Artigo Versão Finalíssima 190613

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU: LITERATURA, MEMÓRIA
CULTURAL E SOCIEDADE
Kamilla Vianna de Carvalho Uhl
Romualdil Dias Braga
A ANIMAÇÃO CULTURAL COMO FERRAMENTA PARA A PRESERVAÇÃO DA
MEMÓRIA DE COMUNIDADES RURAIS
CAMPOS DOS GOYTACAZES/ RJ
JUNHO/2013
1
Kamilla Vianna de Carvalho Uhl
Romualdil Dias Braga
A ANIMAÇÃO CULTURAL COMO FERRAMENTA PARA A PRESERVAÇÃO DA
MEMÓRIA DE COMUNIDADES RURAIS
Artigo apresentado ao Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia Fluminense – IFF Campos, como parte das exigências
para a obtenção do título de especialista em Literatura, Memória
Cultural e Sociedade. Linhas de pesquisa: Comunicação, Memória,
Animação Cultural.
Aprovado em 28 de junho de 2013
Banca Avaliadora:
___________________________________________
Profª Ma. Edinalda Maria Almeida da Silva
Mestra em Comunicação-ECO/UFRJ
Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Fluminense
IFF/Campos-Câmpus-Centro
____________________________________________
Profª Ma. Hélia Coelho Mello Cunha
Mestra em Cognição e Linguagem/UENF
Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Fluminense
IFF/Campos-Câmpus-Centro
____________________________________________
Profª Drª. Vania Cristina Alexandrino Bernardo
Doutora em Literatura Comparada/UFF
Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia Fluminense
IFF/Campos-Câmpus-Centro
CAMPOS DOS GOYTACAZES, RJ
JUNHO/2013
2
RESUMO
Este trabalho se propõe a mostrar que a Animação Cultural vem sendo aplicada, em algumas
escolas do meio rural de Campos dos Goytacazes, como instrumento lúdico e sob a
perspectiva utilitarista tão somente. O objetivo dos autores é propor que os Animadores
Culturais sejam agentes estimuladores dos alunos que estudam em áreas rurais, de modo que
estes se interessem também pelas próprias produções e pelas produções culturais locais, e não
apenas pelas produções culturais e artísticas, mas também pelas produções agrícolas. Mais do
que orientar, a Animação Cultural deveria instrumentalizar e possibilitar uma maior
propagação das manifestações culturais dessa população, com o auxílio de uma Educação do
Campo eficaz e eficiente, a fim de garantir a preservação da memória individual e da memória
coletiva de comunidades rurais.
Palavras-chave: Educação do Campo. Animação Cultural. Memória individual. Memória
coletiva.
ABSTRACT
This paper aims to show that the Cultural Animation has been applied in some schools
in rural areas of Campos dos Goytacazes as a means of entertainment and under the
utilitarian perspective solely. The objective of this paper is to propose that the Cultural
Animators stimulating agents are schooled students in rural areas, so that these are
interested in the own productions and productions by local cultural, and not only the
cultural and artistic productions, but also agricultural production. More than just
guiding the Cultural Animation should equip and enable the further spread of the
cultural manifestations of this population, with the aid of a Rural Education effectively
and efficiently in order to ensure the preservation of individual memory and the
collective memory of rural communities.
Keywords: Rural Education. Cultural Activities. Individual memory. Collective
memory.
3
SUMÁRIO
1- FUNDAMENTOS BÁSICOS .............................................................................................. 04
1.1- SOBRE EDUCAÇÃO DO CAMPO ................................................................................ 04
1.2-COMO E ONDE NASCEU A ANIMAÇÃO CULTURAL ............................................ 07
1.3-COM DARCY RIBEIRO, SURGE A ANIMAÇÃO CULTURAL NO BRASIL ........
08
1.4-LEIS E DECRETOS: PAÍS, ESTADO E MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS
GOYTACAZES ........................................................................................................................ 10
2-MEMÓRIA:
RIQUEZA
DE
UM
POVO
QUE
DEVERIA
SER
PRESERVADA.....................................................................................................................
11
3-POR UMA ANIMAÇÃO CULTURAL QUE PRESERVE A MEMÓRIA DAS
COMUNIDADES RURAIS .....................................................................................................
13
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................
16
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................
18
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A ANIMAÇÃO CULTURAL COMO FERRAMENTA PARA A PRESERVAÇÃO DA
MEMÓRIA DE COMUNIDADES RURAIS
1-FUNDAMENTOS BÁSICOS
1.1-Sobre Educação do Campo
O conceito de Educação do Campo é novo e ainda está sendo compreendido, está em
movimento; não é, pois, um conceito fixo, fechado. A Educação do Campo é, segundo Roseli
Caldart (2007), parte da construção de um paradigma teórico e político. Mas à medida que a
Educação do Campo vai se firmando na sociedade, através de secretarias, coordenações de
governo e movimentos sociais, começa a surgir uma tendência que a desloca de sua
identidade originária.
Até o momento, os passos dados em direção ao desenvolvimento do país foram
realizados com a visão urbano-industrial, aparecendo a preocupação com a educação rural
somente por ocasião do forte movimento migratório interno do começo do século passado,
nos anos de 1910/20, quando os moradores das zonas rurais deixaram o campo em busca das
áreas onde se iniciava um processo de industrialização, como pontua Valter Morigi (2003).
