Área temática 3 – Territórios revitalizados: Sinergia e Capital Social SUSTENTABILIDADE X CAPITAL SOCIAL E ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL Cláudio Machado Maia 1 RESUMO: O objetivo deste estudo é contextualizar um conceito de sustentabilidade, agricultura sustentável, progresso e desenvolvimento. Sustentabilidade considerada a partir das mudanças introduzidas pela Revolução Agrícola Contemporânea que acabaram por impor novo padrão de desenvolvimento para a agricultura, e desencadearam, entre o final da década de 60 e inicio da década de 70, um novo processo de transformação profunda da agricultura mundial, conhecido como A Revolução Verde, com as tecnologias relacionadas com a Revolução Verde, que além de exigir capital e ser poupadoras de mão­de­obra, dependiam de recursos externos à propriedade, e exigiam uma escala mínima de produção. Como 85% das propriedades rurais no Brasil, têm menos de 100 hectares de terras (SILVA, 1992), predominando a agricultura familiar, de características bastante diferentes daquelas exigidas pelas tecnologias da Revolução Verde, em geral, estes agricultores foram excluídos do processo de “desenvolvimento” (modernização) da agricultura adotado no país. Após esta contextualização, apresentamos a problemática em torno da necessidade dos agricultores familiares de construir uma alternativa de crescimento e desenvolvimento regional onde as famílias do meio rural tenham oportunidade de permanecer na sua localidade, desempenhando atividades econômicas e gerando incremento na qualidade de vida. Apropriando­se do conceito de capital social, o trabalho é finalizado apresentando um “estudo de caso sobre agroindústria de cana­de­açúcar” como alternativa de desenvolvimento regional sustentável, numa idéia de desenvolvimento adotada “de baixo para cima” considerando as potencialidades, particularidades e a presença de uma certa relação de confiança, fidúcia e/ou favorecimento na localidade objeto da pesquisa, onde pode se observar a presença de uma certa relação de 1 Economista, Especialista em Controladoria, Mestrando e bolsista da CAPES do Programa de Pós­Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz. E­mail: [email protected] 2 confiança, fidúcia ou favorecimento, apoiada na presença intermediária do Estado nas ações e relações estabelecidas. 1. Contextualização A tentativa dos agricultores familiares em adotar uma alternativa de desenvolvimento sustentável onde pudessem alcançar melhoria de renda e emprego, considerando a questão ambiental, nos faz recorrer a algumas noções e conceitos em busca de definição de um paradigma. Empiricamente, este estudo foi baseado na representatividade da agricultura familiar para o desenvolvimento regional numa perspectiva territorial, sendo necessária a identificação das particularidades e potencialidades do território objeto da análise. O território analisado foi escolhido pelo critério da intencionalidade, e pelo fato do grupo estudado ser representativo e apresentar certas características tidas como relevantes, identificando o regime de agroindústria e propriedade familiar. Como o processo de divisão social do trabalho jamais conseguiu homogeneizar totalmente o trabalho do agricultor, assim como fez ao assalariado, o agricultor familiar não abandonou totalmente seus princípios, nem suas peculiaridades como agente social. O pequeno produtor continua tentando viver sem a exploração do trabalho alheio e não vendendo sua força de trabalho. A partir da associação da concepção de capital social e do tradicional comportamento do agricultor familiar, podemos desenvolver uma nova relação social capaz de administrar a produção de uma forma mais justa e eqüitativa. O desenvolvimento da concepção teórica do capital social mostra uma nova perspectiva de relação humana dentro do processo de produção capitalista. Deve­se considerar que capital social “diz respeito às características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a tomada de consciência e de organização (aumentando) a eficiência da sociedade e facilitando as ações coordenadas” (James Coleman, 1990 e Robert Putnam, 1996 apud ABRAMOVAY, 2000). 