ANALISE SEMI6TICA DO CONTO "UMA VELA PARA DARIO" MARTHA AUGUSTA CORREA E CASTRO GON<;AL VES (Univ. Estadual de Londrina) ABSTRACT: This paper is about semiotk analysis based on Greimas' theory applied to Dalton Trevisan's short story "Uma vela para Dario". Our purpose is to show the development of the gerative construction of sense in two levels: the discursive and the fundamental. Through the praqical application it will be sistematized all the complex net of oppositions and relations which indicate the organization of a text as a comunication act. KEY WORDS:' Semiotica, Percurso gerativo, Nivel Discursivo, Nivel Fundamental, OposicaolRel~iio . A teoria semi6tica greimasiana considera , em seu terceiro nivel de anMise - 0 das estruturas discursivas- a dualidade sintaxe e semAntica, como no nivel das estruturas narrativas. E este 0 mais superficial, embora 0 mais especffico e identific4vel, e que se ocupa da organizaciio de um texto como ato de comunicaciio. Segue-se um estudo da complexidade da organizacao textual em "Uma vela para Dario", do escritor paranaense Dalton Trevisan, atravts da analise da sintaxe e da semarttica discursiva. ' o texto e narrado em 3" pessoa, num processo de debreagem enunciva. A objetividade e criada, caracterizando uma linguagem quase jomalistica, ao mesmo tempo que produz um efeito de realidade. Assim, a ancoragem na 3" pessoado discurso faz de Dario apenas um homem que passou mal e morreu na ma, sem socorro. No nivel das estruturas narrativas foram instaurados dois actantes. Neste Divel temos atores que se definem. Embora Dario seja apenas uma pessoa qualquer, ao ser nomeado toma-se real no enunciado. Da mesma forma, 0 que no Divel das estruturas narrativas e definido como Povo ( sujeito do fazer) , aqui concretiza-se lingilisticamente em tres categorias. Na primeira delas temos os indiferentes (cada pessoa, v4rias pessoas, mais de duzentos, alguns moradores). Nota-se a constartcia do plural e de pronomes indefinidos. A segunda categoria inclui os solidarios (dois ou tres pass antes, 0 senhor gordo, 0 rapaz de bigode, a velhinha de cabeya grisalha, alguem, um grupo, um terceiro, um senhor piedoso, urn menino de cor e descal~o). Nesta rela~ao e constante 0 uso do numeral e do artigo defmido, alem da adjetiva~ao. Ha, portanto, inten~ao de identiftcar, caracterizar estes primeiros passantes. Em seguida, a enurnera~ao apresenta 0 usa do artigo indefmido, mas persiste a identiftca~ao, embora entre estes - alguem, um grupo, um terceiro - as a~fjes solidarias sejam apenas tentativas e nao se completem. Somente os dois illtimos sac caracterizados pela adjetiva~ao que define os atores : um senhor piedoso e urn menino de cor e descal~o. o autor utiliza ainda a indetermina~ao para generalizar a indiferenca e a espolia~ao, 0 que permite pressuposi~fjes sabre a a~ao que domina a texto - 0 roubo, a espoliacao. E a terceira categoria de sujeitos actantes. Neste caso, 0 usa do discurso indireto, que e notado em alguns momentos da narrativa, predomina sobre 0 discurso direto. Este verifica-se uma Mica vez, no momento da morte de Dario. Em rela~ao ao tempo da narrativa, 0 eixo de referfulcia e estabelecido a partir do instante em que Dario sofre 0 ataque. 0 usa de determinados tempos verbais cria este eixo. Instaura-se urn agora, objetivando a realidade atraves do usa do perfeito do indicativo. 0 processo se repete ao longo do texto, a partir de um enta~: ••...assim que dobrou a esquina, diminui 0 passo...•• ••...sentou-se na calcada...•• ••...descansou na pedra 0 cachimbo...•• o uso do imperfeito caracteriza 0 momenta oposto nao agora, presentes no infcio.e no ftnal do texto: . "Dario vinha apressado...•• "... la estava Dario a espera do rabecao." Neste final, ao mesmo tempo em que 0 1ft acentua 0 distanciamento no espa~o, o agora "A cabeca agora na pedra, sem 0 palet6, e 0 dedo sem a alian~a." retoma a presentifica~ao, trazendo a cena para um momento sempre presente: apenas mais urn acontecimento corriqueiro na vida das grandes cidades. o espaco e definido no texto, ao mesmo tempo que se mantem a ideia de generalizacao: e urn espaco qualquer, nao chega a ser nomeado: "...encostando-se a parede de uma casa." "Os moradores da rua ...•• "Foi largado na porta de uma peixaria." Nesta fase da analise serao examinadas as relacoes estabelecidas entre enunciador e enunciatario , enunciacao e enunciado. Em urn primeiro momento, define-se 0 enunciador na figura do autor - Dalton Trevisan. 