DIREITO CONSTITUCIONAL II SUMÁRIOS DESENVOLVIDOS * Capítulo I O Sistema dos Direitos Primeira Aula. O Conceito de Direito Fundamental Definição: Os direitos fundamentais são os ‘direitos humanos’ positivizados em Constituições escritas e dotados da maior força normativa. São direitos resistentes à lei, e colocados sob a protecção do poder judicial (artigo 18º , nº 1 da CRP) Elementos da defiinição: a) Os direitos fundamentais são ´direitos humanos’ b) Os direitos fundamentais são ‘direitos humanos’ positivizados em constituições escritas e dotados da maior força normativa c) Os direitos fundamentais são direitos resistentes à lei e colocados sob a protecção do poder judicial a) Primeiro elemento da definição Os direitos fundamentais são ‘direitos do homem’, ou ‘direitos humanos’ Mas o que são ‘direitos humanos’? Três perspectivas de abordagem do conceito de ‘direitos humanos’: perspectiva histórica, perspectiva filosófica, perspectiva internacional. 1. A perspectiva histórica: o constitucionalismo e as primeiras declarações de direitos. As declarações de Estes ‘sumários’ cdestinam-se ao uso exlcusivo dos estudantes do 2º semestre da licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. * 1 direitos dos Estados Americanos (1776); a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa (1789). As declarações de Direitos das Constituições liberais portuguesas (1822; 1826; 1838) 2. A perspectiva filosófica. Os direitos humanos como direitos inerentes aos seres humanos: a todos os seres humanos, e apenas aos seres humanos, pelo simples facto da sua ‘humanidade’, e que pressupõem duas ideias básicas: (i) a mera vontade dos mais fortes não é uma justificação final para acções que afectem os interesses vitais dos indivíduos; (ii) o mero facto de se ser humano é título bastante para reclamar bens necessários a uma vida humana autónoma e digna. 3. A perspectiva internacional. Hoje, fala-se em ‘direitos humanos’ para designar aqueles direitos – fundados na perspectiva filosófica atrás enunciada – que constam de instrumentos de Direito Internacional. Exemplos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, Dezembro de 1948). O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (ONU; 1966); O Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (ONU; 1966); a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (Conselho da Europa, 1950). B) Segundo elemento da definição. Os Direitos Fundamentais são direitos humanos positivizados pelas Constituições escritas e dotados da maior força normativa. 1. O sentido da ‘positivização’dos direitos. Não há direitos fundamentais sem normas constitucionais (de direito constitucional interno) que os prevejam. Neste sentido, os direitos fundamentais são direitos positivos. Não são proclamações de ‘boa vontade’. 2 2. O sentido da maior força normativa dos direitos. As normas de direitos fundamentais são normas constitucionais dotadas de superioridade hierárquica face a todas as restantes normas do ordenamento jurídico: princípio da constitucionalidade (artigo 3º, 3, da CRP) 3. O sentido da expressão direitos resistentes à lei, e colocados sob a protecção do poder judicial. Por causa da sua positividade e superior força normativa,os direitos fundamentais são direitos directamente aplicáveis. Significa isto que podem ser invocados em juízo (por parte dos seus titulares) com fundamento directo nas normas constitucionais que os prevejam, mesmo contra a lei ordinária ou em casos de ausência de lei ordinária que os regule. (artigo 18º, nº 1 da CRP). Por isso se diz que são direitos resistentes à lei, e colocados sob a protecção do poder judicial. Nota final: Esta definição de direitos fundamentais é válida para os direitos consagrados na parte I da CRP (É inteiramenta válida para os direitos, liberdades e garantias; ver-se-á mais tarde em que medida é também válida para os direitos económicos, sociais e culturais –Título III da parte I da CRP) No entanto, ela não é válida apenas para o ‘sistema dos direitos’ da Constituição portuguesa. Pelo contrário. Todas as Constituições dos Estados que integram hoje a União Europeia usam em geral esta mesma designação – direitos fundamentais, e já não apenas ‘direitos humanos’ , ou ‘direitos dos cidadãos’ – para expressar a diferença existente entre estes direitos, positivos e dotados de maior força normativa [face à lei], e os direitos constantes das Declarações do século XVIII ou das Declarações de Direito Internacional. Nem uns nem outros detinham – ou detêm – os atributos de positividade, constitucionalidade, resitência à lei e protecção integral por parte do poder judicial que caracteriza os direitos fundamentais. 3 Nesta medida, os direitos fundamentais são (tanto no direito português quanto nos outros) a expressão daquilo a que se chama o segundo constitucionalismo. O primeiro constitucionalismo corresponde às experiências constitucionais históricas dos finais do século XVIII e do século XIX. As primeira declarações de direitos (Declarações americana e francesa) eram características deste primeiro período do constitucionalismo. Durante todo este período, aos direitos constantes das declarações não eram atribuídos os valores de positividade , de superior força normativa e de resistência à lei que vimos serem característicos da noção mesma de ‘direitos fundamentais’ Os direitos do primeiro consitucionalismo valiam nos termos da lei ordinária; não era a lei que valia nos termos dos direitos. [ Excepção a esta regra foram, desde o princípio do século XIX, os direitos contidos no Bill of Rights da Constituição norte-americana, em virtude da prática da judicial review of Laws] O segundo constitucionalismo emergiu na Europa depois da Segunda Grande Guerra. Na década de 40 do século XX, a Constituição alemã (1949) e a Constituição italiana (1947) resolveram consagrar direitos superiores à lei, directamente aplicáveis, e colocados sobre a protecção do poder judicial. Esta ‘resolução constituinte’ pode ser explicada como uma reacção histórica face às iniquidades vividas durante os regimes totalitários: o propósito foi o de impedir, de novo, a entrada em vigor de leis iníquas. A Constituição portuguesa (tal como a Constituição espanhola, de 1978, e as Constituições das novas democracias da Europa de Leste, escritas nos primeiros anos da década de 90 do século XX) insere-se neste movimento de segundo constitucionalismo. A definição que foi dada de ‘direitos fundamentais’ é incompreensível sem esta contextualização histórica. Os direitos da Parte I da CRP – como os direitos contidos em todas as restantes constituições mencionadas – são portanto o produto de duas realidades históricas distintas: (i) em primeiro lugar, são herdeiros da tradição constitucionalista iniciada no século XVIII; (ii) em segundo lugar, são o resultado da 4 reafirmação e do renascimento dessa tradição, vivida na Europa a partir da segunda metade do século XX. Elementos de estudo de apoio à primeira aula: J.J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 7ª ed., 2003, pp. 375-397 José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, Almedina, 3ª ed., 2004, pp. 15-50 Jorge Miranda – Manual de Direito Constitucional, Tomo IVOs Direitos Fundamentais, Coimbra, Coimbra Editora, 3ª ed. 2000,(?) pp. 7-77. 5 Segunda Aula. Concepções de Direitos Fundamentais. 1. Delimitação do tema. O que é se entende por concepções de direitos fundamentais? Concepções de direitos fundamentais são todas as construções sistemáticas e coerentes que visam dar resposta a duas perguntas essenciais: 1ª Pergunta. Os direitos fundamentais são, na sua ‘essência’, direitos do homem. Os direitos do homem têm pretensões de universalidade e de essencialidade: visam proteger bens que se consideram universais, i.e, válidos para todos os homens em todos os espaços e tempos, e bens que se consideram essenciais, i.e., que tornam possível a prossecução de uma existência humana autónoma e condigna. (Por ex. Vida – artigo 24º da CRP; liberdade de consciência – artigo 41º; integridade física – artigo 25º ; família e casamento – artigo 36º). Mas como é que em sociedades plurais, como são as nossas, pode haver consenso quanto àquilo que é humanamente ‘universal’ e 2ª Pergunta . Os direitos fundamentais são, na sua técnica jurídica, direitos resistentes à lei e colocados sob a protecção do poder judicial. Mas a lei, proveniente do Parlamento,é expressão da vontade popular, e portanto do princípio democrático. Ao consagrar os direitos como realidades jurídicas indisponíveis por parte do legislador a Constituição atribui-lhes também um valor contramaioritário, isto é, subtraído ao querer da maioria. Mas o que é que pode justificar esta substracção? A CRP (artigo 3º, nº 1) diz que o poder político pertence ao povo, que o exerce segundo as formas previstas pela Constituição. A CRP determina, pois, que há coisas que não estão incluídas no poder do Povo, porque dependem apenas do poder da própria Constituição. Entre essas ‘coisas’ encontram-se os direitos fundametais. Mas - e esta é a pergunta – com que fundamento o faz? Vamos estudar, essencialmente, três grandes correntes de pensamento que se popuseram, ou propõem, responder a estas questões - A primeira corrente tradicional: o jusnaturalismo racionalista 6 - A segunda corrente tradicional : a corrente céptica ou positivista - As doutrinas contemporâneas. Estado de direito e democracia. A primeira corrente tradicional: Jusnaturalismo racionalista Foi esta a corrente de pensamento que inspirou as primeiras Declarações de Direitos do século XVIII, e