O sistema dos direitos - Faculdade de Direito da Universidade Nova

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DIREITO CONSTITUCIONAL II
SUMÁRIOS DESENVOLVIDOS *
Capítulo I
O Sistema dos Direitos
Primeira Aula. O Conceito de Direito Fundamental
Definição: Os direitos fundamentais são os ‘direitos humanos’
positivizados em Constituições escritas e dotados da maior força normativa.
São direitos resistentes à lei, e colocados sob a protecção do poder judicial
(artigo 18º , nº 1 da CRP)
Elementos da defiinição:
a) Os direitos fundamentais são ´direitos humanos’
b) Os direitos fundamentais são ‘direitos humanos’ positivizados em
constituições escritas e dotados da maior força normativa
c) Os direitos fundamentais são direitos resistentes à lei e colocados
sob a protecção do poder judicial
a) Primeiro elemento da definição Os direitos fundamentais são
‘direitos do homem’, ou ‘direitos humanos’ Mas o que são ‘direitos
humanos’?
Três perspectivas de abordagem do conceito de ‘direitos humanos’:
perspectiva histórica, perspectiva filosófica, perspectiva internacional.
1.
A perspectiva histórica: o constitucionalismo e as
primeiras declarações de direitos. As declarações de
Estes ‘sumários’ cdestinam-se ao uso exlcusivo dos estudantes do 2º semestre da licenciatura em Direito da
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
*
1
direitos dos Estados Americanos (1776); a declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução
Francesa (1789). As declarações de Direitos das
Constituições liberais portuguesas (1822; 1826; 1838)
2.
A perspectiva filosófica. Os direitos humanos como
direitos inerentes aos seres humanos: a todos os seres
humanos, e apenas aos seres humanos, pelo simples
facto da sua ‘humanidade’, e que pressupõem duas
ideias básicas: (i) a mera vontade dos mais fortes não é
uma justificação final para acções que afectem os
interesses vitais dos indivíduos; (ii) o mero facto de se
ser humano é título bastante para reclamar bens
necessários a uma vida humana autónoma e digna.
3.
A perspectiva internacional. Hoje, fala-se em ‘direitos
humanos’ para designar aqueles direitos – fundados na
perspectiva filosófica atrás enunciada – que constam de
instrumentos de Direito Internacional. Exemplos. A
Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU,
Dezembro de 1948). O Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos (ONU; 1966); O Pacto Internacional
dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (ONU;
1966); a Convenção Europeia para a Protecção dos
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais
(Conselho da Europa, 1950).
B) Segundo elemento da definição. Os Direitos Fundamentais são
direitos humanos positivizados pelas Constituições escritas e dotados
da maior força normativa.
1. O sentido da ‘positivização’dos direitos. Não há direitos
fundamentais sem normas constitucionais (de direito
constitucional interno) que os prevejam. Neste sentido, os
direitos fundamentais são direitos positivos. Não são
proclamações de ‘boa vontade’.
2
2. O sentido da maior força normativa dos direitos. As normas de
direitos fundamentais são normas constitucionais dotadas de
superioridade hierárquica face a todas as restantes normas do
ordenamento jurídico: princípio da constitucionalidade (artigo
3º, 3, da CRP)
3. O sentido da expressão direitos resistentes à lei, e colocados
sob a protecção do poder judicial.
Por causa da sua positividade e superior força normativa,os
direitos fundamentais são direitos directamente aplicáveis.
Significa isto que podem ser invocados em juízo (por parte
dos seus titulares) com fundamento directo nas normas
constitucionais que os prevejam, mesmo contra a lei ordinária
ou em casos de ausência de lei ordinária que os regule.
(artigo 18º, nº 1 da CRP). Por isso se diz que são direitos
resistentes à lei, e colocados sob a protecção do poder
judicial.
Nota final:
Esta definição de direitos fundamentais é válida para os
direitos consagrados na parte I da CRP (É inteiramenta válida
para os direitos, liberdades e garantias; ver-se-á mais tarde em
que medida é também válida para os direitos económicos,
sociais e culturais –Título III da parte I da CRP)
No entanto, ela não é válida apenas para o ‘sistema dos
direitos’ da Constituição portuguesa. Pelo contrário. Todas as
Constituições dos Estados que integram hoje a União
Europeia usam em geral esta mesma designação – direitos
fundamentais, e já não apenas ‘direitos humanos’ , ou
‘direitos dos cidadãos’ – para expressar a diferença existente
entre estes direitos, positivos e dotados de maior força
normativa [face à lei], e os direitos constantes das Declarações
do século XVIII ou das Declarações de Direito Internacional.
Nem uns nem outros detinham – ou detêm – os atributos de
positividade, constitucionalidade, resitência à lei e protecção
integral por parte do poder judicial que caracteriza os direitos
fundamentais.
3
Nesta medida, os direitos fundamentais são (tanto no direito
português quanto nos outros) a expressão daquilo a que se
chama o segundo constitucionalismo.
O primeiro constitucionalismo corresponde às experiências
constitucionais históricas dos finais do século XVIII e do
século XIX. As primeira declarações de direitos (Declarações
americana e francesa) eram características deste primeiro
período do constitucionalismo. Durante todo este período, aos
direitos constantes das declarações não eram atribuídos os
valores de positividade , de superior força normativa e de
resistência à lei que vimos serem característicos da noção
mesma de ‘direitos fundamentais’ Os direitos do primeiro
consitucionalismo valiam nos termos da lei ordinária; não
era a lei que valia nos termos dos direitos. [ Excepção a esta
regra foram, desde o princípio do século XIX, os direitos
contidos no Bill of Rights da Constituição norte-americana, em
virtude da prática da judicial review of Laws]
O segundo constitucionalismo emergiu na Europa depois da
Segunda Grande Guerra. Na década de 40 do século XX, a
Constituição alemã (1949) e a Constituição italiana (1947)
resolveram consagrar direitos superiores à lei, directamente
aplicáveis, e colocados sobre a protecção do poder judicial.
Esta ‘resolução constituinte’ pode ser explicada como uma
reacção histórica face às iniquidades vividas durante os
regimes totalitários: o propósito foi o de impedir, de novo, a
entrada em vigor de leis iníquas.
A Constituição portuguesa (tal como a Constituição
espanhola, de 1978, e as Constituições das novas democracias
da Europa de Leste, escritas nos primeiros anos da década de
90 do século XX) insere-se neste movimento de segundo
constitucionalismo.
A definição que foi dada de ‘direitos fundamentais’ é
incompreensível sem esta contextualização histórica.
Os direitos da Parte I da CRP – como os direitos contidos em
todas as restantes constituições mencionadas – são portanto o
produto de duas realidades históricas distintas: (i) em primeiro
lugar, são herdeiros da tradição constitucionalista iniciada no
século XVIII; (ii) em segundo lugar, são o resultado da
4
reafirmação e do renascimento dessa tradição, vivida na
Europa a partir da segunda metade do século XX.
Elementos de estudo de apoio à primeira aula:
J.J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, Coimbra, Almedina, 7ª ed., 2003, pp. 375-397
José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, Almedina, 3ª ed.,
2004, pp. 15-50
Jorge Miranda – Manual de Direito Constitucional, Tomo IVOs Direitos Fundamentais, Coimbra, Coimbra Editora, 3ª ed.
2000,(?) pp. 7-77.
5
Segunda Aula. Concepções de Direitos Fundamentais.
1. Delimitação do tema. O que é se entende por concepções de direitos
fundamentais?
Concepções de direitos fundamentais são todas as construções sistemáticas e
coerentes que visam dar resposta a duas perguntas essenciais:
1ª Pergunta. Os direitos fundamentais são, na sua ‘essência’, direitos do
homem. Os direitos do homem têm pretensões de universalidade e de
essencialidade: visam proteger bens que se consideram universais, i.e, válidos
para todos os homens em todos os espaços e tempos, e bens que se consideram
essenciais, i.e., que tornam possível a prossecução de uma existência humana
autónoma e condigna. (Por ex. Vida – artigo 24º da CRP; liberdade de
consciência – artigo 41º; integridade física – artigo 25º ; família e casamento –
artigo 36º). Mas como é que em sociedades plurais, como são as nossas, pode
haver consenso quanto àquilo que é humanamente ‘universal’ e
2ª Pergunta . Os direitos fundamentais são, na sua técnica jurídica, direitos
resistentes à lei e colocados sob a protecção do poder judicial. Mas a lei,
proveniente do Parlamento,é expressão da vontade popular, e portanto do
princípio democrático. Ao consagrar os direitos como realidades jurídicas
indisponíveis por parte do legislador a Constituição atribui-lhes também um
valor contramaioritário, isto é, subtraído ao querer da maioria. Mas o que é
que pode justificar esta substracção? A CRP (artigo 3º, nº 1) diz que o poder
político pertence ao povo, que o exerce segundo as formas previstas pela
Constituição. A CRP determina, pois, que há coisas que não estão incluídas
no poder do Povo, porque dependem apenas do poder da própria
Constituição. Entre essas ‘coisas’ encontram-se os direitos fundametais. Mas
- e esta é a pergunta – com que fundamento o faz?
Vamos estudar, essencialmente, três grandes correntes de pensamento que se
popuseram, ou propõem, responder a estas questões
- A primeira corrente tradicional: o jusnaturalismo
racionalista
6
- A segunda corrente tradicional : a corrente céptica ou
positivista
- As doutrinas contemporâneas. Estado de direito e
democracia.
