UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL À EDUCAÇÃO BÁSICA NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DO MOBRAL AO PROEJA: CONHECENDO E COMPREENDENDO AS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS Angela Curcio Horiguti Orientador: Profª. Daniela Brun Menegotto Bento Gonçalves 2009 FICHA CATALOGRÁFICA ___________________________________________________________________________ H811d Horiguti, Angela Curcio Do MOBRAL ao PROEJA: conhecendo e compreendendo as propostas pedagógicas / Angela Curcio Horiguti ; orientadora Daniela Brun Menegotto. – Bento Gonçalves, 2009. 23 f. Trabalho de conclusão (Especialização) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Curso de Especialização em Educação Profissional integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, 2009, Porto Alegre, BR-RS. 1. Educação. 2. Educação profissional. 3. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 4. PROEJA. 5. MOBRAL – PROEJA – Propostas pedagógicas. I. Menegotto, Daniela Brun. II. Título CDU 374.7 _____________________________________________________________________________ CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação. (Jaqueline Trombin – Bibliotecária responsável - CRB10/979) DO MOBRAL AO PROEJA: CONHECENDO E COMPREENDENDO AS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS Angela Curcio Horiguti1 Daniela Brun Menegotto2 Resumo: O presente artigo pretende, através da pesquisa bibliográfica, uma comparação entre as propostas pedagógicas do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) e o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), com objetivo de analisar e compreender como são fundamentadas suas respectivas propostas pedagógicas. Num primeiro momento, procederemos abordando o “método” de Paulo Freire. Em seguida, faremos uma contextualização acerca do MOBRAL, prosseguiremos focalizando o PROEJA e como este é desenvolvido no IFRS (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Bento Gonçalves). Finalmente, faremos uma comparação entre o MOBRAL e o PROEJA. Palavras-Chaves: MOBRAL; PROEJA; PROPOSTA PEDAGÓGICA Abstracts: This article aims, through literature search, a comparison between the educational proposals of the Brazilian Literacy Movement (MOBRAL) and National Program for Integration of Professional Education with Basic Education in the Mode of Education Youth and Adults (PROEJA), aiming to analyze and understand how their proposals are based teaching. Initially, we approach the “method” of Paulo Freire. Then we'll contextualization about MOBRAL, continue focusing on the PROEJA and how it is developed in IFRS (Federal Office for Education, Science and Technology of Rio Grande do Sul Bento Gonçalves Campus). Finally, we will make a comparison between the MOBRAL and PROEJA. Key-Words: MOBRAL; PROEJA; EDUCATIONAL PROPOSAL 1. Introdução Para melhor compreensão da EJA - Educação de Jovens e Adultos empreendida atualmente, torna-se necessário o resgate do momento histórico em que houve a preocupação em se erradicar o analfabetismo no Brasil, através da utilização do “método” de Paulo Freire, e depois com a implantação do MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização, além de outros programas instituídos posteriormente. Em 1 Aluna do Curso de Especialização em Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada a Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2 Professora orientadora. Mestre em Educação pela Unisinos. Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Bento Gonçalves. algumas localidades, o MOBRAL foi adaptado, e utilizou-se inclusive das idéias do “método” de Paulo Freire, obtendo assim, melhores resultados. Acreditamos que o “método” de Paulo Freire e o MOBRAL baseiam-se em filosofias e metodologias totalmente opostas - enquanto o primeiro procura partir dos conhecimentos prévios dos alunos, levando em consideração suas experiências de vida, suas particularidades, e a partir destes pontos ocorre o trabalho com os conteúdos de ensino, no segundo, houve uma massificação e imposição dos conteúdos, sem atentar às diferenças regionais e singularidades dos alunos. Também cremos na hipótese de que podem ter ocorrido algumas variações na forma de aplicação do método proposto pelo MOBRAL, onde percebemos que também foi usado parcialmente ou totalmente, o “método” de Paulo Freire. Este contexto desencadeia o sucesso no que tange a alfabetização de jovens e adultos. Entendemos que não há elementos comuns entre as propostas pedagógicas do MOBRAL e do atual PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Desta forma, a pesquisa inicia-se a partir do seguinte problema: quais as diferenças existentes entre as propostas pedagógicas do MOBRAL e do PROEJA? Assim sendo, em nosso trabalho, procuraremos responder às seguintes perguntas, que nos auxiliarão a compreender o problema: • O “método” de Paulo Freire e o MOBRAL realmente baseavam-se em concepções pedagógicas antagônicas? • De que forma são fundamentadas as propostas pedagógicas do MOBRAL e do PROEJA? • Qual é a proposta pedagógica do PROEJA do IFRS – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – Campus Bento Gonçalves - ? Ela vai ao encontro do “método” de Paulo Freire? Portanto, nosso objetivo consiste em analisar e compreender as propostas pedagógicas do MOBRAL e do PROEJA, comparando a concepção pedagógica de cada uma delas. Além disso, procuramos entender a relação existente, ou seja, o que há de (in)comum entre as propostas pedagógicas do MOBRAL e do PROEJA. Desta maneira, nosso trabalho será realizado através da pesquisa bibliográfica sobre o assunto, e pela análise do plano de curso do atual PROEJA no IFRS – Campus Bento Gonçalves. Iniciaremos pela discussão do “método” de Paulo Freire, em seguida pela contextualização do MOBRAL, de forma a compreender a proposta pedagógica da época, e, em seguida, trataremos do PROEJA, procurando entender, a partir da proposta apresentada no plano do curso Técnico em Comércio e Serviços do IFRS – Campus Bento Gonçalves, como o mesmo está fundamentado. 