A aparência social da moda The social appearance of fashion Lucia ACAR, Dra.1 Resumo: A pluralidade, como uma marca do contemporâneo integra e socializa as pessoas. Cria pertencimentos, mas não para ser plural! Queremos a singularidade de nossa vontade e estamos sempre à procura da satisfação de nossos desejos. Ser singular em uma sociedade plural! A moda como um fenômeno altamente simbólico, estabelece-se como uma pele social onde, por meio da roupa, os indivíduos se expressam e se colocam na sociedade a partir da construção de sua aparência. Palavras-chave: moda; imagem; sociedade. Abstract: Plurality, as a mark of contemporary integrates people and socialize. Create belongings, but not to be plural! We want the uniqueness of our wills and we are always looking for satisfaction of our desires. Being singular in a plural society! Fashion is a highly symbolic phenomenon, establishing itself as a social skin, through clothing where individuals express themselves and place themselves in society. Keywords: fashion; image; society. Introdução Este trabalho tem por objetivo observar a moda como uma criação que possui uma linguagem que se expressa partir de muitos aspectos da vida. Faz-se presente no cotidiano e constitui-se como um fenômeno social da atualidade que possibilita expressões tanto individuais quanto coletivas, fornecendo significados em um mundo complexo constituído de práticas e comportamentos estandardizados. Na beleza , a arte sempre transitou e cumpriu seu papel com maestria, e atendeu aos anseios dos mais exigentes e sensíveis fruidores. Na utilidade, os processos técnicos e industriais proporcionam a qualidade necessária ao padrão de exigência do consumidor. Mas como reunir beleza e utilidade em uma única atividade, sem 1 Doutora em Sociologia – IUPERJ, Mestre em Ciência da Arte – UFF • [email protected] REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 22 perder a parte sensível e emocional da arte com a praticidade e utilidade do objeto de uso comum? A Moda, associada ao Design e a Arte pode cumprir este papel porque está sempre em sintonia com a inovação, seja de processos, seja de formas, seja de comportamentos. Esta união da moda com o design e arte cria uma rede interdisciplinar que constrói um diálogo intenso e produz objetos que preenchem questões estéticas além de também atender às necessidades funcionais das pessoas posicionando-as socialmente. A moda - arte - design, constitui-se como uma das principais referências que ajudam a traduzir e dar significados à contemporaneidade, influenciando hábitos, costumes e comportamentos, além de ser um importante indicador da cultura. Com o “fim das grandes narrativas de referência: o marxismo, o freudismo, o positivismo que haviam constituído a episteme moderna” (MAFFESOLI, 1988), surgem possibilidades de “pequenas ideologias” que configuram uma imagem de horizontalidade em detrimento a uma perspectiva vertical de poder, que tem na moda e em sua democratização, um lugar de expansão onde processos artesanais e industriais se completam e se valem da criatividade como um traço característico e inerente ao humano. Como bem observa a professora e pesquisadora Nizia Villaça (VILLAÇA, 2007), foi a partir dos anos 60 que “o mundo da moda efetivamente se qualifica como um lugar para discutir e/ou legitimar os processos de subjetivação” permitindo a abertura de espaços onde as aparências corporais possibilitariam uma “leitura de investimentos simbólicos” de questões de gênero, étnicas, etárias, políticas, “criando um clima constituído pela gestualidade e forma do corpo, tom de voz, roupas, discurso, escolhas no campo de lazer, da comida, da bebida ou do carro”. Isto se efetivaria a partir da escolha em seguir os hypes da moda, bem como com a customização de estilos valorizando a criatividade, tanto individuais como coletivas, como fizeram os jovens dos anos 60. Para a pesquisadora, hoje a agenda veloz da moda mediada pelo mercado global faz com que os estilos se misturem e se tornem fluidos, híbridos e cria o que ela denomina de “supermercado cultural”, o que favoreceria o âmbito simbólico da moda. A partir de muitas aproximações e definições, neste trabalho iremos analisar alguns conceitos que consideramos mais pertinentes permitindo ver a moda como: 1. Epifenômeno superficial relativo ao vestuário; 2. Incentivadora do consumo; 3. Uma possibilidade de articulação e mediação entre individuo e mundo. REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 23 A moda como um epifenômeno superficial relativo ao vestuário Na multiplicidade do cenário contemporâneo, a Moda, além de ser um epifenômeno superficial relativo ao vestuário (GODARD, 2010), tem um papel de articulação e mediação