A primeira corrente tradicional:
Jusnaturalismo racionalista
Foi esta a corrente de pensamento que inspirou as primeiras Declarações de
Direitos do século XVIII, e que está particularmente presente na Declaração
de Independência dos EUA. “Consideramos que estas verdades são evidentes
por si mesmas, e que todos os homens foram dotados pelo seu Criador de
certos direitos inalienáveis, que entre esses estão a vida, a liberdade e a busca
da felicidade”. Jusnaturalismo significa ‘pensamento de direito natural’. Esta
corrente de pensamento parte do princípio segundo o qual existem preceitos
de Direito que são válidos para todos os tempos e para todos os espaços,
porque decorrem, não da vontade dos homens, mas dos ditames da natureza
humana. A sua validade não depende do que for, em cada espaço histórico,
prescrito pelo direito positivo. Pelo contrário. É a validade do direito positivo
que depende da [sua] conformidade com o direito natural.
O ambiente de finais do século XVIII era marcado pelo racionalismo
iluminista, com as suas características de secularização, naturalismo,
racionalismo, individualismo. Pensava-se, portanto, que havia leis naturais
que regiam, sempre, as condutas humanas; que essas leis podiam e deviam ser
descobertas pela razão humana; e que delas decorriam, antes do mais, os
‘direitos do homem’, como direitos naturais, apreensíveis pela razão,
anteriores e superiores à existência de qualquer comunidade política. Filósofos
como Locke, Hobbes (e depois Grócio, Pufendorf e Wolff) contribuíram
muito para a consolidação deste jusnaturalismo racionalista, que era
dominante durante o primeiro constitucionalismo.
A segunda corrente tradicional
Positivismo e cepticismo
O desenvolvimento histórico do racionalismo iluminista (com as suas
características de secularização e naturalismo) culminou, durante o século
7
XIX, no desenvolvimento do espírito científico. O ‘cientismo’ do século XIXfruto do racionalismo iluminista – era essencialmente positivista. Aqui,
positivismo quer dizer o seguinte: só se pode provar como verdadeiro aquilo
que for empiricamente verificável. Os ‘direitos do homem’ pressupõem juízos
de valor (sobre, por exemplo, o que é essencial a uma vida humana digna).
Tais juízos de valor não podem ser tidos por verdadeiros nem falsos visto que
não são comprováveis, i-e. não são verificáveis empiricamente. Existem só no
mundo das convicções pessoais. Não existem no mundo da racionalidade.
Esta atitude, positivista e céptica,foi dominante durante o século XIX e
primeira metade do século XX. Para ela, as declarações de direitos do século
XVIII ou eram ‘metafísica’ (no sentido pejorativo daquilo que não é
comprovável)1 , ou eram historicamente explicáveis como instrumentos de
domínio de uma classe (neste caso a burguesia) sobre outras classes. Esta
última interpretação foi a que foi dada pelo marxismo às Declarações de
Direitos2, e que ganhou grande hegemonia intelectual na Europa (sobretudo
na Europa do Sul) pelo menos até à década de setenta do Século XX.
Correntes contemporâneas. A indissocialidade entre democracia e Estado de
direito.
Ao longo da segunda metade do século XX foi-se assistindo a uma
perda gradual do peso hegemónico destas correntes positivistas e cépticas.
Contribuíram para tanto quer o movimento das Declarações Internacionais de
Direitos (a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU;
de 1948), quer o movimento crescente da positivização dos direitos nas
constituições nacionais [Ver primeira aula]
Há por isso uma forte corrente de pensamento contemporânea,
representada por pensadores como, por exemplo, John Rawls, Jürgen
Habermas, ou Ronald Dworkin que voltam a discutir a fundamentação
racional dos chamados ‘direitos humanos’ (na perspectiva internacional) ou
dos direitos fundamentais (na perspectiva de direito constitucional interno).
Sobretudo, que procuram justificar por que é que estes direitos protegem bens
que não devem estar à disposição do querer, variável e conjuntural, das
Um autor português desta altura – Marnoco e Sousa – referia-se assim às Declarações de Direitos do século
XVIII: « a teoria metafísica dos direitos naturais, que cada filósofo descreve segundo as cores da sua
imaginação, ora de luta, ora de paz e felicidade, e que constam do sistema de direitos políticos individuais que
se encontram nas constituições modernas”
2
Veja-se A Forma da República, pp. 50-53.
1
8
maiorias democráticas. Há grandes diferenças entre estes autores. Não as
vamos estudar. Basta sublinhar que todos eles concordam nos seguintes
pontos essenciais:
A - A ideia de uma ‘democracia pura’, isto é, uma democracia
em que o poder do povo, expresso pela vontade da maioria, não seja de modo
algum limitada pelo Direito, é uma ideia inconcebível. Qualquer prática
democrática, para ser estável, precisa de ser disciplinada pelo Direito.
B – O princípio do Estado de Direito fornece os elementos
essenciais que disciplinam as práticas democráticas. Sem ele, tais práticas
não teriam qualquer estabilidade.
C- Os direitos fundamentais são parte da disciplina da
democracia, porque são elementos do Estado de direito. Eles não devem ser
vistos, portanto, como restrições da democracia. Devem ser vistos antes como
condições habilitantes da democracia, visto que garantem o respeito – em
todas as circunstâncias – de valores como a autonomia pessoal, a liberdade de
expressão ou a liberdade de consciência. Sobretudo, garantem que estes
‘valores’ em caso algum possam ser aniquilados pela expressão conjuntural de
certas votações maioritárias.
Elementos de estudo de apoio a esta segunda aula:
J. J. Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, ob. cit, pp. 380-387.
José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976, ob cit., pp. 51- 69.
Jorge Reis Novais – Direito Fundamentais, Trunfos contra a Maioria,
Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 17- 67
Jorge Miranda – Direitos Fundamentais, ob. cit., pp.13-51.
9
Terceira Aula: Que Direitos existem?
O Sistema da CRP: Direitos, Liberdades e Garantias e Direitos Económicos,
Sociais e Culturais
1. Delimitação do tema. O que é um ‘sistema’ de direitos?
É uma ordem coerente e tendencialmente completa (mas não fechada: ver
aula seguinte) de bens jurídicos protegidos , que correspondem ao que, na
nossa época histórica, é tido como sendo essencial para a prossecução de
uma vida humana autónoma e digna. Os direitos fundamentais determinam
o estatuto da pessoa na comunidade política. Tal estatuto deve ter uma
unidade de sentido, pela qual poderemos compreender o que é que, na
nossa conjuntura histórica, é tido como formando as exigências ou as
necessidades básicas das pessoas face à comunidade.
2- As normas de direitos fundamentais da CRP dividem-se em normas
relativas a Direitos, Liberdades e Garantias (Título II) e normas relativas a
Direitos Económicos, Sociais e Culturais (Título III). Esta dicotomia
coloca dois problemas essenciais:
2.1. Problemas de justificação. Por que razão existe ela ( a dicotomia)?
2.2. Problemas de identificação do sistema. Os bens jurídicos
protegidos por estas normas têm todos o mesmo grau de universalidade e
de essencialidade? Todas as normas consagram direitos? E os direitos têm
todos a mesma estrutura?
3 – Problemas de justificação. Por que razão existe a dicotomia?
3.1. Primeira definição: Os direitos, liberdades e garantias são
direitos de defesa das pessoas antes do mais face ao
Estado. Os direitos económicos, sociais e culturais são
‘direitos’ a prestações estaduais.
3.2. O fundamento da divisão: liberdade e igualdade; liberdade
em sentido negativo e liberdade em sentido positivo.
3.3. A importância deste fundamento na nossa conjuntura
histórica. A Assembleia Constituinte e as suas influências:
os Pactos da ONU de 1966 (ver primeira aula); as forças
presentes na Constituinte e as suas diferentes concepções
de pessoa
10
4. Problemas de identificação do sistema.
Todas estas normas consagram direitos? E os direitos têm
todos a mesma estrutura?
4.1. Os bens protegidos pelos direitos, liberdades e
garantias: Autonomia pessoal (Capítulo I do Título I);
participação política (Capítulo II); trabalho (Capitulo III). A
visão do Homem subjacente a este sistema de bens. O homem
como pessoa, como cidadão e como trabalhador. Comparação
com
as
declarações
de
direitos
do
primeiro
constitucionalismo: os direitos anteriores ao ‘pacto’ social –
direitos de autonomia pessoal – e os direitos do ‘pacto social’
– direitos de participação política. O homem ‘trabalhador’ e a
sua inserção no mundo de cultura do século XX.
4.2. Os bens protegidos pelos direitos económicos, sociais
e culturais. Exemplos: trabalho (art. 58º), saúde (artigo 64º);
educação (art. 73º) habitação (artigo 65º). Têm estes bens um
grau de universalidade e de essencialidade idêntico aos bens
protegidos pelos direitos, liberdades e garantias?
4.3. Definição mais precisa de ‘direitos sociais’. Não basta
dizer que estes ‘direitos’ são ‘direitos’ a prestações estaduais.
Mais precisamente, o que distingue os ‘direitos’ sociais – e
que se torna visível quando se identificam os bens por eles
protegidos – é o seguinte: através deles as pessoas procuram
obter do Estado ‘algo’ (saúde, habitação, educação) que
poderiam também obter de privados, caso tivessem os meios
financeiros para o fazer ou caso houvesse ofertas suficientes
no mercado. Quer isto dizer que os direitos sociais são direitos
de quem precisa. Em contrapartida, os direitos, liberdades e
garantias são, em geral, direitos de todos. (Questão da
universalidade dos bens)
4.4. Questão da essencialidade dos bens.
Os bens protegidos pelos direitos, liberdades e garantias
não podem nunca deixar de ser assegurados pelo Estado,
porque correspondem a funções permanentes dos poderes
11
públicos. (Ex: o Estado está permanentemente obrigado a
asssegurar o bem ‘vida’, ou o bem ‘liberdade de consciência’).
