Alergia às proteínas do leite de vaca: a visão do nutrólogo, do gastroenterologista e do alergista Nestlé Nutrition Institute 9 Caso Clínico Alergia às proteínas do leite de vaca: a visão do nutrólogo, do gastroenterologista e do alergista Dra. Fabíola Suano de Souza Dr. Mário César Vieira Dr. Wilson Rocha Filho • Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo • Médica do Serviço de Nutrologia do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina do ABC • Pesquisadora Associada da Disciplina de Alergia, Imunologia e Reumatologia Clínica do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo • Professor do Departamento de Pediatria PUCPR. • Chefe do Serviço e Coordenador da Residência Médica em Gastroenterologia Pediátrica, Hospital Pequeno Príncipe, Curitiba - PR. • Mestre em Medicina Interna pela Universidade Federal do Paraná. • Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pelo St. Bartholomew’s Hospital Medical College - Universidade de Londres. • Especialista em Endoscopia Digestiva Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva (SOBED). • Coordenador do Serviço de Alergia e Pneumologia Pediátrica do Hospital Infantil João Paulo II e do Hospital Felício Rocho - Belo Horizonte Descrição do caso ID: T.C., 7 meses, masculino, natural e procedente do Rio de Janeiro. Q/D: manchas avermelhadas e falta de ar após a ingestão da primeira mamadeira, aos 6 meses. HPMA: a mãe relata que aos 6 meses de vida, alguns segundos após a ingestão da primeira mamadeira de fórmula infantil polimérica à base de leite de vaca, a criança (que até então vinha em regime de aleitamento materno exclusivo) apresentou placas eritematosas na face e, após 30 minutos, edema bipalpebral e perioral, com posterior dificuldade de respirar. AP: criança nascida a termo (PN = 4.100 g), teve hipoglicemia no berçário, quando recebeu uma mamadeira de fórmula infantil para correção. Bom ganho pôndero estatural. Mãe nega história de infecções ou reações a vacinas. ISDA: regurgitações duas vezes ao dia, esporádicas e em pequena quantidade, logo pós as mamadas. Não há relatos de alterações em outros sistemas e aparelhos. AF: mãe apresenta rinite alérgica atual e asma na infância. O pai nega doenças atópicas. Comentários O caso clínico descrito merece considerações sobre diversos aspectos. Nele são abordadas situações bastante comuns na prática clínica do pediatra, como os diagnósticos diferenciais de refluxo gastroesofágico, o tratamento emergencial de alergia a leite de vaca (ALV), a necessidade de adequação nutricional (que deverá ser suprida pelas fórmulas de substituição) e, por fim, as possíveis medidas de prevenção de doenças alérgicas em crianças consideradas de “alto risco”. Questões frequentes relacionadas ao cenário clínico descrito 1. Como diferenciar o refluxo como sintoma da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)? Trata-se de um lactente alimentado exclusivamente com leite materno que apresenta regurgitação frequente a partir do segundo mês de vida, crescimento adequado e ausência de outras manifestações associadas. Diante desse quadro, deve-se pensar em refluxo gastroesofágico (RGE) fisiológico, orientando-se os pais sobre a normalidade das manifestações, a manutenção do aleitamento materno (AM) exclusivo e o acompanhamento clínico e nutricional do pediatra. O termo refluxo gastroesofágico refere-se ao retorno do conteúdo gástrico para o esôfago. Pode constituir uma condição crônica ou um único episódio e tem conotação tanto fisiológica quanto patológica. O RGE, definido como a passagem de conteúdo gástrico para o esôfago, é um fenômeno fisiológico normal que ocorre em indivíduos saudáveis. A maioria dos episódios é de curta duração, não desencadeia sintomas e não passa do esôfago distal. Regurgitação é o retorno de pequenos volumes do conteúdo gástrico para a faringe e a boca que ocorre quando há relaxamento do cricofaríngeo. A regurgitação é a apresentação clínica mais comum de RGE durante a infância, ocorrendo em 50% dos lactentes nos primeiros 3 meses de vida, em 67% aos 