Utilizando o discurso de que o meio rural é um atraso econômico e cultural, diversos
segmentos políticos de nossa sociedade o qualificam como sem futuro, medíocre e sem
cultura, como narram algumas histórias da Literatura Brasileira, que posiciona o homem do
campo, como um ser apático, desleixado, indolente, símbolo de um Brasil colonial, que já não
pode existir (MORIGI, 2003). As pesquisadoras Maria Clara Di Pierro e Márcia Regina
Andrade explicam - no Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária em Perspectiva:
Dados Básicos para uma Avaliação (2003) – que acreditar neste discurso é defender um erro
de interpretação, que alimenta uma profunda esquizofrenia cultural; que, por sua vez, alimenta
a modesta formulação de políticas públicas para o meio rural.
Assim, se a escola é o mais importante mecanismo de transformação de nossa
sociedade, é preciso questionar a qualidade e os objetivos dos projetos educacionais que
regem a educação no meio rural. Dentre os poucos projetos educacionais voltados para
manutenção do ensino do campo, destaca-se o fator histórico. Ainda, nos primórdios da
primeira República do Brasil (1889-1930), uma parcela significativa de congregações
religiosas abriu escolas nas províncias e vilarejos, compromissadas apenas com a
escolarização, desconsiderando a cultura e a origem rural dos alunos. Até porque boa parte
destes esperançosos estava migrando para a cidade, em busca de emprego. Assim, era
necessário adaptar-se às regras de uma sociedade compromissada com o progresso industrial.
5
Os primeiros programas considerados relevantes para Educação do Campo surgem a
partir de 1940. Dentre eles, destaca-se a Lei Orgânica do Ensino Primário (LOEP 8529/46),
que determinava o período das férias, segundo as conveniências regionais, indicadas pelo
clima e zonas rurais. Dentre as indicações, deve-se enfatizar, também, a implantação de
Clubes Agrícolas, onde eram transmitidas ideias e concepções voltadas para o avanço social.
Em outras palavras, como afirma Morigi (2003), o Clube Agrícola representou um importante
instrumento para a transmissão e a consolidação das ideias de desigualdade, também de
aceitação da situação dada e de uma cultura de valorização do produto industrializado, das
tecnologias agrícolas importadas.
Ao longo dos anos, surgiram outros projetos como o Programa de Extensão Rural no
Brasil (1945), a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e o Serviço Social Rural
(SSR), comprometidos com as ideias e concepções do Clube Agrícola. Em 1961, foi aprovada
a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que deu aos municípios a
responsabilidade administrativa sob a Educação Fundamental na zona rural. Depois de 13
anos de debate, chegou-se ao texto final, com a implementação do ensino técnico nas escolas
do meio rural e urbano.
A LDB de 1961 se apresenta como uma afirmação dos projetos desenvolvimentistas
dos governos populistas, nos quais paira a visão de progresso, baseado na planificação da
educação, optando por interligar a educação rural e a urbana através da educação tecnicista.
Este sistema educacional foi alimentado ainda pelos militares na 2ª LDB de 1971.
A Escola Rural, na atualidade, depara-se com uma complexidade maior. A atual LDB
(Lei 9394/96), sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 20 de dezembro
de 1996, afirma: “A educação deve abranger os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”.
No que tange à Educação do Campo, a LDB de 1996 abre destaque para organização e
adequação do ciclo de trabalho de cada região. No entanto, ela apenas referenda a Lei
Orgânica do ensino primário de 1946, cujo texto trata dos períodos letivos com base na
sazonalidade do plantio e colheita. A duração dos períodos letivos e das férias passa a ser
fixada segundo as conveniências regionais, indicadas pelo clima e zonas rurais, atendidos,
quando possível, os períodos de fainas agrícolas: “Deverá adequar-se às peculiaridades locais,
inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso
reduzir o número de horas letivas nesta lei” (LDB/1996).
Mas essa adequação às peculiaridades locais, essa flexibilidade, na prática, não
funciona, uma vez que já foi sacramentado pelo Estado um calendário fixo correspondente ao
calendário escolar urbano. Desta forma, o estado mais uma vez privilegia a política
educacional ruralista, deixando de lado os personagens principais desta saga, a população do
campo.
As ações governamentais, no âmbito federal, portanto, continuam priorizando políticas
e programas universalistas que também se estendem às escolas situadas no meio rural. A
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escola do campo ainda é um pedaço da escola urbana dentro do meio rural. E com isso, notase o esvaziamento das escolas do campo, onde os filhos de trabalhadores rurais abandonam
seu habitat natural. Sem alternativa, buscam, no meio urbano, a sua opção educacional. Uma
via sem volta, em que prevalece a educação como base para conquista de espaço no mercado
de trabalho, gerando, muitas vezes, subempregos.
As bases educacionais são “formatadas” conforme as diretrizes de organismos
internacionais, como se fossem os possuidores de “fórmulas do bem” para a educação
brasileira. Isso nada mais é do que uma visão de que a educação é um produto ou mercadoria
que deve ser comprada e não como algo de direito de todos e dever do estado (CORRÊA,
2000).
A concepção de que a escola urbana é melhor do que a rural é taxativa e
discriminatória. A escola do meio rural deveria ser tratada como centro da referência rural.
Um local agregador das relações entre famílias. Considerar a escola como um investimento
econômico, que tende a não dar certo, é ausentar o Estado da obrigação de preservar a
identidade e a memória de seu povo. O problema da educação não se apresenta somente no
meio rural, mas ali a situação se agrava quando, na falta de comprometimento e políticas
públicas, alimenta-se o pensamento discriminatório, de que no campo não existe cultura.
Aliás, essa cultura, segundo Darcy Ribeiro, irriga e alimenta a educação, que por sua vez é um
excelente meio de transmissão cultural (RIBEIRO, 1986).
A escola sempre foi concebida como um instrumento urbano estratégico para a
ideologia de aceitação da sociedade estratificada e a serviço de alguns, em detrimento da
maioria.