Em contrapartida, o Estado não pode estar do mesmo modo
permanentemente obrigado a assegurar, para quem precisa,
os bens típicos dos ‘direitos’ sociais – v.g. saúde, habitação,
trabalho, educação - porque o providenciar de tais bens por
parte dos poderes públicos depende de duas condições. (i) Dos
meios financeiros existentes; (ii) Das políticas públicas que
forem seguidas quanto à afectação desses meios, e cuja
definição cabe ao Parlamento democrático. Por isso se diz que
os ‘direitos’ sociais se encontram sob reserva do possível. (do
financeira e democraticamente possível).
4.5. Em que sentido existem os direitos sociais: são eles
verdadeiros direitos fundamentais?
A definição dada de direito fundamental (primeira aula) só
parcelarmente se aplica aos direitos sociais. Disse-se então
que:
a) Os direitos fundamentais são ´direitos humanos’
b) Os direitos fundamentais são ‘direitos humanos’
positivizados em constituições escritas e dotados da
maior força normativa
c) Os direitos fundamentais são direitos resistentes à lei e
colocados sob a protecção do poder judicial
São aplicáveis aos direitos sociais as afirmações contidas
em a) e em b). No entanto, já lhes não é em princípio
aplicável a definição contida em c).
Por um lado, não se pode contestar a natureza básica dos
bens humanos que são protegidos pelos direitos sociais: é
evidente que a saúde, a casa, a educação e o trabalho são
valores indispensáveis para a prossecução de uma vida
humana autónoma e digna. O direito social é, por isso,
direito humano. Também não se pode contestar a
afirmação contida em b). Estes ‘direitos’ foram
positivizados pela nossa Constituição e são, por isso,
dotados da maior força normativa. Contudo, e por serem
‘direitos’ sob reserva do possível, estão dependentes da lei
12
e não valem contra a lei. Em princípio não se lhes aplica a
afirmação contida em c). Em geral, os direitos sociais nem
são direitos resistentes à lei nem se encontram sob
protecção do poder judicial. Resta saber, então, em que
consistirá a sua ‘positivização’ e ‘superior força
normativa’.
4.6. A força normativa dos direitos sociais e o sentido da
sua positividade.
Por tudo quanto se disse, pode compreender-se melhor o
sentido do nº 1 do artigo 18º da CRP. Sob a epígrafe ‘Força
Jurídica’, diz-se aí que os preceitos relativos a direitos,
liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam
[entidades públicas e privadas]. De facto, os preceitos
relativos ao outro tipo de direitos (Direitos Económicos,
Sociais e Culturais) não são em princípio, e pelas razões
apresentadas, directamente aplicáveis. Mas, em todo o caso,
vinculam, e vinculam em três situações de intensidade
crescente.
a)
Em primeiro lugar, as normas de direitos sociais
vinculam o Estado na exacta medida em que fixam
um programa de objectivos para a comunidade
política que deve por ela ser cumprido. Este dever
de cumprimento do programa de objectivos políticosociais tem várias dimensões. (i) Antes do mais, ele
implica que os objectivos constitucionalmente
prescritos gozam de preferência face a objectivos
meramente políticos: significa isto que o legislador
deve observá-los, sempre que, nas suas decisões,
tiver que ponderar bens entre si conflituantes. (ii)
Daqui decorre que as normas de direitos sociais
podem – e nalguns casos devem - ser invocadas
como contendo restrições legítimas a direitos,
liberdades e garantias. (III) Daqui decorre também
que as normas de direito ordinário devem ser
interpretadas em conformidade com as normas
constitucionais que consagram direitos sociais.
13
b)
c)
Em segundo lugar, as normas de direitos sociais
vinculam o Estado sempre que ele – através de actos
normativos e de prestações fácticas – já tiver
começado a dar alguma execução aos deveres de
prestação a que está obrigado em virtude daqueles
mesmos ‘direitos’. Fala-se aqui em direitos
derivados a prestações. Se um particular, em
virtude da acção estadual, tiver visto já
concretizadas na sua esfera jurídica as prestações
públicas decorrentes das normas de direitos sociais
(direitos derivados a prestações: derivados porque
decorrentes não directamente das normas
constitucionais, mas de normas de direito
infraconstitucional que concretizam a norma
constitucional) o retrocesso da sua situação não
pode fazer-se em qualquer circunstância. O Estado,
se quiser retroceder – por serem diferentes as
disponibilidades económico-financeiras, ou por
serem outros os critérios de afectação de recursos
adoptados pelas políticas públicas – terá que fazê-lo
tendo em conta: (i) o princípio da igualdade e da não
discriminação (artigo 13º da CRP); (ii) o princípio
da protecção da confiança (artigo 2º da CRP); (iii) o
princípio da proporcionalidade (art. 18º, 2 da CRP).
Como se viu em Direito Constitucional I ( ver A
Forma da República, p. 151 e ss), todos estes
princípio integram a ideia mais vasta de Estado de
direito.
Por último, as normas de direitos sociais podem, em
certas circunstâncias, vir a ter um efeito vinculativo
ainda mais intenso. Nas situações atrás definidas,
em a) e b), a vinculação do Estado é objectiva.
Nelas não se pode dizer – a não ser nos casos dos
direitos derivados a prestações – que haja uma
vinculação subjectiva, isto é, que as pessoas tenham
efectivamente direitos (radicados directamente na
norma constitucional e como tal invocáveis em
juízo) a que o Estado aja para com ela de certo
modo. No entanto, o ‘espírito’ dos direitos sociais é
este: há, na socidade portuguesa, um chão comum
14
de existência condigna abaixo do qual ninguém
deve poder descer. Por isso, se, em determinadas
circunstâncias concretas, se verificar que não existe
este mínimo de existência condigna, pode dizer-se
que haverá aqui um direito subjectivo a prestações
por parte do Estado. Nesta situação – e só nela – terá
o direito social um conteúdo idêntico ao de um
direito, liberdade e garantia. Será, também ele –
nesta situação e só nela – um direito resistente à lei
e colocado sob a protecção do poder judicial,
sendo-lhe aplicável inteiramente ( e não apenas
parcelarmente) a definição dada de ‘direito
fundamental’.
5. Conclusão. A multifuncionalidade dos direitos e a complexidade da sua
estrutura.
É evidente agora, por tudo quanto acabou de se dizer, que a primeira definição
que atrás demos de direitos, liberdades e garantias e de direitos sociais (ver
ponto 3.1.) não pode ser aceite integralmente. A dicotomia esconde uma
realidade mais complexa. Para que possamos compreender bem o sistema de
direitos consagrado na Parte I da CRP não basta dizer que existem direitos de
defesa – que serão os direitos, liberdades e garantias – e direitos a prestações
estaduais – que serão os direitos sociais. Se aceitássemos esta contraposição
simples, diríamos que a diferente estrutura destes direitos se resumiria ao
seguinte: aos direitos de defesa corrresponderiam deveres estaduais negativos,
ou deveres de não fazer (Ex. dever de não afectar a integridade física, ou de
não impedir a liberdade de circulação, ou de não impor a ninguém certas
convicções religiosas); aos direitos sociais, por seu turno, corresponderiam
deveres positivos, deveres de fazer (ex: de garantir a habitação ou o trabalho).
Está visto que a estrutura dos direitos sociais pressupõe deveres estaduais mais
complexos, que não apenas o dever – único e simples – de realizar prestações.
Mas a mesma complexidade existe na estrutura dos direitos, liberdades e
garantias. Podemos continuar a dizer que estes direitos são direitos de defesa.
Em geral, o que os identifica é a necessidade de protecção da autonomia da
pessoa perante os outros e perante o Estado: é a autonomia de cada um, ou a
capacidade de cada um para se dar a si mesmo a sua própria norma – e isto
15
independentemente das circunstâncias materiais da existência - o valor último
que é prosseguido tanto pelo direito à vida (artigo 24º), quanto pela liberdade
de circulação (artigo 44º) quanto pelo direito de voto (artigo 49º). Mas o que
se não pode dizer é que estes direitos se cumprem através de meras acções
estaduais negativas, ou através de deveres estaduais de não fazer ou não
impedir. Basta reflectir um pouco: o que seria do direito à vida se o Estado
não se comprometesse – activamente – a garanti-lo através, pelo menos, da
administração de uma polícia de segurança? E o que seria da liberdade de
circulação se o Estado, por intermédio da sua lei, não ordenasse o tráfico? E o
que seria do direito de voto sem a organização dos procedimentos –
recenseamento, leis eleitorais, assembleias de voto, etc. – que tornam o seu
exercício possível?
Quer isto dizer que os direitos de defesa também são direitos a prestações
estaduais. Só que a natureza destas prestações é diferente da natureza das
prestações contidas nos direitos sociais. Os direitos de defesa são assegurados
através de deveres estaduais de protecção ou de instituição de organizações e
procedimentos.
Por último, se tal sucede, é porque os direitos fundamentais – todos eles,
qualquer que seja a sua estrutura – são direitos multifuncionais. Não cumprem
só uma função. Não existem só para realizar os interesses ou as necessidades
básicas dos seus titulares. Existem também para outra coisa: para revelar os
valores fundamentais de uma comunidade política. A vida, por exemplo, não é
apenas um direito subjectivo. É um valor fundante da comunidade política
portuguesa. O mesmo se diga da liberdade de expressão, ou da liberdade de
criação artística, ou do direito a uma habitação condigna.
