11976a-separata miolo.indd - Sociedade Brasileira de Pediatria

Propaganda
Alergia às proteínas
do leite de vaca:
a visão do nutrólogo,
do gastroenterologista
e do alergista
Nestlé Nutrition Institute
9
Caso
Clínico
Alergia às proteínas
do leite de vaca:
a visão do nutrólogo,
do gastroenterologista
e do alergista
Dra. Fabíola
Suano de
Souza
Dr. Mário
César Vieira
Dr. Wilson
Rocha Filho
• Mestre em Ciências pela Universidade
Federal de São Paulo
• Médica do Serviço de Nutrologia do
Departamento de Pediatria da Faculdade
de Medicina do ABC
• Pesquisadora Associada da Disciplina
de Alergia, Imunologia e Reumatologia
Clínica do Departamento de Pediatria
da Universidade Federal de São Paulo
• Professor do Departamento de Pediatria PUCPR.
• Chefe do Serviço e Coordenador da
Residência Médica em Gastroenterologia
Pediátrica, Hospital Pequeno Príncipe,
Curitiba - PR.
• Mestre em Medicina Interna pela
Universidade Federal do Paraná.
• Especialista em Gastroenterologia
Pediátrica pelo St. Bartholomew’s Hospital
Medical College - Universidade de Londres.
• Especialista em Endoscopia Digestiva Sociedade Brasileira de Endoscopia
Digestiva (SOBED).
• Coordenador do Serviço de Alergia
e Pneumologia Pediátrica do
Hospital Infantil João Paulo II e do
Hospital Felício Rocho - Belo Horizonte
Descrição do caso
ID: T.C., 7 meses, masculino, natural e procedente do Rio
de Janeiro.
Q/D: manchas avermelhadas e falta de ar após a ingestão
da primeira mamadeira, aos 6 meses.
HPMA: a mãe relata que aos 6 meses de vida, alguns segundos após a ingestão da primeira mamadeira de fórmula infantil polimérica à base de leite de vaca, a criança
(que até então vinha em regime de aleitamento materno
exclusivo) apresentou placas eritematosas na face e, após
30 minutos, edema bipalpebral e perioral, com posterior
dificuldade de respirar.
AP: criança nascida a termo (PN = 4.100 g), teve hipoglicemia no berçário, quando recebeu uma mamadeira de
fórmula infantil para correção. Bom ganho pôndero estatural. Mãe nega história de infecções ou reações a vacinas.
ISDA: regurgitações duas vezes ao dia, esporádicas e em
pequena quantidade, logo pós as mamadas. Não há relatos de alterações em outros sistemas e aparelhos.
AF: mãe apresenta rinite alérgica atual e asma na infância.
O pai nega doenças atópicas.
Comentários
O caso clínico descrito merece considerações sobre diversos aspectos. Nele são abordadas situações bastante
comuns na prática clínica do pediatra, como os diagnósticos diferenciais de refluxo gastroesofágico, o tratamento
emergencial de alergia a leite de vaca (ALV), a necessidade
de adequação nutricional (que deverá ser suprida pelas
fórmulas de substituição) e, por fim, as possíveis medidas
de prevenção de doenças alérgicas em crianças consideradas de “alto risco”.
Questões frequentes relacionadas ao cenário
clínico descrito
1. Como diferenciar o refluxo como sintoma da doença do
refluxo gastroesofágico (DRGE)?
Trata-se de um lactente alimentado exclusivamente com
leite materno que apresenta regurgitação frequente a partir do segundo mês de vida, crescimento adequado e ausência de outras manifestações associadas. Diante desse
quadro, deve-se pensar em refluxo gastroesofágico (RGE)
fisiológico, orientando-se os pais sobre a normalidade das
manifestações, a manutenção do aleitamento materno
(AM) exclusivo e o acompanhamento clínico e nutricional
do pediatra.