(...)De fato as políticas neoliberais de educação são ditadas, no caso da
América Latina, pelos documentos da CEPAL/UNESCO (1992) e
ORLAC/UNESCO (1990), dentre outros, que definem como o conjunto das
nações deve se ajustar a globalização e ao neoliberalismo (CORRÊA, 2000,
p. 35).
Os conteúdos curriculares estavam - e ainda estão - permeados pela visão do mercado,
com o objetivo de formar indivíduos competitivos e consumidores, valores dominantes desta
sociedade capitalista. Com essa concepção, a LDB (9394/96), manifestando-se sobre a
organização curricular para a educação básica do campo, prevê apenas uma adaptação dos
conteúdos e da metodologia. Não há o reconhecimento do trabalho e da cultura rural, apenas
acontece a transferência da escola da zona urbana para a zona rural.
Diante de tal contradição, é necessário recorrer à Resolução número 2, de 28 de abril
de 2008, do Conselho Nacional de Educação, que institui diretrizes operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo. Nela encontram-se normas e princípios para uma
Educação do Campo realmente voltada para os seus personagens; respeitando sua origem,
cultura e memória. Se a Educação do Campo destina-se ao atendimento as populações rurais
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em suas mais variadas formas de produção da vida - agricultores familiares, extrativistas,
pescadores artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas,
caiçaras, indígenas e outros (Art.1), a escola precisa lembrar que deve ser um espaço
inteiramente democrático, mesclando o processo educacional formal à vida comunitária,
culminando em um processo igualitário de tomada de consciência perante as condições
sociais existentes.
Atualmente, existem diversos movimentos populares, como as Escolas Família
Agrícola (EFA) e o Movimento de Educação de Base (MEB), lutando contra o processo de
exclusão e forçando novas políticas públicas, que garantam o acesso à educação, sem deixar
de construir uma identidade própria das escolas do campo. Desta forma, se o poder público
(municipal, estadual ou federal) tem como objetivo construir um país próspero, deveria,
primeiro, quebrar o muro, a cerca de arame farpado que separa a escola da sua comunidade.
Por fim, observa-se que, apesar dos esforços, poucas escolas estão mudando. Neste
contexto, é primordial que a educação do campo seja tratada de maneira permanente, sendo a
escola um direito de todas as pessoas. Seu papel no mundo contemporâneo vai além das salas
de aula. Trata-se de um elemento básico para construção do conhecimento universal e, por
essa razão, precisa ser considerado.
1.2 - Como e onde nasceu a Animação Cultural
O lúdico poderia, pois, contribuir para a mudança dessa realidade. O uso de jogos e da
ludicidade, como um todo, está presente na vida humana desde os seus primórdios. Por muito
tempo, a atividade lúdica era vista apenas como sinônimo de jogo e de divertimento,
possuindo um caráter não sério. Porém, o jogo favorece não apenas a aprendizagem, mas
também o desenvolvimento e a interação social do indivíduo.
A aplicabilidade do lúdico como estratégia capaz de colaborar no processo de ensinoaprendizagem tem sido muito discutida e trazida aos poucos para os ambientes escolares, por
ser a brincadeira um dos universos da criança. Nelson Carvalho Marcellino, por exemplo, na
obra Pedagogia da Animação, afirma que, em termos de análise teórica, a vinculação do
lúdico à educação não é nova, remontando à Antiguidade.
Ele cita Johan Huizinga, a título de exemplificação, chamando atenção para a relação
do componente lúdico da cultura, manifestado no lazer, com o processo educativo. Para ele, a
linguagem é, desde o início, inteiramente marcada pelo jogo (MARCELLINO, 1989). O
mesmo autor fala sobre “o jogo do saber”, colocando a relação entre o lúdico e a educação já
a partir das próprias palavras usadas, em diversas línguas, para designar a função lúdica
(HUIZINGA, 1986).
Em Lazer e Educação, Marcellino apresenta o lazer como possibilidade privilegiada,
enfatizando-o na vivência (enquanto produto e processo) de valores que embasem mudanças
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ou abram perspectivas para mudanças de ordem moral e cultural, necessárias para a
implantação de uma nova ordem social (MARCELLINO, 1987). Dessa perspectiva, o lazer é,
para ele, encarado como possibilidade também para o encontro informal das pessoas e, nesse
encontro, para a geração de valores e do desenvolvimento de atividades culturais. E é em
meio a essa busca que se manifesta o lazer, gerando o “associativismo informal”, presente nas
relações humanas desde os primórdios.
Entretanto, com o surgimento da Revolução Industrial, as necessidades do homem se
modificaram, e também suas necessidades de lazer. Ela provocou inúmeras transformações e
mudanças no dia a dia dos indivíduos, inclusive em seu tempo livre e de estudos. As pessoas
saíram do campo para a cidade para trabalharem nas fábricas, o que deu origem ao
crescimento da população urbana e à desertificação rural, provocando grandes alterações no
sistema social e familiar. É nesse momento que aparece o termo animação sócio-cultural
(ASC), antecedendo a Animação Cultural (AC).
Acima de tudo, a rapidez com que se deram essas transformações dificultou a
adaptação da sociedade às novas exigências, realidades e problemas, criando as condições
necessárias para o aparecimento e implementação da AC, que se mune de metodologias
participativas e ativas para promover a implicação responsável e livre dos indivíduos na
comunidade onde se inserem, tornando-os protagonistas do seu próprio desenvolvimento.