Por isso se diz que os direitos fundamentais, todos eles, têm uma dupla
dimensão – e são por isso multifuncionais. Têm por um lado uma dimensão
subjectiva – são direitos das pessoas, invocáveis em juízo. Mas têm também
uma dimensão objectiva. Revelam os valores fundamentais que ordenam a
comunidade política portuguesa.
Como se verá nas aulas seguintes, desta dimensão objectiva dos direitos
retirar-se-ão muitas consequências práticas.
Elementos de estudo:
16
J.J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob
cit., pp. 393- 410
José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais, cit. pp. 171- 201
pp.113- 170
(Capítulos IV e V)
Jorge Miranda – Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, pp. 77- 106
Jorge Reis Novais – Direitos Fundamentais, Trunfos contra a Maioria, pp.
187-209.
17
Quarta Aula: Quantos Direitos existem?
O Problema da Cláusula Aberta (artigo 16, nº 1 da CRP)
1. Delimitação do problema. Podem existir direitos fundamentais fora do
catálogo constitucional? (Não há direitos sem normas que os provejam.
Mas pode haver direitos previstos por outras normas que não as
constantes da Parte I da CRP?)
2. Divisão do problema em duas questões distintas: (i) Pode haver direitos
dispersos ao longo do texto constitucional? (que estejam
‘desarrumados’, v.g. que sejam previstos por outras normas
constitucionais que não as da Parte I)? (ii) Pode haver direitos – que
sejam verdadeiros direitos fundamentais – que não estejam previstos
nas normas constitucionais, e que resultem de outras normas
(constantes de leis ordinárias, ou de normas de proveniência
internacional)?
3. A importância prática dos dois problemas – dos direitos dispersos e dos
direitos não previstos. Os direitos fundamentais não são direitos
subjectivos como os outros. . Visto que são direitos humanos
positivizados, dotados da maior força normativa, resistentes à lei e
colocados sob a protecção do poder judicial, gozam de um regime
próprio. Definição dos elementos do regime. Assim, se se chegar à
conclusão segundo a qual existem direitos fundamentais fora do
catálogo, a tais direitos deverá ser aplicado o regime próprios dos DF.
4. O problema dos direitos dispersos. A aceitação pacífica da possível
existência destes direitos. Exemplos. A solução constitucional: artigo
17º. O que é a «analogia» e os seus critérios
5. O problema dos direitos não previstos. A chamada ‘cláusula aberta’do
artigo 16º, nº 1.
5.1.
As origens históricas da ‘cláusula aberta’. O IX
Aditamento à Constituição dos Estados Unidos (1791):
The enumeration in the Constitution of certain rights shall
not be construed to deny or disparage others retained by
the people. O contexto histórico desta formulação: a ideia
18
5.2.
segundo a qual os direitos deteriam um fundamento
natural-racional; a intenção inicial do Bill of Rights
americano ( v. A Forma da República, p. 62) – a limitação
das competências da federação face aos ‘direitos’ dos
Estados. A escassa utilidade prática, hoje, do IX
aditamento no direito norte-americano.
A recepção da ‘clásula aberta’ norte-americana em direito
português. O artigo 4º da Constituição de 1911. O artigo
8º, &. 1 da Constituição de 1933. A recepção desta
tradição textual para o artigo 16º nº 1 da CRP. O novo
contexto dos direitos na CRP
6. Os problemas colocados pela ‘cláusula aberta’.
6.1. No caso de direitos previstos por leis ordinárias. Como é
que se pode dizer que aquilo que caracteriza um direito
fundamental é a resistência à lei e, ao mesmo tempo, dizer
que há direitos fundamentais previstos em leis? Que
elementos do ‘regime’ constitucional devem ser aplicados
a estes direitos? E como se detectam eles? A partir de um
critério de fundamentalidade material? E como definir
esses critério?
6.2. No caso de direitos previstos por normas de proveniência
internacional. A escassa dimensão prática do problema: a
grande extensão do elenco da CRP e a sua coincidência
com os direitos previstos pelos instrumentos internacionais
(de ‘Direitos Humanos’).
6.3. A quase não aplicação jurisprudencial (em Portugal) da
‘cláusula aberta’, e, portanto,a sua não utilidade prática
também em direito português.
7- No entanto: o sistema dos direitos é – e não pode deixar de ser - um
‘sistema aberto’. Mas de que forma se deve entender a ‘abertura’?
7.1. O sistema dos direitos é – e não pode deixar de ser – um ‘sistema aberto’.
Se os direitos fundamentais são, por definição, contramaioritários (Cfr. 1ª e 2ª
aulas), isto é, se a fundamentalidade dos direitos tem por consequência
essencial o subtraí-los à disposição das maiorias, então, um sistema de direitos
não pode ser identificado com a cristalização de uma certa concepção
histórica maioritária. Tem que haver uma abertura ao devir, à colocação dos
novos problemas e, logo, à possível formulação de novos direitos.
19
No entanto, uma coisa é entender-se que esses direitos podem e devem ser
achados nas leis ordinárias ou, em geral, fora do texto constitucional. Essa é
(era) a solução da ‘cláusula aberta’ do nº 1 do artigo 16º que, em trinta anos de
prática, se mostrou não-praticável. Outra coisa, porém, é entender-se que a
abertura do sistema se faz por via de interpretação das normas
constitucionais ( e só delas) que consagram direitos, de forma a achar – por
via interpretativa – direitos implícitos. É essa a prática que se segue nos
outros ordenamentos jurídicos; é essa afinal a pratica que seguiu o Tribunal
Constitucional. Exemplo: o reconhecimento jurisprudencial da existência de
um direito a um mínimo de existência condigna (ver aula anterior).
( Os métodos de interpretação jurisprudencial dos direitos serão analisados na
última aula respeitante a este capítulo).
Elementos de estudo:
Em sentido divergente do exposto na aula:
J.J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob.
cit., pp. 403- 407
José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais, ob cit., pp.73-111
(Capítulo III)
J.j. Gomes Canotilho / Vital Moreira – Anotação ao artigo 16º da
Constituição (com mais bibliografia aí citada). Em Constituição da República
Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 4ª ed., 2007.
20
Quinta Aula: Os Titulares dos Direitos
Quem são os titulares dos direitos fundamentais?
1. A inexistência de direitos de grupos e o problema do multiculturalismo.
1.1.A primeira ideia a reter, quanto à resposta à pergunta feita, é a de que
não existem direitos de grupos. Titulares de direitos fundamentais são
apenas as pessoas individualmente consideradas. Esta é a solução da CRP,
como é a solução de outras constituições próximas da nossa. Como os
direitos formam o estatuto básico dos seres humanos na colectividade
política, esles são atribuídos, individualmente, a estes mesmos ‘seres’ e não
aos grupos nos quais eles, eventualmente, se integrem. Este princípio – que
é o princípio geral em matéria de titularidade de direitos – coloca no
entanto vários problemas, que estudaremos nesta aula.
(i)
Em primeiro lugar, o problema de saber o que é que se deve
entender por pessoa, face à CRP. O termo engloba apenas os
cidadãos portugueses ou inclui também estrangeiros? O termo
engloba apenas pessoas físicas ou inclui também pessoas
colectivas?
(ii) Em segundo lugar, o problema de saber como é que devem ser
entendidos certos direitos cujo exercício é, por natureza,
colectivo e não individual (por exemplo: direito de reunião e
de manifestação, art. 45º; direito à greve, art. 57º; etc
(iii) Em terceiro lugar, o problema de saber qual o estatuto jurídico
das minorias no nosso ordenamento constitucional. Por
minoria entende-se aqui um grupo numericamente inferior ao
resto da população de um Estado , em posição portanto não
dominante, cujos membros possuem características étnicas,
religiosas ou linguísticas que diferem do resto da população,
e mostram, ainda que só implicitamente, um sentido de
solidariedade destinado a preservar a sua cultura, tradições,
religiões ou língua.
1.2. O problema dos direitos das minorias ganha hoje uma particular
acuidade com o processo de globalização e com os fluxos
migratórios que dele decorrem. Por força deste processo, os Estados
contam hoje com populações culturalmente muito diversas. Tem-se
21
chamado a esta realidade, crescente nos nossos dias,
‘multiculturalismo’. Coloca-se por isso a questão de saber se os
direitos fundamentais – que são, substancialmente, direitos humanos
– não devem ser definidos tendo em conta esta nova realidade.
Para a CRP – como para todas as outras constituições que se filiam
na nossa tradição – este problema não se resolve com a existência de
direitos de grupos. Os direitos são de titularidade individual. A
Constituição, no entanto, protege especialmente as pessoas
pertencentes a minorias, sobretudo através do princípio da igualdade
e da não –discriminação (artigo 13º, nºs 1 e 2). Não há, portanto,
direitos das minorias. Há, sim, direitos ( e em especial, o direito a
não ser discriminado) que protegem especialmente aquelas pessoas
que pertençam a minorias. Analisar-se-á mais adiante o conteúdo
exacto que deve ser atribuído a este direito.
2. Direitos dos portugueses e direitos dos estrangeiros.
2.1. À questão de saber quem são as pessoas que são titulares dos direitos
responde, desde logo, o nº 1 do artigo 15º. A regra em direito português é a
da equiparação: de acordo com esta regra, os estrangeiros que residam em
Portugal gozam dos mesmos direitos que são atribuídos a cidadãos
portugueses. O fundamento desta regra encontra-se na ideia de
universalidade que é própria dos direitos humanos, e que tem especial
refracção no nº 1 do art. 12. Há, no entanto, um núcleo de direitos
reservados apenas a portugueses e que são sobretudo os direitos políticos
(artigo 15º nº 1), que em princípio – por implicarem a pertença á
comunidade política portuguesa – só são atribuídos a nacionais.