2. O “método” de Paulo Freire Brandão (1986) explica que o “método” pedagógico de Paulo Freire é fundamentado na noção de que a educação deve se desenvolver através do intercâmbio entre as pessoas, não como um depositar do conhecimento feito por aquele que se coloca como detentor deste, e sim uma ação feita em conjunto, de forma solidária e amorosa. Desta forma, o autor enfatiza: “De um lado e do outro do trabalho em que se ensina-e-aprende, há sempre educadores-educandos e educandos-educadores. De lado a lado se ensina. De lado a lado se aprende.” (pg. 22). Assim, a fase inicial do método consiste em se proceder a uma pesquisa sobre, como o próprio Paulo Freire denomina, o “universo vocabular”, ou “universo temático”, que é o conjunto de fala pertencente à cultura do grupo, que será investigado pelos educadores, envolvendo para tal perguntas sobre a vida, fatos, maneiras de compreensão do mundo e da realidade que cerca o povo de uma localidade com o qual será desenvolvido o trabalho educacional, para se descobrir as palavras mais utilizadas e de maior relevância deste grupo. De acordo com Brandão (1986): O que se descobre com o levantamento não são homens-objeto, nem é uma “realidade neutra”. São os pensamentos-linguagens das pessoas. São falas que, a seu modo, desvelam o mundo e contêm, para a pesquisa, os temas geradores falados através das palavras geradoras. (BRANDÃO, 1986: 27). Segundo Brandão (1986), a pesquisa do universo temático não deve ser somente para que se obtenha o material para se iniciar a alfabetização, mas também para se vislumbrar a forma como a realidade é compreendida pelo grupo, no imaginário das pessoas, servindo para tanto, como forma de desvelamento comum. De acordo com Gadotti (2004), a escolha das palavras geradoras baseiase na importância e significado para o grupo, e que também contenham o conjunto de fonemas da língua portuguesa. Como afirma o autor: Essas palavras deviam codificar (representar) o modo de vida das pessoas do lugar. Mais tarde, elas seriam decodificadas, e a cada palavra seria associado um núcleo de questões ao mesmo tempo existencial (questões ligadas aos determinantes sociais das condições de vida). Assim, por exemplo, para a palavra geradora governo, podiam ser discutidos os seguintes temas geradores: plano político, poder político, o papel do povo na organização social, participação popular. (GADOTTI, 2004: 35). Desta maneira, partindo-se do universo vocabular dos educandos, compõe-se assim o conjunto de palavras geradoras, a partir das quais inicia-se o processo de alfabetização. Como nos demonstra Freire (1975): Palavras Geradoras 1) FAVELA – Necessidades fundamentais: a) Habitação b) Alimentação c) Vestuário d) Saúde e) Educação (...) Analisada a situação existencial que representa em fotografia, aspecto de uma favela e em que se debate o problema da habitação, da alimentação, do vestuário, da saúde, da educação, numa favela, mais ainda, em que se descobre a favela como situação problemática, se passa à visualização da palavra, com a sua vinculação semântica. Em seguida: um slide apenas com a palavra FAVELA Logo depois: outro, com a palavra separada em suas sílabas: FA-VE-LA Após: a família fonêmica: FA-FE-FI-FO-FU Segue-se: VA-VE-VI-VO-VU Em outro slide: LA-LE-LI-LO-LU Agora, as três famílias: FA-FE-FI-FO-FU) VA-VE-VI-VO-VU) Ficha da Descoberta LA-LE-LI-LO-LU) O grupo começa então a criar palavras com as combinações à sua disposição. (FREIRE, 1975: 146). Como ilustra Gadotti (2004), este método foi inicialmente aplicado no ano de 1962, em Angicos – RN, com a alfabetização de 300 trabalhadores rurais em apenas 45 dias, e em seguida o governo federal convidou Freire para elaborar um programa nacional de alfabetização de adultos, sendo que em 1964 havia a previsão de criarem-se 20 mil círculos de cultura para alfabetização de 2 milhões de pessoas, projeto este interrompido pelo golpe militar. Gadotti (2004) esclarece que: A rigor não se poderia falar em “método” Paulo Freire pois se trata muito mais de uma teoria do conhecimento e de uma filosofia da educação do que de um método de ensino. Apesar de tudo, Paulo Freire acabou sendo conhecido pelo método de alfabetização de adultos que leva seu nome, chame-se a esse método sistema, filosofia ou teoria do conhecimento. (GADOTTI, 2004: 32). Sobre a pedagogia freireana, Bello (1993a) expõe as seguintes considerações: Paulo Freire concebe educação como reflexão sobre a realidade existencial. Articular com essa realidade nas causas mais profundas dos acontecimentos vividos, procurando inserir sempre os fatos particulares na globalidade das ocorrências da situação. Aprendizagem da leitura e da escrita equivale a uma releitura do mundo. Ele parte da visão de um mundo em aberto, isto é, a ser transformado em diversas direções pela ação dos homens. (BELLO, 1993a). O autor salienta que a pedagogia de Freire possibilita o desencadeamento da reflexão sobre o mundo, onde tanto professores quanto alunos atuam como (re) construtores do conhecimento. Através do diálogo, da ação e do pensamento crítico, ocorre a conscientização. Assim sendo, a atuação pedagógica é realizada no meio social dos alunos. A conscientização é fundamentada no amor e na humildade, onde a elite e o povo necessitam estar no mesmo nível de igualdade para refletir e dialogar juntos. Ainda, o processo de ensino e de aprendizagem é entendido como permanente e compreendido pela incompletude do saber absoluto. Bello (1993a) reforça ainda que é necessária a esperança para que no encontro pedagógico professores e alunos descubram possibilidades de tornar o mundo melhor, onde a reflexão e a ação sejam produzidas em conjunto, mantendo a fé de que todos são construtores do mundo. Ainda, Jannuzzi (1983) diz que o “método” de Freire, ... emprega os processos mentais de análise e síntese durante a alfabetização de adultos, juntamente com a problematização da situação existencial em que vive o alfabetizando (...) Então, problematização, análise e síntese são etapas do processo pedagógico de Paulo Freire. ( JANNUZZI,1983: 36). De acordo com a autora: “O primeiro passo é a captação da linguagem do povo, pois é impossível diálogo sem essa linguagem comum.”