Orientado por Victor de Melo, Carlos Augusto Santana Pereira traça o percurso
histórico-conceitual da AC em sua tese de mestrado pelo Núcleo de Tecnologia Educacional
para a Saúde (NUTES), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele relata que a
primeira aparição da expressão AC surgiu, na França, após a II Guerra Mundial, em virtude
de necessidades educacionais emergidas pelas práticas de educação de adultos e do serviço
social. O objetivo era solucionar impossibilidades do sistema de ensino formal. Pereira (2005)
afirma que os métodos e procedimentos do ensino formal tradicional não davam conta da
especificidade de tal prática. Dessa, forma, pesquisadores e estudiosos tentavam formular uma
intervenção que deixasse de reproduzir o modelo burocrático-pedagógico escolar.
1.3-Com Darcy Ribeiro, surge a Animação Cultural no Brasil
O sociólogo e antropólogo Darcy Ribeiro, através dos Centros Integrados de Educação
Pública (Cieps), desejava a transformação da escola em um espaço inteiramente democrático,
mesclando o processo educacional formal à vida comunitária e integrando alunos, pais,
vizinhos, artistas e professores em um processo igualitário de tomada de consciência, perante
as condições sociais existentes e, consequentemente, as desigualdades por elas formuladas.
Foi dentro desse processo que o sociólogo criou a função do Animador Cultural por meio da
Lei 2.162/93, sancionada pelo então governador Leonel Brizola, no Rio de Janeiro. O objetivo
era que esse profissional desempenhasse suas atividades nos Cieps em horário integral.
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Para Darcy, a Animação Cultural é esse caminho para a superação de uma educação
marginalizadora e excludente (Carta 15, 1995). No entanto, o antropólogo levou o cargo de
animador cultural para o âmbito escolar, ainda na década de 80, segundo a integrante da
Fundação Darcy Ribeiro (Fundar-RJ), Maria Augusta Bittencourt1. Percebendo e reforçando
essa demanda, a Animação Cultural, mais do que apenas orientar, foi criada por ele para
instrumentalizar e possibilitar uma maior propagação das manifestações culturais a essa
população, normalmente alijada dos sistemas formais de ensino e não poucas vezes entregue a
atividades marginais.
O regimento dos Centros Integrados afirma, em seu capítulo X, Art. 60, inciso 1°: “O
programa de Animação Cultural, desenvolvido nos Cieps, busca concretizar o trabalho de
cultura”. E mais: “Os coordenadores de animação são produtores de cultura, articulam a
cultura local e a trabalhada na escola” (1995).
Neide Duarte (2005), em Animação Cultural e a Escola de Horário Integral, afirma
que o animador surgiu para estimular as crianças a se interessarem também pelas próprias
produções, sejam elas culturais, artísticas e/ou agrícolas. Neste contexto, a Animação Cultural
reforça a tese de que a Educação do Campo não é uma educação rural, apenas, mas deve
lembrar a dinâmica específica que envolve os sujeitos sociais do campo, e todo o seu entorno
(CALDART, 2007).
Como pontua Duarte, a Animação Cultural visa resgatar o mais autêntico papel
político e social da escola, promovendo uma educação integrada, de fato. Ela ressalta que as
ações planejadas da Animação Cultural deveriam propiciar:
1 – o autoconhecimento do indivíduo e sua inclusão social em diferentes grupos, por
meio da valorização individual e coletiva, na apreciação e produção artísticas;
2 – a pesquisa cultural: olhando e conhecendo a comunidade à sua volta;
3 – a sistematização de descobertas, por meio de diferentes registros, como forma de
preservação da cultura;
4 – o diálogo constante da cultura local com a universal, ampliando o horizonte
cultural de todos os envolvidos e enriquecendo o processo de aprendizagem na escola.
Desta forma, as produções culturais das comunidades camponesas deveriam estar em
constante contato com a realidade e as manifestações culturais ditas urbanas. É vital não
continuar tratando uma cultura como inferior à outra. Ao contrário, é essencial agregar sentido
à existência de ambas, posto que nenhuma cultura é pura, mas híbrida. Se não é pura, toda
1
Maria Augusta Bittencourt é mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e membro da Fundação Darcy Ribeiro
(Fundar-RJ). Autora do livro "Panorama Darciliano na Animação Cultural como via de mão dupla entre escola e
comunidade”. Esteve em Campos no início de 2009, em evento de Qualificação Profissional para Animadores Culturais
promovido pela Secretaria Municipal de Educação, ocasião em que conversamos com a autora pessoalmente.
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cultura é resultado das misturas entre diferentes modos de fazer cultural. Daí a importância
desta troca e da valorização de todas.
A obra produzida por Darcy Ribeiro destaca, ainda, que o animador cultural surgiu
para sistematizar projetos nascidos na escola, compartilhando-os com toda a comunidade
escolar, desconstruindo estereótipos e preconceitos; surgiu para articular esse conjunto de
ideias ao desenvolvimento do currículo do aluno, integrando-o ao projeto político pedagógico
das escolas e à comunidade em que vive, ou seja, seu entorno, garantindo a continuidade de
sua história. Por fim, a concepção darciliana afirma que esse profissional deveria estabelecer
pontes entre a cultura do aluno, seu trabalho, as produções artísticas de diferentes épocas e
contextos socioculturais; além de garantir aos alunos o direito de produzir e desfrutar dos
conhecimentos artísticos que fazem parte da história do homem.
1.4-Leis e decretos: país, estado e município de Campos dos Goytacazes
Não há, em nível federal, lei que trate da função dos Animadores Culturais. Esta foi
criada por meio da lei estadual 2.162/93, conforme já mencionado. Desde então, os
profissionais que atuam nessa área buscavam o reconhecimento e o regulamento da profissão
para terem seus direitos assegurados. Porém, a lei que autoriza o governo estadual a criar o
quadro de carreira de Animador Cultural, na rede pública de ensino, é muito recente. Trata-se
da lei número 5.608, de 18 de dezembro de 2009, que determina que o cargo deveria ser
preenchido exclusivamente por concurso público de provas e títulos.