4 meses e em 5% a 10% aos 10 a 12 meses. A regurgitação se distingue do vômito pela ausência de náusea, esforço ou sintomas autonômicos e pela falta de contração da musculatura abdominal e torácica. Às vezes é difícil diferenciá-la do vômito, e ambos os sintomas podem ocorrer no mesmo paciente. Nos lactentes com regurgitação, a história clínica e o exame físico detalhados, Quadro 1: Algorítmo para abordagem do lactente com regurgitação (adaptado de Ref. 3) História e exame físico HÁ SINAIS DE ALARME? SIM NÃO Prosseguir investigação HÁ SINAIS DE DRGE COMPLICADA? SIM NÃO RGE SIMPLES (happy spitter) • Nenhum exame • Orientação e aconselhamento • Em lactentes não amamentados com LM considerar fórmula espessada (AR) MELHORA AOS 18-24 MESES? NÃO • Revisar condutas anteriores • Considerar endoscopia digestiva, radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno e terapia medicamentosa para DRGE Nestlé Nutrition Institute 3 com atenção aos sinais de alarme, são em geral suficientes para estabelecer o diagnóstico de RGE simples ou fisiológico (happy spitter). O exame radiológico contrastado não é necessário, a não ser que haja sinais de obstrução gastrointestinal. Outros exames podem ser indicados se houver sintomas como baixo ganho de peso, choro excessivo, irritabilidade, distúrbio do sono ou distúrbios alimentares e respiratórios. Nos casos de lactentes com RGE sem complicações, a orientação e o aconselhamento aos pais, sem nenhuma intervenção adicional, são suficientes. É fundamental evitar investigações desnecessárias e sempre considerar outras causas do vômito no diagnóstico diferencial (Quadro 1). Os indivíduos saudáveis não se diferenciam dos indivíduos doentes pela presença ou ausência de refluxo, e sim pela frequência e pela intensidade dos sintomas associados. A determinação de uma relação causal entre os sintomas pode ser difícil, uma vez que há muitas situações em que essa relação é cíclica e o fator original não é identificado. Tem-se procurado, nos últimos anos, estabelecer os limites entre o RGE fisiológico e o patológico. Mais recentemente, passou-se a utilizar o termo “doença do RGE” (DRGE) para designar a situação em que há sintomas ou alterações histológicos associados. Uma variedade de sintomas respiratórios tem sido relacionada ao RGE. Os mecanismos envolvidos nessa associação podem ser mecânicos, neurais, químicos ou inflamatórios. Sem dúvida, o RGE pode causar sintomas respiratórios; no entanto, uma situação recíproca também pode ocorrer, o que resulta em um círculo vicioso que agrava a condição inicial. As doenças respiratórias podem provocar RGE porque alteram vários aspectos da barreira antirrefluxo. A falta de estudos que investiguem a relação temporal entre RGE e sintomas extraesofagianos dificulta a determinação de uma relação causal. A DRGE pode ser a causa ou um fator agravante da asma e de outros sintomas respiratórios. Não há, atualmente, evidências que recomendem o uso de medicação para a DRGE (inclusive o uso de inibidores de ácido) em pacientes que apresentam sintomas respiratórios sem determinação objetiva do diagnóstico ou evidência de relação temporal entre o refluxo e a manifestação respiratória. É importante ter em mente essas apresentações clínicas e, mais ainda, os diagnósticos diferenciais. A abordagem clínica deve ser racional, considerando a relação custo-benefício e o estresse a que a investigação e o tratamento prolongados podem submeter os pacientes e seus familiares. 2. Como realizar o diagnóstico de alergia ao leite de vaca (ALV) mediada por IgE? O diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca começa com a obtenção de uma história clínica detalhada. A incidência de alergia alimentar na população pediátrica é em torno de 6 a 8%. Se considerarmos apenas alergia ao leite de vaca a incidência gira em torno de 2,5%. Estudos indicam que 25% dos pais acreditam que seus filhos apresentam alergia alimentar. Portanto, a percepção do público é exagerada. Quando se avalia de forma criteriosa crianças com suspeita de alergia ao leite de vaca, na maioria das vezes, não se confirma o diagnóstico. 