entre individuo e mundo, constituindo-se como objeto de investigação a partir de abordagens distintas de disciplinas como a Sociologia, Comunicação, Antropologia, Economia, bem como através de seu objeto primário: a roupa, que antes de responder aos imperativos mercadológicos, cumpre seu papel principal, quase trivial, que é o de identificar o gênero humano. Só os seres humanos se vestem! E desta prática, o vestir-se, ninguém escapa! (YONNET, 1985) Uma das maneiras de se pensar a moda é vê-la como um fenômeno social que nasce a partir do surgimento das sociedades burguesas do Ocidente no inicio do século XIX e, mais precisamente, com as sociedades democráticas que se definem como um aglomerado de indivíduos iguais entre si. A imposição da moda como fenômeno social se dá a partir do instante em que a roupa deixa de ser somente um símbolo de distinção das posições sociais. A preocupação das classes médias com as aparências está no princípio de sua pretensão, disposição permanente para essa espécie de blefe ou de usurpação de identidade social que consiste em sobrepujar o ser pelo parecer, em se apropriar das aparências para ter a realidade, do nominal para ter o real, em tentar modificar as posições nas classificações objetivas, modificando a representação das categorias na classificação ou princípios de classificação. (BOURDIEU, 2007, P.52) É sabido que desde a Idade Média, as diferentes ordens se distinguiam pelas roupas peculiares, e em duas delas, o clero e a nobreza, a roupa significava a condição, a linhagem e, de maneira geral, a relação hierárquica. Nas classes mais baixas, ela permitia identificar profissões e diferentes atividades. No que tange ao estudo da moda, Veblen em sua obra “A Teoria da Classe Ociosa” traz uma contribuição que pode ser observada no capítulo intitulado “O Vestuário como expressão da cultura pecuniária”, onde ele afirma que «nenhuma linha de consumo proporciona exemplo mais adequado do que o dispêndio com o vestuário» o que significaria uma “respeitabilidade pecuniária», fazendo com que o uso do vestuário fosse um dos «modos de por em evidência a nossa situação pecuniária». (VEBLEN, 2004, p.79) O efeito agradável de vestuários elegantes e imaculados se deve principalmente – se não de todo – à sugestão de ócio que trazem, da isenção de contato pessoal com processos industriais de qualquer natureza. (...) O vestuário elegante serve a seu REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 24 propósito de elegância não apenas porque é dispendioso, mas também porque é a insígnia do ócio. Não apenas demonstra que quem o usa é apto a consumir um valor relativamente grande, mas ao mesmo tempo atesta que ele consome sem produzir. (VEBLEN, 2004, p.80) Neste sentido os trajes apresentariam a indicação da nossa situação pecuniária a todos quanto nos observam por estar sempre à vista, isto é: na superfície do corpo, bem como assinalavam a possibilidade de um uso social do vestuário. A diferenciação de classes provocada pelos patamares da indumentária, que para Veblen “deve ser compreendida como um efeito derivado da dinâmica do consumo ostentatório” (VEBLEN, 2004, p.82), em seu início estaria vinculado às elites, à burguesia e à aristocracia, excluindo as classes menos favorecidas. Existiam também as Leis Suntuárias que até meados do século XVIII proibiam o uso de certos tecidos e certas cores pelas classes mais baixas, reforçando assim a divisão de classes. Mas, a ascensão da classe burguesa, principalmente a partir da Revolução Francesa, marca a ruptura definitiva com as Leis Suntuárias e constitui uma etapa fundamental para que a moda (indumentária) deixe de ser reservada a nobreza e limitada a um grupo reduzido de indivíduos, e passe a atingir uma população bem mais vasta e constituir-se no que hoje entendemos por Moda. Independente do caráter artístico que tem a moda, as questões econômicas e sociais estão presentes no mundo fashion e produzem dentro deste universo um sistema de classes muito distinto, gerando estratégicas estéticas próprias aos seus diversos lugares sociais e econômicos. Em linhas gerais temos: no topo da pirâmide a Alta Costura destinada a uma minoria rica e tradicional, seguida de perto pela moda prêt-à-porter, mais comercial, voltada para a classe média alta e vendida em boutiques e shoppings de alto padrão. No caminho rumo à base da pirâmide encontramos o Fast Fashion (criação non-stop de oito, dez coleções por ano) e na base estaria o que se pode chamar de Moda Popular, com roupas comerciais e preços acessíveis às classes mais baixas da população, a chamada “modinha”. O fato de existir dentro da moda certa hierarquia entre a Alta-Costura, o Prêt-àPorter, o Fast Fashion e a Moda