O termo refluxo gastroesofágico refere-se ao retorno do
conteúdo gástrico para o esôfago. Pode constituir uma
condição crônica ou um único episódio e tem conotação
tanto fisiológica quanto patológica. O RGE, definido como
a passagem de conteúdo gástrico para o esôfago, é um fenômeno fisiológico normal que ocorre em indivíduos saudáveis. A maioria dos episódios é de curta duração, não
desencadeia sintomas e não passa do esôfago distal.
Regurgitação é o retorno de pequenos volumes do conteúdo gástrico para a faringe e a boca que ocorre quando
há relaxamento do cricofaríngeo. A regurgitação é a apresentação clínica mais comum de RGE durante a infância,
ocorrendo em 50% dos lactentes nos primeiros 3 meses
de vida, em 67% aos 4 meses e em 5% a 10% aos 10 a
12 meses.
A regurgitação se distingue do vômito pela ausência de
náusea, esforço ou sintomas autonômicos e pela falta de
contração da musculatura abdominal e torácica. Às vezes
é difícil diferenciá-la do vômito, e ambos os sintomas podem ocorrer no mesmo paciente. Nos lactentes com regurgitação, a história clínica e o exame físico detalhados,
Quadro 1: Algorítmo para abordagem do lactente com regurgitação (adaptado de Ref. 3)
História e exame físico
HÁ SINAIS DE ALARME?
SIM
NÃO
Prosseguir investigação
HÁ SINAIS DE DRGE COMPLICADA?
SIM
NÃO
RGE SIMPLES (happy spitter)
• Nenhum exame
• Orientação e aconselhamento
• Em lactentes não amamentados com LM considerar
fórmula espessada (AR)
MELHORA AOS 18-24 MESES?
NÃO
• Revisar condutas anteriores
• Considerar endoscopia digestiva, radiografia
contrastada de esôfago, estômago e duodeno e
terapia medicamentosa para DRGE
Nestlé Nutrition Institute
3
com atenção aos sinais de alarme, são em geral suficientes
para estabelecer o diagnóstico de RGE simples ou fisiológico (happy spitter). O exame radiológico contrastado
não é necessário, a não ser que haja sinais de obstrução
gastrointestinal. Outros exames podem ser indicados
se houver sintomas como baixo ganho de peso, choro
excessivo, irritabilidade, distúrbio do sono ou distúrbios
alimentares e respiratórios. Nos casos de lactentes com
RGE sem complicações, a orientação e o aconselhamento
aos pais, sem nenhuma intervenção adicional, são suficientes. É fundamental evitar investigações desnecessárias
e sempre considerar outras causas do vômito no diagnóstico diferencial (Quadro 1).
Os indivíduos saudáveis não se diferenciam dos indivíduos
doentes pela presença ou ausência de refluxo, e sim pela
frequência e pela intensidade dos sintomas associados.
A determinação de uma relação causal entre os sintomas
pode ser difícil, uma vez que há muitas situações em que
essa relação é cíclica e o fator original não é identificado. Tem-se procurado, nos últimos anos, estabelecer os
limites entre o RGE fisiológico e o patológico. Mais recentemente, passou-se a utilizar o termo “doença do RGE”
(DRGE) para designar a situação em que há sintomas ou
alterações histológicos associados.
Uma variedade de sintomas respiratórios tem sido relacionada ao RGE. Os mecanismos envolvidos nessa associação
podem ser mecânicos, neurais, químicos ou inflamatórios.
Sem dúvida, o RGE pode causar sintomas respiratórios; no
entanto, uma situação recíproca também pode ocorrer, o
que resulta em um círculo vicioso que agrava a condição
inicial. As doenças respiratórias podem provocar RGE porque alteram vários aspectos da barreira antirrefluxo.
A falta de estudos que investiguem a relação temporal
entre RGE e sintomas extraesofagianos dificulta a determinação de uma relação causal. A DRGE pode ser a causa
ou um fator agravante da asma e de outros sintomas
respiratórios. Não há, atualmente, evidências que recomendem o uso de medicação para a DRGE (inclusive o
uso de inibidores de ácido) em pacientes que apresentam sintomas respiratórios sem determinação objetiva do
diagnóstico ou evidência de relação temporal entre o
refluxo e a manifestação respiratória.