que está particularmente presente na Declaração de Independência dos EUA. “Consideramos que estas verdades são evidentes por si mesmas, e que todos os homens foram dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre esses estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Jusnaturalismo significa ‘pensamento de direito natural’. Esta corrente de pensamento parte do princípio segundo o qual existem preceitos de Direito que são válidos para todos os tempos e para todos os espaços, porque decorrem, não da vontade dos homens, mas dos ditames da natureza humana. A sua validade não depende do que for, em cada espaço histórico, prescrito pelo direito positivo. Pelo contrário. É a validade do direito positivo que depende da [sua] conformidade com o direito natural. O ambiente de finais do século XVIII era marcado pelo racionalismo iluminista, com as suas características de secularização, naturalismo, racionalismo, individualismo. Pensava-se, portanto, que havia leis naturais que regiam, sempre, as condutas humanas; que essas leis podiam e deviam ser descobertas pela razão humana; e que delas decorriam, antes do mais, os ‘direitos do homem’, como direitos naturais, apreensíveis pela razão, anteriores e superiores à existência de qualquer comunidade política. Filósofos como Locke, Hobbes (e depois Grócio, Pufendorf e Wolff) contribuíram muito para a consolidação deste jusnaturalismo racionalista, que era dominante durante o primeiro constitucionalismo. A segunda corrente tradicional Positivismo e cepticismo O desenvolvimento histórico do racionalismo iluminista (com as suas características de secularização e naturalismo) culminou, durante o século 7 XIX, no desenvolvimento do espírito científico. O ‘cientismo’ do século XIXfruto do racionalismo iluminista – era essencialmente positivista. Aqui, positivismo quer dizer o seguinte: só se pode provar como verdadeiro aquilo que for empiricamente verificável. Os ‘direitos do homem’ pressupõem juízos de valor (sobre, por exemplo, o que é essencial a uma vida humana digna). Tais juízos de valor não podem ser tidos por verdadeiros nem falsos visto que não são comprováveis, i-e. não são verificáveis empiricamente. Existem só no mundo das convicções pessoais. Não existem no mundo da racionalidade. Esta atitude, positivista e céptica,foi dominante durante o século XIX e primeira metade do século XX. Para ela, as declarações de direitos do século XVIII ou eram ‘metafísica’ (no sentido pejorativo daquilo que não é comprovável)1 , ou eram historicamente explicáveis como instrumentos de domínio de uma classe (neste caso a burguesia) sobre outras classes. Esta última interpretação foi a que foi dada pelo marxismo às Declarações de Direitos2, e que ganhou grande hegemonia intelectual na Europa (sobretudo na Europa do Sul) pelo menos até à década de setenta do Século XX. Correntes contemporâneas. A indissocialidade entre democracia e Estado de direito. Ao longo da segunda metade do século XX foi-se assistindo a uma perda gradual do peso hegemónico destas correntes positivistas e cépticas. Contribuíram para tanto quer o movimento das Declarações Internacionais de Direitos (a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU; de 1948), quer o movimento crescente da positivização dos direitos nas constituições nacionais [Ver primeira aula] Há por isso uma forte corrente de pensamento contemporânea, representada por pensadores como, por exemplo, John Rawls, Jürgen Habermas, ou Ronald Dworkin que voltam a discutir a fundamentação racional dos chamados ‘direitos humanos’ (na perspectiva internacional) ou dos direitos fundamentais (na perspectiva de direito constitucional interno). Sobretudo, que procuram justificar por que é que estes direitos protegem bens que não devem estar à disposição do querer, variável e conjuntural, das Um autor português desta altura – Marnoco e Sousa – referia-se assim às Declarações de Direitos do século XVIII: « a teoria metafísica dos direitos naturais, que cada filósofo descreve segundo as cores da sua imaginação, ora de luta, ora de paz e felicidade, e que constam do sistema de direitos políticos individuais que se encontram nas constituições modernas” 2 Veja-se A Forma da República, pp. 50-53. 1 8 maiorias democráticas. Há grandes diferenças entre estes autores. Não as vamos estudar. Basta sublinhar que todos eles concordam nos seguintes pontos essenciais: A - A ideia de uma ‘democracia pura’, isto é, uma democracia em que o poder do povo, expresso pela vontade da maioria, não seja de modo algum limitada pelo Direito, é uma ideia inconcebível. Qualquer prática democrática, para ser estável, precisa de ser disciplinada pelo Direito. B – O princípio do Estado de Direito fornece os elementos essenciais que disciplinam as práticas democráticas. Sem ele, tais práticas não teriam qualquer estabilidade. C- Os direitos fundamentais são parte da disciplina da democracia, porque são elementos do Estado de direito. Eles não devem ser vistos, portanto, como restrições da democracia. Devem ser vistos antes como condições habilitantes da democracia, visto que garantem o respeito – em todas as circunstâncias – de valores como a autonomia pessoal, a liberdade de expressão ou a liberdade de consciência. Sobretudo, garantem que estes ‘valores’ em caso algum possam ser aniquilados pela expressão conjuntural de certas votações maioritárias. Elementos de estudo de apoio a esta segunda aula: J. J. Gomes Canotilho - Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit, pp. 380-387. José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, ob cit., pp. 51- 69. Jorge Reis Novais – Direito Fundamentais, Trunfos contra a Maioria, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 17- 67 Jorge Miranda – Direitos Fundamentais, ob. cit., pp.13-51. 9 Terceira Aula: Que Direitos existem? O Sistema da CRP: Direitos, Liberdades e Garantias e Direitos Económicos, Sociais e Culturais 1. Delimitação do tema. O que é um ‘sistema’ de direitos? É uma ordem coerente e tendencialmente completa (mas não fechada: ver aula seguinte) de bens jurídicos protegidos , que correspondem ao que, na nossa época histórica, é tido como sendo essencial para a prossecução de uma vida humana autónoma e digna. Os direitos fundamentais determinam o estatuto da pessoa na comunidade política. Tal estatuto deve ter uma unidade de sentido, pela qual poderemos compreender o que é que, na nossa conjuntura histórica, é tido como formando as exigências ou as necessidades básicas das pessoas face à comunidade. 2- As normas de direitos fundamentais da CRP dividem-se em normas relativas a Direitos, Liberdades e Garantias (Título II) e normas relativas a Direitos Económicos, Sociais e Culturais (Título III). Esta dicotomia coloca dois problemas essenciais: 2.1. Problemas de justificação. Por que razão existe ela ( a dicotomia)? 2.2. Problemas de identificação do sistema. Os bens jurídicos protegidos por estas normas têm todos o mesmo grau de universalidade e de essencialidade? Todas as normas consagram direitos? E os direitos têm todos a mesma estrutura? 3 – Problemas de justificação. Por que razão existe a dicotomia? 3.1. Primeira definição: Os direitos, liberdades e garantias são direitos de defesa das pessoas antes do mais face ao Estado. Os direitos económicos, sociais e culturais são ‘direitos’ a prestações estaduais. 3.2. O fundamento da divisão: liberdade e igualdade; liberdade em sentido negativo e liberdade em sentido positivo. 3.3. A importância deste fundamento na nossa conjuntura histórica. A Assembleia Constituinte e as suas influências: os Pactos da ONU de 1966 (ver primeira aula); as forças presentes na Constituinte e as suas diferentes concepções de pessoa 10 4. Problemas de identificação do sistema. Todas estas normas consagram direitos? E os direitos têm todos a mesma estrutura? 4.1. Os bens protegidos pelos direitos, liberdades e garantias: Autonomia pessoal (Capítulo I do Título I); participação política (Capítulo II); trabalho (Capitulo III). A visão do Homem subjacente a este sistema de bens. O homem como pessoa, como cidadão e como trabalhador. Comparação com as declarações de direitos do primeiro constitucionalismo: os direitos anteriores ao ‘pacto’ social – direitos de autonomia pessoal – e os direitos do ‘pacto social’ – direitos de participação política. O homem ‘trabalhador’ e a sua inserção no mundo de cultura do século XX. 4.2. Os bens protegidos pelos direitos económicos, sociais e culturais. Exemplos: trabalho (art. 58º), saúde (artigo 64º); educação (art. 73º) habitação (artigo 65º). Têm estes bens um grau de universalidade e de essencialidade idêntico aos bens protegidos pelos direitos, liberdades e garantias? 4.3. Definição mais precisa de ‘direitos sociais’. Não basta dizer que estes ‘direitos’ são ‘direitos’ a prestações estaduais. Mais precisamente, o que distingue os ‘direitos’ sociais – e que se torna visível quando se identificam os bens por eles protegidos – é o seguinte: através deles as pessoas procuram obter do Estado ‘algo’ (saúde, habitação, educação) que poderiam também obter de privados, caso tivessem os meios financeiros para o fazer ou caso houvesse ofertas suficientes no mercado. Quer isto dizer que os direitos sociais são direitos de quem precisa. Em contrapartida, os direitos, liberdades e garantias são, em geral, direitos de todos. (Questão da universalidade dos bens) 4.4. Questão da essencialidade dos bens. Os bens protegidos pelos direitos, liberdades e garantias não podem nunca deixar de ser assegurados pelo Estado, porque correspondem a funções permanentes dos poderes 11 públicos. (Ex: o Estado está permanentemente obrigado a asssegurar o bem ‘vida’, ou o bem ‘liberdade de consciência’). Em contrapartida, o Estado não pode estar do mesmo modo permanentemente obrigado a assegurar, para quem precisa, os bens típicos dos ‘direitos’ sociais – v.g. saúde, habitação, trabalho, educação - porque o providenciar de tais bens por parte dos poderes públicos depende de duas condições. (i) Dos meios financeiros existentes; (ii) Das políticas públicas que forem seguidas quanto à afectação desses meios, e cuja definição cabe ao Parlamento democrático. Por isso se diz que os ‘direitos’ sociais se encontram sob reserva do possível. (do financeira e democraticamente possível). 