Popular, dentre outras categorias hoje empregadas, faz com que haja certa imposição nas formas de se vestir. Não claramente ou de maneira ditatorial, mas por adesão e por sentido de pertença. Uma obediência voluntaria as “não-regras” da moda. A aceitação social do: “você está na moda!” Este universo fashion, cheio de glamour e sedutor que transforma os estilistas em ícones de culto, as chamadas celebridades do mundo da moda. Conhecê-los, REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 25 acompanhar suas criações, estar a par das novidades conhecendo as tendências, pode ser símbolo de status e posição social, fazendo da moda um campo legítimo de experiências culturais, sociais e econômicas. No que se refere especialmente ao consumo de roupas, Bourdieu observou que as classes populares fazem um uso realista do vestuário ou, em outras palavras, um uso funcionalista. Privilegiam a função em relação à forma, escolhendo algo “que pode durar muito tempo”, ignorando a preocupação burguesa de introduzir a boa apresentação no universo doméstico, e “desleixam a distinção entre a roupa de cima, visível, destinada a ser vista, e a roupa de baixo, invisível ou escondida, ao contrário das classes médias que começam a ficar inquietas [...] com sua aparência externa, incluindo vestuário e cosmética”. (BOURDIEU, 2008, p.123). Em contraposição aos gostos de necessidade, que caracterizariam as classes populares, estão os gostos de luxo, que caracterizam os indivíduos que se distinguem pela distância da necessidade, pela liberdade, ou pelas facilidades garantidas pela posse de um capital. Dialogando com Norbert Elias, Simmel e Veblen, Bourdieu entende que a força propulsora da produção de novos gostos – inclusive no que se refere à moda – deve-se às estratégias de diferenciação utilizadas pelas classes mais altas em relação às mais baixas. Ou seja, tão logo o vestuário das classes mais altas perde a sua exclusividade, tem de ser substituído por novas modas que possam funcionar como marcadores de classe, o que já estava assinalado, na obra de Simmel (1858 – 1918) (SIMMEL, 2008, p.27). Isto porque, quanto maior for o número de pessoas que têm acesso a um determinado bem, menor será o seu valor distintivo. Assim, como aponta Svendsen, para Bourdieu “todo capital é relacionalmente determinado no sentido de que o valor de qualquer coisa depende do que os outros têm. Para que algo tenha um valor alto é imperativo que outros não o possuam” (SVENDSEN, 2010, p.59). A escassez pode ser determinante na atribuição de valor aos objetos e é um sinal de distinção. Está claro que a posse de um bem distingue e a questão do gosto define e reforça posições sociais; é certo também que o gosto, longe de algo ‘inerente’, é cultivado e apreendido conforme o “hábito”. Contudo, é difícil explicar a difusão e o consumo da moda apenas sob a perspectiva da distinção social. Sobretudo na contemporaneidade, o gosto é uma questão individual e a criação da moda se apoia cada vez mais em estilos e tendências advindos de diversas subculturas. E, embora a disseminação da moda ainda esteja em grande parte nas mãos de estilistas associados à Alta-Costura, e as camadas mais altas ajudem a valorizar e a tornar distintos determinados bens, para boa parte dos sujeitos as escolhas vestimentares são definidas por interesses pessoais e não por interesses de classe. Mais do que isso, a identidade e a coesão de grupos não são construídas tendo em vista exclusivamente hierarquias ou posições sociais. REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 26 A elevação do nível de vida, a cultura do bem estar, do lazer, e da felicidade imediata acarretam a última etapa da legitimação e da democratização das paixões de moda. Os signos efêmeros e estéticos da moda deixaram de aparecer, nas classes populares, como um fenômeno inacessível reservado aos outros; tornaram-se uma exigência de massa, um cenário de vida decorrente de uma sociedade que sacraliza a mudança, o prazer, as novidades. A era do prêt-à-porter coincide com a emergência de uma sociedade cada vez mais voltada para o presente, euforizada pelo Novo e pelo consumo. (LIPOVETSKY, 1989, p.28) A moda como incentivadora do consumo A moda espelha a sociedade e talvez seja o que condense e simbolize de maneira mais sintética o zeitgeist, o espírito do tempo, criando uma estrutura social de conexão com o presente, diferentemente da tradição que espelha o passado. Dentre as muitas relações da moda com outros campos de atividade, seguramente a arquitetura é hoje uma de suas principais parceiras, onde o passado e presente se juntam para projetar um futuro que se anuncia. Antigos prédios são restaurados por arquitetos de renome, como por exemplo, Tadao Ando