3 O que hoje conhecemos como agricultura moderna teve sua origem nos séculos XVIII e XIX, na Europa, na chamada Primeira Revolução Agrícola Contemporânea. Período de ocorrência de intensas mudanças econômicas, sociais e tecnológicas, as quais aceleraram a decomposição do feudalismo e o surgimento do capitalismo (VEIGA, 1991 Apud MARCATTO, 2006). Do ponto de vista tecnológico, a Primeira Revolução Agrícola Contemporânea foi caracterizada pelo abandono do pousio e pela introdução de sistemas rotacionais com leguminosas e/ou tubérculos, plantas que podiam ser utilizadas tanto na adubação do solo, quanto na alimentação humana e animal (OLIVEIRA Jr., 1989). Sendo assim, foi possível intensificar o uso da terra e obter aumentos significativos na produção agrícola, “eliminando” a escassez crônica de alimentos que caracterizaram períodos anteriores (EHLERS, 1996). A segunda Revolução Agrícola Contemporânea, como uma nova etapa histórica da agricultura é evidenciada no período entre o final do século XIX e inicio do século XX, principalmente na Europa e Estados Unidos. Uma série de descobertas científicas, aliadas ao desenvolvimento tecnológico (fertilizantes químicos, motores de combustão interna, melhoramento genético de plantas) acabou por impor novo padrão de desenvolvimento para a agricultura. Mudanças como a redução da importância da rotação das culturas, o progressivo abandono do uso da adubação verde e do esterco na fertilização, a separação da produção animal da vegetal e, principalmente, a indústria passando a absorver algumas etapas do processo de produção agrícola. Na década de 70 outros autores ampliaram estas críticas, incluindo questões como desigualdades econômico­sociais como resultado da Revolução Verde (KLOPPENBURG, 1991 apud MARCATO, 2006), erosão de solos, contaminação de águas por agrotóxicos, aumento do número de pragas e doenças, destruição de habitats naturais, erosão genética e aumento da instabilidade econômica e social das comunidades de agricultores familiares (CROUCH, 1995; ALLEN, 1993 apud MARCATTO, 2006). A agricultura moderna, o desenvolvimentismo e a Revolução Verde provocaram manifestações e críticas. Este padrão de desenvolvimento apresenta problemas, pois a partir das primeiras críticas aos efeitos ecológicos da Revolução Verde surge noção de sustentabilidade à medida que aparecem as primeiras 4 manifestações contrárias aos efeitos ecológicos causados pela intensa utilização dos recursos tecnológicos, colocando a preocupação com o meio ambiente. Como 85% das propriedades rurais no Brasil, tem menos de 100 hectares de terras (SILVA, 1992), predominando a agricultura familiar, de características bastantes diferentes daquelas exigidas pelas tecnologias da Revolução Verde (também chamadas convencionais), em geral, os agricultores familiares foram (estão) claramente excluídos do processo de “desenvolvimento” (modernização) da agricultura adotado no país. O conceito de Sustentabilidade tem diferentes significados para diferentes pessoas (KEENEY, 1990), apesar do termo ser muitas vezes utilizado como se o consenso em relação ao seu significado realmente existisse (REDCLIFT, 1993). A palavra sustentabilidade tem sua origem do Latim sus­tenere (EHLERS, 1996), que significa suportar ou manter. Já o conceito de sustentabilidade relacionado com o futuro da humanidade foi utilizado pela primeira vez em 1972 (KIDD, 1992). No final da década de 70 o termo passou a ser globalmente utilizado ao incorporar dimensões econômicas e sociais em seu significado (EHLERS, 1996). Na realidade, os diferentes significados para o conceito de sustentabilidade revelam diferentes, e muitas vezes conflitantes, valores, percepções e visões políticas a respeito de como a agricultura, a indústria, o comércio, deveriam desenvolver­se, e de como os recursos naturais deveriam ser utilizados. A noção de sustentabilidade abriga diferentes concepções políticas e propostas de desenvolvimento (EHLERS, 1996). Sustentabilidade, bem como outros conceitos originários deste (Desenvolvimento Sustentável, Agricultura Sustentável), deve ser visto como um conceito complexo e dinâmico fortemente dependente do contexto no qual ele é aplicado (BROWN et al., 1987). Conseqüentemente, uma definição única, clara, precisa e