4 Reações alérgicas mediadas por IgE geralmente ocorrem minutos após a ingestão do alimento e raramente os sintomas têm início 2 horas após a ingestão. No entanto, não é raro o relato de um período de latência entre ingerir o alimento e o início dos sintomas de horas ou dias. Nestes casos podemos praticamente afastar o diagnóstico de alergia ao leite de vaca mediada por IgE. O caso clínico apresentado é um exemplo típico de alergia alimentar. Sintomas clássicos ocorrendo minutos após ingestão de leite tornam o diagnóstico de alergia mediada por IgE muito provável, mesmo sem exames complementares. Infelizmente, no dia a dia do consultório nem sempre isto acontece. A tabela 1 sugere aspectos práticos para se colher uma boa história clínica em pacientes com suspeita de alergia ao leite de vaca. Tabela 1. Guia prático para se colher uma boa história clínica 1. A história clínica geralmente não é confiável 2. Praticamente todas as crianças com alergia ao leite de vaca estarão sintomáticas no primeiro ano de vida 3. Sintomas cutâneos (urticária aguda, urticária de contato e dermatite atópica) são a manifestação clínica mais frequente 4. A maioria das reações ocorre nas primeiras 2 horas após ingestão do leite de vaca 5. Otites de repetição, distúrbios do comportamento ou qualquer queixa subjetiva raramente estão relacionados com alergia ao leite de vaca 6. 80% das crianças com alergia ao leite de vaca desenvolverão tolerância imunológica até o 5º ano de vida Exames laboratoriais para detectar a presença de IgE específica ao leite de vaca podem ajudar na confirmação do diagnóstico. O teste alérgico é um dos métodos mais utilizados e detecta de forma qualitativa a presença da IgE. Pode ser aplicado em qualquer idade, desde que a indicação esteja correta e a pele da criança esteja reagindo. O teste alérgico negativo para leite de vaca praticamente afasta o diagnóstico de alergia mediada por IgE. No entanto, o teste alérgico positivo não confirma o diagnóstico devido ao alto índice de falso positivo, acima de 50%. O teste alérgico fortemente positivo não é preditor da gravidade da reação, mas aumenta a acuidade diagnóstica. Pápulas cutâneas acima de 8 mm em crianças menores de 2 anos têm um valor preditivo positivo em torno de 95%. No caso clínico em questão optou-se em testar diferentes proteínas do leite de vaca como a caseína e a lactoglobulina. Embora correta, esta conduta tem pouca importância prática e onera o custo do procedimento. A dosagem sérica da IgE específica mede de forma quantitativa a presença deste anticorpo contra a proteína do leite de vaca. Como o teste alérgico, tem pouca importância prática e custo elevado solicitar IgE específica para as diferentes proteínas do leite de vaca. Embora muito utilizada, a dosagem da IgE específica para leite, na maioria das vezes não é corretamente interpretada. IgE específica igual ou inferior à classe 2 equivale a um teste alérgico ne- Caso Clínico - Alergia às proteínas do leite de vaca: a visão do nutrólogo, do gastroenterologista e do alergista gativo e tem pouca importância clínica. IgE para proteínas do leite de vaca acima de 5 KU/l em crianças menores de 2 anos e acima de 15 KU/l em crianças maiores de 2 anos praticamente confirmam o diagnóstico pois apresentam um elevado valor preditivo positivo, acima de 95%. Valores intermediários muitas vezes não são suficientes para se confirmar o diagnóstico. Quando a relação causa/efeito não pode ser corretamente determinada pela história e pela IgE específica, devese optar pelo teste de provocação ou desencadeamento. Após excluir o alimento suspeito por 2 semanas, oferecese o leite de forma aberta ou cego simples (paciente não sabe que está ingerindo proteína do leite) ou duplo cego (médico e paciente não sabem que estão ingerindo o alimento suspeito). O teste de provocação duplo cego placebo controlado é o padrão ouro no diagnóstico de alergia alimentar. Além de ser altamente reprodutível possui um baixo índice de falso positivo e falso negativo, geralmente abaixo de 1%. 