É importante ter em mente essas apresentações clínicas e,
mais ainda, os diagnósticos diferenciais. A abordagem clínica deve ser racional, considerando a relação custo-benefício
e o estresse a que a investigação e o tratamento prolongados podem submeter os pacientes e seus familiares.
2. Como realizar o diagnóstico de alergia ao leite de vaca
(ALV) mediada por IgE?
O diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca começa com a obtenção de uma história clínica detalhada.
A incidência de alergia alimentar na população pediátrica
é em torno de 6 a 8%. Se considerarmos apenas alergia
ao leite de vaca a incidência gira em torno de 2,5%. Estudos indicam que 25% dos pais acreditam que seus filhos
apresentam alergia alimentar. Portanto, a percepção do
público é exagerada. Quando se avalia de forma criteriosa
crianças com suspeita de alergia ao leite de vaca, na maioria das vezes, não se confirma o diagnóstico.
4
Reações alérgicas mediadas por IgE geralmente ocorrem
minutos após a ingestão do alimento e raramente os sintomas têm início 2 horas após a ingestão. No entanto,
não é raro o relato de um período de latência entre ingerir o alimento e o início dos sintomas de horas ou dias.
Nestes casos podemos praticamente afastar o diagnóstico
de alergia ao leite de vaca mediada por IgE. O caso clínico apresentado é um exemplo típico de alergia alimentar. Sintomas clássicos ocorrendo minutos após ingestão
de leite tornam o diagnóstico de alergia mediada por IgE
muito provável, mesmo sem exames complementares. Infelizmente, no dia a dia do consultório nem sempre isto
acontece. A tabela 1 sugere aspectos práticos para se colher uma boa história clínica em pacientes com suspeita
de alergia ao leite de vaca.
Tabela 1. Guia prático para se colher uma boa história
clínica
1. A história clínica geralmente não é confiável
2. Praticamente todas as crianças com alergia ao leite de vaca
estarão sintomáticas no primeiro ano de vida
3. Sintomas cutâneos (urticária aguda, urticária de contato
e dermatite atópica) são a manifestação clínica mais frequente
4. A maioria das reações ocorre nas primeiras 2 horas após
ingestão do leite de vaca
5. Otites de repetição, distúrbios do comportamento ou qualquer queixa subjetiva raramente estão relacionados com
alergia ao leite de vaca
6. 80% das crianças com alergia ao leite de vaca desenvolverão tolerância imunológica até o 5º ano
de vida
Exames laboratoriais para detectar a presença de IgE
específica ao leite de vaca podem ajudar na confirmação
do diagnóstico. O teste alérgico é um dos métodos mais
utilizados e detecta de forma qualitativa a presença da IgE.
Pode ser aplicado em qualquer idade, desde que a indicação esteja correta e a pele da criança esteja reagindo.
O teste alérgico negativo para leite de vaca praticamente afasta o diagnóstico de alergia mediada por IgE. No
entanto, o teste alérgico positivo não confirma o diagnóstico devido ao alto índice de falso positivo, acima de 50%.
O teste alérgico fortemente positivo não é preditor da
gravidade da reação, mas aumenta a acuidade diagnóstica. Pápulas cutâneas acima de 8 mm em crianças menores de 2 anos têm um valor preditivo positivo em torno
de 95%. No caso clínico em questão optou-se em testar
diferentes proteínas do leite de vaca como a caseína e a
lactoglobulina. Embora correta, esta conduta tem pouca
importância prática e onera o custo do procedimento.