0 fazer persuasivo e, pois, realizado por ele, apesar da aparente objetividade do texto. Ele prop~e, desta maneira, urn fazer interpretativo ao enunciatlirio, isto e, a seus leitores. Durante todo 0 percurso gerativo do sentido acompanha-se 0 delinear do perm dos dois sujeitos actantes. Entre eles saG estabelecidas oposi¥~es que irao definir-se no nivel das estruturas fundamentais. Resta ao leitor, portanto, interpretar, atraves das a¥~es realizadas, os actantes que, englobados aqui sob a denomina¥ao Povo, manifestam sua total indiferenya ou pretensa solidariedade ao outro sujeito Dario, que se torna apenas urn morto no meio da rua. o autor vai utilizar a figurativizayao para desenvolver 0 tema subjacente ao texto. Dario e desumanizado passo a passo, perdendo, urn por urn, os objetos que 0 colocavam em conjunyao com 0 estado de cidadao - a roupa, os documentos, 0 rel6gio de pulso - objetos estes que 0 classificavam como tal e the garantiam urna posiyao na sociedade. Alguns destes objetos, como 0 alfmete de p6rola, 0 cachimbo, a alianca de ouro, indicam urna boa situayao financeira, urna certa posiyao na sociedade. Ao final do texto, porem, Dario esta reduzido a condiyao de defunto, Mais que isto, ele e desumanizado na pr6pria morte. E menos que urn morto. Reduz-se apenas ao retrato de um morto, ou seja, a nada: "Parecia morto M muitos anos, quase 0 retrato de urn morto desbotado pela A vela, que diminui e acaba por apagar-se, e 0 Ultimo elemento em conjunCao com Dario. Ao se apagar, todos os vfnculos estao definitivamente desfeitos. Mantem-se, no niyel discursivo, 0 vfnculo com 0 texto, atraves do titulo "Uma vela para Daria". : A indeterminayao, que se evidencia no texto em relayao ao sujeito Povo, faz ver que, na realidade, ninguem socorreu efetivamente Dario. As atitudes de solidariedade de alguns passantes surgem como hip6critas, pois confundem-se com as espoliayQes,que se iniciam ainda em vida. A figurativizayao neste conto acontece a partir de urna antifrase: no enunciado, a solidariedade de alguns encobre 0 que se torna evidente na enunciayao, isto e, 0 desaparecimento gradual dos pertences de Dario. 0 tom amargamente ir6nico que domina 0 conto culmina no senhor piedoso que the despe 0 palet6 e no menino que lhe acende a vela. E ap6s isto que desaparecem 0 palet6 e a alianya. Todavia, nao SaG rf?lllizadosos procedimentos comuns a urn morto: fecbar os olhos e a boca. E assim que se confmna a categoria mentira como predominante nas considerac~es sobre 0 sujeito Povo: ele pareee ser solidano, mas nao 0 e. .Atraves das figuras presentes no texto chega-se ao tema subjacente, objeto de analise no nivel da estruturas fundamentais. Embora basico quando estabelece oposiyoes subjacentes ao texto, este primeiro nivel do percurso gerativo se torna evidente depois de uma analise dos niveis subseqiientes. Nestes,estao as evidencias, 0 que pode ser observado na superficie, no plano de expressao de um texto. Chega-se, assim, as categorias fundamentais, numa oposi\;iiode contrarios sobre os quais se estruturam as narrativas. A primeira oposi\;ao que se nota no texto analisado e a dicotomia vida x morte. Nesta oposi~ao, temos a presen~a de um elemento comum sobre 0 qual ela se estabelece - a condicao humana. Procede-se, entao, a uma analise da condi~ao humana diante da vida e da morte. A rela~ao se faz, levando em considera~ao 0 criterio ausencia x presen~a, com valores positivos e negativos (euf6ricos e disf6ricos). 0 jogo de oposicoes tem duas perspectivas: ausencia da vida x presen~a da morte, em Dario; presenca da vida x aus~ncia da morte, em Povo. Ambos, a partir desta dupla dicotomia, representam no texto a condicao humana. Assim, caracteriza-se a desumaniza~ao de Dario, ao passar da vida a morte: vida - niio vida - morte. Entretanto,nesta nega\;ao da condi~ao de vida de Dario, passando ao estagio de morte, fica pressuposta a negacao de condicao humana ,tambem, para 0 sujeito Povo. Este, ao provocar a desurnanizacao de Dario, reduzindo-o a uma coisa, sela sua condi\;aonao human a, igualando-se, semanticamente, ao morto. Fica, portanto, evidente a intencao do autor em desurnanizar 0 sujeito Povo, acentuando seus valores disf6ricos, quando se considera ser ele - Povo - 0 responsavel pela desurnaniza~ao tao clara de Dario. Estabelecem-se, portanto, as rela~oes entre os termos contranos e os contradit6rios neste texto. E e com base neste jogo de rela~oes que se pode afirmar que estamos diante de urn texto disforizante, por que M um predominio de valores negativos (disf6ricos), sobre os positivos (euf6ricos). A disforia se manifesta com a valoriza\;ao da morte, porque 0 termo opost.o viM e negarlo pela ausetJcia de condi~ao humana naqueles que detem a vida. Na base do texto de Trevisan ha, portanto, urn jogo de rela~oes que e a origem da narracao e que conduz sempre a urn ponto comum: a neg~ao da condi~iio humana na morte (Dario) e na vida (Povo).