3. Como proceder em situações de emergência? No caso clínico apresentado, o paciente apresenta uma clara reação anafilática. O diagnóstico de anafilaxia se estabelece quando o paciente apresenta sintomas de início súbito com envolvimento de pelo menos 2 sistemas. Na grande maioria dos casos (>90%), os sintomas cutâneos estão presentes. Reações que envolvem o trato respiratório e cardiovascular caracterizam um risco de vida eminente e devem ser tratados com presteza. A epinefrina é o tratamento de escolha e deve ser administrada nos primeiros sinais de reação sistêmica. Estudos indicam que o atraso na aplicação da epinefrina está diretamente relacionado com aumento da mortalidade em pacientes com anafilaxia. A epinefrina está comercialmente disponível na forma de canetas auto-injetáveis. Estes produtos são importados, caros e de difícil acesso para boa parte da população brasileira. Por isto, disponibilizamos, a um baixo custo, um “kit de urgência” contendo ampolas de epinefrina, seringas apropriadas, anti-histamínico oral e broncodilatador inalatório quando necessário. Um treinamento adequado permite ao paciente iniciar o tratamento antes de ser atendido no hospital. O anti-histamínico de primeira geração também é um medicamento de primeira linha no tratamento da anafilaxia e, na maioria das vezes, deve ser administrado junto com a epinefrina. No caso de anafilaxia sem comprometimento respiratório ou cardiovascular pode ser o único medicamento necessário. Uma das principais causas de falha dos anti-histamínicos é a prescrição de doses baixas. Deve-se oferecer doses generosas, 2 a 3 vezes maiores que as doses convencionais. Os corticóides são pouco eficazes no choque anafilático. Seu início de ação é de pelo menos 2 horas, mesmo quando aplicados por via venosa, intervalo muito longo para reações com risco de óbito. 4. Qual a conduta nutricional mais adequada nessa situação? O único tratamento disponível no momento para pacientes com alergia alimentar é evitar o alimento em questão. Isto nem sempre é uma tarefa fácil e muitas vezes se faz necessário uma orientação nutricional diferenciada. Alimentos industrializados com freqüência contêm proteína do leite que passa desapercebida. Por isto, educação e treinamento são essenciais para restringir, de forma criteriosa, os alimentos que contêm proteínas do leite de vaca (Quadro 2.) Quadro 2. Como detectar alimentos que PODEM conter leite de vaca NÃO ingerir alimentos cujo rótulo contenha os seguintes ingredientes: - caramelo - caseína - caseinato - creme - derivados do leite - estabilizante - iogurte - lactoalbumina - lactose - leitelho - manteiga - nata - proteínas do leite - sabor natural - soro Evitar alimentos que geralmente contém leite como: - biscoitos - bolos - chocolate - manteiga - margarina - molhos cremosos - Novomilke - pão (alguns) - pão de queijo - pudim - purê de batata - queijo - queijo de soja - queijo vegetariano - sopas cremosas instantâneas em lata - sorvetes - sucrilhos - tortas ATENÇÃO: ATENÇÃO: * A letra “D” no rótulo geralmente indica que se trata de um laticínio e, portanto, com grande probabilidade de conter leite. * Alguns medicamentos também podem conter lactose e proteínas do leite * Pacientes alérgicos a leite de vaca NÃO podem ingerir leite de origem animal, como leite de cabra e leites em pó (exceto leites de soja) * Evitar comer alimentos de padarias, confeitarias e delikatessem. Nestes locais, a mesma máquina utilizada para fatiar alimentos é usada também para fatiar queijos, havendo portantoalta probabilidade de contaminação. * Salsichas e carnes industrializadas (presuntos, tenders, etc.) podem conter leite * Produtos “Light” geralmente contém leite Pacientes alérgicos ao leite de vaca não devem receber leites de origem animal devido à grande incidência de reação cruzada. Em nosso meio é muito comum o uso de leite de cabra para pacientes alérgicos ao leite de vaca. Revisão da literatura revela ausência de ensaios clínicos que indiquem o uso de leite de cabra para