A dosagem sérica da IgE específica mede de forma quantitativa a presença deste anticorpo contra a proteína do
leite de vaca. Como o teste alérgico, tem pouca importância prática e custo elevado solicitar IgE específica para
as diferentes proteínas do leite de vaca. Embora muito utilizada, a dosagem da IgE específica para leite, na maioria
das vezes não é corretamente interpretada. IgE específica
igual ou inferior à classe 2 equivale a um teste alérgico ne-
Caso Clínico - Alergia às proteínas do leite de vaca: a visão do nutrólogo, do gastroenterologista e do alergista
gativo e tem pouca importância clínica. IgE para proteínas
do leite de vaca acima de 5 KU/l em crianças menores de
2 anos e acima de 15 KU/l em crianças maiores de 2 anos
praticamente confirmam o diagnóstico pois apresentam
um elevado valor preditivo positivo, acima de 95%. Valores intermediários muitas vezes não são suficientes para se
confirmar o diagnóstico.
Quando a relação causa/efeito não pode ser corretamente determinada pela história e pela IgE específica, devese optar pelo teste de provocação ou desencadeamento.
Após excluir o alimento suspeito por 2 semanas, oferecese o leite de forma aberta ou cego simples (paciente não
sabe que está ingerindo proteína do leite) ou duplo cego
(médico e paciente não sabem que estão ingerindo o alimento suspeito). O teste de provocação duplo cego placebo controlado é o padrão ouro no diagnóstico de alergia
alimentar. Além de ser altamente reprodutível possui um
baixo índice de falso positivo e falso negativo, geralmente
abaixo de 1%.
3. Como proceder em situações de emergência?
No caso clínico apresentado, o paciente apresenta uma
clara reação anafilática. O diagnóstico de anafilaxia se estabelece quando o paciente apresenta sintomas de início
súbito com envolvimento de pelo menos 2 sistemas. Na
grande maioria dos casos (>90%), os sintomas cutâneos
estão presentes. Reações que envolvem o trato respiratório e cardiovascular caracterizam um risco de vida eminente e devem ser tratados com presteza.
A epinefrina é o tratamento de escolha e deve ser administrada nos primeiros sinais de reação sistêmica. Estudos
indicam que o atraso na aplicação da epinefrina está diretamente relacionado com aumento da mortalidade em
pacientes com anafilaxia. A epinefrina está comercialmente disponível na forma de canetas auto-injetáveis. Estes
produtos são importados, caros e de difícil acesso para boa
parte da população brasileira. Por isto, disponibilizamos, a
um baixo custo, um “kit de urgência” contendo ampolas
de epinefrina, seringas apropriadas, anti-histamínico oral e
broncodilatador inalatório quando necessário. Um treinamento adequado permite ao paciente iniciar o tratamento
antes de ser atendido no hospital.
O anti-histamínico de primeira geração também é um medicamento de primeira linha no tratamento da anafilaxia
e, na maioria das vezes, deve ser administrado junto com
a epinefrina. No caso de anafilaxia sem comprometimento
respiratório ou cardiovascular pode ser o único medicamento necessário. Uma das principais causas de falha dos
anti-histamínicos é a prescrição de doses baixas. Deve-se
oferecer doses generosas, 2 a 3 vezes maiores que as doses convencionais. Os corticóides são pouco eficazes no
choque anafilático. Seu início de ação é de pelo menos 2
horas, mesmo quando aplicados por via venosa, intervalo
muito longo para reações com risco de óbito.
4. Qual a conduta nutricional mais adequada nessa
situação?
O único tratamento disponível no momento para pacientes com alergia alimentar é evitar o alimento em questão. Isto nem sempre é uma tarefa fácil e muitas vezes
se faz necessário uma orientação nutricional diferenciada.
Alimentos industrializados com freqüência contêm proteína do leite que passa desapercebida. Por isto, educação e
treinamento são essenciais para restringir, de forma criteriosa, os alimentos que contêm proteínas do leite de vaca
(Quadro 2.)