internacionalmente aceita é impossível (PRETTY, 1995). Para a agricultura sustentável, uma proposta apresentada seria no sentido da defesa da valorização da heterogeneidade da composição agrícola, completamente contrária à concepção de homogeneização do cenário produtivo imposto pela Revolução Verde. Não pode haver uma única forma de intervenção humana na 5 atividade de produção no campo. Pois, uma vez que cada ambiente é propício para cada tipo de cultura, e devido às características específicas de cada cultura, a produção agrícola deve respeitar tais especificidades. Por outro lado, o conhecimento tradicional acumulado historicamente e localmente por determinada comunidade é importante e deve ser considerado, e não simplesmente substituído por um pacote tecnológico imposto. Conforme Costabeber (1998), “há um potencial endógeno de desenvolvimento que ainda não é explorado totalmente e que certamente reduziria os custos de produção”. Agricultura Sustentável pode ser definida como uma agricultura ecologicamente equilibrada, economicamente viável, socialmente justa, humana e adaptativa (REIJNTJES et al., 1992). Algumas definições incluem ainda: segurança alimentar, produtividade e qualidade de vida (STOCKLE et al., 1994). A agricultura sustentável é o processo de produção agrícola capaz de gerenciar e conservar a base dos recursos naturais conciliando a esse processo a orientação de mudança tecnológica e institucional. Ela deve assegurar a realização e a satisfação continuada das necessidades humanas para as gerações presentes e futuras. Para Lehman, et al.(1994), agricultura sustentável consiste em processos agrícolas, isto é, processos que envolvam atividades biológicas de crescimento e reprodução com a intenção de produzir culturas, que não comprometam nossa capacidade futura de praticar agricultura com sucesso. Assim... nós podemos dizer que agricultura sustentável consiste em processos agrícolas que não exaurem nenhum recurso que seja essencial para a agricultura. Altieri (1987) define sustentabilidade como sendo a habilidade de um agroecossistema em manter a produção através do tempo, face a distúrbios ecológicos e pressões sócio­econômicas de longo prazo. 2. A idéia de desenvolvimento Almeida (1998) afirma que a noção de desenvolvimento sustentável, dentre outras que virão, poderá ocupar lugar estratégico na análise e no debate social uma vez que considera duas dimensões do saber científico – sociedade e natureza e a 6 capacidade de integração destas duas dimensões. Tal disputa irá definir os riscos da explosão social que contém a lógica do desenvolvimento desigual. A noção de desenvolvimento evidencia todas as dimensões – econômica, social e cultural – da transformação estrutural da sociedade. O desenvolvimento remete às estruturas sociais e mentais, com a estrutura econômica interagindo com os aspectos socioculturais. A noção de desenvolvimento é imposta como universal. Como um bem para todos os lugares, propagando­se conforme as particularidades de cada povo e cultura. Se propaga em detrimento de todas as diferenças de situação, de regime e de cultura (ALMEIDA, 1998). A questão que se coloca hoje, diz respeito à possibilidade de nascimento de um novo modo de desenvolvimento ou de organização social desenvolvimentista, modernizadora e nacionalista, que tenha uma base social, econômica, cultural e ambiental mais sustentável, num contexto favorável para a discussão e elaboração de um novo tipo de desenvolvimento. As crescentes evidências do custo ambiental do desenvolvimento industrial vigente, a crise ambiental, a queda da renda agrícola, a superprodução aliada à má distribuição de alimentos (decorrente das novas relações econômicas internacionais), as “rupturas recentes” (demográficas, do modelo de agricultura familiar, a dissociação entre agricultura, território e meio ambiente), as insuficiências do pensamento clássico e dos debates contemporâneos sobre desenvolvimento (anos 50 e 60) e a contribuição dos movimentos libertários e civis pós 1968, são alguns elementos decisivos no debate social (NAVARRO, 1995 apud ALMEIDA, 1998). A partir da década de 60 e 70 do século XX começa a ser questionada aquela idéia de que crescimento econômico é transformado