4.5. Em que sentido existem os direitos sociais: são eles verdadeiros direitos fundamentais? A definição dada de direito fundamental (primeira aula) só parcelarmente se aplica aos direitos sociais. Disse-se então que: a) Os direitos fundamentais são ´direitos humanos’ b) Os direitos fundamentais são ‘direitos humanos’ positivizados em constituições escritas e dotados da maior força normativa c) Os direitos fundamentais são direitos resistentes à lei e colocados sob a protecção do poder judicial São aplicáveis aos direitos sociais as afirmações contidas em a) e em b). No entanto, já lhes não é em princípio aplicável a definição contida em c). Por um lado, não se pode contestar a natureza básica dos bens humanos que são protegidos pelos direitos sociais: é evidente que a saúde, a casa, a educação e o trabalho são valores indispensáveis para a prossecução de uma vida humana autónoma e digna. O direito social é, por isso, direito humano. Também não se pode contestar a afirmação contida em b). Estes ‘direitos’ foram positivizados pela nossa Constituição e são, por isso, dotados da maior força normativa. Contudo, e por serem ‘direitos’ sob reserva do possível, estão dependentes da lei 12 e não valem contra a lei. Em princípio não se lhes aplica a afirmação contida em c). Em geral, os direitos sociais nem são direitos resistentes à lei nem se encontram sob protecção do poder judicial. Resta saber, então, em que consistirá a sua ‘positivização’ e ‘superior força normativa’. 4.6. A força normativa dos direitos sociais e o sentido da sua positividade. Por tudo quanto se disse, pode compreender-se melhor o sentido do nº 1 do artigo 18º da CRP. Sob a epígrafe ‘Força Jurídica’, diz-se aí que os preceitos relativos a direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam [entidades públicas e privadas]. De facto, os preceitos relativos ao outro tipo de direitos (Direitos Económicos, Sociais e Culturais) não são em princípio, e pelas razões apresentadas, directamente aplicáveis. Mas, em todo o caso, vinculam, e vinculam em três situações de intensidade crescente. a) Em primeiro lugar, as normas de direitos sociais vinculam o Estado na exacta medida em que fixam um programa de objectivos para a comunidade política que deve por ela ser cumprido. Este dever de cumprimento do programa de objectivos políticosociais tem várias dimensões. (i) Antes do mais, ele implica que os objectivos constitucionalmente prescritos gozam de preferência face a objectivos meramente políticos: significa isto que o legislador deve observá-los, sempre que, nas suas decisões, tiver que ponderar bens entre si conflituantes. (ii) Daqui decorre que as normas de direitos sociais podem – e nalguns casos devem - ser invocadas como contendo restrições legítimas a direitos, liberdades e garantias. (III) Daqui decorre também que as normas de direito ordinário devem ser interpretadas em conformidade com as normas constitucionais que consagram direitos sociais. 13 b) c) Em segundo lugar, as normas de direitos sociais vinculam o Estado sempre que ele – através de actos normativos e de prestações fácticas – já tiver começado a dar alguma execução aos deveres de prestação a que está obrigado em virtude daqueles mesmos ‘direitos’. Fala-se aqui em direitos derivados a prestações. Se um particular, em virtude da acção estadual, tiver visto já concretizadas na sua esfera jurídica as prestações públicas decorrentes das normas de direitos sociais (direitos derivados a prestações: derivados porque decorrentes não directamente das normas constitucionais, mas de normas de direito infraconstitucional que concretizam a norma constitucional) o retrocesso da sua situação não pode fazer-se em qualquer circunstância. O Estado, se quiser retroceder – por serem diferentes as disponibilidades económico-financeiras, ou por serem outros os critérios de afectação de recursos adoptados pelas políticas públicas – terá que fazê-lo tendo em conta: (i) o princípio da igualdade e da não discriminação (artigo 13º da CRP); (ii) o princípio da protecção da confiança (artigo 2º da CRP); (iii) o princípio da proporcionalidade (art. 18º, 2 da CRP). Como se viu em Direito Constitucional I ( ver A Forma da República, p. 151 e ss), todos estes princípio integram a ideia mais vasta de Estado de direito. Por último, as normas de direitos sociais podem, em certas circunstâncias, vir a ter um efeito vinculativo ainda mais intenso. Nas situações atrás definidas, em a) e b), a vinculação do Estado é objectiva. Nelas não se pode dizer – a não ser nos casos dos direitos derivados a prestações – que haja uma vinculação subjectiva, isto é, que as pessoas tenham efectivamente direitos (radicados directamente na norma constitucional e como tal invocáveis em juízo) a que o Estado aja para com ela de certo modo. No entanto, o ‘espírito’ dos direitos sociais é este: há, na socidade portuguesa, um chão comum 14 de existência condigna abaixo do qual ninguém deve poder descer. Por isso, se, em determinadas circunstâncias concretas, se verificar que não existe este mínimo de existência condigna, pode dizer-se que haverá aqui um direito subjectivo a prestações por parte do Estado. Nesta situação – e só nela – terá o direito social um conteúdo idêntico ao de um direito, liberdade e garantia. Será, também ele – nesta situação e só nela – um direito resistente à lei e colocado sob a protecção do poder judicial, sendo-lhe aplicável inteiramente ( e não apenas parcelarmente) a definição dada de ‘direito fundamental’. 5. Conclusão. A multifuncionalidade dos direitos e a complexidade da sua estrutura. É evidente agora, por tudo quanto acabou de se dizer, que a primeira definição que atrás demos de direitos, liberdades e garantias e de direitos sociais (ver ponto 3.1.) não pode ser aceite integralmente. A dicotomia esconde uma realidade mais complexa. Para que possamos compreender bem o sistema de direitos consagrado na Parte I da CRP não basta dizer que existem direitos de defesa – que serão os direitos, liberdades e garantias – e direitos a prestações estaduais – que serão os direitos sociais. Se aceitássemos esta contraposição simples, diríamos que a diferente estrutura destes direitos se resumiria ao seguinte: aos direitos de defesa corrresponderiam deveres estaduais negativos, ou deveres de não fazer (Ex. dever de não afectar a integridade física, ou de não impedir a liberdade de circulação, ou de não impor a ninguém certas convicções religiosas); aos direitos sociais, por seu turno, corresponderiam deveres positivos, deveres de fazer (ex: de garantir a habitação ou o trabalho). Está visto que a estrutura dos direitos sociais pressupõe deveres estaduais mais complexos, que não apenas o dever – único e simples – de realizar prestações. Mas a mesma complexidade existe na estrutura dos direitos, liberdades e garantias. Podemos continuar a dizer que estes direitos são direitos de defesa. Em geral, o que os identifica é a necessidade de protecção da autonomia da pessoa perante os outros e perante o Estado: é a autonomia de cada um, ou a capacidade de cada um para se dar a si mesmo a sua própria norma – e isto 15 independentemente das circunstâncias materiais da existência - o valor último que é prosseguido tanto pelo direito à vida (artigo 24º), quanto pela liberdade de circulação (artigo 44º) quanto pelo direito de voto (artigo 49º). Mas o que se não pode dizer é que estes direitos se cumprem através de meras acções estaduais negativas, ou através de deveres estaduais de não fazer ou não impedir. Basta reflectir um pouco: o que seria do direito à vida se o Estado não se comprometesse – activamente – a garanti-lo através, pelo menos, da administração de uma polícia de segurança? E o que seria da liberdade de circulação se o Estado, por intermédio da sua lei, não ordenasse o tráfico? E o que seria do direito de voto sem a organização dos procedimentos – recenseamento, leis eleitorais, assembleias de voto, etc. – que tornam o seu exercício possível? Quer isto dizer que os direitos de defesa também são direitos a prestações estaduais. Só que a natureza destas prestações é diferente da natureza das prestações contidas nos direitos sociais. Os direitos de defesa são assegurados através de deveres estaduais de protecção ou de instituição de organizações e procedimentos. Por último, se tal sucede, é porque os direitos fundamentais – todos eles, qualquer que seja a sua estrutura – são direitos multifuncionais. Não cumprem só uma função. Não existem só para realizar os interesses ou as necessidades básicas dos seus titulares. Existem também para outra coisa: para revelar os valores fundamentais de uma comunidade política. A vida, por exemplo, não é apenas um direito subjectivo. É um valor fundante da comunidade política portuguesa. O mesmo se diga da liberdade de expressão, ou da liberdade de criação artística, ou do direito a uma habitação condigna. Por isso se diz que os direitos fundamentais, todos eles, têm uma dupla dimensão – e são por isso multifuncionais. Têm por um lado uma dimensão subjectiva – são direitos das pessoas, invocáveis em juízo. Mas têm também uma dimensão objectiva. Revelam os valores fundamentais que ordenam a comunidade política portuguesa. Como se verá nas aulas seguintes, desta dimensão objectiva dos direitos retirar-se-ão muitas consequências práticas. Elementos de estudo: 16 J.J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob cit., pp. 393- 410 José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais, cit. pp. 171- 201 pp.113- 170 (Capítulos IV e V) Jorge Miranda – Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, pp. 77- 106 Jorge Reis Novais – Direitos Fundamentais, Trunfos contra a Maioria, pp. 187-209. 