(pg.42). Segundo a autora, Freire conceitua seu método como dialógico, em que: “o diálogo é o encontro horizontal, isto é, em que todos se disponham a se comunicar sem que nenhum sinta-se superior ao outro.” (pg. 37). E como nos ensina de forma sublime Freire (1988): ... não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. (...) Sem ele não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação. ( FREIRE, 1988: 82, 83). Consequentemente, de acordo com Freire, é a partir da busca do conhecimento, mediada pelo diálogo, que inicia-se o processo de educação pela prática da liberdade. Segundo ele: “É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores.” (pg. 87). Ainda segundo o querido mestre Paulo Freire (1988): Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos -, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. (FREIRE, 1988: 83, 84). A pedagogia freireana baseia-se na premissa fundamental de que, como diz sabiamente Freire (1996): “Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” (pg. 47). Desta forma, o professor não pode considerar-se superior aos seus alunos, mas junto com eles, deve participar da construção do conhecimento. Ao ensinar, o professor também aprende com o processo de aprendizagem dos alunos. Afirma Freire (1996) que: “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.” (pg. 23). Neste sentido, sua pedagogia apoia-se na noção de que não pode haver a prática da docência sem que haja a discência. Ainda segundo Paulo Freire (1996): ... nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos. (FREIRE, 1996: 26). Desta forma, como descreve Jannuzzi (1983), o educador procura junto ao grupo de alunos captar os saberes que eles possuem, partindo dos elementos que fazem parte da realidade vivida por eles. Delimita-se a área a ser estudada e, em conversa com o povo, coloca-se claramente o que se pretende fazer. (...) O que se investiga é o pensamento-linguagem do povo. Pretende-se captar o nível de percepção da realidade, sua visão de mundo juntamente com o universo vocabular do grupo. Esta captação de sua visão é importante porque é a partir dela que se vai construir a codificação, isto é, a representação da situação existencial, que facilitando a objetivação da realidade, vai permitir que o diálogo em torno dela seja uma tomada de consciência, facilitando a emersão. (JANNUZZI, 1983: 42, 43). Como descreve Bello (1993a), as técnicas de preparação de material para a alfabetização seguindo o método freireano consistem em: Codificações, palavras geradoras, cartazes com as famílias fonêmicas, quadros ou fichas de descoberta e material complementar estão presentes nas sua pedagogia. Na pedagogia de Paulo Freire há uma equipe de profissionais e elementos da comunidade que se vai alfabetizar, para preparação do material, obedecendo os seguintes passos: a. levantar o pensamento-linguagem a partir da realidade concreta; b. elaborar codificações específicas para cada comunidade, a fim de perceber aquela realidade e, c. dessa realidade destaca-se e escolhe as palavras geradoras. Todo material trabalhado é síntese das visões de mundo educadores/educando. No método de Paulo Freire, a palavra geradora era subtraída do universo vivencial do alfabetizando. Em Paulo Freire a educação é conscientização. É reflexão rigorosa e conjunta sobre a realidade em que se vive, de onde surgirá o projeto de ação. A palavra geradora era pesquisada com os alunos. Assim, para o camponês, as palavras geradoras poderiam ser enxada, terra, colheita, etc.; para o operário poderia ser tijolo, cimento, obra, etc.; para o mecânico poderiam ser outras e assim por diante. (BELLO, 1993a). Para que ocorra a investigação do universo vocabular dos alunos, é necessário, segundo Jannuzzi (1983), que o educador interaja com eles, procurando conhecer seu modo de vida, de expressão e comportamentos típicos, e para isto é preciso que se estabeleça uma confiança mútua. Ainda segundo demonstra a autora: ... parte-se para a discussão em grupo: equipe de profissionais e elementos da comunidade. Aí as descodificações são analisadas, são colocadas as palavras que foram percebidas como as mais carregadas de sentido existencial. Parte-se para a escolha das palavras geradoras, assim chamadas porque darão origem a outras. Há critérios para a escolha dessas palavras: o da riqueza fonêmica, das dificuldades fonéticas. As palavras devem ser colocadas numa seqüência das menores dificuldades para as maiores, (...) selecionadas as palavras mais empregadas na região.” (JANNUZZI,1983: 43). Assim sendo, de acordo com a autora, a escolha das palavras geradoras não é ao acaso, mas sim deve se basear em termos de significado, da fonética e dificuldades, sendo que ainda devem fazer parte do contexto local, no qual os sujeitos da aprendizagem estão inseridos. 3. Contextualizando o MOBRAL De acordo com Corrêa (1979), o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização – foi implantado em dezembro de 1967, tendo como seu presidente Mário Henrique Simonsen, e iniciando-se as atividades em larga escala pelo país a partir de setembro de 1970. Seu objetivo geral era acabar com o analfabetismo, e também proporcionar a continuidade de estudos para jovens e adultos que não tiveram oportunidade de escolarização através da educação formal. Foi concebido para caracterizar-se através do envolvimento da comunidade dos municípios, por ações descentralizadoras, pelo apoio da iniciativa privada e também pelo financiamento através de recursos públicos. Como consta no PARECER CNE /CEB 11/2000: A partir de 1970, reestruturado, passou a ter volumosa dotação de recursos, provinda de percentual da Loteria Esportiva e sobretudo deduções do Imposto de Renda, dando início a uma campanha massiva de alfabetização e de educação continuada de adolescentes e adultos.(PARECER CNE/ CEB 11/2000: 48). Segundo Bello, O Movimento Brasileiro de Alfabetização - o MOBRAL surgiu como um prosseguimento das campanhas de alfabetização de adultos iniciadas com Lourenço Filho. Só que com um cunho ideológico totalmente diferenciado do que vinha sendo feito até então. Apesar dos textos oficiais negarem, sabemos que a primordial preocupação do MOBRAL era tão somente fazer com que os seus alunos aprendessem a ler e a escrever, sem uma preocupação maior com a formação do homem. Foi criado pela Lei número 5.379, de 15 de dezembro de 1967, propondo a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando 'conduzir a pessoa humana (sic) a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida'. Apesar da ênfase na pessoa, ressaltando-a, numa redundância, como humana (como se a pessoa pudesse não ser humana!), vemos que o objetivo do MOBRAL relaciona a ascensão escolar a uma condição melhor de vida, deixando à margem a análise das contradições sociais inerentes ao sistema capitalista. Ou seja, basta aprender a ler, escrever e contar e estará apto a melhorar de vida. (BELLO, 1993b). De acordo com Corrêa (1979), os objetivos do MOBRAL3 seguiam a proposta de Alfabetização Funcional, a qual baseava-se no desenvolvimento de 3 • • • • • • Os objetivos do Programa de Alfabetização Funcional do MOBRAL eram os seguintes: desenvolver nos alunos as habilidades de leitura, escrita e contagem; desenvolver um vocabulário que permita o enriquecimento de seus alunos; desenvolver o raciocínio, visando facilitar a resolução de seus problemas e os de sua comunidade. formar hábitos e atitudes positivas, em relação ao trabalho; desenvolver a criatividade, a fim de melhorar as condições de vida, aproveitando os recursos disponíveis; levar os alunos: habilidades específicas, tais como de leitura, escrita, cálculos matemáticos, raciocínio, e bons hábitos relacionados a promoção de melhorias das condições de vida em comunidade, com noções de cidadania e conservação dos bens públicos. Segundo Jannuzzi (1983): “O MOBRAL define seu método como: ‘...Eclético, baseado na decomposição das PALAVRAS GERADORAS’ (...), baseado em técnicas de Trabalho em grupo, em ajuda mútua e inserção comunitária.”