Há, no entanto, excepções a esta reserva (dos direitos polítcos apenas para
cidadãos portugueses) e que vêm enuunciadas nos nºs 3,4, e 5 do artigo
15º. Estas excepções beneficiam, sobretudo, dois grupos de estrangeiros:
os oriundos dos Países de língua portuguesa e os nacionais de Estados
membros da União Europeia. As excepções justificam-se pela pertença de
Portugal a duas Comunidades: a Comunidade de Países de Língua
Portugesa e a União Europeia.
3. Direitos das pessoas colectivas: nº 2 do artigo 12
Como os direitos fundamentais formam o estatuto básico do seres humanos
na colectividade política, a sua titularidade por parte de pessoas colectivas
22
implica sempre uma ampliação artificial da sua razão de ser. O que é
‘natural’ é que apenas os indivvíduos sejam titulares de direitos.
No entanto, a CRP estende a sua titularidade a pessoas colectivas se se
perfizerem duas exigências: (i) se a natureza do direito o consentir; (ii) se
tal for adequado aos fins especiais que a pessoa colectiva prossegue. [art.
12º, nº 2: as pessoas colectivas gozam dos direitos (...) compatíveis com a
sua natureza].
Não é possível formular uma regra geral que nos possibilite saber, a priori,
quais são os direitos que poderão ser da titularidade de pessoas colectivas.
O problema deve ser resolvido perante os casos concretos e usando a
seguinte metodologia: primeiro, esclarece-se quais são os fins especiais que
a pessoa colectiva em questão prossegue; depois, determina-se qual o bem
jurídico protegido pela norma de direito fundamental em causa. Se houver
adequação entre uma coisa e outra – entre os fins prosseguidos e o bem
jurídico protegido – pode concluir-se pela titularidade do direito.
Elementos de estudo:
J. J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
ob. cit. pp. 415-424
José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais, cit. pp. 123134
J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira – Anotação ao artigo 12º ; Anotação
ao artigo 15º (com mais bibliografia aí citada). Em Constituição da
República Portuguesa Anotada, 4ª ed. Coimbra, Almedina, 2007.
23
Sexta Aula: Os Destinatários dos Direitos
Quem são os destinatários dos Direitos Fundamentais?
1. Delimitação do tema. Art. 18, nº 1: «Os preceitos constitucionais
respeitantes a direitos, liberdades e garantias são directamente
aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas». Pela leitura do
preceito poderá concluir-se que os «destinatários» dos direitos serão,
não apenas o Estado e todos os seus poderes («vinculam entidades
públicas»), como também a sociedade em geral, ou os particulares
(«vinculam entidades privadas»). No entanto, esta primeira leitura
coloca vários problemas: (i) De que é que falamos exactamente, quando
falamos de «vinculação»? Nomeadamente, qual é a diferença entre a
«vinculação» e a «aplicabilidade directa»? (ii) Já sabemos que nem
todos os direitos têm o mesmo ‘grau’ de aplicabilidade directa: em
princípio, os direitos sociais (terceira aula) não são directamente
aplicáveis. Será então possível estabelecer um quadro geral dos
destinatários dos direitos fundamentais que inclua tanto os direitos,
liberdades e garantias quanto os direitos económicos, sociais e
culturais? (iii). A Constituição diz que os «preceitos»... «vinculam
entidades públicas e privadas», mas não determina o modo dessa
vinculação. Será então possível estabelecer um quadro geral de
vinculação que valha tanto para as «entidades públicas» quanto para as
«privadas»?
São estes os problemas que trataremos nesta aula. Diga-se desde já que a
resposta dada a cada um deles é a seguinte: (i) Existe uma diferença entre
«aplicabilidade directa» e «vinculação»; (ii) Não é possível estabelecer um
quadro geral de «vinculação» para os direitos, liberdades e garantias e para
os direitos sociais, pelo que o regime de cada um dos tipos de direitos terá
que ser diferenciado; (iii) Não é possível estabelecer um quadro geral de
«vinculação» das entidades públicas e das entidades privadas, pelo que
também aqui terá que ser diferenciada a situação dos destinatários dos
direitos.
24
2. Vinculação e aplicabilidade directa.
Os dois conceitos não significam a mesma coisa. «Aplicabilidade directa»
significa que o direito existe na esfera jurídica do particular por força
(apenas) da norma constitucional que o consagra, pelo que se torna
resistente à lei (embora careça dela) e se encontre, tal como está
determinado pela norma constitucional, sob protecção do poder judicial.
Nesta medida, «directamente aplicáveis» serão, em princípio, apenas os
direitos, liberdades e garantias.
Vinculação quer dizer outra coisa, relacionada com a primeira mas com
um conteúdo distinto. Como os direitos fundamentais são positivizados em
normas dotadas de força hierárquica maior, «vinculação» significa o
conjunto de deveres que decorrem, desde logo, para os poderes públicos (e
veremos se existem, e quais são, os que decorrem para os privados) em
virtude das normas constitucionais que consagram os direitos. Ambos os
conceitos (aplicabilidade directa e vinculação) são explicitações do
princípio da constitucionalidade – artigo 3º, nº 3. Mas enquanto a
«aplicabilidade directa» diz respeito ao grau de eficácia do direito
(estabelecendo para ele uma eficácia máxima) , «vinculação» diz respeito à
questão de saber quem é que está sujeito aos deveres que decorrem da
norma que sonsagra o direito, e que tipo de deveres serão essses.
3- Direitos, liberdades e garantias e direitos sociais.
A distinção entre «aplicabilidade directa», enquanto critério de eficácia, e
«vinculação», enquanto critério de identificação dos destinários dos
direitos e dos seus deveres, é importante dsde logo para que se compreenda
a diferenciação de regimes, quanto a este ponto, entre «direitos de defesa»
e «direitos sociais».
Por um lado, os «direitos sociais» também vinculam (terceira aula) No
entanto, como não são, em princípio, directamente aplicáveis, o o modo da
sua vinculação será diverso, em alguns aspectos, do modo de vinculação
dos direitos, liberdades e garantias. No que às entidades públicas diz
respeito, haverá assim aspectos gerais de «vinculação» - que valerão tanto
para os direitos de defesa quanto para os direitos sociais – e aspectos da
«vinculação» que valerão apenas para os direitos, liberdades e garantias.
Assim:
4. Vinculação das Entidades Públicas.
25
4.1. Destinatários dos direitos fundamentais – de todos eles – serão em
primeiro lugar as entidades públicas, «Entidades públicas» significa aqui o
Estado e todos os seus poderes: destinatários dos direitos serão, portanto, e
antes do mais, o legislador, a administração pública, e os tribunais. Mas
quais serão os deveres a que estão sujeitos cada um destes poderes?
4.1.2. Deveres do legislador:
- Dever de respeito e não transgressão (aplicável tanto
aos direitos, liberdades e garantias quanto aos direitos
sociais)
- Dever de promoção de condições e meios para o
desfrute efectivo do direito. Este dever não tem o
mesmo conteúdo nos dois tipos de direitos. Nos
direitos, liberdades e garantias, ele traduz-se (ver
terceira aula) no dever de ‘dar corpo’ as organizações e
procedimentos que sejam necessários ao exercício
efectivo do direito. No caso dos direitos sociais, a
possibilidade de exercício efectivo do direito está
dependente da ‘reserva do possível’.
- Dever de protecção (por meio da lei) face a agressões
dos direitos que provenham de outrem que não os
poderes públicos. Pelas mesmas razões identificadas no
ponto anterior, este dever de protecção valerá apenas
para os direitos, liberdades e garantias.
- Dever de conciliação entre os direitos de uns e os
direitos de outros, ou entre os direitos de uns e os
‘interesses constitucionalmente protegidos’ (art. 18º, nº
2) através do estabelecimento dos limites dos direitos
(ver próxima aula). Este dever vale também, apenas,
para os direitos, liberdades e garantias, embora os
direito sociais sejam, como já vimos, causas legítimas
de limitação ou restrição dos demais direitos.
- Nota. os direitos sociais também podem ser
restringidos. Mas como a restrição só opera quando o
direito já está constituído, ela só vale para os
chamados «direitos derivados a prestações». Ver-se-á
este ponto melhor na próxima aula.
4.1.3. Deveres da Administração Pública
26
- Dever de respeito e de não transgressão (válido para
todo o tipo de direitos)
- Dever de interpretação conforme ,sobretudo quanto ao
preenchimento de cláusulas gerais e de conceitos
indeterminados (válido para todo o tipo de direitos)
- Dever de aplicação conforme, no caso de poderes
discricionários (válido para todo o tipo de direitos)
- Em caso de leis lesivas de direitos, liberdades e
garantias: dever de promover a declaração de
invalidade da lei lesiva.
4.1.3. Deveres dos poder judicial (deveres do juiz)
- Dever de aplicação e interpretação conforme (válido
para todo o tipo de direitos)
- Dever de desaplicação de leis lesivas de direitos nos
termos dos processos concretos de fiscalização da
constitucionalidade (último capítulo). Porque os
direitos sociais não têm o mesmo nível de eficácia dos
direitos de defesa, este dever judicial de desaplicação
não vale do mesmo modo para uns e outros tipos de
direitos.
5. Vinculação das entidades privadas.
5.1. Fundamentos para a inevitável diferenciação de «tipos de vinculação» : (i)
Pela sua natureza, os direitos de defesa são primacialmente dirigidos contra o
Estado. As entidades públicas são portanto os seus primeiros destinatários
‘naturais’; (ii) Pela sua natureza, os direitos sociais valem só em relação ao
Estado. As entidades públicas são, portanto, os seus únicos destinatários.