17 Quarta Aula: Quantos Direitos existem? O Problema da Cláusula Aberta (artigo 16, nº 1 da CRP) 1. Delimitação do problema. Podem existir direitos fundamentais fora do catálogo constitucional? (Não há direitos sem normas que os provejam. Mas pode haver direitos previstos por outras normas que não as constantes da Parte I da CRP?) 2. Divisão do problema em duas questões distintas: (i) Pode haver direitos dispersos ao longo do texto constitucional? (que estejam ‘desarrumados’, v.g. que sejam previstos por outras normas constitucionais que não as da Parte I)? (ii) Pode haver direitos – que sejam verdadeiros direitos fundamentais – que não estejam previstos nas normas constitucionais, e que resultem de outras normas (constantes de leis ordinárias, ou de normas de proveniência internacional)? 3. A importância prática dos dois problemas – dos direitos dispersos e dos direitos não previstos. Os direitos fundamentais não são direitos subjectivos como os outros. . Visto que são direitos humanos positivizados, dotados da maior força normativa, resistentes à lei e colocados sob a protecção do poder judicial, gozam de um regime próprio. Definição dos elementos do regime. Assim, se se chegar à conclusão segundo a qual existem direitos fundamentais fora do catálogo, a tais direitos deverá ser aplicado o regime próprios dos DF. 4. O problema dos direitos dispersos. A aceitação pacífica da possível existência destes direitos. Exemplos. A solução constitucional: artigo 17º. O que é a «analogia» e os seus critérios 5. O problema dos direitos não previstos. A chamada ‘cláusula aberta’do artigo 16º, nº 1. 5.1. As origens históricas da ‘cláusula aberta’. O IX Aditamento à Constituição dos Estados Unidos (1791): The enumeration in the Constitution of certain rights shall not be construed to deny or disparage others retained by the people. O contexto histórico desta formulação: a ideia 18 5.2. segundo a qual os direitos deteriam um fundamento natural-racional; a intenção inicial do Bill of Rights americano ( v. A Forma da República, p. 62) – a limitação das competências da federação face aos ‘direitos’ dos Estados. A escassa utilidade prática, hoje, do IX aditamento no direito norte-americano. A recepção da ‘clásula aberta’ norte-americana em direito português. O artigo 4º da Constituição de 1911. O artigo 8º, &. 1 da Constituição de 1933. A recepção desta tradição textual para o artigo 16º nº 1 da CRP. O novo contexto dos direitos na CRP 6. Os problemas colocados pela ‘cláusula aberta’. 6.1. No caso de direitos previstos por leis ordinárias. Como é que se pode dizer que aquilo que caracteriza um direito fundamental é a resistência à lei e, ao mesmo tempo, dizer que há direitos fundamentais previstos em leis? Que elementos do ‘regime’ constitucional devem ser aplicados a estes direitos? E como se detectam eles? A partir de um critério de fundamentalidade material? E como definir esses critério? 6.2. No caso de direitos previstos por normas de proveniência internacional. A escassa dimensão prática do problema: a grande extensão do elenco da CRP e a sua coincidência com os direitos previstos pelos instrumentos internacionais (de ‘Direitos Humanos’). 6.3. A quase não aplicação jurisprudencial (em Portugal) da ‘cláusula aberta’, e, portanto,a sua não utilidade prática também em direito português. 7- No entanto: o sistema dos direitos é – e não pode deixar de ser - um ‘sistema aberto’. Mas de que forma se deve entender a ‘abertura’? 7.1. O sistema dos direitos é – e não pode deixar de ser – um ‘sistema aberto’. Se os direitos fundamentais são, por definição, contramaioritários (Cfr. 1ª e 2ª aulas), isto é, se a fundamentalidade dos direitos tem por consequência essencial o subtraí-los à disposição das maiorias, então, um sistema de direitos não pode ser identificado com a cristalização de uma certa concepção histórica maioritária. Tem que haver uma abertura ao devir, à colocação dos novos problemas e, logo, à possível formulação de novos direitos. 19 No entanto, uma coisa é entender-se que esses direitos podem e devem ser achados nas leis ordinárias ou, em geral, fora do texto constitucional. Essa é (era) a solução da ‘cláusula aberta’ do nº 1 do artigo 16º que, em trinta anos de prática, se mostrou não-praticável. Outra coisa, porém, é entender-se que a abertura do sistema se faz por via de interpretação das normas constitucionais ( e só delas) que consagram direitos, de forma a achar – por via interpretativa – direitos implícitos. É essa a prática que se segue nos outros ordenamentos jurídicos; é essa afinal a pratica que seguiu o Tribunal Constitucional. Exemplo: o reconhecimento jurisprudencial da existência de um direito a um mínimo de existência condigna (ver aula anterior). ( Os métodos de interpretação jurisprudencial dos direitos serão analisados na última aula respeitante a este capítulo). Elementos de estudo: Em sentido divergente do exposto na aula: J.J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., pp. 403- 407 José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais, ob cit., pp.73-111 (Capítulo III) J.j. Gomes Canotilho / Vital Moreira – Anotação ao artigo 16º da Constituição (com mais bibliografia aí citada). Em Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 4ª ed., 2007. 20 Quinta Aula: Os Titulares dos Direitos Quem são os titulares dos direitos fundamentais? 1. A inexistência de direitos de grupos e o problema do multiculturalismo. 1.1.A primeira ideia a reter, quanto à resposta à pergunta feita, é a de que não existem direitos de grupos. Titulares de direitos fundamentais são apenas as pessoas individualmente consideradas. Esta é a solução da CRP, como é a solução de outras constituições próximas da nossa. Como os direitos formam o estatuto básico dos seres humanos na colectividade política, esles são atribuídos, individualmente, a estes mesmos ‘seres’ e não aos grupos nos quais eles, eventualmente, se integrem. Este princípio – que é o princípio geral em matéria de titularidade de direitos – coloca no entanto vários problemas, que estudaremos nesta aula. (i) Em primeiro lugar, o problema de saber o que é que se deve entender por pessoa, face à CRP. O termo engloba apenas os cidadãos portugueses ou inclui também estrangeiros? O termo engloba apenas pessoas físicas ou inclui também pessoas colectivas? (ii) Em segundo lugar, o problema de saber como é que devem ser entendidos certos direitos cujo exercício é, por natureza, colectivo e não individual (por exemplo: direito de reunião e de manifestação, art. 45º; direito à greve, art. 57º; etc (iii) Em terceiro lugar, o problema de saber qual o estatuto jurídico das minorias no nosso ordenamento constitucional. Por minoria entende-se aqui um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado , em posição portanto não dominante, cujos membros possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas que diferem do resto da população, e mostram, ainda que só implicitamente, um sentido de solidariedade destinado a preservar a sua cultura, tradições, religiões ou língua. 1.2. O problema dos direitos das minorias ganha hoje uma particular acuidade com o processo de globalização e com os fluxos migratórios que dele decorrem. Por força deste processo, os Estados contam hoje com populações culturalmente muito diversas. Tem-se 21 chamado a esta realidade, crescente nos nossos dias, ‘multiculturalismo’. Coloca-se por isso a questão de saber se os direitos fundamentais – que são, substancialmente, direitos humanos – não devem ser definidos tendo em conta esta nova realidade. Para a CRP – como para todas as outras constituições que se filiam na nossa tradição – este problema não se resolve com a existência de direitos de grupos. Os direitos são de titularidade individual. A Constituição, no entanto, protege especialmente as pessoas pertencentes a minorias, sobretudo através do princípio da igualdade e da não –discriminação (artigo 13º, nºs 1 e 2). Não há, portanto, direitos das minorias. Há, sim, direitos ( e em especial, o direito a não ser discriminado) que protegem especialmente aquelas pessoas que pertençam a minorias. Analisar-se-á mais adiante o conteúdo exacto que deve ser atribuído a este direito. 2. Direitos dos portugueses e direitos dos estrangeiros. 