(pg. 59). Ainda conforme a autora: O material didático é confeccionado por uma equipe central para ser usado em todo o território nacional. É elaborado de modo que ofereça oportunidade ao aluno de caminhar no processo de alfabetização dentro das operações mentais de análise e síntese, isto é, dentro das técnicas analítico-sintéticas. (JANNUZZI,1983: 63). Desta maneira, observamos que tanto no MOBRAL como no “método” de Paulo Freire ocorre o uso de técnicas analítico-sintéticas, porém no freireano também é realizada a problematização da realidade em que vivem os educandos, tornando possível assim, o desenvolvimento da conscientização, a partir da qual se pode gerar condições de que estes constituam-se como sujeitos, capazes de atuar modificando a realidade. Já com o método do MOBRAL, as palavras geradoras eram escolhidas pela equipe do MOBRAL Central, e utilizadas nas diferentes regiões do Brasil, através da distribuição da cartilha ou livro de leitura. Jannuzzi (1983) ressalta que: Como as palavras já têm um significado que deve ser absorvido adequadamente, as palavras geradoras, outro elemento que o MOBRAL usa para caracterizar seu método, não precisam ser captadas no meio onde o analfabeto vive. São as mesmas para o Brasil inteiro, estudadas pelo mesmo material didático. Justifica essa medida alegando que foram escolhidas palavras que exprimem as necessidades básicas do homem: sobrevivência, segurança, necessidades sociais e auto-realização. (JANNUZZI, 1983: 60). Assim, notamos que o método do MOBRAL não possibilitava a problematização acerca da realidade, mas sim demonstrava a preocupação em que os alunos aprendessem o significado determinado pela equipe do MOBRAL como apropriado das palavras. - a conhecerem seus direitos e deveres e as melhores formas de participação comunitária; - a se empenharem na conservação da saúde e melhoria das condições de higiene pessoal, familiar e da comunidade; - a se certificarem da responsabilidade de cada um, na manutenção e melhoria dos serviços públicos de sua comunidade e na conservação dos bens e instituições; - a participarem do desenvolvimento da comunidade, tendo em vista o bem-estar das pessoas. (Corrêa, A Lopes, org. A Educação de Massa e Ação Comunitária, 1979: 152). Os princípios metodológicos fundamentais do MOBRAL são: a funcionalidade (o trabalho de alfabetização a partir de palavras que expressem interesses e necessidades da comunidade a que pertencem seus alunos) e a aceleração (rápido processo de aprendizagem, pois o MOBRAL propunha alfabetização em cinco meses). O MOBRAL englobava os seguintes programas: • Programa de Alfabetização Funcional • Programa de Educação Integrada • Programa MOBRAL Cultural • Programa de Profissionalização • Programa de Educação Comunitária Para a Saúde • Programa de Diversificação de Ação Comunitária • Programa de Autodidatismo O Programa de Alfabetização Funcional do MOBRAL sugere uma série de procedimentos para o processo de alfabetização4. Podemos então observar que, desta forma, o MOBRAL empregava elementos utilizados no “método” de Paulo Freire, no que se refere aos processos de análise e síntese, iniciando o procedimento de alfabetização através do uso das palavras geradoras, apresentadas num cartaz junto com a respectiva figura ilustrativa, em seguida com a separação da palavra em sílabas e depois com a formação de novas palavras, através da junção das diferentes sílabas. O Programa de Educação Integrada foi elaborado visando dar continuidade ao Programa de Alfabetização Funcional, onde o aluno considerado já alfabetizado passava para uma outra etapa, onde é proporcionado o prosseguimento de seu processo educacional, sendo propostas atividades relacionadas às quatro primeiras séries do ensino fundamental. Segundo Corrêa (1979), para este Programa foram criados os seguintes objetivos gerais: 4 Procedimentos para o processo de alfabetização: apresentação e exploração do cartaz gerador; estudo da palavra geradora, depreendida do cartaz; decomposição silábica da palavra geradora; estudo das famílias silábicas, com base nas palavras geradoras; formação e estudos de palavras novas; formação e estudos de frases e textos.(Corrêa op.cit., 153). • • • • • • • propiciar o desenvolvimento da autoconfiança, da valorização da individualidade, da liberdade, do respeito ao próximo, da solidariedade e da responsabilidade individual e social; possibilitar a conscientização dos direitos e deveres em relação à família, ao trabalho e a comunidade; possibilitar a ampliação da comunicação social, através do aprimoramento da linguagem oral e escrita; desenvolver a capacidade de transferência de aprendizagem, aplicando os conhecimentos adquiridos em situações de vida prática; propiciar o conhecimento, utilização e transformação da natureza pelo homem, como fator de desenvolvimento pessoal e da comunidade; estimular as formas de expressão criativa; propiciar condições de integração na realidade sócio-econômica do país. (CORRÊA, 1979: 177/178). De acordo com o PARECER CNE/CEB 11/2000 – Homologado: Uma de suas iniciativas mais importantes foi o Programa de Educação Integrada (PEI) que, mediante uma condensação do primário, abria a possibilidade de continuidade de estudos para recém-alfabetizados com precário domínio da leitura e da escrita.(Parecer CNE/CEB 11/2000) O Programa MOBRAL Cultural era baseado em atividades culturais5 oferecidas aos alunos visando uma complementação pedagógica e sensibilização para o trabalho educacional. O Programa de Profissionalização, implantado a partir de 1973, visava a preparação para o trabalho, inclusive firmando convênios com algumas empresas, tais como o PIMPO – Programa Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra, Fundação Gaúcha do Trabalho, e também com Casas Sendas e Massey-Ferguson. Segundo Corrêa(1979): O objetivo geral, na época, definiu-se como o de oferecer meios à ascensão sócioeconômica do mobralense, através de informação e treinamento profissional, bem como criar oportunidades para o correto aproveitamento de suas potencialidades, considerando as condições peculiares do mercado de trabalho existentes nas diferentes regiões do país. (CORRÊA, 1979: 300). 