O caminho até a regulamentação foi árduo. Inicialmente, o projeto que autoriza a
criação do cargo fora vetado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Embora a Secretaria de Estado de Educação reconhecesse a importância do Animador
Cultural como categoria da educação, no aspecto legal, os profissionais ainda não tinham seus
direitos assegurados.
No município de Campos dos Goytacazes, no Norte do estado do Rio de Janeiro, o
reconhecimento chegou primeiro. A lei que permitiu a criação do concurso público para o
cargo no município campista é a de número 7.339, de 27 de dezembro de 2002. Campos foi,
portanto, a primeira cidade do país a ter o concurso público para essa função. Porém, dos
candidatos, exigiu-se, apenas, formação em nível de primeiro grau, não sendo necessária
nenhuma formação específica para a prática dessa atividade, reafirmando sua desvalorização.
Atualmente, são 96 profissionais. Das 102 unidades escolares situadas em áreas rurais
do município, apenas 11 dispõem de um animador cultural, enquanto na área urbana há 64 em
atuação. Os demais profissionais estão exercendo outras funções na estrutura administrativa
do governo municipal (Fonte: Secretaria Municipal de Educação-2013).
11
2-MEMÓRIA: RIQUEZA DE UM POVO QUE DEVERIA SER
PRESERVADA
É urgente que os animadores culturais percebam que a memória de um povo é a sua
riqueza e, portanto, deve ser preservada. A construção da identidade é um fenômeno no qual
paira a necessidade de negociação entre os elementos individuais no seu tempo. É um
fenômeno produzido em referência aos saberes construídos em relações dialéticas que fazem
rupturas entre as certezas e as verdades sobre os seres e as coisas. Dentre os mecanismos de
construção da identidade, é possível entender a relação entre os elementos da história e a
memória. Possivelmente, ganham destaque os fatos sociais preservados por documentos,
sejam elementos, livros, esculturas, gravuras, músicas e outros essencialmente construídos
pelo homem.
Pelo ponto de vista cultural e ideológico, é necessário tratar o grupo em que o sujeito
está situado. De acordo com Leroi-Gourhan, a memória não é uma propriedade da
inteligência, mas a base, seja ela qual for, sobre a qual se inscrevem as concatenações de atos
(LEROI-GOURHAN 1981-1983). Neste sentido, a identidade passa pela própria relevância
social, na qual a memória deixa de ser um fenômeno individual, passando a elemento
constitutivo do processo de construção de identidades coletivas.
Maurice Halbwachs questiona como uma sociedade, qualquer que seja, poderia existir,
substituir, tomar conhecimento de si mesma, “se ela não considerar um conjunto de
conhecimentos do presente e do passado, se ela não pudesse reconstruir o curso do tempo e
recuperar incessantemente os traços que deixou de si mesma?” (HALBWACHS, 2004, p. 16).
Nesta linha, Le Goff (2003, p. 433) defende que “não podemos esquecer os
verdadeiros lugares da história, aqueles onde se devem procurar não a sua elaboração, não a
produção, mas os criadores e os denominadores da memória coletiva”. Do ponto de vista de
Ana Maria Mauad (1990), a memória “co-dividida” está cada vez mais se tornando objeto da
História, na medida em que está recuperando o papel do indivíduo nos processos sociais.
A memória é para Mauad (1990) a necessidade que as sociedades (que saem de
períodos autoritários e traumáticos) têm de fazer lembrar. É a partir de sua transformação em
algo plural - quer seja a partir da trajetória dos indivíduos, como as biografias sociais; quer
seja através da vida em comunidade; quer seja através de conflitos ou até mesmo dos
monumentos, que são os lugares de memória – que ela se torna objeto da história. “Ela é
alguma coisa sobre a qual a História se debruça para poder estudar e entender melhor”. Ela
constrói identidade, cria significado e cria coesão de grupo.
A obra de Maurice Halbwachs (2004, p.15-17) afirma que a memória individual existe
sempre a partir de uma memória coletiva, posto que todas as lembranças são constituídas no
interior de um grupo. A origem de várias ideias, reflexões, sentimentos, paixões que
atribuímos a nós são, na verdade, inspiradas pelo grupo, na concepção dele. A memória
individual é, segundo ele, construída a partir das referências do grupo e das relações mantidas
12
com outros meios. Refere-se a “um ponto de vista sobre a memória coletiva”. Halbwachs
aponta que as lembranças podem, a partir desta vivência em grupo, ser reconstruídas ou
simuladas. A lembrança “é uma imagem engajada em outras imagens”; “é uma reconstrução
do passado com a ajuda de dados emprestados do presente e, além disso, preparada por outras
reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já
bem alterada”.
Ele acrescenta que os quadros coletivos da memória não se resumem em datas, nomes
e fórmulas que eles representam, correntes de pensamento e de experiência no quais
reencontramos nosso passado, porque este foi atravessado por isso tudo. A memória apoia-se
sobre o “passado vivido”, o qual permite a constituição de uma narrativa sobre o passado do
sujeito de forma viva e natural, mais do que sobre o passado apreendido pela história escrita
(HALBWACHS, 2004).
A memória coletiva é pautada na continuidade e deveria ser vista sempre no plural,
como defende Halbwachs: memórias coletivas. Ora, justamente porque a memória de um
indivíduo ou de um país está na base da formulação de uma identidade, que a continuidade é
vista como característica marcante.