em desenvolvimento social e conseqüentemente distribuído entre todas a camadas sociais, favorecendo todas as atividades econômicas. Ou porque alguns países seguiam “crescendo” enquanto a população continuava pobre, pois o crescimento não era distribuído eqüitativamente; ou a qualidade de vida da população de uma maneira geral não melhorava; ou mesmo 7 porque os índices de crescimento não conseguiam avaliar o ambiente social em que vivia a maioria da população, nem mesmo demonstravam como ocorria a exploração dos recursos naturais de um país. Hoje, desenvolvimento traz consigo a referência de que igualdade tem que anteceder crescimento econômico. Pois crescer para depois distribuir é um equívoco estatística e historicamente. Deve­se pensar num crescimento baixo, mas com bem­ estar social, com melhoria das pessoas, com desenvolvimento humano. O que vale é a qualidade do crescimento, como sendo um desenvolvimento inclusivo. 3. O desenvolvimento rural Durante as décadas de 1950 e 1960, nos Estados Unidos e Europa, no campo da agricultura a noção de desenvolvimento foi concebida com a intervenção do Estado articulando­se com indústrias agroalimentares e agricultores empresariais, com o setor agrícola se inserindo no sistema econômico através de uma legislação que impõe a sua transformação, fazendo de um setor considerado arcaico, atrasado e tradicional um setor moderno, que participa do crescimento econômico nacional. Lembrando que, nos séculos XVIII e XIX os processos que originaram a Revolução Agrícola acabaram com o feudalismo e marcaram o advento do capitalismo, marcando assim o surgimento da agricultura moderna, quando crescimento econômico foi acompanhado por um grande avanço tecnológico, trazendo para a agricultura moderna resultados satisfatórios (VEIGA, 1991 apud ALMEIDA, 1998). Conforme Almeida (1998), para atingir um estágio urbano de modernidade, a agricultura buscou integrar­se ao crescimento econômico geral através do aumento da produção e produtividade, comprando e vendendo à indústria. O que ocorre é que este processo coloca a agricultura num plano secundário, dando maior relevância à indústria química a qual produz para a agricultura e que dela recebe e cria uma nova noção de alimentos. Passa então, a indústria química a determinar os processos tecnológicos onde a agricultura é a base natural da produção. A industrialização tornou­se sinônimo de progresso e modernidade na sociedade industrial porque a agricultura tinha papel de 8 fornecer matérias­primas, força de trabalho barato e mercado consumidor para os produtos industriais. Tal integração da agricultura à indústria, além de uma mudança quantitativa (comprar, produzir e vender mais), significa uma transformação radical de suas estruturas sociais, de produção e de comercialização, o que justifica a utilização do termo desenvolvimento, por ser um termo mais polivalente do ponto de vista semântico, permitindo integrar a noção de “promoção” individual e coletiva dos agricultores. Essas noções de desenvolvimento agrícola e rural, conservam uma significação restrita: primeiro porque as operações reconhecidas como “de desenvolvimento” referem­se quase que apenas àquelas da produção; segundo, porque os organismos e instituições, oficialmente designados para promover as ações de desenvolvimento, geralmente, somente reagrupam o conjunto de organismos que se dedicam ao desenvolvimento econômico. Entretanto, na prática, há instituições tais como institutos técnicos, cooperativas, ONG’s, entre outras, que através de suas atividades na difusão de novas técnicas de produção, de comercialização e de gestão, fazem parte do desenvolvimento agrícola e rural. No Relatório Brundtland, publicado no Brasil em 1987, sob o título Nosso Futuro Comum, texto preparatório à conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Eco­92), a idéia de desenvolvimento sustentável aparece em termos de “aquele capaz de garantir as necessidades das gerações futuras.” Schmitt (1995 apud ALMEIDA) diz que este conceito parece dar a idéia de uma busca de integração sistêmica entre diferentes níveis da vida social, ou seja, entre a exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e a mudança social. Há uma