênio hiperbárico no tratamento terapêutico de osteorradionecrose dos ossos faciais. Int J Oral Surg Maxillofac. 2000 dezembro; 29 (6): 435-8. 40. Wahl MJ. Osteoradionecrosis prevention myths. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2006; 64(3):661-9. Head Neck Surg. 2005 ago; 13 (4): 21721. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.42, nº 2, p. 118-123, abril / maio / junho 2013 – –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 123