O cenário entre o passado histórico e as perspectivas de futuro será o lugar por onde
transitará a memória na construção da identidade. Assim, ao analisarmos a sociedade, em
qualquer de suas camadas, reconhecemos que esta sempre procurou preservar costumes,
lendas e tradições, como parte de sua vida, que necessariamente, um dia se tornou uma
identidade pessoal ou mesmo coletiva.
Compartilhando do mesmo pensamento, Henri Bergson (1999, p.155-208) enfatiza
que as lembranças constituídas do indivíduo determinam a preservação de nossa memória.
Essencialmente fugazes, elas só se materializam por acaso, seja porque uma determinação
acidentalmente precisa da nossa atividade corporal as atraia, seja porque a indeterminação
mesma dessa atitude deixe o campo livre ao capricho de sua manifestação.
Logo, a Memória não pode ser tratada apenas como algo do passado, é um fenômeno
que traz em si um sentimento de continuidade e de coerência, seja ela processada de maneira
coletiva ou de maneira individual. Mas é necessário considerar a memória individual, como
um dos elementos para compreensão da identidade de um povo. Não se trata de um processo
ímpar, solitário, mas resultado das relações sociais, que contribuem para uma maior
visibilidade e construção de uma memória mais ampla, representada pela memória da
sociedade na qual o próprio indivíduo reside.
É possível, pois, definir que as identidades residem em um passado histórico, com o
qual elas continuam a manter elos fortes e contínuos. Compreende-se a confiabilidade
depositada quando são utilizados elementos historiográficos e jornalísticos para
compreendermos aquilo que podemos chamar de atualidade-identidade. Como pontua Stuart
Hall, as identidades surgem da narrativização do eu, mas a natureza necessariamente ficcional
desse processo não diminui, de forma alguma, sua eficácia discursiva, material ou política,
“mesmo que a sensação de pertencimento esteja, em parte, no imaginário e, portanto,
13
construída na fantasia ou, ao menos, no interior de um campo fantasmático” (HALL, 2000, p.
109).
3-POR UMA ANIMAÇÃO CULTURAL QUE PRESERVE A MEMÓRIA
DAS COMUNIDADES RURAIS
Percebemos que nas escolas visitadas, no interior do nosso município, os alunos não
têm conhecimento da origem das produções agrícolas de seus próprios pais e familiares e da
importância que este fato tem para o contexto sócio-cultural a que pertencem. A tradição
familiar é, não raras vezes, deixada de lado, em consequência da desvalorização da memória
coletiva.
Em Espírito Santinho, por exemplo, 13º distrito de Campos, a agricultura gira em
torno de diversos produtos como a marmelada, arroz e pimenta, entre outros. No entanto,
muitas crianças desconhecem a importância e a riqueza dessa produção que, muitas vezes,
ganha o mundo, com a economia de exportação. Este seria um espaço propício para os
Animadores Culturais trabalharem a memória individual e a memória coletiva dessa
comunidade, ajudando-a a explorar, conhecer e estimular sua cultura e história locais e, ao
mesmo tempo, a conhecer a cultura do outro. O trabalho até começou a ser desenvolvido, não
pelos Animadores Culturais, e sim pelo departamento de Educação do Campo da Secretaria
Municipal de Educação, que, em 2009, realizou ciclos de formação para professores que
atuam em áreas rurais, tendo sua culminância com a Festa da Educação e Cultura
Camponesas.
A festa que aconteceu em Espírito Santinho reuniu escolas de diversas localidades da
região e contou com exposição de trabalhos artesanais, de comidas e bebidas típicas de áreas
rurais e da cultura camponesa. Os alunos das unidades escolares fizeram apresentações
musicais enfocando a cultura do campo e degustação de pratos típicos do interior. Porém,
ainda assim, esta prática não garantiu a continuidade dos trabalhos, de modo que a aplicação
destes conteúdos e dessa didática fosse construída no dia a dia dos alunos, de forma
transversal, como propõe a LDB. Ao contrário, é uma didática com data e horário para
começar e terminar. A única participação dos Animadores Culturais se deu por meio da
apresentação do espetáculo teatral "Cordel das Festas Populares", em parceria com a
Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, cuja peça tem o mesmo enredo e texto para
todos os lugares por onde se apresenta.
Nelson Marcellino demonstra sua preocupação em praticar uma animação, na escola,
que não se restrinja apenas ao lúdico, em seu termo mais simples. Ele propõe a não restrição
da natureza do lúdico a uma esfera de atividade determinada, com caráter de imitação. O autor
destaca a importância de optar por uma abordagem do lúdico não de forma isolada nessa ou
naquela atividade (brinquedo, festa, jogo ou brincadeira), mas como um componente da
cultura historicamente situada (MARCELLINO, 1989).
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Fato é que alguns Animadores Culturais acabam por manter essa postura, explorando,
apenas, a parte abstrata que envolve a animação. Para ele, essa situação contribui para que a
escola caia na armadilha de uma análise meramente ideológica e embasadora de propostas que
reforçam a situação vigente da educação no país, principalmente a ofertada no campo. O autor
aposta na pedagogia que utilize o componente lúdico da cultura, a partir de sua manifestação
nas relações sociais.
Durante visitas feitas em outras escolas das redes municipal e estadual de ensino, foi
possível constatar que o lazer também é considerado a partir de uma perspectiva utilitarista,
ao contrário do que propõe Marcellino (1987). Ele defende que o lazer seja aplicado de forma
que se elimine sua instrumentalização e que se reconheçam suas potencialidades como um
tempo de vivência de novos valores, questionadores da realidade social. Realidade essa que os
alunos das escolas visitadas desconhecem.