que construiu a pedido do estilista Giorgio Armani, o que ele chama de teatro fashion em uma antiga fábrica de chocolates em Milão. Nos moldes de uma casa de ópera tradicional, com imponentes e austeras colunas de concreto e uma majestosa escadaria, foi criado este espaço de desfiles para glamurizar ainda mais e dar mais visibilidade às celebridades que se dirigem a fila A. Outro exemplo de parceria de sucesso é também o desenvolvimento de produtos de moda por arquitetos como Zaha Hadid criando formas para as sandálias Melissa que remetem a seus belos projetos arquitetônicos, bem como os licenciamentos de estilistas para a comercialização de suas marcas em produtos de design e voltados ao mercado do luxo. As novas elites estão na mira da moda, que precisa manter um equilíbrio perfeito entre a clientela tradicional e as celebridades que garantem a atração da mídia. “A indústria cinematográfica com grande potencial para negócios, também funciona como uma passarela para a moda onde são criados figurinos por estilistas famosos, a exemplo de: Givanchy em “Cinderela em Paris”; Yves Saint Laurent em” “A Bela da Tarde”; Armani e Ralph Laurent vestindo Wood Allen em “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, funcionando como uma grande vitrine de consumo. Basta lembrar do recente sucesso de “Sex and the City” onde Carrie REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 27 Bradshaw ( Sarah Jessica Parker ) “vende” tudo que orbita ao seu redor ou está sob seu corpo. O livro “What Money Can’t Buy, The Moral Limits of Markets” do filósofo de Harvard, Michael Sandel, apresenta um cenário muito instigante no qual os mercados atuam como grandes invasores comerciais da contemporaneidade, assinalando uma tendência que em sua interpretação tem um aspecto bastante negativo: Nas últimas três décadas, passamos de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. A economia de mercado é uma ferramenta para organizar uma atividade produtiva. Mas uma sociedade de mercado é um lugar em que tudo esta à venda, em que valores do mercado governam todas as esferas da vida. (SANDEL, 2012, p.36) Esta mudança na vida social das pessoas promove um alargamento das concepções e práticas cívicas onde as relações se estabelecem a partir de comportamentos comerciais influenciados pela lógica do mercado. Quando terceirizamos as guerras para empreiteiras privadas e quando temos filas separadas para as regras de segurança nos aeroportos, e que são menores para os que podem pagar, o resultado é que a vida se divide e são erodidas as instituições que aproximam as classes sociais e os espaços públicos que forjam um senso de experiência comum e de cidadania compartilhada. A perda de espaços comuns e compartilhados, onde diferentes classes se encontram na vida diária, não promove uma sociedade inclusiva e justa, mas ao contrário, produz cidadãos que estão separados por diferentes estratos sociais e uma “marketização da vida pública”. Há a necessidade urgente de se repensar a atuação dos mercados, que ao invés de separar deveriam estar comprometidos em construir instituições que promovessem a aproximação de classes. Sandel conclui que a democracia não é uma “perfeita igualdade”, mas a possibilidade de uma vida compartilhada onde as diferenças são negociadas e respeitadas. (SANDEL, 2012, p.42) Uma sociedade democrática e inclusiva é o anseio da grande maioria de pessoas. Mas para que isso possa ser implementado é preciso compreender os mecanismos que regem os processos sociais, onde é possível perceber que a moda pode fomentar mecanismos como a afirmação, onde os indivíduos e grupos sociais imitam-se e diferenciam-se por meio das práticas do vestuário, bem como ser uma potente fonte de estímulos para o consumo. REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 28 Neste novo modelo de “sociedade de mercado” a moda é sem dúvida um dos agentes facilitadores, pois sua dinâmica socializadora permite a sensação de inclusão e igualdade conseguida com a adoção de looks que compõem as aparências socais, e que são construídas pelos indivíduos em suas estratégias de socialização e status.