5.2. No entanto, importância actual do problema. A «ameaça» dos direitos [ de
defesa] por parte de privados. Exemplos.
5.3. Teses quanto ao modo de solução do problema:
5.3.1. A tese da igual vinculação (eficácia imediata dos direitos fundamentais
nas relações entre privados) e a sua rejeição. A necessidade de ter em linha de
conta, nas relações entre privados, a conciliação entre diferentes direitos
fundamentais (direito fundamental por um lado e direito de ‘autonomia’ por
outro); o papel das leis ordinárias – do direito infraconstitucional: direito civil
direito do trabalho, etc – na resolução dos conflitos decorrentes desta
coexistência de direitos; a impossibilidade de devolver ao juiz toda a tarefa de
realização desta ‘conciliação’.
27
5.3.2. A tese da eficácia mediata. Elementos: (I) a dimensão objectiva dos
direitos fundamentais (terceira aula) e o seu efeito de ‘irradiação’ para toda a
ordem jurídica. (ii) Os particulares, nas suas relações entre si, serão
destinatários dos direitos fundamentais mediatamente, por intermédio da lei
ordinária, que cumpre o efeito de ‘irradiação’ dos direitos e é ‘fiel’ à sua
dimensão objectiva. Exemplos.
5.3.3. Problemas que esta tese coloca. Caso seja insuficiente a lei ou caso não
haja lei, e a relação entre privados seja uma relação de evidente desigualdade?
5..3.4. Deveres de protecção do legislador e proibição de deficit de protecção.
Funções do juiz no estabelecimento do grau de protecção adequado.
Elementos de estudo:
J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
ob. cit, pp. 438- 448; 1285- 1298
José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais..., ob. cit.,
Capítulos VI e VII (pp. 203-280)
Jorge Miranda – Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, cit. pp. 311327
Jorge Reis Novais – Direitos Fundamentais, Trunfos contra a Maioria, cit.
pp. 69- 116
J. J. Gomess Canotilho/Vital Moreira – Anotação ao nº 1 do art. 18º, em
Constituição da República Portuguesa Anotada, cit. pp. 381-388.
28
Sétima Aula: os Limites dos Direitos
.
1. A inevitabilidade da ideia de limites dos direitos. (artigo 4º da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: «a liberdade
consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique ontem: assim, o
exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites
senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos
mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados por
Lei.»
2. Distinção entre limites e delimitação do conteúdo do direito.
2.1. Questão comum ao conceito de limite e de delimitação: qual é o
conteúdo do direito no momento do seu exercício?
2.2. Pela delimitação, o conteúdo do direito é determinado ao nível da
norma constitucional que o consagra ou ao nível do sistema
constitucional como um todo. A delimitação do conteúdo do direito
pressupõe um tarefa de interpretação (da norma constitucional que
consagra o direito ou do sistema constitucional como um todo)
2.3. Os limites do direito são outra coisa. São restrições ao seu exercício,
introduzidas por lei ordinária (lei restritivas) ou decididas, num caso
concreto, pelo poder judicial, com um fim de resolver situações de
colisão (entre um direito e outro direito; entre um direito e um
‘interesse constitucionalmente protegido’.
3. A delimitação do conteúdo do direito. Definição
Em que é que consiste exactamente a delimitação do conteúdo do direito?
Cada direito visa proteger um certo bem jurídico, ou uma certa parcela da
existência humana que se considera , em si mesma, valiosa: exs. A Vida
(artigo 24), a integridade do espírito e do corpo (artigo 25) a casa (artigo
34), a arte (artigo 42), o saber (43) ou o esta re agir com os outros (artigo
46 e 47). Esta identificação do bem protegido é, no entanto, apenas um
primeira informação empírica, que nos indica apenas qual é o âmbito
fáctico da existência humana que é protegido por aquela norma
jusfundamental. No entanto, o tal âmbito fáctico pode não coincidir com o
âmbito jurídico, por este ser mais delimitado do que aquele. Ex. Nem tudo
o que puder ser, facticamente, considerado como uma ‘reunião’ ou
‘manifestação’ será necessariamente incluído no âmbito de protecção da
norma que consagra a liberdade de reunião ou manifestação (artigo 45º).
29
A tarefa de delimitação do conteúdo do direito é, pois, uma tarefa de
interpretação, através da qual se distingue entre o âmbito fáctico de
protecção da norma (que consagra o direito) e o seu âmbito jurídico.
4. Delimitação directa e delimitação indirecta.
A delimitação directa é aquela que decorre da interpretação da norma
constitucional que consagra o direito, pelo facto de ser essa mesma norma
que, desde logo, introduz limites ao âmbito jurídico de portecção do bem
jusfundamental. Exemplo. É o próprio artigo 45º nº 1 que diz que reunir
com armas e de forma não pacífica não é, para a própria Constituição,
liberdade de reunião.
A delimitação indirecta implica uma mais árdua tarefa de interpretação,
porque, aí, o âmbito de protecção da norma que consaga o direito é achado,
não pela leitura isolada dessa norma, mas pela sua inserção no sistema da
Constituição. Decorre do sistema da Constituição que, por exemplo, um
sacrifício humano não pode vir incluído no âmbito de protecção do artigo
41º, 1 (A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável)
porque colide com o bem jurídico protegido pelo artigo 24º; ou que a
divulgação de meios de prática de crimes fiscais não pode ser incluída no
âmbito de protecção do artigo 43 (liberdade de aprender e de ensinar)
porque colide com o dever fundamental de pagar impostos, constante do
artigo 103º, nº 3).
Em todos estes casos, a colisão entre um direito (ou aquilo que
aparentemente seria um direito ) e outros direitos, ou entre um direito e um
interesse público constitucionalmente protegido é uma colisão evidente, e a
solução para ela é achada pela própria Constituição. Ou pela própria norma
constitucional (como é o caso da colisão entre o dirieto ‘manisfestação’ e o
interesse público ‘paz’) ou pelo sistema de normas, devidamente
interpretado (como é o caso do acto ‘sacrifíciio humano’, que, no sistema
constitucional, não pode evidentemente corresponder ao exercício de um
direito.
No entanto, nem todos os casos de colisão entre um direito e outros
direitos, ou entre um direito e um interesse constitucionalmente protegido
são evidentes, e estão por isso resolvidos a nível constitucional. Há muitas
situações que têm que ser decididas pelo legislador ordinário ou – em casos
de imprevisão deste, ou por causa das especificidades do caso concreto –
30
pelo poder judicial. Estes são os casos verdadeiros de limitação ou restrição
de direitos.
A limitação ou restrição só opera, porém, quando é retirado ao conteúdo do
direito (já delimitado a nível constitucional) alguma ou algumas faculdades
de exercício que se incluiriam, ainda, no seu âmbito jurídico de protecção.
Exemplo: o exercício da advocacia corresponde ao exercício de uma
profissão porque se inclui, plenamente, no âmbito de protecção [jurídica]
da norma do artigo 47º (liberdade de escolha de profissão). [já, em
contrapartida, a prática de actividades ‘mafiosas’ não pode ser invocada
como correspondendo à liberdade consagrada no artigo 47º]. No entanto, o
facto de o exercício da advocacia ficar dependente da inscrição numa
ordem profissional já é uma restrição [fixada por lei] ao conteúdo do
direito constitucionalmente delimitado, restrição essa exigida por razões
de ‘outros interesses constitucionalmente protegidos’ que o legislador
ponderou.
5. Leis restritivas de direitos (direitos, liberdades e garantias)
5.1.
Pelas razões que já conhecemos (terceira aula) estamos só a falar de
direitos, liberdades e garantias. Os direitos sociais também podem
ser restringidos; mas como a ´restrição ‘ só opera uma vez
constituído o direito – e os direitos sociais são constituídos ao nível
legal e não constitucional – as ‘restrições’ a estes direitos ocorrem,
apenas, quanto aos chamados direitos derivados a prestações, tendo
aí os limites que identificámos na terceira aula.
5.2. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, para serem
conformes à constituição, têm que perfazer os seguintes requisitos:
a) Reserva de lei. (artigo 18º, nº 2). Só a lei pode restringir direitos (os
regulamentos administrativos não o podem fazer) e, além disso, só a lei
parlamentar ou o decreto-lei governamental autorizado (artigo 165, nº1,
b)
b) Autorização constitucional para restringir .(Embora se não possam
deixar de admitir as chamadas autorizações implícitas )
c) Proporcionalidade da restrição art. 18, nº2)
a. Legitimidade do fim que a justifica
b. Adequação (em geral) do meio ao fim
c. Exigibilidade (em concreto) do meio para a realização do fim
(inexistência, in casu, de medidas menos onersosas para as
pessoas)
31
d. Proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, equilíbrio entre o
ganho de interesse público e a ‘perda’ privada. (Ponderação
propriamente dita)
Ainda outros requisitos das leis restritivas: (artigo 18º nº 3)
d) Generalidade e abstracção das leis restritivas
e) Não retroactividade das leis restritivas
f) Intangibilidade do conteúdo essencial do direito.
Notas finais:
1. Todos estes requisitos das leis restritivas – que se podem
chamar limites dos limites, ou restrições às restrições são decorrentes do princípio do Estado de direito (Ver A
Forma da República: a reserva de lei, a
proporcionalidade, a não retroactividade, a generalidade e
abstracção [que corrresponde a um exigência de
igualdade] decorrem de subprincípios que incluem o
princípio do ‘Estado de direito’. E é natural que assim
seja. A CRP fixou todos estes limites para as leis
restritivas para garantir, na prática, a fundamentalidade
do direito – isto é, para garantir que ele viesse a ser,
efectivamente, resistente à lei.