5 Tendo em vista que através do Programa Cultural o MOBRAL possuía também o interesse de reforçar sua ação na área de alfabetização, tornava-se necessário agir de forma a: contribuir para atenuar ou impedir a regressão ao analfabetismo; reduzir a deserção dos alunos de alfabetização funcional; diminuir o número de reprovações; agir como fator de mobilização; incentivar o espírito associativo e comunitário; divulgar a filosofia do MOBRAL em atividades dirigidas ao lazer e das quais participaria o mobralense, em especial, e a comunidade em geral.(Corrêa, op.cit., 243). O Programa de Educação Comunitária Para a Saúde pretendia envolver tanto o aluno do MOBRAL como também a comunidade que ele pertencia, nas questões relativas à saúde. De acordo com Corrêa (1979), o Programa tinha o seguinte objetivo geral: “Propiciar a melhoria das condições de saúde das populações residentes na área de atuação do Programa, principalmente as mais carenciadas, através de trabalho de natureza educacional.”(pg. 314). O Programa Diversificado de Ação Comunitária tinha o objetivo de mobilizar a população para fazer o planejamento de ações específicas de sua comunidade. E conseqüentemente, o último era o Programa de Autodidatismo, destinado aos ex-alunos do MOBRAL e à comunidade, sendo que as pessoas deveriam transformar-se em agentes de sua educação conforme os objetivos6 do Programa. Uma das limitações apontadas por Bello (1993b) é que: O método do MOBRAL não parte do diálogo, pois concebe a educação como investimento, visando a formação de mão-de-obra com uma ação pedagógica prédeterminada. Isso faz impedir a horizontalidade elite e povo, colocando a discussão só nos melhores meios para atingir objetivos previamente estabelecidos pela equipe central. (BELLO, 1993b). Mediante o que foi exposto, podemos perceber que as propostas pedagógicas do “método” de Paulo Freire e do MOBRAL são embasadas em concepções pedagógicas antagônicas, pois, notamos que o método freireano é caracterizado pelo diálogo, que ocorre no encontro pedagógico entre professores e alunos, momento este que os coloca em igualdade como sujeitos que atuam construindo e reconstruindo o mundo, através da reflexão conjunta sobre a realidade. Acreditamos que é através do diálogo que ocorre a conscientização e sejam assim vislumbradas possibilidades de mudanças. Desta forma, podemos compreender que no “método” de Paulo Freire, a educação é vista como práxis social, onde professores e alunos buscam entender como é a realidade do mundo em que vivem, e a partir disto, refletindo e atuando conjuntamente, passam a ir transformando-se em sujeitos construtores de sua história. 6 Objetivos do Programa de autodidatismo: proporcionar alternativa educacional, através de atendimento numa linha de autodidaxia, às camadas menos favorecidas da população; ampliar a atuação do Posto Cultural, imprimindo-lhe características de uma agência de educação permanente, com programas voltados para um aperfeiçoamento constante da população. (Corrêa, op.cit.: 358). Em relação ao MOBRAL, percebemos que seu método não era baseado no diálogo, visto que no encontro pedagógico entre professores e alunos, notamos que não ocorria a problematização acerca da realidade, mas sim a preocupação no treinamento de habilidades, visando a preparação dos alunos para tornarem-se aptos às exigências do mercado de trabalho. Ou seja, percebemos que era para adequar os alunos à realidade já existente e somente treiná-los para atuarem nela, a partir do que podemos deduzir que o mundo já está pré-determinado, bastando que os educandos, oriundos de camadas sociais menos favorecidas, somente adquiram uma formação adequada, segundo os padrões estabelecidos pela elite dirigente, para com isto assegurar-se melhores condições de vida. 4. PROEJA: Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos O PROEJA foi criado através do Decreto 5.478 de 24 de junho de 2005, chamado Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, implantado na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, sendo que algumas destas instituições federais já praticavam ações no âmbito de educação profissional de jovens e adultos. Sentindo-se a necessidade de maior abrangência do Programa, o Decreto 5.840 de 13 de julho de 2006 revogou o anterior, passando a denominar-se PROEJA como Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, e possibilitando que fosse adotado também em instituições de ensino estaduais e municipais, assim como em entidades nacionais de serviço social, aprendizagem e formação profissional (instituições do sistema “S” - SESI, SESC, SENAI, SENAC), “... tendo como horizonte a universalização da educação básica, aliada à formação para o mundo do trabalho, com acolhimento específico a jovens e adultos com tragetórias escolares descontínuas.” (DOCUMENTO-BASE PROEJA, 2007:11). Assim, tornou-se o PROEJA um Programa Nacional, abrangendo a educação básica na modalidade EJA. Nesse sentido, o que realmente se pretende é a formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na vida e para a vida e não apenas de qualificação do mercado ou para ele.( DOCUMENTO -BASE PROEJA, 2007: 11, 12). Conforme consta em fonte do MEC, o PROEJA oferece os seguintes cursos: - Educação profissional técnica de nível médio com ensino médio, para pessoas que possuem ensino fundamental, e não possuem ensino médio, e que desejam obter título de técnico. - Formação inicial e continuada com o ensino médio, para pessoas que possuem ensino fundamental, porém ainda não possuem ensino médio, e desejam obter rápida formação profissional. - Formação inicial e continuada com ensino fundamental (5ª à 8ª Série ou 6º ao 9º ano), para pessoas que concluíram a primeira etapa do ensino fundamental. Os cursos do PROEJA podem ser na forma integrada (matrícula e currículo únicos) ou concomitante (ensino fundamental ou médio feito numa escola e ensino profissional em outra escola). A idade mínima para ingresso no curso é 18 anos, não havendo porém limite máximo de idade para matrícula. De acordo com o Documento-Base (2007), o PROEJA propunha-se a: “... atender à demanda de jovens e adultos pela oferta de educação profissional técnica de nível médio, da qual, em geral, são excluídos, bem como, em muitas situações, do próprio ensino médio.” (pg. 11). A proposta do PROEJA é fundamentada para a formação não somente para atender às demandas do mercado de trabalho, mas também almejando uma formação dos alunos para a