·. Não existe um sentido único para a palavra ‘moda’, pois o termo adquire significados variados ao longo da história ocidental, além de abrigar múltiplas facetas. Se a moda possui uma dimensão de alto conteúdo cultural, simbólico e criativo, ela também possui uma vertente mercadológica, gerencial e de negócio, que se relaciona às suas possibilidades de inserção no mercado; além disso, há uma faceta tecnológica, ligada às possibilidades técnicas existentes em um determinado momento para a fabricação de tecidos, de uso de novas matériasprimas e cores. Em função de seu caráter de inovação, lançamento de novas tendências, rupturas com padrões antigos ou mesmo de ressignificação de elementos do passado, a moda mantém um dialogo constante com a arte. Na relação entre Arte - Moda pode-se ver ampliada a capacidade de revelar ações políticas, sociais, culturais e econômicas, pois as produções (principalmente as artesanais) de moda apelam ao sensível e aos sentidos, oferecendo um tecido social e plástico que reproduz a sociedade circundante refletindo questões sociais da contemporaneidade com uma estética que vai de encontro aos desejos e anseios dos indivíduos. Aberto este campo de possibilidades, e influenciados pelas vertentes artísticas, basicamente a partir do começo do século XX, os estilistas passaram a ver nessa união grandes possibilidades de criação, pois os objetos por eles criados além de atenderem às questões funcionais, despertavam a sensibilidade e alteravam comportamentos. Além disso, perceberam que na relação da moda com a arte as ideias, conceitos e criatividade não morreriam com bombas ou repressões das ditaduras sociais, mas inscreveriam-se nos corpos produzindo marcas e história. Assim, a moda se presta à arte numa nova maneira de leitura do corpo e a arte por sua vez, encontra um novo canal de comunicação. A moda como uma possibilidade de articulação e mediação entre individuo e mundo Como processo inseparável do nascimento e do desenvolvimento do mundo moderno ocidental, a moda evidencia mudanças históricas em que as singularidades aparecem, permitindo maior autonomia dos agentes sociais REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 29 em termos de estética das aparências. A moda permite aos indivíduos mudar e inventar a sua maneira de aparecer, sendo um dispositivo de reconhecimento social. Sabe-se que a moda esta ligada ao luxo e a superficialidade, ao glamour, à beleza, porém é importante assinalar que o senso estético constitui a dimensão de uma relação global com o mundo e os outros, e cria um estilo de vida onde se exprimem determinadas condições de existência social. Por meio da moda, o sujeito é reconhecido socialmente, ao mesmo tempo em que pode se diferenciar do todo (SIMMEL, 2008, p.33). Como elemento de expressão individual, a moda traduz a cultura do indivíduo que, ao consumir moda, consome também uma rede de elementos subjetivos capaz de representálo em sua diversidade. Como forma de representação individual, a moda é capaz de expressar subjetividade, ser espelho de hábitos e gostos pessoais, revelar singularidades, assim como também pode ser situada em um contexto maior, em uma dada sociedade, e ser vista como elemento de expressão coletiva, pela capacidade de transmitir valores, hábitos e costumes de um determinado grupo social, além de transgressões e rupturas (LIPOVETSKY, 1989). Assim, a moda expressa valores, ideias, modos de ser e agir, hábitos, costumes, poder, situação social – tanto coletivos, quanto individuais – situados em determinado tempo e espaço. Nesse sentido, é parte constituinte dos sistemas culturais vigentes, perpassando pelo campo social, econômico, político e ideológico. A partir das considerações de Simmel sobre a moda, onde ela é vista como um fenômeno sociológico universal em função das tensões sociais provocadas em seu campo de atuação podemos apontar para questões de diferenciação e imitação como parte da dualidade dos indivíduos, pois “não há uma certa relação quantitativa entre os impulsos de individualização e de imersão na comunidade” (SIMMEL, 2008 p.47). A individualização através das estratégias de diferenciação permitidas pelas variações de roupas, bem como a adoção de tendências de moda fornecem uma sensação de segurança e um alívio ao indivíduo por seu gosto evitando que tenha que assumir a responsabilidade por suas escolhas. Desde o colapso das estruturas sociais tradicionais e seus marcos regulatórios, como no caso das leis suntuárias, a tendência parece ser uma possibilidade de inclusão e de identificação dos indivíduos com seu ambiente social. A dinâmica de diferenciação e de imitação contribui significativamente para importantes aspectos da vida social. Seja como fato ou como tendência, a semelhança com os outros não tem menos importância que a diferença com relação aos demais; semelhança e diferença são, de múltiplas maneiras, os grandes princípios de todo o desenvolvimento externo e REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 30 interno. Desse modo, a história da cultura da humanidade deve ser apreendida pura e simplesmente como a história da luta e das tentativas de conciliação entre esses dois princípios. Bastaria dizer que, para a ação no âmbito das relações do indivíduo, a diferença perante outros indivíduos é muito mais