crianças alérgicas ao leite de Nestlé Nutrition Institute vaca. Proteínas do leite de vaca são muito semelhantes às proteínas do leite de cabra. Cobaias sensibilizadas com o leite de vaca apresentaram anafilaxia após provocação com leite de cabra. A IgE produzida por pacientes alérgicos ao leite de vaca reage c/ proteínas do leite de cabra. Apesar destas evidências, em nosso meio o uso de leite de 5 cabra se baseia em fatores culturais e folclores populares, sem indicações científicas precisas. O leite de soja deve ser o principal substituto do leite de vaca em pacientes com reações mediadas por IgE. Não há reação cruzada entre o leite de soja e o leite de vaca tendo em vista que suas proteínas são totalmente diferentes. O que pode ocorrer é a presença simultânea de alergia ao leite de vaca e leite de soja num mesmo paciente. Esta associação é rara em nosso meio e deve ter um peso pequeno na decisão de prescrever leite de soja. Recentemente, estudos em animais indicam um potencial para as isoflavonas contidas na soja agirem como fitoestrógenos levando a efeitos colaterais indesejáveis. Isto levou a Academia Americana de Pediatria (AAP) e Sociedade Européia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátricas (ESPGHAN) a não recomendar o uso de leite de soja em lactentes menores de 6 meses de idade. Trata-se de recomendação de países desenvolvidos onde o uso de fórmulas semi-elementares ou elementares tem um impacto econômico menor em relação a países em desenvolvimento como o Brasil. Portanto, em nosso meio, a relação custo/benefício desta medida deve ser ponderada antes de se prescrever leites elementares e semi-elementares. Décadas de uso do leite de soja no primeiro ano de vida não foram suficientes para se detectar efeitos colaterais evidentes a médio e longo prazo. Além disto, estudos recentemente publicados sobre a segurança do leite de soja em crianças não evidenciaram alterações em órgãos sexuais e nem na produção de hormônios sexuais, a principal preocupação com o uso deste alimento nos primeiros meses de vida. Cabe salientar, no entanto, que o Consenso Brasileiro de Alergia Alimentar 2008 não recomenda o uso de leite de soja antes dos 6 meses de idade. 5. Analisando-se o histórico familiar positivo de doenças alérgicas, seria possível modificar o curso clínico desse paciente? Considerando-se o aumento global da prevalência de alergia alimentar e a falta de tratamento específico até o momento, talvez a melhor forma de reduzir os riscos relacionados a essa doença seja a prevenção. Para tanto, é preciso entender que tais medidas devem ser dirigidas a uma população considerada de alto risco no que diz respeito às alergias. A seguir, explanaremos os principais fatores relacionados à predisposição e ao aumento do risco de doenças alérgicas, dando ênfase aos fatores nutricionais pós-natais. Quadro 3. Fatores envolvidos na gênese de doenças alérgicas Fatores genéticos Ex. polimorfismos genéticos Fatores ambientais Ex. fatores dietéticos pré e pós natais - curta duração do aleitamento materno - época de introdução de alérgenos alimentares - fornecimento inadequado de nutrientes ou fatores dietéticos específicos: prebióticos, probióticos, ácidos graxos poli-insaturados e vitaminas antioxidantes Quadro 4. Fatores nutricionais relacionados à prevenção primária de doenças alérgicas População-alvo: lactentes com pelo menos um parente de primeiro grau (um dos pais ou um irmão) com documentada história de doença alérgica (asma, rinite, dermatite atópica ou alergia alimentar). Aleitamento materno: recomendado como exclusivo por pelo menos seis meses e encorajado até os 2 anos ou mais, sem nenhuma restrição à dieta materna. A recomendação se aplica devido aos inúmeros benefícios nutricionais e não nutricionais que o AM traz para ambas as partes. Há evidências de que a manutenção do AM durante a fase de introdução de alimentos sólidos pode prevenir o desenvolvimento de alergias a esses alimentos. Fórmulas infantis antes dos 6 meses: para os casos em que a complementação com fórmulas se faz