cidadania, englobando os vários aspectos da vida, onde o aluno constitui-se como sujeito, através de seu trabalho, e assumindo papel ativo na construção de sua história. O Documento-Base PROEJA(2007), trata ainda: A concepção de uma política, cujo objetivo da formação está fundamentado na integração de trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral, pode contribuir para o enriquecimento científico, cultural, político e profissional das populações, pela indissociabilidade dessas dimensões no mundo real. Ademais, essas dimensões estão estreitamente vinculadas às condições necessárias ao efetivo exercício da cidadania. Assim, uma das finalidades mais significativas dos cursos técnicos integrados no âmbito de uma política educacional pública deve ser a capacidade de proporcionar educação básica sólida, em vínculo estreito com a formação profissional, ou seja, a formação integral do educando. A formação assim pensada contribui para a integração social do educando, o que compreende o mundo do trabalho sem resumirse a ele, assim como compreende a continuidade de estudos. Em síntese, a oferta organizada se faz orientada a proporcionar a formação de cidadãos-profissionais capazes de compreender a realidade social, econômica, política, cultural e do mundo do trabalho, para nela inserir-se e atuar de forma ética e competente, técnica e politicamente, visando à transformação da sociedade em função dos interesses sociais e coletivos especialmente os da classe trabalhadora.(DOCUMENTO-BASE PROEJA, 2007: 28). Ainda segundo o Documento-Base (2007) o PROEJA é norteado pelos princípios de: − inclusão: compreendida tanto pelo acesso de jovens e adultos que não finalizaram a educação básica, e por isto têm dificuldades de ingresso nas escolas, como também para analisar como ocorre a inclusão, e se esta garante que os alunos prossigam nas instituições educacionais; − inserção orgânica da modalidade EJA integrada à educação profissional nos sistemas educacionais públicos; − ampliação do direito à educação básica, pela universalização do ensino médio: compreendendo que a formação do homem necessita de um certo tempo para que se estabeleçam conhecimentos, e desenvolvendo maneiras de expressão e produção, possibilitando assim transformações na vida e no mundo; − trabalho como princípio educativo: entendendo a relação do ensino médio com o mundo do trabalho, baseada na noção de que as pessoas constituem sua condição humana através do trabalho; − pesquisa como fundamento da formação: constitue-se uma forma de gerar conhecimento e compreensão melhor sobre a realidade, também favorecendo a autonomia intelectual dos educandos; − condições geracionais, de gênero, de relações étnico-raciais como fundantes da formação humana e dos modos como se produzem as identidades sociais. De acordo com o Documento-Base (2007), o projeto político-pedagógico do PROEJA baseia-se na oferta de currículo integrado. O que se pretende é uma integração epistemológica, de conteúdos, de metodologias e de práticas educativas. Refere-se a uma integração teoria-prática, entre o saber e o saber-fazer. Em relação ao currículo, pode ser traduzido em termos de integração entre uma formação humana mais geral, uma formação para o ensino médio e para a formação profissional. (DOCUMENTO-BASE PROEJA, 2007:33). O projeto político-pedagógico do PROEJA fundamenta-se nos princípios de: a) A integração curricular visando à qualificação social e profissional articulada à elevação da escolaridade, construída a partir de um processo democrático e participativo de discussão coletiva; b) A escola formadora de sujeitos articulada a um projeto coletivo de emancipação humana; c) A valorização dos diferentes saberes no processo educativo; d) A compreensão e consideração dos tempos e espaços de formação dos sujeitos da aprendizagem; e) A escola vinculada à realidade dos sujeitos; f) A autonomia e colaboração entre os sujeitos e o sistema nacional de ensino; g) O trabalho como princípio educativo (Adaptado do documento Saberes da Terra, 2005, p. 22-24). (DOCUMENTO-BASE PROEJA, 2007: 38). A organização curricular do PROEJA, segundo o Documento-Base (2007), é elaborada através de um processo de construção contínua, envolvendo tanto professores como alunos, onde são valorizadas as experiências e saberes trazidos pelos alunos, e buscando-se atender as expectativas e demandas que estes revelem sentir quanto aos conteúdos a serem desenvolvidos. Ressalta o Documento-Base do PROEJA (2007) que: Portanto, o currículo integrado é uma possibilidade de inovar pedagogicamente na concepção de ensino médio, em resposta aos diferentes sujeitos sociais para os quais se destina, por meio de uma concepção que considera o mundo do trabalho e que leva em conta os mais diversos saberes produzidos em diferentes espaços sociais. Abandona-se a perspectiva estreita de formação para o mercado de trabalho, para assumir a formação integral dos sujeitos, como forma de compreender e se compreender no mundo. (Documento-Base do PROEJA 2007: 34 e 35). Desta maneira, de acordo com o Documento-Base do PROEJA (2007), o currículo vai sendo elaborado de acordo com o perfil dos educandos, levando-se em consideração de que tratam-se de jovens e adultos que apesar de não terem obtido condições de concluir a escolarização na época esperada, possuem saberes e experiências de vida que necessitam ser considerados como conhecimentos relevantes no processo de ensino e aprendizagem. Também o currículo precisa estar adequado às demandas das diferentes regiões e instituições onde são ministrados os cursos do PROEJA. Assim como é explicitado no Documento-Base do PROEJA (2007): A respeito da organização curricular, considera-se que a EJA abre possibilidades de superação de modelos curriculares tradicionais, disciplinares e rígidos. A desconstrução e construção de modelos curriculares e metodológicos, observando as necessidades de contextualização frente à realidade do educando, promovem a ressignificação de seu cotidiano. Essa concepção permite a abordagem de conteúdos e práticas inter e transdisciplinares, a utilização de metodologias dinâmicas, promovendo a valorização dos saberes adquiridos em espaços de educação nãoformal, além do respeito à diversidade. (Documento-Base do PROEJA 2007: 38). Podemos, a partir daqui, compreender como são fundamentadas as propostas pedagógicas do MOBRAL e do PROEJA. Percebemos que o MOBRAL concebia a educação como investimento, como preparação de mão-de-obra para atender às exigências do mercado de trabalho. Assim sendo, notamos que a proposta pedagógica do MOBRAL