ARTIGO: Talento com conteúdo real - por Catarina Horta (DRH da Randstad) Para chegar aos talentos é preciso avaliar pessoas no contexto dos objetivos da organização e das ferramentas disponíveis. A palavra talento é uma das que mais se banalizou nos últimos tempos. Não é pouco frequente vermos a substituição da palavra pessoas por talentos, como se todas as pessoas fossem, por si só, um talento nas circunstâncias e momentos em que se encontram. Na gestão de pessoas, importa definir talentos de forma operacional e inequívoca, que permita avaliar pessoas e gerir o capital humano com a menor interferência possível de fatores, como a cultura das organizações onde estão inseridas e as geografias onde trabalham. Daí que seja aceite que o talento se defina pela conjugação de três pilares: competências, desempenho e potencial. Primeiro pilar: competências As competências são conjuntos de caraterísticas observáveis e mensuráveis que se relacionam com o sucesso no trabalho. Podem incluir conhecimento, capacidades, atributos e ações e incidem em áreas comportamentais ou técnicas. Mais importante do que a denominação da competência é a sua definição comportamental para diferenciar qualificações e saberes da capacidade real de «saber fazer», «saber ser» e «saber saber». Imaginemos o Dr. João Silva, que tem uma licenciatura na melhor universidade portuguesa, um MBA na melhor universidade inglesa, cursos de pós-graduação no IMD e em Fontainebleau. Do ponto de vista das qualificações trata-se de um percurso imbatível. Porém, nunca teve experiência profissional. É como se tivesse uma dificuldade em ativar as qualificações em comportamentos reais. Ora, a definição de competências permite validar quem é capaz de o fazer, porque as competências são definidas em termos comportamentais. Assim, podemos encontrar pessoas muito qualificadas que não são competentes para determinada função. O conceito de competência também é útil quando se trata de conhecimentos. O explorador inglês Ranulph Fiennes explica a aplicação prática da diferença entre qualificação e competência em situações-limite. No seu livro Beyond the Limits, no qual descreve as lições que aprendeu nas expedições em zonas quentes e nas zonas ártica e antártica, descreve o processo de seleção de colegas de expedição: concluiu que os melhores companheiros de viagem não eram outros exploradores com qualificações e experiência, mas dois aventureiros que conheceu e que tinham a estabilidade emocional para aguentar mais um mês num pequeno iglô à espera de uma época menos fria para atravessar o ártico. A experiência passada era importante para Ranulph, mas, numa situação-limite, a estabilidade emocional era a competência diferenciadora. É válido definir os comportamentos que são os mais relevantes para uma competência numa equipa, numa organização ou até num conjunto de organizações. Contudo, ao fazê-lo, não estamos a encontrar um denominador comum na competência que nos permita comparar indivíduos entre organizações e entre países. Num mercado de trabalho global, em que a avaliação das pessoas se faz a longo prazo e tendencialmente sem fronteiras, é útil tanto para as organizações como para os indivíduos optarem por definições estandardizadas das competências. Existem vários dicionários de competências que são repositórios de competências, definidas comportamentalmente. A construção dos dicionários mais evoluídos prevê a evolução de competências mais elementares para competências mais elaboradas. Por exemplo, o dicionário da empresa americana Lominger, conhecido pelo nome FYI, apresenta quase duzentas competências comportamentais, que se concentram em conjuntos de competências estratégicas, operacionais, de coragem, de motivação, de posicionamento organizacional, de relacionamento pessoal e interpessoal, gestão de problemas com pessoas e com resultados. Cada organização escolhe as competências que têm a ver com a sua cultura, a sua estratégia e a sua missão. Para além da definição, há níveis de eficácia na utilização da competência. Uma das formas mais comuns adotadas nas escalas comportamentais são os indicadores de frequência dos comportamentos. A classificação de profissionais de acordo com o seu perfil de competências e/ou a sua avaliação de acordo com o perfil de competências necessário para a função que desempenham é dos instrumentos mais poderosos para o desenvolvimento individual. Quando se avalia mais do que uma competência, através de mais do que um exercício e do cruzamento das avaliações de vários avaliadores, estamos perante o que se define por assessment center. Trata-se, porventura, da forma mais fidedigna de avaliação de competências e que permite uma melhor previsão de sucesso futuro. Segundo pilar: desempenho O desempenho é a ferramenta por excelência de gestão de pessoas, porque alinha os resultados e comportamentos dos indivíduos, num período de tempo, com os objetivos estratégicos e operacionais da empresa. A medição do desempenho é essencial para garantir o alinhamento. A capacidade para apresentar níveis de desempenho elevados ao longo do tempo em várias circunstâncias é um dos fatores a considerar na avaliação de talento. Uma tendência para ter boas avaliações de desempenho ao longo do tempo mostra a capacidade para pôr as competências ao serviço de uma estratégia e de uma necessidade. As organizações escolhem a forma de avaliar o desempenho de acordo com a sua estratégia, cultura e prática. Atualmente os sistemas mais comuns são as avaliações por competências e as avaliações baseadas em objetivos ou os sistemas mistos de competências e resultados. Depois de Peter Drucker ter introduzido o conceito de MbO, management by objectives, nos anos 1950, os sistemas de gestão por objetivos têm-se vindo a diversificar e a ganhar adeptos. Baseiam-se no plano estratégico e nos objetivos anuais que realizam o ciclo anual do negócio. Os objetivos anuais e do topo são desdobrados em cascata da direção-geral para os níveis de direção, chefias intermédias e demais colaboradores. Tanto os modelos de avaliação de desempenho por competências como os modelos por objetivos são muitas vezes transformados em modelos 360º, nos quais os pares e os subordinados são chamados a avaliar as chefias. Terceiro pilar: potencial É dos fatores mais difíceis de definir e de operacionalizar. Tipicamente referimo-nos a alguém em quem apostamos para desempenhar uma determinada tarefa ou função. Achamos que tem caraterísticas, competências e/ou experiência que nos permitem dizer que vai conseguir realizar essa tarefa ou função. Só que esta análise não é concreta nem operacionalizada. O potencial é a perspetiva de desempenho futuro, enquanto o desempenho é algo que se observa no presente. Para uma organização, é importante ter bons critérios para perceber se a avaliação de potencial é fiável e é importante ter boas metodologias de desenvolvimento para que esse potencial dê frutos. Uma das formas mais frequentes de avaliar o potencial é estimar a capacidade de promoção em níveis hierárquicos. A consultora britânica YSC desenvolveu nos últimos 15 anos um modelo de avaliação de potencial para operacionalizar o conceito. Recorreu à avaliação psicométrica de mais de 10 000 executivos no mundo inteiro e decompõe o conceito de potencial em três áreas: drive, análise e influência. Ao organizar o conceito de potencial em torno de uma linguagem comum, a YSC permite às organizações compararem indivíduos em várias áreas de negócio e áreas funcionais, bem como em várias geografias. No potencial está incluída o drive, entendido como motivação posta em prática, o que os espanhóis chamam comummente de «ganas». Este aspeto é especialmente importante porque um bom conjunto de competências cognitivas, técnicas e até sociais pode não ser de grande utilidade se o indivíduo não estiver orientado para a ação e para a capacidade de as pôr em prática. A análise é outro dos fatores do potencial e inclui comportamentos de avaliação do próprio e das circunstâncias, bem como a capacidade de ler e antecipar padrões. Finalmente, a capacidade para influenciar os outros, porque nenhuma pessoa tem sucesso sozinha.