dúvida em relação a qual ator seria responsável por definir os parâmetros capazes de nortear essa integração. Sustentar o quê? “Futuro Comum” de quem e para quem? Nesta questão surge a principal base de conflito entre aqueles que “disputam” o conceito e as práticas sociais e produtivas a ele referidas. O conceito de desenvolvimento sustentável abriga várias concepções e visões de mundo, que na maioria das vezes são unânimes em concordar, que o mesmo 9 representa um grande avanço no campo das concepções de desenvolvimento e das abordagens sobre preservação dos recursos naturais (ALMEIDA, 1998). Conforme Almeida (1998), a discussão sobre o tema desenvolvimento sustentável está polarizada entre duas concepções: de um lado, o conceito/idéia como sendo gerado dentro da esfera da economia, sendo nessa referência pensado o social, incorporando a natureza à idéia de produção, a natureza passa a ser um bem de capital; de outro lado, uma idéia que tenta quebrar com a hegemonia dos discursos econômicos e sua expansão, indo para além da visão instrumental, restrita, que a economia impõe à idéia/conceito. Esse “novo” conceito introduz elementos econômicos, sociais e ambientais que são desafiadores do ponto de vista de muitas áreas do conhecimento. A noção de sustentabilidade, tomada como ponto de partida para uma reinterpretação dos processos sociais e econômicos e de suas relações com o equilíbrio dos ecossistemas, demanda a construção de um aparato conceitual capaz de dar conta de múltiplos aspectos. Essa idéia de um “novo desenvolvimento” pode remeter a sociedade à capacidade de produzir o novo, redimensionando suas relações com a natureza e com os indivíduos (SCHMITT 1995 apud ALMEIDA, 1998). As diversas definições acerca da noção de sustentabilidade para a agricultura e o desenvolvimento rural apresentam dúvidas e contradições. Na agricultura, essa diversidade ocorre devido às várias práticas antes designadas como alternativas e, devido à mudança na agricultura convencional ou “moderna” em direção a uma combinação das vantagens destas duas vertentes. A noção de desenvolvimento sustentável traz consigo, talvez, as incertezas das definições de agricultura sustentável. Sendo que neste caso, as dificuldades são ainda maiores devido à falta de consenso no conceito e princípios do “desenvolvimento”. Um desafio é o de conceituar desenvolvimento sustentável de forma que seja aceito pelos atores e agentes econômicos envolvidos com o desenvolvimento das sociedades contemporâneas. A definição que mais se aproxima da aceitação é a do Relatório Brundtland. 10 A concepção econômica do “desenvolvimento sustentável” aponta para novos mecanismos de mercado para impor limites à produção e considerar a capacidade de suporte dos recursos naturais, inclusive via taxação proporcional à quantidade de poluição gerada. Outra concepção de desenvolvimento sustentável, parte do princípio de que a ética deva ser considerada ao invés da racionalidade econômica. As opções políticas passam a ter relevância para essa concepção, a partir da democracia, a autodeterminação dos povos, o respeito à diversidade cultural, à biodiversidade natural e à participação dos cidadãos, nas suas diferentes formas. Quanto à agricultura sustentável, no campo científico, mais especificamente no método, é que reside as principais dificuldades, pois falta acúmulo de conhecimentos sobre a noção e, conseqüentemente, falta de maior legitimidade técnico­científica. Outra dificuldade dessa noção de agricultura, reside no seu caráter interdisciplinar, pois diversas áreas do conhecimento devem ser integradas para maior e melhor compreensão dos sistemas agrícolas. A imprecisão conceitual da agricultura sustentável cria em torno de si diferentes posições. Segundo Veiga (1991 apud ALMEIDA, 1998), essas posições abrangem uma diversidade de tendências religiosas, ideológicas e visões de mundo que muitas vezes são contraditórias. O debate em torno da agricultura sustentável, atualmente, gira em torno de duas vertentes. De um lado aqueles que defendem esse tipo de agricultura como um objetivo ou projeto. Do outro lado, aqueles que querem estabelecer e implantar um conjunto de práticas ou regras produtivas mais ambientalistas, se comparadas com o modelo convencional. 