2.1. À questão de saber quem são as pessoas que são titulares dos direitos responde, desde logo, o nº 1 do artigo 15º. A regra em direito português é a da equiparação: de acordo com esta regra, os estrangeiros que residam em Portugal gozam dos mesmos direitos que são atribuídos a cidadãos portugueses. O fundamento desta regra encontra-se na ideia de universalidade que é própria dos direitos humanos, e que tem especial refracção no nº 1 do art. 12. Há, no entanto, um núcleo de direitos reservados apenas a portugueses e que são sobretudo os direitos políticos (artigo 15º nº 1), que em princípio – por implicarem a pertença á comunidade política portuguesa – só são atribuídos a nacionais. Há, no entanto, excepções a esta reserva (dos direitos polítcos apenas para cidadãos portugueses) e que vêm enuunciadas nos nºs 3,4, e 5 do artigo 15º. Estas excepções beneficiam, sobretudo, dois grupos de estrangeiros: os oriundos dos Países de língua portuguesa e os nacionais de Estados membros da União Europeia. As excepções justificam-se pela pertença de Portugal a duas Comunidades: a Comunidade de Países de Língua Portugesa e a União Europeia. 3. Direitos das pessoas colectivas: nº 2 do artigo 12 Como os direitos fundamentais formam o estatuto básico do seres humanos na colectividade política, a sua titularidade por parte de pessoas colectivas 22 implica sempre uma ampliação artificial da sua razão de ser. O que é ‘natural’ é que apenas os indivvíduos sejam titulares de direitos. No entanto, a CRP estende a sua titularidade a pessoas colectivas se se perfizerem duas exigências: (i) se a natureza do direito o consentir; (ii) se tal for adequado aos fins especiais que a pessoa colectiva prossegue. [art. 12º, nº 2: as pessoas colectivas gozam dos direitos (...) compatíveis com a sua natureza]. Não é possível formular uma regra geral que nos possibilite saber, a priori, quais são os direitos que poderão ser da titularidade de pessoas colectivas. O problema deve ser resolvido perante os casos concretos e usando a seguinte metodologia: primeiro, esclarece-se quais são os fins especiais que a pessoa colectiva em questão prossegue; depois, determina-se qual o bem jurídico protegido pela norma de direito fundamental em causa. Se houver adequação entre uma coisa e outra – entre os fins prosseguidos e o bem jurídico protegido – pode concluir-se pela titularidade do direito. Elementos de estudo: J. J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit. pp. 415-424 José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais, cit. pp. 123134 J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira – Anotação ao artigo 12º ; Anotação ao artigo 15º (com mais bibliografia aí citada). Em Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed. Coimbra, Almedina, 2007. 23 Sexta Aula: Os Destinatários dos Direitos Quem são os destinatários dos Direitos Fundamentais? 1. Delimitação do tema. Art. 18, nº 1: «Os preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas». Pela leitura do preceito poderá concluir-se que os «destinatários» dos direitos serão, não apenas o Estado e todos os seus poderes («vinculam entidades públicas»), como também a sociedade em geral, ou os particulares («vinculam entidades privadas»). No entanto, esta primeira leitura coloca vários problemas: (i) De que é que falamos exactamente, quando falamos de «vinculação»? Nomeadamente, qual é a diferença entre a «vinculação» e a «aplicabilidade directa»? (ii) Já sabemos que nem todos os direitos têm o mesmo ‘grau’ de aplicabilidade directa: em princípio, os direitos sociais (terceira aula) não são directamente aplicáveis. Será então possível estabelecer um quadro geral dos destinatários dos direitos fundamentais que inclua tanto os direitos, liberdades e garantias quanto os direitos económicos, sociais e culturais? (iii). A Constituição diz que os «preceitos»... «vinculam entidades públicas e privadas», mas não determina o modo dessa vinculação. Será então possível estabelecer um quadro geral de vinculação que valha tanto para as «entidades públicas» quanto para as «privadas»? São estes os problemas que trataremos nesta aula. Diga-se desde já que a resposta dada a cada um deles é a seguinte: (i) Existe uma diferença entre «aplicabilidade directa» e «vinculação»; (ii) Não é possível estabelecer um quadro geral de «vinculação» para os direitos, liberdades e garantias e para os direitos sociais, pelo que o regime de cada um dos tipos de direitos terá que ser diferenciado; (iii) Não é possível estabelecer um quadro geral de «vinculação» das entidades públicas e das entidades privadas, pelo que também aqui terá que ser diferenciada a situação dos destinatários dos direitos. 24 2. Vinculação e aplicabilidade directa. Os dois conceitos não significam a mesma coisa. «Aplicabilidade directa» significa que o direito existe na esfera jurídica do particular por força (apenas) da norma constitucional que o consagra, pelo que se torna resistente à lei (embora careça dela) e se encontre, tal como está determinado pela norma constitucional, sob protecção do poder judicial. Nesta medida, «directamente aplicáveis» serão, em princípio, apenas os direitos, liberdades e garantias. Vinculação quer dizer outra coisa, relacionada com a primeira mas com um conteúdo distinto. Como os direitos fundamentais são positivizados em normas dotadas de força hierárquica maior, «vinculação» significa o conjunto de deveres que decorrem, desde logo, para os poderes públicos (e veremos se existem, e quais são, os que decorrem para os privados) em virtude das normas constitucionais que consagram os direitos. Ambos os conceitos (aplicabilidade directa e vinculação) são explicitações do princípio da constitucionalidade – artigo 3º, nº 3. Mas enquanto a «aplicabilidade directa» diz respeito ao grau de eficácia do direito (estabelecendo para ele uma eficácia máxima) , «vinculação» diz respeito à questão de saber quem é que está sujeito aos deveres que decorrem da norma que sonsagra o direito, e que tipo de deveres serão essses. 3- Direitos, liberdades e garantias e direitos sociais. A distinção entre «aplicabilidade directa», enquanto critério de eficácia, e «vinculação», enquanto critério de identificação dos destinários dos direitos e dos seus deveres, é importante dsde logo para que se compreenda a diferenciação de regimes, quanto a este ponto, entre «direitos de defesa» e «direitos sociais». Por um lado, os «direitos sociais» também vinculam (terceira aula) No entanto, como não são, em princípio, directamente aplicáveis, o o modo da sua vinculação será diverso, em alguns aspectos, do modo de vinculação dos direitos, liberdades e garantias. No que às entidades públicas diz respeito, haverá assim aspectos gerais de «vinculação» - que valerão tanto para os direitos de defesa quanto para os direitos sociais – e aspectos da «vinculação» que valerão apenas para os direitos, liberdades e garantias. Assim: 4. Vinculação das Entidades Públicas. 25 4.1. Destinatários dos direitos fundamentais – de todos eles – serão em primeiro lugar as entidades públicas, «Entidades públicas» significa aqui o Estado e todos os seus poderes: destinatários dos direitos serão, portanto, e antes do mais, o legislador, a administração pública, e os tribunais. Mas quais serão os deveres a que estão sujeitos cada um destes poderes? 4.1.2. Deveres do legislador: - Dever de respeito e não transgressão (aplicável tanto aos direitos, liberdades e garantias quanto aos direitos sociais) - Dever de promoção de condições e meios para o desfrute efectivo do direito. Este dever não tem o mesmo conteúdo nos dois tipos de direitos. Nos direitos, liberdades e garantias, ele traduz-se (ver terceira aula) no dever de ‘dar corpo’ as organizações e procedimentos que sejam necessários ao exercício efectivo do direito. No caso dos direitos sociais, a possibilidade de exercício efectivo do direito está dependente da ‘reserva do possível’. - Dever de protecção (por meio da lei) face a agressões dos direitos que provenham de outrem que não os poderes públicos. Pelas mesmas razões identificadas no ponto anterior, este dever de protecção valerá apenas para os direitos, liberdades e garantias. - Dever de conciliação entre os direitos de uns e os direitos de outros, ou entre os direitos de uns e os ‘interesses constitucionalmente protegidos’ (art. 18º, nº 2) através do estabelecimento dos limites dos direitos (ver próxima aula). Este dever vale também, apenas, para os direitos, liberdades e garantias, embora os direito sociais sejam, como já vimos, causas legítimas de limitação ou restrição dos demais direitos. - Nota. os direitos sociais também podem ser restringidos. Mas como a restrição só opera quando o direito já está constituído, ela só vale para os chamados «direitos derivados a prestações». Ver-se-á este ponto melhor na próxima aula. 4.1.3. Deveres da Administração Pública 26 - Dever de respeito e de não transgressão (válido para todo o tipo de direitos) - Dever de interpretação conforme ,sobretudo quanto ao preenchimento de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados (válido para todo o tipo de direitos) - Dever de aplicação conforme, no caso de poderes discricionários (válido para todo o tipo de direitos) - Em caso de leis lesivas de direitos, liberdades e garantias: dever de promover a declaração de invalidade da lei lesiva. 4.1.3. Deveres dos poder judicial (deveres do juiz) - Dever de aplicação e interpretação conforme (válido para todo o tipo de direitos) - Dever de desaplicação de leis lesivas de direitos nos termos dos processos concretos de fiscalização da constitucionalidade (último capítulo). Porque os direitos sociais não têm o mesmo nível de eficácia dos direitos de defesa, este dever judicial de desaplicação não vale do mesmo modo para uns e outros tipos de direitos. 5. Vinculação das entidades privadas. 