2. Há dois limites de conteúdo problemático: o que decorre
da imposição de autorização constitucional (por ser
impossível prescindir de autorizações implícitas) e o que
decorre da protecção do conteúdo essencial (por serem
várias as teses relativas à questão de saber o que é um
conteúdo essencial)
3. Nos casos em que a colisão [entre direitos, ou entre
direitos e bens comunitários] é decidida pelo juiz – por
ser insuficiente ou ausente a lei – o procedimento
adoptado não pode deixar de ser o da proporcionalidade
Elementos de estudo:
J. J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob.
cit., pp. 450 e ss.
32
José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais, cit , Capítulo VIII
Jorge Miranda – Manual, Tomo IV, cit., pp. 328 e ss.
J. J. Gomes Canotilho /Vital Moreira – Anotação aos nºs 2 e 3 do artigo 18º
em Constituição Anotada, cit.
Jorge Reis Novais – As Restrições aos Direitos Fundamentais não
expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra, Coimbra Editora,
2003 (obra de consulta)
33
Oitava Aula.
O princípio da igualdade
(artigo 13º da CRP)
1. Delimitação do tema. A ideia de ‘igualdade’ é uma ideia central do
constitucionalismo. Todas as primeiras declarações de direitos [do
século XVIII, do primeiro constitucionalismo (ver primeira aula) se lhe
referem: ‘Os Homens nascem livres e iguais em direitos’. (Declaração
de 1789) Além disso, é também uma ideia central do princípio do
Estado de direito (ver A Forma da República, p. 169 e ss.) No entanto,
há que fazer, a este propósito, três delimitações essenciais.
1.2.
Em primeiro lugar, há que ter em linha de conta que esta ideia de
igualdade, enquanto elemento sempre presente da tradição
constitucionalista, nunca foi uma ideia descritiva; sempre foi
prescritiva. Isto é: o constitucionalismo nunca quis dizer que os
homens são, de facto, iguais. Sempre quis dizer outra coisa – que
eles devem ser tratados pelo Direito de forma igual.
1.3.
Em segundo lugar, há que ter em linha de conta que, por causa disso
mesmo, esta ideia de igualdade é essencialmente jurídica, e não
social ou económica. É claro que pode haver constituições (e, como
veremos, a CRP é uma delas) que consagrem como tarefa
fundamental do Estado a realização da ‘igualdade’ [ou de uma certa
parcela dela] entre todos os cidadãos na esfera económica e social.
Mas esta tarefa fundamental do Estado – que pressupõe uma pauta
de objectivos para a sua actuação – tem um conteúdo diverso do do
princípio da igualdade em sentido jurídico. É só deste último que
trataremos nesta aula. É também apenas este último que deve ser
entendido como o resultado de uma longa tradição do
constitucionalismo [como se sabe, as constituições do primeiro
constitucionalismo, embora consagrassem o princípio da igualdade
perante a lei, não consagravam tarefas do Estado de realização da
igualdade nas esferas económica e social]
1.4.
Em terceiro lugar, é preciso salientar que este princípio, jurídico, da
igualdade, se nasceu com o primeiro constitucionalismo, manteve-se
no segundo constitucionalismo [ver primeira aula: depois da segunda
metade do século XX] mas com um conteúdo acrescido. No primeiro
34
constitucionalismo, igualdade significava sobretudo direito [ de
todos os cidadãos] a um trato igual na aplicação da lei. Mas no
segundo constitucionalismo (embora se tenha mantido este sentido
inicial) o princípio jurídico da igualdade ganhou um novo conteúdo.
Passou a significar, também, um direito de todos os cidadãos a serem
tratados como iguais pela própria lei ( e não apenas na sua
aplicação). As noções ‘modernas’ que nós temos de proibição de
discriminação – e que, intuitivamente, associamos à ideia de
igualdade – decorrem deste conteúdo acrescido que o princípio
adquire no segundo constitucionalismo.
1.5.
Por último. Tudo quanto atrás se disse vale para o artigo 13º da CRP,
como vale para todos os artigos equivalentes das demais
constituições europeias. (Ver, por exemplo, artigo 14 da
Constituição espanhola; artigo 3º da Lei Fundamental de Bona; art.
3º da Constituição italiana; artigo 20 e 21 da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia) É que há hoje, quanto ao
conteúdo jurídico que se deve atribuir ao princípio de igualdade, um
‘sentir comum’ em toda a ciência jurídico-constitucional europeia. O
conteúdo do princípio na Constituição portuguesa ( e na
jurisprudência constitucional portuguesa) não é diverso do conteúdo
que tem sido atribuído ao mesmo princípio nas demais constituições.
Vamos começar por estudar o conteúdo que o princípio tinha no primeiro
constitucionalismo.
2. O primeiro constitucionalismo. A igualdade na aplicação da lei.
2.1.
2.2.
O contexto histórico do primeiro constitucionalismo. A necessidade
de ‘destruição’ do universo social prémoderno (sociedades de grupos
e de estados) e a necessidade de afirmação do Estado moderno, com
súbditos (primeiro) e depois com cidadãos igualmente submetidos à
soberania do Estado, sem corpos intermédios (V, A Forma da
República, p. 45 e 50)
As primeiras formulações do princípio. Artigo 6º da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: « A lei deve ser a mesma
para todos, tanto se protege quanto se castiga». Artigo 9º da
Constituição portuguesa de 1822: « A lei é igual para todos. Não se
devem portanto tolerar privilégios de foro nas causas cíveis ou
crimes, nem comissões especiais (...)»
35
2.3.
O primeiro conteúdo do princípio. O que se queria dizer, quando se
dizia que a lei devia ser igual para todos? Fundamentalmente,
queria-se dizer o seguinte: na aplicação da lei, o poder
administrativo e o poder judicial não podiam decidir diferentemente
em função da ‘condição social’ - ou outra – das pessoas
destinatárias das suas decisões. O princípio da igualdade significava
aqui, concretamente, obrigação, para a Administração, de decidir de
forma imparcial e obrigação, para o juiz, de julgar de forma neutral.
Estes dois princípios – imparcialidade da Administração e
neutralidade do poder judicial
- foram duas traves-mestras
essenciais para a construção do princípio mais geral de Estado de
direito (Ver A Forma da República, p. 147 e ss.)
3. O segundo constitucionalismo. Igualdade na lei, ou igualdade face
ao poder legislativo. ( Direito a ser tratado, pelo legislador, como um
igual)
3.1.
O contexto histórico do segundo constitucionalismo. A Europa
depois da segunda grande Guerra; a experiência de leis iníquas; a
instituição de Tribunais Constitucionais, a afirmação da
aplicabilidade directa dos direitos, a transformação dos direitos
humanos em direitos fundamentais.
3.2. As consequências para o conteúdo do princípio da igualdade.
3.2.1. Por um lado, o princípio mantém o conteúdo que tinha adquirido no
primeiro constitucionalismo. Quando o nº 1 do artigo 13 da CRP diz
que «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais
perante a lei», tal continua a significar igualdade na aplicação da
lei, ou seja, imparcialidade da Administração (v.também artigo 266,
2) e neutralidade do poder judicial (v. também artigo 203)
3.2.2. Por outro lado, porém, o princípio adquire um novo conteúdo,
porque passa a dirigir-se também ao poder legislativo. A igualdade
deixa de ser apenas a igualdade perante a lei para passar a ser, ainda,
igualdade na lei.
3.2.3. Mas o que é que significa esta nova dimensão do princípio? As leis
não são, não podem ser, neutrais ou imparciais. Legislar significa
ter em linha de conta as diferenças existentes entre as pessoas, de
modo a tratar adequadamente essas diferenças; significa, por isso,
tratar igualmente o que é igual e igualmente o que é desigual. O
significado do princípio da igualdade nesta nova dimensão –
36
igualdade na lei – implica, por isso, o ‘direito’ a que as diferenças
estabelecidas por lei sejam fundamentadas, ou não sejam arbitrárias.
Nesta dimensão, o princípio da igualdade significa, por isso,
proibição do arbítrio do legislador.
3.2.4. Existe arbítrio do legislador (e, logo, invalidade da lei por violação
do nº 1 do artigo 13º) quando as diferenças de tratamento entre
distintas classes ou grupos de pessoas não tiver nenhum fundamento
razoável, ou racional. Aqui, o juízo de racionalidade ou de
razoabilidade do fundamento da diferença faz-se através da
consideração de três elementos: (i) o regime legislativo comum; (ii)
a diferença introduzida (iii) o factor, no caso, relevante para o
estabelecimento da diferença. [A consideração deste último
elemento é fundamental. Logicamente, não se pode dizer que X é
igual a Y ou que X é diferente de Y. Ambas as afirmações são
vazias. Só se pode dizer que X é igual a Y em função do factor Z,
que é comum a ambos, ou que X é diferente de Y em função do
factor Z, que é distinto em ambos. Assim, quando a lei diferencia
entre pessoas ou grupos de pessoas, deve fazê-lo em função de um
factor de diferença; quando iguala, deve fazê-lo em função de um
factor de igualdade] Em geral, pode dizer-se que existirá arbítrio
legislativo – e a lei será inválida por violação do nº 1 do artigo 13º sempre que se não puder estabelecer nenhum nexo de adequação
racional entre o elemento (ii) e o elemento (iii).
4. Proibição de discriminação. (nº 2 do artigo 13º)
4.1.
4.2.