Quadro 2. Como detectar alimentos que PODEM conter leite de vaca
NÃO ingerir alimentos cujo rótulo
contenha os seguintes ingredientes:
- caramelo
- caseína
- caseinato
- creme
- derivados do leite
- estabilizante
- iogurte
- lactoalbumina
- lactose
- leitelho
- manteiga
- nata
- proteínas do leite
- sabor natural
- soro
Evitar alimentos que geralmente
contém leite como:
- biscoitos
- bolos
- chocolate
- manteiga
- margarina
- molhos cremosos
- Novomilke
- pão (alguns)
- pão de queijo
- pudim
- purê de batata
- queijo
- queijo de soja
- queijo vegetariano
- sopas cremosas
instantâneas
em lata
- sorvetes
- sucrilhos
- tortas
ATENÇÃO:
ATENÇÃO:
* A letra “D” no rótulo geralmente indica que se trata de um laticínio e, portanto, com grande probabilidade de conter leite.
* Alguns medicamentos também podem conter lactose e proteínas do leite
* Pacientes alérgicos a leite de vaca NÃO podem ingerir leite de origem animal,
como leite de cabra e leites em pó (exceto leites de soja)
* Evitar comer alimentos de padarias, confeitarias e delikatessem. Nestes locais, a
mesma máquina utilizada para fatiar alimentos é usada também para fatiar queijos, havendo portantoalta probabilidade de contaminação.
* Salsichas e carnes industrializadas (presuntos, tenders, etc.) podem conter leite
* Produtos “Light” geralmente contém leite
Pacientes alérgicos ao leite de vaca não devem receber leites de origem animal devido à grande incidência de reação
cruzada. Em nosso meio é muito comum o uso de leite de
cabra para pacientes alérgicos ao leite de vaca. Revisão da
literatura revela ausência de ensaios clínicos que indiquem
o uso de leite de cabra para crianças alérgicas ao leite de
Nestlé Nutrition Institute
vaca. Proteínas do leite de vaca são muito semelhantes
às proteínas do leite de cabra. Cobaias sensibilizadas com
o leite de vaca apresentaram anafilaxia após provocação
com leite de cabra. A IgE produzida por pacientes alérgicos ao leite de vaca reage c/ proteínas do leite de cabra.
Apesar destas evidências, em nosso meio o uso de leite de
5
cabra se baseia em fatores culturais e folclores populares,
sem indicações científicas precisas.
O leite de soja deve ser o principal substituto do leite de
vaca em pacientes com reações mediadas por IgE. Não há
reação cruzada entre o leite de soja e o leite de vaca tendo
em vista que suas proteínas são totalmente diferentes. O
que pode ocorrer é a presença simultânea de alergia ao
leite de vaca e leite de soja num mesmo paciente. Esta
associação é rara em nosso meio e deve ter um peso pequeno na decisão de prescrever leite de soja.
Recentemente, estudos em animais indicam um potencial
para as isoflavonas contidas na soja agirem como fitoestrógenos levando a efeitos colaterais indesejáveis. Isto levou a
Academia Americana de Pediatria (AAP) e Sociedade Européia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátricas (ESPGHAN) a não recomendar o uso de leite de soja
em lactentes menores de 6 meses de idade. Trata-se de
recomendação de países desenvolvidos onde o uso de fórmulas semi-elementares ou elementares tem um impacto
econômico menor em relação a países em desenvolvimento como o Brasil. Portanto, em nosso meio, a relação custo/benefício desta medida deve ser ponderada antes de se
prescrever leites elementares e semi-elementares. Décadas
de uso do leite de soja no primeiro ano de vida não foram
suficientes para se detectar efeitos colaterais evidentes a
médio e longo prazo. Além disto, estudos recentemente
publicados sobre a segurança do leite de soja em crianças
não evidenciaram alterações em órgãos sexuais e nem na
produção de hormônios sexuais, a principal preocupação
com o uso deste alimento nos primeiros meses de vida.
Cabe salientar, no entanto, que o Consenso Brasileiro de
Alergia Alimentar 2008 não recomenda o uso de leite de
soja antes dos 6 meses de idade.