Em São Sebastião, por exemplo, 4º distrito de Campos, na Baixada Campista, não há,
no planejamento pedagógico das unidades escolares, a inserção de conteúdos que garantam a
sustentação da memória. As crianças pouco sabem sobre a tradicional festa de São Sebastião
que, em 2010, completou 300 anos.
De acordo com a pedagoga do Colégio Estadual Leôncio Pereira Gomes, Mônica
Maciel, o processo histórico-cultural da localidade não é inserido no conteúdo escolar, como
determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96), quando trata da
transversalidade de conteúdos. A realidade é confirmada por alunos da escola. Ela lembra que
há, apenas, alguns trabalhos pontuais, como ocorreu na ocasião da elaboração de um jornal
escolar, por conta das comemorações dos 50 anos do Colégio, em 2003. No entanto, alunos
dos anos seguintes não tiveram acesso ao material produzido.
Outro trabalho de estimulação da produção local partiu da iniciativa da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) e não da própria escola. Trata-se do
Projeto Arte, Educação e Cidadania, que desenvolveu a Oficina de Arte Cerâmica "Caminhos
de Barro”, no ano de 2000, no âmbito do Centro de Ciências do Homem (CCH) da UENF,
com a expectativa de criar um espaço alternativo e privilegiado para a educação e a formação
artística, cultural e técnica da comunidade do município. Mas a escola não é ainda a principal
fomentadora de interesse na preservação da memória individual e da memória coletiva das
comunidades.
Outro exemplo que ilustra o desconhecimento da história local pela comunidade
ocorre no distrito de Santo Amaro (3º distrito), também na Baixada Campista. A festa da
localidade é a segunda mais antiga do município. No entanto, esta ainda é uma realidade
bastante distante do ambiente escolar, fato confirmado pela própria pedagoga da Escola
Municipal Coronel Antônio Batista, de Santo Amaro. Ela afirmou que apesar de 50% dos
alunos da unidade escolar estarem direta ou indiretamente ligados às festividades locais, o
tema não é inserido no processo pedagógico, principalmente pelo fato de a festa ser celebrada
em janeiro, época em que os alunos estão em férias escolares.
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Segundo a pedagoga, apenas em 2009, um projeto da Secretaria Municipal de
Educação, o Projeto Raízes, resgatou a história da Cavalhada com os alunos da Educação de
Jovens e Adultos (EJA), somente. Não houve envolvimento dos demais alunos do Ensino
Fundamental regular e do departamento de Animação Cultural. Não há, pois, diálogo entre os
conteúdos aplicados e a história local. Apesar dessa história estar entre os pertencimentos dos
profissionais da unidade escolar, ela é pouco abordada inclusive por eles e, por isso, corre o
risco de ser perdida, a partir do momento em que os alunos não são provocados a se
interessarem por ela.
O estudante Anderson da Silva Costa, 15 anos, é um dos cavaleiros mais novos e tudo
o que sabe sobre a Festa de Santo Amaro e sobre a história local aprendeu em casa. O pai,
Joel Costa, 47 anos, é agricultor e o capitão da Cavalhada. Seu avô, Francisco Manoel, 82
anos, também foi cavaleiro e sua mãe, Joziane Ribeiro da Silva, participa dos festejos, através
da ornamentação, confeccionando os adereços dos cavalos. O adolescente estudou até 2009
em Santo Amaro e, atualmente, estuda na Escola Municipal Olavo Saldanha, em Boa Vista. É
ele o último a se posicionar na Cavalhada, intencionalmente, a fim de orientar os demais
cavaleiros durante as apresentações. “Não ouço falar sobre isso na minha escola, aprendi tudo
com meu pai e meu avô”, disse.
O animador Fabrício de Souza, por exemplo, está há 6 anos exercendo a função na
rede municipal e confessa que, somente há 2 anos, despertou para as atribuições do AC.
“Entrei na rede municipal sem saber direito qual era minha função. Não tinha nenhum projeto
consolidado, fazia qualquer coisa”, ressaltou Fabrício.
Neste âmbito, é importante retomar as palavras de Marcellino (1989), quando ele
afirma que a manifestação do componente lúdico da cultura na educação vai além de propor
um instrumento leve e eficaz para facilitar o processo de aprendizagem, através dos conteúdos
culturais. É, na verdade, uma questão de participação cultural, ou seja, permitir que os alunos
usufruam e criem cultura, transformando-os em seres críticos e criativos de sujeitos
historicamente situados.
O lúdico deveria ser visto como processo e não como produto da Educação do Campo.
A esse respeito, Walter Benjamin (1984) destaca o jogo, que é, para a criança, o que o
trabalho significa para o adulto. Segundo ele, a aprendizagem direcionada para a aquisição,
para o domínio de uma matéria determinada, pode ser adequada apenas se os adultos
participam do processo, não para a criança, para quem o aprendizado faz parte de uma vida
encarada como uma grande aventura. O verdadeiro saber para a criança está no prazer do jogo
e na vontade de banir o horror com que as primeiras letras e algarismos, travestidos em ídolos,
apresentam-se às crianças.
A proposta é permitir a vivência do lúdico, por meio das práticas de Animação
Cultural, para a valorização da cultura e da memória coletiva, a partir, inclusive, da própria
cultura existente nessas camadas populares do interior e não de uma animação
instrumentalizada para “facilitar” o “inculcamento” de uma cultura pretensamente superior. O
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processo educativo, como um todo, e a prática do animador cultural deveriam recuperar não
apenas o conteúdo, mas também a forma das situações em que o brincar acontece.