5.1. Fundamentos para a inevitável diferenciação de «tipos de vinculação» : (i) Pela sua natureza, os direitos de defesa são primacialmente dirigidos contra o Estado. As entidades públicas são portanto os seus primeiros destinatários ‘naturais’; (ii) Pela sua natureza, os direitos sociais valem só em relação ao Estado. As entidades públicas são, portanto, os seus únicos destinatários. 5.2. No entanto, importância actual do problema. A «ameaça» dos direitos [ de defesa] por parte de privados. Exemplos. 5.3. Teses quanto ao modo de solução do problema: 5.3.1. A tese da igual vinculação (eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações entre privados) e a sua rejeição. A necessidade de ter em linha de conta, nas relações entre privados, a conciliação entre diferentes direitos fundamentais (direito fundamental por um lado e direito de ‘autonomia’ por outro); o papel das leis ordinárias – do direito infraconstitucional: direito civil direito do trabalho, etc – na resolução dos conflitos decorrentes desta coexistência de direitos; a impossibilidade de devolver ao juiz toda a tarefa de realização desta ‘conciliação’. 27 5.3.2. A tese da eficácia mediata. Elementos: (I) a dimensão objectiva dos direitos fundamentais (terceira aula) e o seu efeito de ‘irradiação’ para toda a ordem jurídica. (ii) Os particulares, nas suas relações entre si, serão destinatários dos direitos fundamentais mediatamente, por intermédio da lei ordinária, que cumpre o efeito de ‘irradiação’ dos direitos e é ‘fiel’ à sua dimensão objectiva. Exemplos. 5.3.3. Problemas que esta tese coloca. Caso seja insuficiente a lei ou caso não haja lei, e a relação entre privados seja uma relação de evidente desigualdade? 5..3.4. Deveres de protecção do legislador e proibição de deficit de protecção. Funções do juiz no estabelecimento do grau de protecção adequado. Elementos de estudo: J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit, pp. 438- 448; 1285- 1298 José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais..., ob. cit., Capítulos VI e VII (pp. 203-280) Jorge Miranda – Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, cit. pp. 311327 Jorge Reis Novais – Direitos Fundamentais, Trunfos contra a Maioria, cit. pp. 69- 116 J. J. Gomess Canotilho/Vital Moreira – Anotação ao nº 1 do art. 18º, em Constituição da República Portuguesa Anotada, cit. pp. 381-388. 28 Sétima Aula: os Limites dos Direitos . 1. A inevitabilidade da ideia de limites dos direitos. (artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: «a liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique ontem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados por Lei.» 2. Distinção entre limites e delimitação do conteúdo do direito. 2.1. Questão comum ao conceito de limite e de delimitação: qual é o conteúdo do direito no momento do seu exercício? 2.2. Pela delimitação, o conteúdo do direito é determinado ao nível da norma constitucional que o consagra ou ao nível do sistema constitucional como um todo. A delimitação do conteúdo do direito pressupõe um tarefa de interpretação (da norma constitucional que consagra o direito ou do sistema constitucional como um todo) 2.3. Os limites do direito são outra coisa. São restrições ao seu exercício, introduzidas por lei ordinária (lei restritivas) ou decididas, num caso concreto, pelo poder judicial, com um fim de resolver situações de colisão (entre um direito e outro direito; entre um direito e um ‘interesse constitucionalmente protegido’. 3. A delimitação do conteúdo do direito. Definição Em que é que consiste exactamente a delimitação do conteúdo do direito? Cada direito visa proteger um certo bem jurídico, ou uma certa parcela da existência humana que se considera , em si mesma, valiosa: exs. A Vida (artigo 24), a integridade do espírito e do corpo (artigo 25) a casa (artigo 34), a arte (artigo 42), o saber (43) ou o esta re agir com os outros (artigo 46 e 47). Esta identificação do bem protegido é, no entanto, apenas um primeira informação empírica, que nos indica apenas qual é o âmbito fáctico da existência humana que é protegido por aquela norma jusfundamental. No entanto, o tal âmbito fáctico pode não coincidir com o âmbito jurídico, por este ser mais delimitado do que aquele. Ex. Nem tudo o que puder ser, facticamente, considerado como uma ‘reunião’ ou ‘manifestação’ será necessariamente incluído no âmbito de protecção da norma que consagra a liberdade de reunião ou manifestação (artigo 45º). 29 A tarefa de delimitação do conteúdo do direito é, pois, uma tarefa de interpretação, através da qual se distingue entre o âmbito fáctico de protecção da norma (que consagra o direito) e o seu âmbito jurídico. 4. Delimitação directa e delimitação indirecta. A delimitação directa é aquela que decorre da interpretação da norma constitucional que consagra o direito, pelo facto de ser essa mesma norma que, desde logo, introduz limites ao âmbito jurídico de portecção do bem jusfundamental. Exemplo. É o próprio artigo 45º nº 1 que diz que reunir com armas e de forma não pacífica não é, para a própria Constituição, liberdade de reunião. A delimitação indirecta implica uma mais árdua tarefa de interpretação, porque, aí, o âmbito de protecção da norma que consaga o direito é achado, não pela leitura isolada dessa norma, mas pela sua inserção no sistema da Constituição. Decorre do sistema da Constituição que, por exemplo, um sacrifício humano não pode vir incluído no âmbito de protecção do artigo 41º, 1 (A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável) porque colide com o bem jurídico protegido pelo artigo 24º; ou que a divulgação de meios de prática de crimes fiscais não pode ser incluída no âmbito de protecção do artigo 43 (liberdade de aprender e de ensinar) porque colide com o dever fundamental de pagar impostos, constante do artigo 103º, nº 3). Em todos estes casos, a colisão entre um direito (ou aquilo que aparentemente seria um direito ) e outros direitos, ou entre um direito e um interesse público constitucionalmente protegido é uma colisão evidente, e a solução para ela é achada pela própria Constituição. Ou pela própria norma constitucional (como é o caso da colisão entre o dirieto ‘manisfestação’ e o interesse público ‘paz’) ou pelo sistema de normas, devidamente interpretado (como é o caso do acto ‘sacrifíciio humano’, que, no sistema constitucional, não pode evidentemente corresponder ao exercício de um direito. No entanto, nem todos os casos de colisão entre um direito e outros direitos, ou entre um direito e um interesse constitucionalmente protegido são evidentes, e estão por isso resolvidos a nível constitucional. Há muitas situações que têm que ser decididas pelo legislador ordinário ou – em casos de imprevisão deste, ou por causa das especificidades do caso concreto – 30 pelo poder judicial. Estes são os casos verdadeiros de limitação ou restrição de direitos. A limitação ou restrição só opera, porém, quando é retirado ao conteúdo do direito (já delimitado a nível constitucional) alguma ou algumas faculdades de exercício que se incluiriam, ainda, no seu âmbito jurídico de protecção. Exemplo: o exercício da advocacia corresponde ao exercício de uma profissão porque se inclui, plenamente, no âmbito de protecção [jurídica] da norma do artigo 47º (liberdade de escolha de profissão). [já, em contrapartida, a prática de actividades ‘mafiosas’ não pode ser invocada como correspondendo à liberdade consagrada no artigo 47º]. No entanto, o facto de o exercício da advocacia ficar dependente da inscrição numa ordem profissional já é uma restrição [fixada por lei] ao conteúdo do direito constitucionalmente delimitado, restrição essa exigida por razões de ‘outros interesses constitucionalmente protegidos’ que o legislador ponderou. 5. Leis restritivas de direitos (direitos, liberdades e garantias) 5.1. Pelas razões que já conhecemos (terceira aula) estamos só a falar de direitos, liberdades e garantias. Os direitos sociais também podem ser restringidos; mas como a ´restrição ‘ só opera uma vez constituído o direito – e os direitos sociais são constituídos ao nível legal e não constitucional – as ‘restrições’ a estes direitos ocorrem, apenas, quanto aos chamados direitos derivados a prestações, tendo aí os limites que identificámos na terceira aula. 5.2. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, para serem conformes à constituição, têm que perfazer os seguintes requisitos: a) Reserva de lei. (artigo 18º, nº 2). Só a lei pode restringir direitos (os regulamentos administrativos não o podem fazer) e, além disso, só a lei parlamentar ou o decreto-lei governamental autorizado (artigo 165, nº1, b) b) Autorização constitucional para restringir .