4. Alguns desafios para aqueles que lutam por esta nova forma de fazer agricultura · É possível conciliar a máxima que atende aos apelos do socialmente eqüitativo, do ambientalmente equilibrado e o do economicamente eficiente e produtivo? 11 · Como integrar as diferentes disciplinas na geração de novos conhecimentos? · Como construir indicadores de sustentabilidade? · A capacidade das forças sociais de imprimir sua marca nas políticas públicas, para que estas venham a afirmar política, econômica e socialmente a opção pela agricultura familiar como forma social de uso da terra que melhor responde à noção de sustentabilidade e às necessidades locais, regionais e do país. 5. Capital social e a agricultura familiar como alternativa de reprodução social e sua contribuição para o desenvolvimento regional Um novo padrão de desenvolvimento passa por uma reestruturação social. Trata­se de superar a idéia de que o novo é sempre melhor e superar o preconceito existente da sociedade urbana de que o campo é um lugar atrasado. É importante considerar que, na realidade, a agricultura familiar não é necessariamente atrasada tecnologicamente, uma vez que ela é qualitativamente diferente, não capitalista. O desenvolvimento da concepção teórica do capital social mostra uma nova perspectiva de relação humana dentro do processo de produção. Segundo os principais trabalhos desenvolvidos (COLEMAN, 1990; PUTNAM, 1996 apud ABRAMOVAY, 2000), o capital social “diz respeito às características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a tomada de consciência e de organização (aumentando) a eficiência da sociedade e facilitando as ações coordenadas”. A idéia de capital social vem sendo base de diversas experiências, especialmente no meio rural. Onde mais se pode observar os efeitos reais de uma relação de confiança e organização na sociedade? Tanto na análise histórica quanto na projeção da participação dinâmica do pequeno agricultor no ambiente social em que vive e relaciona­se, é a partir da reunião da sua diversidade criativa e da concepção de capital social que pode­se superar as conseqüências da globalização “mundialização homogeneizada” que tem se apresentado como única possibilidade de relacionamento social. A partir da nova 12 concepção de desenvolvimento rural é necessário estabelecer novas condições institucionais para o desenvolvimento. Conforme Lamarche (1993): § quando alguns agricultores estabelecem um grupo para fins de obter um crédito bancário, há um novo tipo de relação social que se baseia na confiança mútua entre os componentes do grupo; § na região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, quando na cultura de soja, cuja viabilidade é alcançada em média numa dimensão de 40 hectares, há casos da prática de associação entre membros da mesma família ou comunidade, numa situação de caráter informal e sem registro em cartório. Estas estratégias de associativismo, parcerias e casos isolados de arrendamentos, portanto, constituem o último recurso diante da falta de recursos, uma vez que 70 % dos produtores possuem menos de 40 hectares. § durante o plantio, na “capina”, quando há necessidade, pratica­se também, com bastante regularidade o auxilio mútuo entre parentes e vizinhos, através da prática de mutirão, evitando gastar dinheiro com contratação de trabalhadores e pagamento de salários. A vida social permanece amplamente organizada em torno das relações familiares, dos grupos de vizinhanças e do círculo imediato formado por agricultores amigos. Devido à sua herança colonial, a vida local parece mais dinâmica e autônoma em relação à cidade. As famílias vizinhas reúnem­se em torno de um lugar onde se concentram a igreja, a escola, uma área de lazer e freqüentemente uma cooperativa. Evidentemente, que a vida social local é julgada de modo positivo no que diz respeito à solidariedade (LAMARCHE, 1993). E, embora os agricultores tenham consciência da ocorrência de conflitos de diversas naturezas, implicando vizinhos ou o trabalho, a maioria dos agricultores familiares negam tal existência ou considera­os como casos isolados. 