5. Analisando-se o histórico familiar positivo de doenças
alérgicas, seria possível modificar o curso clínico desse paciente?
Considerando-se o aumento global da prevalência de
alergia alimentar e a falta de tratamento específico até o
momento, talvez a melhor forma de reduzir os riscos relacionados a essa doença seja a prevenção. Para tanto, é
preciso entender que tais medidas devem ser dirigidas a
uma população considerada de alto risco no que diz respeito às alergias. A seguir, explanaremos os principais fatores relacionados à predisposição e ao aumento do risco
de doenças alérgicas, dando ênfase aos fatores nutricionais pós-natais.
Quadro 3. Fatores envolvidos na gênese de doenças
alérgicas
Fatores genéticos
Ex. polimorfismos genéticos
Fatores ambientais
Ex. fatores dietéticos pré e pós natais
- curta duração do aleitamento materno
- época de introdução de alérgenos
alimentares
- fornecimento inadequado de nutrientes
ou fatores dietéticos específicos:
prebióticos, probióticos, ácidos graxos
poli-insaturados e vitaminas antioxidantes
Quadro 4. Fatores nutricionais relacionados à prevenção primária de doenças alérgicas
População-alvo: lactentes com pelo menos um parente de primeiro grau (um dos pais ou um irmão) com documentada história
de doença alérgica (asma, rinite, dermatite atópica ou alergia alimentar).
Aleitamento materno: recomendado como exclusivo por pelo menos seis meses e encorajado até os 2 anos ou mais, sem nenhuma restrição à dieta materna. A recomendação se aplica devido aos inúmeros benefícios nutricionais e não nutricionais que o AM
traz para ambas as partes. Há evidências de que a manutenção do AM durante a fase de introdução de alimentos sólidos pode
prevenir o desenvolvimento de alergias a esses alimentos.
Fórmulas infantis antes dos 6 meses: para os casos em que a complementação com fórmulas se faz necessária antes da introdução
dos alimentos sólidos, as recomendações variam. Se não há história de doenças alérgicas na família (pais ou irmãos), as fórmulas
infantis de primeiro semestre podem ser introduzidas. Os lactentes com história familiar de alergia devem receber fórmulas hidrolisadas, parcial ou extensamente. Ambas são igualmente reconhecidas no papel de prevenção contra doenças alérgicas e dermatite atópica quando comparadas com fórmulas poliméricas, em especial as fórmulas parcialmente hidrolisadas à base de soro
de leite. Fórmulas extensamente hidrolisadas acabam sendo mais utilizadas para o tratamento do que para prevenção, devido ao
seu alto custo e pior palatabilidade. Existem ainda algumas hipóteses de que os peptídeos de maior peso molecular encontrados
nas fórmulas parcialmente hidrolisadas poderiam proporcionar ao sistema imunológico o mecanismo de tolerância oral, inibindo
o desenvolvimento de respostas alérgicas. As fórmulas de soja ou leite de outros mamíferos (como o de cabra) não devem ser
recomendadas para a prevenção.
Introdução de alimentos complementares: a partir dos 6 meses de idade (Organização Mundial da Saúde). Nessa fase, os pais devem considerar a introdução de um novo alimento, a cada dois ou três dias, de acordo com os hábitos da família (a despeito do
alimento poder ser considerado potencialmente mais alergênico). Dessa forma, as reações são identificadas com maior facilidade,
e o alimento pode ser excluído (ou mantido). Dificilmente o lactente apresentará alergia a algum alimento já bem tolerado se este
for ingerido regularmente.
Alimentos alergênicos: não há alimentos potencialmente alergênicos que devam ser evitados. Algumas crianças desenvolverão
alergias, mas não há como predizer essa manifestação. Se houver qualquer reação a algum alimento, os pais devem excluí-lo da
dieta até que a criança seja avaliada pelo médico, de preferência experiente em alergia alimentar.