(Embora se não possam deixar de admitir as chamadas autorizações implícitas ) c) Proporcionalidade da restrição art. 18, nº2) a. Legitimidade do fim que a justifica b. Adequação (em geral) do meio ao fim c. Exigibilidade (em concreto) do meio para a realização do fim (inexistência, in casu, de medidas menos onersosas para as pessoas) 31 d. Proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, equilíbrio entre o ganho de interesse público e a ‘perda’ privada. (Ponderação propriamente dita) Ainda outros requisitos das leis restritivas: (artigo 18º nº 3) d) Generalidade e abstracção das leis restritivas e) Não retroactividade das leis restritivas f) Intangibilidade do conteúdo essencial do direito. Notas finais: 1. Todos estes requisitos das leis restritivas – que se podem chamar limites dos limites, ou restrições às restrições são decorrentes do princípio do Estado de direito (Ver A Forma da República: a reserva de lei, a proporcionalidade, a não retroactividade, a generalidade e abstracção [que corrresponde a um exigência de igualdade] decorrem de subprincípios que incluem o princípio do ‘Estado de direito’. E é natural que assim seja. A CRP fixou todos estes limites para as leis restritivas para garantir, na prática, a fundamentalidade do direito – isto é, para garantir que ele viesse a ser, efectivamente, resistente à lei. 2. Há dois limites de conteúdo problemático: o que decorre da imposição de autorização constitucional (por ser impossível prescindir de autorizações implícitas) e o que decorre da protecção do conteúdo essencial (por serem várias as teses relativas à questão de saber o que é um conteúdo essencial) 3. Nos casos em que a colisão [entre direitos, ou entre direitos e bens comunitários] é decidida pelo juiz – por ser insuficiente ou ausente a lei – o procedimento adoptado não pode deixar de ser o da proporcionalidade Elementos de estudo: J. J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ob. cit., pp. 450 e ss. 32 José Carlos Vieira de Andrade – Os Direitos Fundamentais, cit , Capítulo VIII Jorge Miranda – Manual, Tomo IV, cit., pp. 328 e ss. J. J. Gomes Canotilho /Vital Moreira – Anotação aos nºs 2 e 3 do artigo 18º em Constituição Anotada, cit. Jorge Reis Novais – As Restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 2003 (obra de consulta) 33 Oitava Aula. O princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) 1. Delimitação do tema. A ideia de ‘igualdade’ é uma ideia central do constitucionalismo. Todas as primeiras declarações de direitos [do século XVIII, do primeiro constitucionalismo (ver primeira aula) se lhe referem: ‘Os Homens nascem livres e iguais em direitos’. (Declaração de 1789) Além disso, é também uma ideia central do princípio do Estado de direito (ver A Forma da República, p. 169 e ss.) No entanto, há que fazer, a este propósito, três delimitações essenciais. 1.2. Em primeiro lugar, há que ter em linha de conta que esta ideia de igualdade, enquanto elemento sempre presente da tradição constitucionalista, nunca foi uma ideia descritiva; sempre foi prescritiva. Isto é: o constitucionalismo nunca quis dizer que os homens são, de facto, iguais. Sempre quis dizer outra coisa – que eles devem ser tratados pelo Direito de forma igual. 1.3. Em segundo lugar, há que ter em linha de conta que, por causa disso mesmo, esta ideia de igualdade é essencialmente jurídica, e não social ou económica. É claro que pode haver constituições (e, como veremos, a CRP é uma delas) que consagrem como tarefa fundamental do Estado a realização da ‘igualdade’ [ou de uma certa parcela dela] entre todos os cidadãos na esfera económica e social. Mas esta tarefa fundamental do Estado – que pressupõe uma pauta de objectivos para a sua actuação – tem um conteúdo diverso do do princípio da igualdade em sentido jurídico. É só deste último que trataremos nesta aula. É também apenas este último que deve ser entendido como o resultado de uma longa tradição do constitucionalismo [como se sabe, as constituições do primeiro constitucionalismo, embora consagrassem o princípio da igualdade perante a lei, não consagravam tarefas do Estado de realização da igualdade nas esferas económica e social] 1.4. Em terceiro lugar, é preciso salientar que este princípio, jurídico, da igualdade, se nasceu com o primeiro constitucionalismo, manteve-se no segundo constitucionalismo [ver primeira aula: depois da segunda metade do século XX] mas com um conteúdo acrescido. No primeiro 34 constitucionalismo, igualdade significava sobretudo direito [ de todos os cidadãos] a um trato igual na aplicação da lei. Mas no segundo constitucionalismo (embora se tenha mantido este sentido inicial) o princípio jurídico da igualdade ganhou um novo conteúdo. Passou a significar, também, um direito de todos os cidadãos a serem tratados como iguais pela própria lei ( e não apenas na sua aplicação). As noções ‘modernas’ que nós temos de proibição de discriminação – e que, intuitivamente, associamos à ideia de igualdade – decorrem deste conteúdo acrescido que o princípio adquire no segundo constitucionalismo. 1.5. Por último. Tudo quanto atrás se disse vale para o artigo 13º da CRP, como vale para todos os artigos equivalentes das demais constituições europeias. (Ver, por exemplo, artigo 14 da Constituição espanhola; artigo 3º da Lei Fundamental de Bona; art. 3º da Constituição italiana; artigo 20 e 21 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) É que há hoje, quanto ao conteúdo jurídico que se deve atribuir ao princípio de igualdade, um ‘sentir comum’ em toda a ciência jurídico-constitucional europeia. O conteúdo do princípio na Constituição portuguesa ( e na jurisprudência constitucional portuguesa) não é diverso do conteúdo que tem sido atribuído ao mesmo princípio nas demais constituições. Vamos começar por estudar o conteúdo que o princípio tinha no primeiro constitucionalismo. 2. O primeiro constitucionalismo. A igualdade na aplicação da lei. 2.1. 2.2. O contexto histórico do primeiro constitucionalismo. A necessidade de ‘destruição’ do universo social prémoderno (sociedades de grupos e de estados) e a necessidade de afirmação do Estado moderno, com súbditos (primeiro) e depois com cidadãos igualmente submetidos à soberania do Estado, sem corpos intermédios (V, A Forma da República, p. 45 e 50) As primeiras formulações do princípio. Artigo 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: « A lei deve ser a mesma para todos, tanto se protege quanto se castiga». Artigo 9º da Constituição portuguesa de 1822: « A lei é igual para todos. Não se devem portanto tolerar privilégios de foro nas causas cíveis ou crimes, nem comissões especiais (...)» 35 2.3. O primeiro conteúdo do princípio. O que se queria dizer, quando se dizia que a lei devia ser igual para todos? Fundamentalmente, queria-se dizer o seguinte: na aplicação da lei, o poder administrativo e o poder judicial não podiam decidir diferentemente em função da ‘condição social’ - ou outra – das pessoas destinatárias das suas decisões. O princípio da igualdade significava aqui, concretamente, obrigação, para a Administração, de decidir de forma imparcial e obrigação, para o juiz, de julgar de forma neutral. Estes dois princípios – imparcialidade da Administração e neutralidade do poder judicial - foram duas traves-mestras essenciais para a construção do princípio mais geral de Estado de direito (Ver A Forma da República, p. 147 e ss.) 3. O segundo constitucionalismo. Igualdade na lei, ou igualdade face ao poder legislativo. ( Direito a ser tratado, pelo legislador, como um igual) 3.1. O contexto histórico do segundo constitucionalismo. A Europa depois da segunda grande Guerra; a experiência de leis iníquas; a instituição de Tribunais Constitucionais, a afirmação da aplicabilidade directa dos direitos, a transformação dos direitos humanos em direitos fundamentais. 3.2. As consequências para o conteúdo do princípio da igualdade. 3.2.1. Por um lado, o princípio mantém o conteúdo que tinha adquirido no primeiro constitucionalismo. Quando o nº 1 do artigo 13 da CRP diz que «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei», tal continua a significar igualdade na aplicação da lei, ou seja, imparcialidade da Administração (v.também artigo 266, 2) e neutralidade do poder judicial (v. também artigo 203) 3.2.2. Por outro lado, porém, o princípio adquire um novo conteúdo, porque passa a dirigir-se também ao poder legislativo. A igualdade deixa de ser apenas a igualdade perante a lei para passar a ser, ainda, igualdade na lei. 3.2.3. Mas o que é que significa esta nova dimensão do princípio? As leis não são, não podem ser, neutrais ou imparciais. Legislar significa ter em linha de conta as diferenças existentes entre as pessoas, de modo a tratar adequadamente essas diferenças; significa, por isso, tratar igualmente o que é igual e igualmente o que é desigual. O significado do princípio da igualdade nesta nova dimensão – 36 igualdade na lei – implica, por isso, o ‘direito’ a que as diferenças estabelecidas por lei sejam fundamentadas, ou não sejam arbitrárias. Nesta dimensão, o princípio da igualdade significa, por isso, proibição do arbítrio do legislador. 3.2.4. Existe arbítrio do legislador (e, logo, invalidade da lei por violação do nº 1 do artigo 13º) quando as diferenças de tratamento entre distintas classes ou grupos de pessoas não tiver nenhum fundamento razoável, ou racional. Aqui, o juízo de racionalidade ou de razoabilidade do fundamento da diferença faz-se através da consideração de três elementos: (i) o regime legislativo comum; (ii) a diferença introduzida (iii) o factor, no caso, relevante para o estabelecimento da diferença. [A consideração deste último elemento é fundamental. Logicamente, não se pode dizer que X é igual a Y ou que X é diferente de Y. Ambas as afirmações são vazias. Só se pode dizer que X é igual a Y em função do factor Z, que é comum a ambos, ou que X é diferente de Y em função do factor Z, que é distinto em ambos. Assim, quando a lei diferencia entre pessoas ou grupos de pessoas, deve fazê-lo em função de um factor de diferença; quando iguala, deve fazê-lo em função de um factor de igualdade] Em geral, pode dizer-se que existirá arbítrio legislativo – e a lei será inválida por violação do nº 1 do artigo 13º sempre que se não puder estabelecer nenhum nexo de adequação racional entre o elemento (ii) e o elemento (iii). 4. Proibição de discriminação. (nº 2 do artigo 13º) 4.1. 