13 Uma alternativa de reprodução social adotada pelos agricultores familiares, e que tem sido intensificada desde meados de 1980, especialmente no estado do Rio Grande do Sul é a agroindústria familiar. Havendo casos de sucessos e insucessos, o que foi possível identificar é que as diferenças existentes entre diversas Agroindústrias e as diferenciações criadas no processo não se explicavam apenas pelas “condições materiais existentes”. Tais explicações precisaram ser buscadas no posicionamento estratégico dos agentes do desenvolvimento. Neste sentido, as contribuições de Schumpeter (1982), especialmente na forma como identifica o fenômeno do Desenvolvimento, podem contribuir numa leitura interessante da realidade e inclusive na identificação de possibilidades de intervenção das políticas públicas no fomento ao desenvolvimento. Para Schumpeter (1982), o desenvolvimento pela inovação, com sua concepção de inovação abrindo um leque de alternativas para tantas “novas combinações” – novo para a família de agricultor familiar e não para o mercado, no sentido de adoção de uma nova utilização para a matéria prima, um novo processo produtivo, novo produto ou serviço, novos mercados, nova organização – o emprego diferente dos fatores de produção para produzir novos bens ou os mesmos bens com técnicas diferentes numa forma mais eficiente; num processo de “Destruição Criadora” – implica fatores de produção dos bens antigos, criando novos bens. Por outro lado, a partir das leituras de Putnam (2000) e apropriando­se da noção de capital social, pôde­se associar o que está presente nos exemplos de iniciativas que estão dando certo, nota­se presente uma certa troca de informações, vantagens, existindo um certo nível de “confiança”, e até favorecimentos entre os agentes envolvidos e que, claramente se observa que ambos apresentavam algum crescimento e um certo desenvolvimento em direção aos seus objetivos e, de certa forma são alcançados objetivos comuns. No acompanhamento do estudo de caso sobre agroindústria familiar, incorpora­ se e considera­se esse “associativismo” presente entre os agricultores familiares, de pequena propriedade e de representativa, porém não determinante origem italiana e germânica, onde são bastante presentes nos traços culturais, as relações de troca e fidúcia. Comportamento justificado quando, no seu dia­a­dia freqüentam associações, 14 igrejas e reuniões em escolas, cooperativas e associações em suas respectivas localidades, o que tem contribuído para gerar laços de confiança. Situação que vem a contrastar com a situação vivenciada por algumas agroindústrias familiares, que já se encontram exportando seus produtos para outros países. Esta combinação de posicionamento estratégico associado com a idéia de identificação de gargalos, em direção a uma meta comum entre os atores, representa um potencial como metodologia de diagnóstico para então alcançar definição de alternativas concretas de atuação dos agentes ou atores do desenvolvimento e do Estado, através de Políticas de Desenvolvimento. 6. Considerações finais Neste estudo foram discutidas as diferentes noções em torno da idéia de sustentabilidade e suas implicações a partir do comportamento tradicional do agricultor familiar, e suas relações sociais. Outra questão apresentada é como a concepção de agricultura sustentável, as noções de progresso e desenvolvimento da forma como foram adotadas no caso brasileiro, vieram a influenciar o produtor familiar a adotar alternativas de desenvolvimento e produção em busca de sua sustentabilidade. Finalmente, apresentam­se algumas formas de sociabilidade vigentes na região predominantemente de agricultores familiares, fortalecendo seus padrões de convivência que ainda podem ser observados mesmo numa situação de economia globalizada, o que constitui­se nos elementos essenciais do capital social. 15 Referências Bibliográficas: ABRAMOVAY, Ricardo. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. Economia Aplicada. v.4. n.2. abril/junho 2000. ALMEIDA, Jalcione; ZANDER, Navarro. Reconstruindo a agricultura: Idéias e idéias na perspectiva do desenvolvimento. UFRGS: Porto Alegre, 1998. ALTIERI, M.A. Agroecology: the scientific basis of alternative agriculture. 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