baseava-se nos aspectos da funcionalidade e da aceleração dentro do processo educacional. Acreditamos também que seu método pedagógico era baseado no antidiálogo, pois não ocorria a preocupação em se conhecer e valorizar os pensamentos-linguagem dos alunos, demonstrando-nos que não eram levadas em consideração as experiências, vivências e conhecimentos prévios acerca do mundo e da realidade dos educandos. Desta maneira, observamos então, que a proposta pedagógica do MOBRAL era fundamentada na noção de que educação é aquisição de informações, treinamento de habilidades, visando a preparação dos alunos para que estes pudessem tornarem-se aptos a serem melhor adaptados ao mundo e à uma realidade já determinados e acabados. Sentimos que não havia a preocupação nos métodos educacionais do MOBRAL de se proceder o desvelamento e a problematização da realidade (parece-nos que havia inclusive um certo ocultamento de alguns aspectos desfavoráveis), e que o mundo poderia proporcionar melhores condições de vida para aqueles que buscassem uma formação educacional mais abrangente. Em relação ao PROEJA, observamos que sua proposta pedagógica ressalta a importância da formação integral dos educandos, com ênfase tanto para a preparação adequada visando melhor inserção no mundo do trabalho, como também buscando uma formação humanística, abrangendo o desenvolvimento da autonomia, da noção de que os alunos são co-participantes da construção da realidade e atuantes no mundo. Desta forma, notamos que ocorre a preocupação para que seja proporcionada uma formação de cidadãos, com capacidade de melhor compreensão quanto aos aspectos sociais, políticos e econômicos, e constituindo-se como sujeitos construtores de suas próprias vidas e aptos a atuarem diante da realidade, obtendo assim maiores condições de melhorá-la. 5. O PROEJA no IFRS – Campus Bento Gonçalves O curso do PROEJA oferecido no IFRS - Campus Bento Gonçalves (antigo CEFET Bento Gonçalves), é o Técnico em Comércio e Serviços, com duração de 6 semestres. Uma vez que há, em nosso município, uma demanda de Jovens e Adultos egressos da EJA – Ensino Fundamental – pela continuidade de sua formação em nível de Ensino Médio, justifica-se, no âmbito do PROEJA, o oferecimento de um curso técnico, que venha a contribuir com a qualificação profissional desse público. A construção das bases para a implantação do curso oferecido pelo CEFET-BG foi precedida de uma pesquisa, aplicada nos alunos de cursos de EJA no município. O resultado da pesquisa, que apresentou várias áreas como possibilidades, apontou no sentido da necessidade de um curso técnico com direcionamento profissional para a área de comércio e prestação de serviços.” (PLANO DE CURSO PROEJA CEFET BG, 2005: 8). Ainda de acordo com o Plano de Curso, foi constatada, no município, a necessidade de melhor qualificação para os trabalhadores do comércio, justificando-se, portanto, o oferecimento do curso, também pelo fato do setor de comércio ter grande representação na economia da cidade. Desta maneira, o curso permite qualificar trabalhadores para atuarem nas áreas de comércio e prestação de serviços, bem como a busca da inserção de pessoas que estejam afastadas do mundo do trabalho. O curso procura desenvolver nos alunos o espírito de empreendedorismo, iniciativa e dinamismo, buscando atender à demanda do setor de comércio e prestação de serviço por trabalhadores com tais características. Entretanto, a essência do curso não está centrada na formação de um operário qualificado e moldado conforme as necessidades do mercado, alienado e subordinado ao processo de exploração do trabalho do modo de produção capitalista. A educação profissional integrada ao ensino médio na modalidade de educação de jovens e adultos deve ter como objetivo a formação integral. Uma educação que ao mesmo tempo em que objetiva a inserção do jovem e adulto no mundo do trabalho, deve ser comprometida com a formação do sujeito histórico e social. O resgate do espírito de cidadania no amplo sentido do termo, desenvolvendo assim, o senso crítico, a consciência política e a cooperação contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e fraterna deve ser o objetivo maior do Proeja oferecido pelo Cefet-BG.”(PLANO DE CURSO PROEJA CEFET- BG: 12). O currículo do curso do PROEJA no IFRS - Campus Bento Gonçalves é elaborado de acordo com o perfil dos alunos, através dos dados obtidos com a Ficha de Inscrição e com a Pesquisa Participante que os professores fazem com os ingressantes no curso, com o intuito de conhecer suas particularidades, e também para a valorização dos saberes e vivências que os alunos trazem. Em seguida, também através da análise do que os alunos relatam, feita pelos professores, são identificados o Tema Gerador, Contra- tema e Questões Geradoras, os quais auxiliam na elaboração da Rede Temática, que leva ao planejamento das atividades letivas, procurando atender, desta forma, as aspirações e necessidades que os alunos apresentam. Desta forma, mesmo havendo as bases curriculares fixas, os objetos de estudo que serão desenvolvidos vão se constituindo dinamicamente, de acordo com o Tema Gerador de cada turma. O mérito e o objetivo é integrar as disciplinas da área técnica às da formação geral, de modo a constituir um conhecimento vinculado a realidade do aluno. Um conhecimento integral e não fragmentado. (PLANO DE CURSO PROEJA CEFET BG: 21). Ainda segundo o Plano de Curso do PROEJA no IFRS – Campus Bento Gonçalves: A problematização implica no questionamento, diálogo, no estabelecimento de uma aproximação entre professor e aluno. Deve estar presente em toda prática de sala de aula, deve ser o pressuposto da experimentação, da leitura, do trabalho de grupo, da exposição do professor, enquanto elemento de provocação, desafio e de construção. Neste processo, é importante considerar a bagagem que os alunos possuem, suas vivências, suas peculiaridades, conteúdos prévios, conceitos, pré-conceitos, espontâneos e implícitos, e, a partir dessa riqueza cultural, contruir um processo educacional que interaja com o contexto, fazendo com que os alunos compreendam sua realidade e exercitem a cidadania. (PLANO DE CURSO PROEJA CEFET BG: 20). Desta maneira, podemos compreender que a proposta pedagógica do curso do PROEJA ministrado no IFRS – Campus Bento Gonçalves está em conformidade com o Documento-Base do PROEJA, no sentido em que prioriza a formação integral dos educandos. Percebemos que o Plano de Curso ressalta, além da oferta de uma melhor qualificação profissional, buscando fornecer maiores perspectivas para a inserção dos