necessária antes da introdução dos alimentos sólidos, as recomendações variam. Se não há história de doenças alérgicas na família (pais ou irmãos), as fórmulas infantis de primeiro semestre podem ser introduzidas. Os lactentes com história familiar de alergia devem receber fórmulas hidrolisadas, parcial ou extensamente. Ambas são igualmente reconhecidas no papel de prevenção contra doenças alérgicas e dermatite atópica quando comparadas com fórmulas poliméricas, em especial as fórmulas parcialmente hidrolisadas à base de soro de leite. Fórmulas extensamente hidrolisadas acabam sendo mais utilizadas para o tratamento do que para prevenção, devido ao seu alto custo e pior palatabilidade. Existem ainda algumas hipóteses de que os peptídeos de maior peso molecular encontrados nas fórmulas parcialmente hidrolisadas poderiam proporcionar ao sistema imunológico o mecanismo de tolerância oral, inibindo o desenvolvimento de respostas alérgicas. As fórmulas de soja ou leite de outros mamíferos (como o de cabra) não devem ser recomendadas para a prevenção. Introdução de alimentos complementares: a partir dos 6 meses de idade (Organização Mundial da Saúde). Nessa fase, os pais devem considerar a introdução de um novo alimento, a cada dois ou três dias, de acordo com os hábitos da família (a despeito do alimento poder ser considerado potencialmente mais alergênico). Dessa forma, as reações são identificadas com maior facilidade, e o alimento pode ser excluído (ou mantido). Dificilmente o lactente apresentará alergia a algum alimento já bem tolerado se este for ingerido regularmente. Alimentos alergênicos: não há alimentos potencialmente alergênicos que devam ser evitados. Algumas crianças desenvolverão alergias, mas não há como predizer essa manifestação. Se houver qualquer reação a algum alimento, os pais devem excluí-lo da dieta até que a criança seja avaliada pelo médico, de preferência experiente em alergia alimentar. 6 Caso Clínico - Alergia às proteínas do leite de vaca: a visão do nutrólogo, do gastroenterologista e do alergista Referências recomendadas 1. Nelson SP, et al. Prevalence of symptoms of gastroesophageal reflux during childhood: a pediatric practice based survey. Pediatric Practice Research Group. Arch Pediatr Adolesc Med 2000; 154:150-4. 2. Sherman P, et al. A global evidence based consensus on the definition of gastroesophageal reflux disease in children. Am J Gastroenterol 2009; 104:1278-95. 3. Vandenplas Y, et al. 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A MÃE DEVE SER PREVENIDA QUANTO À DIFICULDADE DE VOLTAR A AMAMENTAR SEU FILHO UMA VEZ ABANDONADO O ALEITAMENTO AO SEIO. ANTES DE SER RECOMENDADO O USO DE UM SUBSTITUTO DO LEITE MATERNO, DEVEM SER CONSIDERADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS FAMILIARES E O CUSTO ENVOLVIDO. A MÃE DEVE ESTAR CIENTE DAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAIS DO NÃO ALEITAMENTO AO SEIO – PARA UM RECÉM-NASCIDO ALIMENTADO EXCLUSIVAMENTE COM MAMADEIRA SERÁ NECESSÁRIA MAIS DE UMA LATA POR SEMANA. DEVE-SE LEMBRAR À MÃE QUE O LEITE MATERNO NÃO É SOMENTE O MELHOR, MAS TAMBÉM O MAIS ECONÔMICO ALIMENTO PARA O LACTENTE. CASO VENHA A SER TOMADA A DECISÃO DE INTRODUZIR A ALIMENTAÇÃO POR MAMADEIRA É IMPORTANTE QUE SEJAM FORNECIDAS INSTRUÇÕES SOBRE OS MÉTODOS CORRETOS DE PREPARO COM HIGIENE RESSALTANDO-SE QUE O USO DE MAMADEIRA E ÁGUA NÃO FERVIDAS E DILUIÇÃO INCORRETA PODEM CAUSAR DOENÇAS. OMS – CÓDIGO INTERNACIONAL DE COMERCIALIZAÇÃO DE SUBSTITUTOS DO LEITE MATERNO. WHA 34:22, MAIO DE 1981. PORTARIA Nº 2.051 – MS DE 08 DE NOVEMBRO DE 2001, RESOLUÇÃO Nº 222 – ANVISA – MS DE 05 DE AGOSTO DE 2002 E LEI 11.265/06 DE 04.01.2006 – PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – REGULAMENTAM A COMERCIALIZAÇÃO DE ALIMENTOS PARA LACTENTES E CRIANÇAS DE PRIMEIRA INFÂNCIA E TAMBÉM A DE PRODUTOS DE PUERICULTURA CORRELATOS. PUBLICAÇÃO DESTINADA EXCLUSIVAMENTE AO PROFISSIONAL DE SAÚDE. IMPRESSO NO BRASIL. 8 Caso Clínico - Alergia às proteínas do leite de vaca: a visão do nutrólogo, do gastroenterologista e do alergista