6
Caso Clínico - Alergia às proteínas do leite de vaca: a visão do nutrólogo, do gastroenterologista e do alergista
Referências recomendadas
1. Nelson SP, et al. Prevalence of symptoms of gastroesophageal reflux
during childhood: a pediatric practice based survey. Pediatric Practice
Research Group. Arch Pediatr Adolesc Med 2000; 154:150-4.
2. Sherman P, et al. A global evidence based consensus on the definition
of gastroesophageal reflux disease in children. Am J Gastroenterol
2009; 104:1278-95.
3. Vandenplas Y, et al. Pediatric Gastroesophageal Reflux Clinical
Practice Guidelines: Joint Recommendations of the North American
Society of Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition
and the European Society of Pediatric Gastroenterology, Hepatology
and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2009; 49:498-547.
4. Tolia V, Vandenplas Y. Systematic review: the extra-oesophageal
symptoms of gastro-oesophageal reflux disease in children. Aliment
Pharmacol Ther 2009; 29:258-272.
5. Chapman JA, Bernstein IL, Lee RE, et al. Food allergy: a practice
parameter. Annals of Allergy Asthma and Immunology 2006;
96:S1-68.
6. Sicherer SH, Teuber S. Current approach to the diagnosis and
management of adverse reactions to foods. J Allergy Clin Immunol
2004; 114:1146-50.
7. Eigenmann PA, Sampson HA. Interpreting skin prick tests in the
evaluation of food allergy in children. Pediatr Allergy Immunol 1998;
9(4):186-91.
8. Nowak-Wegrzyn A, Assa’ad AH, Bahna SL, Bock SA, Sicherer SH,
Teuber SS. Adverse Reactions to Food Committee of American
Academy of Allergy, Asthma & Immunology. Work Group
report: oral food challenge testing. J Allergy Clin Immunol 2009;
123(6 Suppl):S365-83.
9. Greer FR, Sicherer SH, Burks WA and the Committee on Nutrition
and Section on Allergy and Immunology. Effects of Early Nutritional
Interventions on the Development of Atopic Disease in Infants and
Children: The Role of Maternal Dietary Restriction, Breastfeeding,
Timing of Introduction of Complementary Foods, and Hydrolyzed
Formulas. Pediatrics 2008; 121:183-191.
Nestlé Nutrition Institute
10. ESPGHAN Committee on Nutrition: Agostoni C, Decsi T, Fewtrell
M, Goulet O, Kolacek S, Koletzko B, et al. Complementary Feeding:
A Commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition. JPGN
2008; 46:99-110.
11. von Berg A, Filipiak-Pittroff B, Krämer U, Link E, Bollrath C, Inken
Brockow I et al. and the GINIplus study group. Preventive effect
of hydrolyzed infant formulas persists until age 6 years: long-term
results from the German Infant Nutritional Intervention Study (GINI).
J Allergy Clin Immunol 2008; 121:1442-7.
12. Jennings S, Prescott SL. Early dietary exposures and feeding practices:
role in pathogenesis and prevention of allergic disease? Postgrad
Med J. 2010 Feb; 86(1012):94-9.
13. Gilchrist JM, Moore MB, Andres A, Estroff JA, Badger TM.
Ultrasonographic patterns of reproductive organs in infants fed
soy formula: comparisons to infants fed breast milk and milk formula.
J Pediatr 2010; 156: 215-20.
14. Sociedade Brasileira de Pediatria. Manual de orientação para a
alimentação do lactente, do pré-escolar, do escolar, do adolescente
e na escola/Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de
Nutrologia, 2ª ed. São Paulo: SBP, 2008. 120 p.
15. Cao Y, Calafat AM, Doerge DR, Umbach DM, Bernbaum JC,
Twaddle NC, Ye X, Rogan WJ. Isoflavones in urine, saliva, and
blood of infants: data from a pilot study on the estrogenic activity
of soy formula. J Expo Sci Environ Epidemiol 2009; 19:223-34.