A proibição do arbítrio – tal como ficou definida no ponto anterior –
corresponde ao conteúdo mínimo do princípio da igualdade. Vale
quando a norma constitucional aplicável é a do nº 1 do artigo 13º.
No entanto, o Tribunal Constitucional tem dito que « só é lícito
recorrer ao princípio geral de igualdade - contido no nº 1 do artigo
13º da Constituição – e à protecção material que ele confere quando
a solução legislativa ou, em geral, os problemas questionados não se
encontrem directamente cobertos por um direito especial de
igualdade, e, em particular, por uma das cláusulas gerais de nãodiscriminação contidas no nº 2 do preceito citado». Quer isto dizer
que as proibições de discriminação fixadas no nº 2 do artigo 13º são
uma especificação do princípio da igualdade, nos termos seguintes: à
partida, serão proibidas [ e, logo, tomadas como arbitrárias], todas as
diferenças que tiverem como factor relevante um das características
37
pessoais indicadas: sexo, língua, ascendência, etc. Neste caso,
inverte-se o raciocínio do juiz que julga a decisão legislativa. Em
caso de aplicação do nº 1 do artigo 13º só se considerará inválida a
lei se não houver nela (e na diferença que estabelece) qualquer
razoabilidade. Aqui, o legislador tem ainda o benefício da dúvida.
Porém, se for aplicável o nº 2 do artigo 13º - isto é, se o factor
relevante da diferença [estabelecida por lei] for uma das «categorias
suspeitas» aí indicadas – à partida a medida legislativa é logo
considerada arbitrária, porque se parte do princípio segundo o qual
tais «categorias» não podem, em caso algum, servir de fundamento
para o estabelecimento de diferenças entre as pessoas.
5. O fundamento da proibição de discriminação e o problema das
discriminações positivas.
5.1.
5.2.
5.3.
Discriminar significa diferenciar injustamente.O nº 2 do artigo 13
enumera certas características pessoais identitárias que foram sendo,
historicamente, fonte sistemática de diferenciação negativa e de
desvantagem – afastando tais pessoas, e por causa dessas
características, do acesso igual aos bens sociais e estigmatizando-as
como pessoas desiguais. A finalidade do nº 2 do artigo 13º é a de
deixar claro que, para a concepção de justiça da CRP, a permanência
dessas diferenciações injustas não é tolerada, porque não é, à partida,
razoável ou fundamentada. Discriminar também significa estabelecer
diferenças entre as pessoas com fundamento, não num juízo, mas
num pré-juízo sobre aquilo que as distingue e sobre as características
que formam a sua identidade. É por isso que a tais características se
dá o nome de «características suspeitas».
No entanto, a proibição de discriminação – assim definida – só vale
em princípio para as discriminações negativas. O legislador pode
estabelecer medidas temporárias, favoráveis a certos grupos de
pessoas tradicionalmente preteridas, de modo a restabelecer
desigualdades históricas e a garantir que haja, em relação a elas,
igualdade de oportunidades. Ex, bolsas de estudo, lugares em listas
eleitorais, medidas especialmente dirigidas a favorecer o emrepgo
feminino, etc.
A questão das chamadas ‘discriminações positivas’ está ligada a
outras normas de igualdade que a CRP consagra. Dissemos que o
princípio da igualdade contido no nº 2 do artigo 13º é um princípio
38
jurídico, e não económico e social. E assim é. No entanto, a CRP
consagra a realização da igualdade «real» entre os portugueses como
uma das tarefas fundamentais do Estado (artigo 9º, alínea d), tal
como faz em relação à igualdade entre homens e mulheres (mesmo
artigo, alínea h) Aliás, seria incompreensível o princípio da
socialidade (ver terceira aula) sem esta outra dimensão, objectiva, da
igualdade. É ela que justifica a possibilidade do estabelecimento de
discriminações positivas.
Elementos de estudo:
J. J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit.
pp. 426-432
Jorge Miranda – Manual, Tomo IV, cit. pp. 221-254
J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira – Anotação ao artigo 13º da
Constituição, em Constituição da República Portuguesa Anotada.
Jorge Reis Novais –Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República
Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pp. 101- 160.
39
Capítulo II
O Sistema de Fontes
9ª Aula
Sistema de fontes e sistema de governo
Princípio gerais do sistema de fontes
1. Delimitação do tema ‘sistema de fontes’
1.1. De que é que falamos quando falamos de ‘fontes de direito’ . O
conceito de norma jurídica
1.2. A normatividade da constituição.
1.2.1 A constituição como fonte superior de direito
1.2.2 A constituição como fonte directa e imediata de direito ou como um
sistema de normas directamente aplicáveis às relações da vida (o
sistema dos direitos fundamentais; a sua aplicabilidade directa e a
constituição como quadro jurídico fundamental do Estado e da
sociedade)
1.2.3 A constituição como fonte indirecta ou mediata de direito, ou como
um sistema de normas relativas ao modo de produção das restantes
normas [vigentes no ordenamento interno português]
1.2.4 A sede ‘positiva’ dos diferentes sistemas (do sistema de direitos e do
sistema de fontes). O ‘sistema dos direitos’ – Parte I da CRP. O
‘sistema de fontes’- Parte III da CRP (Organização do Poder
Político)
2. Sistema de fontes e sistema de governo
2.1. O que é que se entende por sistema de governo: a forma pela qual
estão distribuídos entre os diferentes órgãos do Estado as suas funções
políticas ou governativas.
2.2. Definição de funções políticas ou governativas. Funções estaduais
de ‘direcção’ ou de escolha política, o que implica a atribuição, aos
órgãos que exercem tais funções, de competências para a criação do
Direito ou para a produção de normas.
40
2.3.
2.4.
2.5.
2.6.
2.7.
Identificação das funções que podem ser tidas como políticas,
governativas ou de criação do Direito. ‘Função executiva’ e ‘função
legislativa’. A exclusão natural da função judicial
Distinção entre os conceitos de função do Estado e de poder Estado.
A função é uma actividade típica; o poder é o que resulta da
atribuição do exercício dessa actividade a uma certa instituição ou
órgão do Estado. Exemplo. Função legislativa – actividade típica do
Estado que se traduz na criação do Direito através de leis. Poder
legislativo. Em Portugal (e, como veremos, diferentemente do que se
passa em muitos outros países europeus) o que é exercido tanto pela
Asssembleia da República quanto pelo Governo (e, no seu âmbito
próprio, pelas Assembleias Legislativas Regionais). Função
executiva - a actividade típica do Estado que se traduz nos actos de
administração pública. Poder executivo: aquele conjunto de órgãos e
instituições que exercem (nos termos da constituição e da lei) este
tipo de ‘actividade’. Função jurisdicional: acividade típica do Estado
que se traduz no ‘dizer do Direito’. Poder judicial. Aquele que é
exercido pelos Tribunais.
Excluindo do conjunto dos poderes do Estado o poder judicial (que
não é, por natureza, um poder político, de governação ou de
escolha), coloca-se a questão de saber quem – qual dos outros
poderes do Estado – exerce em última instância a função
governativa [ou quem detém a condução efectiva do processo
política]: se o poder legislativo (o Parlamento) se o poder executivo.
É esta a questão essencial que se resolve com o conceito de ‘sisterma
de governo’
Duas respostas históricas a esta questão. Os sistemas de governo
Parlamentares e os sistemas de governo Presidenciais ( v. A Forma
da República, p. 289-304). O sistema misto português e as
competências constitucionais do Presidente da República ( ibidem,
pp. 305- 319)
Ligação com o sistema de fontes. Dado que a condução do processo
político, em Portugal, cabe quer ao ‘tandem’ formado pelo
Parlamento e pelo Governo quer – no âmbito das suas competências
– ao Presidente da República, os processos constitucionalmente
previstos de criação do Direito ou de produção de normas serão
processos logicamente participados por estes «três poderes».Pelo
poder legislativo, pelo poder executivo e pelo poder presidencial. A
‘participação’ do Presidente da República é, no entanto, de natureza
41
fundamentalmente arbitral – através, sobretudo, dos poderes de
promulgação e veto (artigos 134, b; 136)
3. Princípios gerais do sistema de fontes.
3.1. Dois princípios estruturantes do sistema:
3.1.1. Princípio da constitucionalidade (artigo 108º)
3.1.2.Princípio da separação e da interdependência dos poderes (artigo
111ºn.1)
3.1.3. A ligação destes princípios ao princípio mais vasto do Estado de
direito.
3.2.Consequências dos princípios da constitucionalidade e da separação
dos poderes.
3.2.1 O princípio da tipicidade dos órgãos do Estado. Órgãos de soberania,
órgãos de poder regional, órgãos de poder local.
3.2.1. O princípio da reserva de Constituição quanto aos órgãos de
soberania (Sentido do termo ‘reserva’. Extensão da reserva: ‘função’,
‘composição’, ‘competência’, ‘funcionamento’: artigo 110º.
3.2.2. O princípio da tipicidade de atribuição normativa de competências
quanto aos demais órgãos (artigo 111º, 2)
3.2.3. O princípio da tipicidade dos actos normativos. Artigo 112º
4.- Consequências do princípio da tipicidade dos actos normativos.
(Tipos de actos normativos em Direito português. Sua identificação e
hierarquia)
-
Leis constitucionais
Leis
Decretos-lei
Decretos legislativos regionais
Regulamentos administrativos
Normas comunitárias
42
Elementos de estudo
A Forma da República, pp. 154 e ss; 289 e ss.
J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit.
pp. 595-694; 691-708.
J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira – Fundamentos da Constituição,
Coimbra, Coimbra Editora, 1991, pp. 177-233.
43
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