Mais importante ainda é que esse profissional considere a cultura dos indivíduos
dessas comunidades rurais, seu entorno e seus pertencimentos, caso contrário, ele estaria
provocando a negação e o desrespeito à sua cultura, o que significa negar o próprio indivíduo.
Essa atitude é, na opinião de Rubem Alves, a “crueldade dos grandes contra os pequenos, em
benefício daquilo que elas poderão ser um dia, se caírem nas armadilhas que os desejos dos
grandes para elas armam” (apud BENJAMIN, 1984).
O sujeito e sua cultura de comunidades rurais precisam ser levados em conta no
processo de aprendizagem, tanto considerando os conteúdos quanto as formas. Como propõe
Marcellino (1989), a educação não deveria ser apenas conhecimento, mas também “reconhecimento”. E, para isso, é preciso não desvincular a ação educativa da cultura do povo do
interior, que ele próprio desconhece porque se encontra apartado dela. Esse pesquisador vai
adiante e afirma que só o re-conhecimento não basta. A educação implica também no
posicionamento frente ao reconhecimento, no questionamento e no exercício da recriação do
elemento dado.
A Animação Cultural não deveria, portanto, ser considerada elemento complementar
às disciplinas tão somente, nem elemento suavizador do processo de aprendizagem ou, ainda,
um abrandamento do controle, dentro de uma perspectiva moralizante. Não deveria ter um
caráter utilitarista - para a busca da eficiência educacional através de formas amenas de
transmissão de conteúdos – (MARCELLINO, 1989). Ao contrário, deveria ser uma prática
pedagógica que relacione a necessidade de trabalhar para a mudança do futuro, através da
ação no presente, e a necessidade de vivenciar todo o processo de mudança, sem abrir mão do
prazer (MARCELLINO, 1987).
Deveria, ainda, rejeitar determinismos, atuando, assim, numa posição política contra
os dogmatismos, abrindo espaço para questionamentos de poder que queiram imperar
principalmente sobre as comunidades rurais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação do Campo precisa ser tratada de maneira permanente, sendo a escola e a
preservação da memória das comunidades do campo um direito de todas as pessoas. Trata-se
de um elemento básico para construção do conhecimento universal. E, por fim, a escola
deveria se empenhar em diminuir as diferenças sociais, romper barreiras, derrubar dogmas e,
claro, cercas de arame de qualquer natureza. Para isso, a Animação Cultural pode ser uma
mediadora dessa ação.
A atividade do animador cultural deveria tomar por base as características do
hibridismo cultural, que absorve influências e contribuições, mas sem eliminar a história das
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tradições, como pondera Neide Duarte, ao defender a preservação das tradições culturais que
caracterizam as sociedades de todos os tempos. Para ela, a tradição fundamenta a realidade;
mas a possibilidade de transformação é a possibilidade da própria vida, e a escola deveria ser
contemporânea de si mesma.
A Animação Cultural deveria criar uma ponte de mão dupla entre a escola de
comunidades rurais e a vida comunitária, reunindo os saberes dos alunos, dos pais, vizinhos,
professores e demais atores na construção da educação. Novos estilos de vida estão surgindo a
cada momento e, com isso, alguns costumes são preservados, outros se perdem. Cabe a nós,
seres sociais, firmar um sistema de valores e de códigos culturais que permaneça, para tornar
o convívio entre os novos homens mais ético e solidário, minimizando as desigualdades
culturais, sociais e econômicas.
É por essa razão que o animador cultural precisa provocar a ação expressiva do aluno,
propondo modos de mediar a relação com os grupos, suscitando a troca. A história do homem
do campo está no próprio campo, ou seja, não é oferecendo apenas a cultura que a mídia
impõe - a de massas - que o aluno das comunidades camponesas conseguirá preservar sua
história, sua memória, sua identidade.
O conceito de cultura, em diferentes graus, privilegia certas manifestações humanas
em detrimento de outras. Este tipo de postura, mesmo com a mais bem intencionada das
proposições, carrega consigo uma tendência delimitadora e excludente de cultura. Para os
Estudos Culturais, as manifestações culturais não devem sofrer restrições ou preconceitos,
mas devem ser encaradas como processo de conflito e tensão inerentes às relações sociais,
posicionando-se, assim, de forma ativa e crítica e, evitando, por um lado, os pré-juízos
característicos de uma inclinação mais extremista; e, por outro, uma atitude de passividade,
como se as relações sociais fossem dadas e naturais e não construções históricas.
Se cultura é um conjunto de normas, valores, lutas, tensões, discursos e demais
manifestações e realizações humanas, que constituem o legado histórico da sociedade não se
deve valorizar uma manifestação ou realização humana preconceituosamente, mas com ela,
por ela e a partir dela deve se debruçar criticamente buscando o que cabe, ainda, pensar
(PEREIRA, 2005).
Deste modo, a Animação Cultural não nasceu para ser ou produzir uma atividade
conformista, confortadora e conservadora, pois o seu cerne é a cultura como um campo de
conflito e tensão; e nem preconceituosa, imediatista e unilateral, uma vez que não existe uma
manifestação cultural que seja previamente estabelecida como boa ou ruim, verdadeira ou
falsa. Enfim, a Animação Cultural deveria ser uma intervenção pautada na ideia de mediação
cultural, isto é, com o objetivo de atuar no âmbito dos conflitos, tensões e lutas que marcam a
vida em sociedade, e que busca contribuir para reflexões mais aprofundadas acerca das
possibilidades e potencialidades da vida humana (MELO, 2004). O que se procura é a
valorização da escola como centro de cultura e de preservação da memória da nossa gente, do
nosso povo.
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