16. Solé D, Silva LR, Rosário Filho N, Sarni ROS. Consenso Brasileiro
sobre Alergia Alimentar: 2007. Rev Bras Alerg Imunol 2008;
31:64-89.
17. Szajewska H, Horvath A. Meta-analysis of the evidence for a
partially hydrolyzed 100% whey formula for the prevention
of allergic diseases. Curr Med Resp Opin 2010;26:423-37.
7
NOTA IMPORTANTE:
AS GESTANTES E NUTRIZES PRECISAM SER INFORMADAS QUE O LEITE MATERNO É O IDEAL PARA O LACTENTE, CONSTITUINDO-SE A MELHOR NUTRIÇÃO E PROTEÇÃO PARA ESTAS CRIANÇAS.
A MÃE DEVE SER ORIENTADA QUANTO À IMPORTÂNCIA DE UMA DIETA EQUILIBRADA NESTE PERÍODO E QUANTO À MANEIRA DE SE PREPARAR PARA O ALEITAMENTO AO SEIO ATÉ OS DOIS
ANOS DE IDADE DA CRIANÇA OU MAIS. O USO DE MAMADEIRAS, BICOS E CHUPETAS DEVE SER DESENCORAJADO, POIS PODE TRAZER EFEITOS NEGATIVOS SOBRE O ALEITAMENTO NATURAL.
A MÃE DEVE SER PREVENIDA QUANTO À DIFICULDADE DE VOLTAR A AMAMENTAR SEU FILHO UMA VEZ ABANDONADO O ALEITAMENTO AO SEIO. ANTES DE SER RECOMENDADO O USO
DE UM SUBSTITUTO DO LEITE MATERNO, DEVEM SER CONSIDERADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS FAMILIARES E O CUSTO ENVOLVIDO. A MÃE DEVE ESTAR CIENTE DAS IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS
E SOCIAIS DO NÃO ALEITAMENTO AO SEIO – PARA UM RECÉM-NASCIDO ALIMENTADO EXCLUSIVAMENTE COM MAMADEIRA SERÁ NECESSÁRIA MAIS DE UMA LATA POR SEMANA. DEVE-SE
LEMBRAR À MÃE QUE O LEITE MATERNO NÃO É SOMENTE O MELHOR, MAS TAMBÉM O MAIS ECONÔMICO ALIMENTO PARA O LACTENTE. CASO VENHA A SER TOMADA A DECISÃO DE INTRODUZIR
A ALIMENTAÇÃO POR MAMADEIRA É IMPORTANTE QUE SEJAM FORNECIDAS INSTRUÇÕES SOBRE OS MÉTODOS CORRETOS DE PREPARO COM HIGIENE RESSALTANDO-SE QUE O USO
DE MAMADEIRA E ÁGUA NÃO FERVIDAS E DILUIÇÃO INCORRETA PODEM CAUSAR DOENÇAS. OMS – CÓDIGO INTERNACIONAL DE COMERCIALIZAÇÃO DE SUBSTITUTOS DO LEITE MATERNO.
WHA 34:22, MAIO DE 1981. PORTARIA Nº 2.051 – MS DE 08 DE NOVEMBRO DE 2001, RESOLUÇÃO Nº 222 – ANVISA – MS DE 05 DE AGOSTO DE 2002 E LEI 11.265/06 DE 04.01.2006 – PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA – REGULAMENTAM A COMERCIALIZAÇÃO DE ALIMENTOS PARA LACTENTES E CRIANÇAS DE PRIMEIRA INFÂNCIA E TAMBÉM A DE PRODUTOS DE PUERICULTURA CORRELATOS.
PUBLICAÇÃO DESTINADA EXCLUSIVAMENTE AO PROFISSIONAL DE SAÚDE. IMPRESSO NO BRASIL.
8
Caso Clínico - Alergia às proteínas do leite de vaca: a visão do nutrólogo, do gastroenterologista e do alergista
Download