alunos no mundo do trabalho, também a formação para a cidadania, através do crescimento da conscientização, da reflexão crítica sobre o mundo, assim como o desenvolvimento do ideal de cooperação e solidariedade. Além destes aspectos, conforme consta no Plano de Curso do PROEJA no IFRS – Campus Bento Gonçalves, através da formação integral, o aluno também obtém o desenvolvimento da autonomia, encontrando, desta maneira, condições para estabelecer outras formas de atuação no mundo do trabalho. Observamos também que a proposta pedagógica do curso do PROEJA no IFRS – Campus Bento Gonçalves é desenvolvida segundo os fundamentos do “método” de Paulo Freire, no sentido de que busca, durante o processo de elaboração da organização curricular, conhecer o perfil dos alunos que ingressam no curso, procurando compreender suas singularidades e expectativas, e valorizando seus conhecimentos prévios, saberes adquiridos através da vida e de sua visão de mundo, ocorrendo, desta maneira, a construção contínua dos conteúdos a serem desenvolvidos com eles. Neste sentido, percebemos que no decorrer do curso, os alunos têm condições de obterem, além dos conhecimentos necessários à atuação profissional, também desenvolverem-se enquanto sujeitos, possibilitando com isto melhora de autoestima, desenvolvimento dos ideais de solidariedade, cooperação e autonomia, possibilitando seu crescimento enquanto seres humanos atuantes no mundo e capazes de melhorar suas vidas. 5. Considerações finais. Mediante o que foi elaborado, percebemos que entre as propostas pedagógicas do MOBRAL e o “método” de Paulo Freire, ocorrem algumas semelhanças quanto ao emprego de técnicas de análise e síntese. Porém, os objetivos e as concepções de homem e de mundo são totalmente opostas. O MOBRAL visava a preparação das pessoas para o mercado de trabalho, através do desenvolvimento de habilidades específicas, baseando-se no treinamento e incorporação de valores pré-determinados pelas elites dirigentes do país. Na pedagogia de Paulo Freire, o homem é concebido como sujeito da História, como construtor do conhecimento e do mundo, com autonomia para refletir sobre sua realidade, e a partir desta reflexão, obtem meios de transformá-la. Para Paulo Freire, educação é o encontro mediado pelo diálogo, onde educadores e educandos constroem juntos o conhecimento, sendo relevantes as experiências de vida e saberes trazidos pelos educandos, e partindo-se da linguagem do povo serão elaborados os conteúdos a serem trabalhados. Na proposta pedagógica do MOBRAL isto não ocorria, pois todo o conteúdo era preparado e uniformizado pelos educadores da equipe central, já determinado o que deveria ser aprendido, não ocorrendo, portanto, o diálogo entre educador e educando. Fazendo uma análise comparativa entre as propostas pedagógicas do MOBRAL e do PROEJA, observamos que ambas oferecem educação básica aliada à qualificação profissional a jovens e adultos que não tiveram condições de escolarização. Com o MOBRAL havia a proposta de erradicação do analfabetismo e a preocupação de treinamento de habilidades básicas e de forma acelerada para a pronta adequação dos educandos à entrada no mercado de trabalho, onde estes necessitavam adaptarem-se às condições existentes da realidade da época. Acreditamos que a proposta pedagógica do PROEJA seja mais abrangente devido à ênfase oferecida quanto à formação integral do educando, pois além do trabalho envolvendo conteúdos profissionalizantes também são priorizados o desenvolvimento da auto-estima (visto que muitos jovens e adultos sentem-se desvalorizados por não possuírem um nível de escolarização considerado adequado pela sociedade), da cooperação (através da noção de que todos participam da construção da realidade, e que, trabalhando juntos e buscando o mesmo objetivo, têm maiores possibilidades de concretizá-lo), da autonomia (com o desenvolvimento da conscientização crítica sobre o mundo) e do empreendedorismo (buscando-se novas perspectivas de atuação no mercado de trabalho). Além disto, observamos que no PROEJA a organização curricular é desenvolvida através de um processo de construção contínua entre os professores, alunos e demais sujeitos envolvidos nas atividades educacionais, procurando adequar-se às demandas locais onde os cursos são ministrados, e também buscando ser elaborado adequando-se às singularidades dos educandos, respeitando suas diversidades etárias, de gênero, culturais e diferentes níveis de conhecimentos prévios que eles possuem. Podemos observar que estes aspectos não eram contemplados na proposta pedagógica do MOBRAL, visto que havia a preocupação quanto ao treinamento de habilidades visando à adaptação dos educandos para melhor inserção no mercado de trabalho e desenvolvimento de noções de cidadania e participação na sociedade dentro de padrões pré-estabelecidos como ideais pela elite dirigente do país na época. Isto sugere-nos que a proposta pedagógica do MOBRAL parecia levar o educando a uma adaptação à realidade já construída e concebida como ideal, que oferecia oportunidades a todos, bastando para tanto somente obter uma preparação educacional adequada. Portanto, acreditamos que a proposta pedagógica do PROEJA é fundamentada de acordo com os príncipios do “método” de Paulo Freire, no que tange à valorização das singularidades e dos saberes prévios dos educandos, considerando suas experiências e conhecimentos práticos de vida, buscando levá-los a assumirem-se enquanto sujeitos construtores do mundo e capazes de atuarem sobre a realidade, com o desenvolvimento da conscientização sobre o mundo. Através da formação integral, os jovens e adultos tornam-se aptos a elaborar uma reflexão crítica quanto aos aspectos políticos, sociais, econômicos da realidade em que vivem, podendo, desta forma, criar condições mais eficientes para intervir sobre ela, participando mais ativamente na melhoria de suas vidas e construção do mundo em que vivemos. Acreditamos que seria interessante para o prosseguimento deste trabalho uma investigação com ex-alunos do MOBRAL e do PROEJA, buscando-se analisar suas tragetórias de vida, os efeitos que a educação proporcionou em seu desenvolvimento pessoal e profissional. Referências BELLO, J. L. de P. Paulo Freire e uma nova filosofia para a educação. http://br.geocities.com/maeutikos/pdfspedagogia/PAULOFREIRE.DOC, 1993a. Acesso em: 22/06/2008. ________________ Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL. História da Educação no Brasil. Período do Regime Militar. Vitória, Pedagogia em Foco, 1993b. 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