4.2. A proibição do arbítrio – tal como ficou definida no ponto anterior – corresponde ao conteúdo mínimo do princípio da igualdade. Vale quando a norma constitucional aplicável é a do nº 1 do artigo 13º. No entanto, o Tribunal Constitucional tem dito que « só é lícito recorrer ao princípio geral de igualdade - contido no nº 1 do artigo 13º da Constituição – e à protecção material que ele confere quando a solução legislativa ou, em geral, os problemas questionados não se encontrem directamente cobertos por um direito especial de igualdade, e, em particular, por uma das cláusulas gerais de nãodiscriminação contidas no nº 2 do preceito citado». Quer isto dizer que as proibições de discriminação fixadas no nº 2 do artigo 13º são uma especificação do princípio da igualdade, nos termos seguintes: à partida, serão proibidas [ e, logo, tomadas como arbitrárias], todas as diferenças que tiverem como factor relevante um das características 37 pessoais indicadas: sexo, língua, ascendência, etc. Neste caso, inverte-se o raciocínio do juiz que julga a decisão legislativa. Em caso de aplicação do nº 1 do artigo 13º só se considerará inválida a lei se não houver nela (e na diferença que estabelece) qualquer razoabilidade. Aqui, o legislador tem ainda o benefício da dúvida. Porém, se for aplicável o nº 2 do artigo 13º - isto é, se o factor relevante da diferença [estabelecida por lei] for uma das «categorias suspeitas» aí indicadas – à partida a medida legislativa é logo considerada arbitrária, porque se parte do princípio segundo o qual tais «categorias» não podem, em caso algum, servir de fundamento para o estabelecimento de diferenças entre as pessoas. 5. O fundamento da proibição de discriminação e o problema das discriminações positivas. 5.1. 5.2. 5.3. Discriminar significa diferenciar injustamente.O nº 2 do artigo 13 enumera certas características pessoais identitárias que foram sendo, historicamente, fonte sistemática de diferenciação negativa e de desvantagem – afastando tais pessoas, e por causa dessas características, do acesso igual aos bens sociais e estigmatizando-as como pessoas desiguais. A finalidade do nº 2 do artigo 13º é a de deixar claro que, para a concepção de justiça da CRP, a permanência dessas diferenciações injustas não é tolerada, porque não é, à partida, razoável ou fundamentada. Discriminar também significa estabelecer diferenças entre as pessoas com fundamento, não num juízo, mas num pré-juízo sobre aquilo que as distingue e sobre as características que formam a sua identidade. É por isso que a tais características se dá o nome de «características suspeitas». No entanto, a proibição de discriminação – assim definida – só vale em princípio para as discriminações negativas. O legislador pode estabelecer medidas temporárias, favoráveis a certos grupos de pessoas tradicionalmente preteridas, de modo a restabelecer desigualdades históricas e a garantir que haja, em relação a elas, igualdade de oportunidades. Ex, bolsas de estudo, lugares em listas eleitorais, medidas especialmente dirigidas a favorecer o emrepgo feminino, etc. A questão das chamadas ‘discriminações positivas’ está ligada a outras normas de igualdade que a CRP consagra. Dissemos que o princípio da igualdade contido no nº 2 do artigo 13º é um princípio 38 jurídico, e não económico e social. E assim é. No entanto, a CRP consagra a realização da igualdade «real» entre os portugueses como uma das tarefas fundamentais do Estado (artigo 9º, alínea d), tal como faz em relação à igualdade entre homens e mulheres (mesmo artigo, alínea h) Aliás, seria incompreensível o princípio da socialidade (ver terceira aula) sem esta outra dimensão, objectiva, da igualdade. É ela que justifica a possibilidade do estabelecimento de discriminações positivas. Elementos de estudo: J. J. Gomes Canotilho – Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. pp. 426-432 Jorge Miranda – Manual, Tomo IV, cit. pp. 221-254 J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira – Anotação ao artigo 13º da Constituição, em Constituição da República Portuguesa Anotada. Jorge Reis Novais –Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pp. 101- 160. 39 Capítulo II O Sistema de Fontes 9ª Aula Sistema de fontes e sistema de governo Princípio gerais do sistema de fontes 1. Delimitação do tema ‘sistema de fontes’ 1.1. De que é que falamos quando falamos de ‘fontes de direito’ . O conceito de norma jurídica 1.2. A normatividade da constituição. 1.2.1 A constituição como fonte superior de direito 1.2.2 A constituição como fonte directa e imediata de direito ou como um sistema de normas directamente aplicáveis às relações da vida (o sistema dos direitos fundamentais; a sua aplicabilidade directa e a constituição como quadro jurídico fundamental do Estado e da sociedade) 1.2.3 A constituição como fonte indirecta ou mediata de direito, ou como um sistema de normas relativas ao modo de produção das restantes normas [vigentes no ordenamento interno português] 1.2.4 A sede ‘positiva’ dos diferentes sistemas (do sistema de direitos e do sistema de fontes). O ‘sistema dos direitos’ – Parte I da CRP. O ‘sistema de fontes’- Parte III da CRP (Organização do Poder Político) 2. Sistema de fontes e sistema de governo 2.1. O que é que se entende por sistema de governo: a forma pela qual estão distribuídos entre os diferentes órgãos do Estado as suas funções políticas ou governativas. 2.2. Definição de funções políticas ou governativas. Funções estaduais de ‘direcção’ ou de escolha política, o que implica a atribuição, aos órgãos que exercem tais funções, de competências para a criação do Direito ou para a produção de normas. 40 2.3. 2.4. 2.5. 2.6. 2.7. Identificação das funções que podem ser tidas como políticas, governativas ou de criação do Direito. ‘Função executiva’ e ‘função legislativa’. A exclusão natural da função judicial Distinção entre os conceitos de função do Estado e de poder Estado. A função é uma actividade típica; o poder é o que resulta da atribuição do exercício dessa actividade a uma certa instituição ou órgão do Estado. Exemplo. Função legislativa – actividade típica do Estado que se traduz na criação do Direito através de leis. Poder legislativo. Em Portugal (e, como veremos, diferentemente do que se passa em muitos outros países europeus) o que é exercido tanto pela Asssembleia da República quanto pelo Governo (e, no seu âmbito próprio, pelas Assembleias Legislativas Regionais). Função executiva - a actividade típica do Estado que se traduz nos actos de administração pública. Poder executivo: aquele conjunto de órgãos e instituições que exercem (nos termos da constituição e da lei) este tipo de ‘actividade’. Função jurisdicional: acividade típica do Estado que se traduz no ‘dizer do Direito’. Poder judicial. Aquele que é exercido pelos Tribunais. Excluindo do conjunto dos poderes do Estado o poder judicial (que não é, por natureza, um poder político, de governação ou de escolha), coloca-se a questão de saber quem – qual dos outros poderes do Estado – exerce em última instância a função governativa [ou quem detém a condução efectiva do processo política]: se o poder legislativo (o Parlamento) se o poder executivo. É esta a questão essencial que se resolve com o conceito de ‘sisterma de governo’ Duas respostas históricas a esta questão. Os sistemas de governo Parlamentares e os sistemas de governo Presidenciais ( v. A Forma da República, p. 289-304). O sistema misto português e as competências constitucionais do Presidente da República ( ibidem, pp. 305- 319) Ligação com o sistema de fontes. Dado que a condução do processo político, em Portugal, cabe quer ao ‘tandem’ formado pelo Parlamento e pelo Governo quer – no âmbito das suas competências – ao Presidente da República, os processos constitucionalmente previstos de criação do Direito ou de produção de normas serão processos logicamente participados por estes «três poderes».Pelo poder legislativo, pelo poder executivo e pelo poder presidencial. A ‘participação’ do Presidente da República é, no entanto, de natureza 41 fundamentalmente arbitral – através, sobretudo, dos poderes de promulgação e veto (artigos 134, b; 136) 3. Princípios gerais do sistema de fontes. 3.1. Dois princípios estruturantes do sistema: 3.1.1. Princípio da constitucionalidade (artigo 108º) 3.1.2.Princípio da separação e da interdependência dos poderes (artigo 111ºn.1) 3.1.3. A ligação destes princípios ao princípio mais vasto do Estado de direito. 3.2.Consequências dos princípios da constitucionalidade e da separação dos poderes. 3.2.1 O princípio da tipicidade dos órgãos do Estado. Órgãos de soberania, órgãos de poder regional, órgãos de poder local. 3.2.1. O princípio da reserva de Constituição quanto aos órgãos de soberania (Sentido do termo ‘reserva’. Extensão da reserva: ‘função’, ‘composição’, ‘competência’, ‘funcionamento’: artigo 110º. 3.2.2. O princípio da tipicidade de atribuição normativa de competências quanto aos demais órgãos (artigo 111º, 2) 3.2.3. O princípio da tipicidade dos actos normativos. Artigo 112º 4.- Consequências do princípio da tipicidade dos actos normativos. (Tipos de actos normativos em Direito português. Sua identificação e hierarquia) - Leis constitucionais Leis Decretos-lei Decretos legislativos regionais Regulamentos administrativos Normas comunitárias 42 Elementos de estudo A Forma da República, pp. 154 e ss; 289 e ss. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. pp. 595-694; 691-708. J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira – Fundamentos da Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 1991, pp. 177-233. 43 44