importante que a semelhança entre eles. A diferenciação perante outros seres é o que incentiva e determina em grande parte a nossa atividade. Precisamos observar as diferenças dos outros caso queiramos utilizá-las e assumir o lugar adequado entre ele. (SIMMEL, 2008, p.51) As escolhas dos looks cotidianos vão de encontro aos nossos anseios diários, tais como atividades exercidas, locais de permanência ou passagem, encontros e interações com outros indivíduos e grupos e isto contribui para o reconhecimento social, permitindo que consideremos a moda como um fenômeno que faz parte da vida social e concilia diversas dimensões da existência. Permite também perceber a dualidade humana apontada por Simmel na qual o indivíduo precisa equilibrarse em ser singular em uma sociedade plural. Conclusão A pluralidade, como marca do contemporâneo cria pertencimentos, integra e socializa as pessoas e estar em um mundo plural e globalizado provoca uma abertura dos processos de identidade. Não vivemos mais como as antigas sociedades tradicionais, que olhavam o passado como norteador do presente e apresentavam um indivíduo inteiro que acertava em suas projeções de futuro. Hoje, os “sujeitos fragmentados”, conceito desenvolvido por Stuart Hall (HALL, 2008) ou “indivíduos incertos” formulados por Ehrenberg (EHRENBERG, 1995), possuem identidades fluidas, híbridas, onde não há uma valorização do passado, mas um presente intenso, dinâmico e sufocante devido à exigência cotidiana de acompanhar as rápidas transformações a que estão submetidos. A vida contemporânea mediada pelo mercado de estilos, pelas práticas sociais e comportamentos globalizados que interconectam imagens e lugares, e como observa a pesquisadora Nizia Villaça, fazem com que as identidades flutuem livremente produzindo uma espécie de “supermercado cultural” (VILLAÇA, 2007, p.159). É neste cenário que o imaginário da moda vai alterando conceitos, comportamentos e aparências que homogeneízam lugares e indivíduos distantes, mas ao mesmo tempo despertam características singulares e locais. REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 31 As novas corporeidades, além de ser um fator social que promove uma ligação sutil entre individuo e mundo, se apresentam como uma cultura das aparências onde acontecem as vivências urbanas que constroem novos indivíduos e espaços sociais. Não são mais os grandes heróis ou líderes que exercem encanto, mas os heróis midiáticos que surgem construídos por uma lógica de mercado, voltada para uma comunicação imediata, disseminando atitudes e gestos que vão ajudar a construir as singularidades globalizadas. Esses novos heróis não são de longa duração, mas efêmeros como a moda, que precisa renovar-se a cada estação e provocar novas afinidades e tendências. A visibilidade e a performance como marcas do contemporâneo, cada vez mais abolem modelos e regras sociais, que se tornam cambiantes e são substituídas por uma autonomia do individuo que busca seu próprio reconhecimento, uma cultura do SELF que os estimula a serem empresários de si mesmos na busca de sucesso e visibilidade, caracterizando uma consequente suspensão das certezas que encontra na moda um vetor de possibilidades e realização por possuir a capacidade de editar, de selecionar o que é pertinente ou não, por meio de nossas identificações e escolhas... Uma curadoria essencial e fundamental! Referências bibliográficas BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. RS: Zouk, 2007 _______. A Produção da Crença. RS: Zouk, 2008. GODART, Frédéric. Sociologia da Moda. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2010. ERENGHERG, Alain. L’invividu incertain. Paris: Calmann-Lévy, 1995. HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. 8ª ed. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2008. LIPOVETSKY, Gilles. O Império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. SP: Companhia das Letras, 1989. MAFFESOLI, Michel. Le temps des tribus: le déclin de l’individualisme dans les sociétés postmodernes. Paris, Méridiens Klincksieck, 1988. REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 32 SANDEL, Michael. What money can’t buy: the moral limits of markets. New York: FSG, 2012,. SIMMEL, Georg. A Filosofia da Moda e outros escritos. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2008. SVENDSEN, Lars. Moda: uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. VEBLEN, Thorstein. A Teoria da Classe Ociosa. Espanha: Fondo de Cultura, 2004. VILLAÇA, Nizia. A edição do Corpo: tecnociência, artes e moda. RJ: Estação das Letras, 2007. YONNET, Paul. Jeux, Modes et Masses. Paris: Gallimard, 1985. REVISTA ÁQUILA • ANO VII • SETEMBRO 2016 • ESPECIAL COMUNICAÇÃO, DESIGN E ARQUITETURA 33