BIOÉTICA INTRODUÇÃO: Desde os primórdios o homem se vê diante de conflitos éticos e morais que têm como fundamento e objeto a vida. Modernamente, esta preocupação ganhou proporções mundiais com a descoberta das atrocidades cometidas ao povo judeu quando da 2ª guerra mundial. Entre 1945 e 1946 estas atrocidades foram julgadas e condenadas por um Tribunal supranacional instalado em Nuremberg, cujo julgamento deu origem ao Código de Nuremberg que, durante muito tempo, regulou soberanamente as regras relativas à experimentação em seres humanos. Logo após, em 10 de dezembro de 1948, a ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo corpo de normas foi edificado em um sistema de valores e princípios de aplicabilidade geral, abstrata e supranacional, tornando-se assim o primeiro documento normativo de caráter universal aceito de forma livre e expressa pela maioria dos homens. CONCEITO: Mas afinal o que é Bioética ? O termo Bioética surgiu pela primeira vez em 1971 na obra do oncologista americano Van Rensselaer Potter, denominada “Bioética uma ponte para o futuro”, referindo-se a uma disciplina que seria uma ponte ou uma ligação entre os avanços da ciência e a busca pela qualidade de vida da humanidade, apesar da forte conotação ecológica. Posteriormente, outras contribuições importantes foram dadas para se estabelecer os novos rumos e abrangências da Bioética, sendo de se destacar a grandiosa contribuição dada pelo obstetra e fisiologista holandês André Hellegers, também, no ano de 1971. Apesar de não mais possuir o mesmo significado, que o pioneiramente proposto, ou seja, uma bioética exclusivamente voltada para a proteção do meio ambiente, é certo que atualmente Bioética é entendida como a ciência multi ou transdisciplinar que tem por objeto o estudo e o debate das consequências advindas ao ser humano e ao meio ambiente com o desenvolvimento e evolução das ciências biomédicas. Portanto, a Bioética tem por objetivo a reflexão do avanço da biotecnologia frente às mudanças ocorridas na ciência, no meio ambiente e as conseqüências destas sob os seres humanos e o planeta. O objeto de atuação da Bioética, portanto, surgiu com a tomada de consciência do homem de que ele é parte integrante e atuante do meio em que vive. Desta forma, suas intervenções no meio devem ser pensadas e refletidas para que não seja vítima de suas próprias ações. Em um primeiro momento, a Bioética foi entendida como preservação do meio ambiente e da biodiversidade. Com o avanço da biotecnologia houve a ampliação da utilização do termo para uma ética aplicada às ciências biomédicas. A Bioética, desta forma, tem por objeto garantir que as experiências, as intervenções médicas e as questões voltadas para a saúde e para a biomedicina, sejam efetuadas levando-se em conta, em primeiro lugar, os padrões éticos e de respeito à dignidade humana, desde as que tratam do início da vida, como a fertilização in vitro, a clonagem e a criopreservação de gametas, como as que culminam com a extinção da pessoa, como por exemplo, a eutanásia, os transplantes de órgãos, as disponibilidades em CTI, etc. PRINCÍPIOS: O estabelecimento dos princípios da Bioética decorreu da criação, em 1974, pelo Congresso Nacional dos Estados Unidos de uma comissão encarregada de identificar e propalar os princípios éticos básicos que deveriam nortear a proteção da pessoa humana na pesquisa biomédica. Quatro anos mais tarde, em 1978, foi publicado o Relatório Belmont, conhecido como Belmont Report, contendo três princípios básicos : O princípio da autonomia, o da beneficência e o da justiça. O princípio da autonomia se inspira no respeito ao outro e na dignidade da pessoa humana, a qual será tratada como sujeito autônomo e livre na busca da melhor decisão para sua pessoa, portanto, será necessário levar em consideração o desejo, a vontade e a liberdade de expressão e de agir do paciente e nunca subjugar seus anseios, opiniões, crenças e escolhas. Não existe mais o médico como sujeito e o paciente como objeto sendo que este princípio propõe uma igualdade e autonomia no gozo dos direitos e na observância das obrigações. O princípio da beneficência e, por consequência a não-maleficência, em conjunto, significam que o médico ou o profissional da saúde devem evitar provocar danos aos seus pacientes, maximizando os benefícios e minimizando os riscos possíveis, buscando sempre o seu bem-estar. E o princípio da justiça propõe a imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, levando-se em conta as desigualdades entre as pessoas, sejam sociais, morais, físicas ou financeiras e, também, a dignidade da pessoa humana e a recusa total a qualquer tipo de violência. Além dos princípios acima propalados é certo que a evolução doutrinária vem propondo novos princípios ordenadores da bioética, como por exemplo o princípio da boafé, o princípio da autonomia privada, o princípio da precaução, dentre outros. BIODIREITO CONCEITO: Em relação ao Biodireito, que alguns incluem nos chamados direitos de quarta geração, podemos dizer que ele surgiu em razão da evolução da ciência na área da biotecnologia. A tarefa da Bioética foi a de harmonizar e disciplinar o uso das ciências e evoluções da Biomedicina com os chamados Direitos Humanos, levando, por consequência, ao surgimento de regras de conduta que culminaram com o aparecimento de um novo ordenamento jurídico, ou seja, o Biodireito. O Biodireito, surgiu, portanto, como o “novo seguimento de conhecimento jurídico que tem a vida por objeto principal”1, sendo que, nas palavras do Catarinense Tycho Brahe Fernandes “o biodireito nada mais é do que a produção doutrinária, legislativa e judicial acerca das questões que envolvem a bioética. Vai desde o direito a um meio-ambiente sadio, passando pela tecnologias reprodutivas, envolvendo a autorização ou negação das clonagens e transplantes, até questões mais corriqueiras e ainda inquietantes como a dicotomia entre a garantia constitucional do direito à saúde, a falta de leitos hospitalares e a equânime distribuição de saúde à população.”2 Portanto, o Biodireito tem por objeto o estudo e a preocupação ética com a proteção do ser humano como individualidade físico-genética-psíquica” 3. O aparecimento do Biodireito não significa a subjugação ou diminuição da importância da Bioética, pois a mesma permanece e é fonte e base do Biodireito que somente surge quando a Bioética deixa o campo axiológico e é positivada pelo ordenamento jurídico. O Biodireito, desta forma, é o ramo do Direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência e que regula de forma positivada os avanços da biomedicina e da biotecnologia, sendo certo e inequívoco que as leis que vierem a regular a Bioética devem necessariamente se adaptar às evoluções futuras da ciência, tendo sempre em vista a ética e a dignidade da pessoa humana, sob pena de serem obsoletas e de servirem como entrave às evoluções tecnológicas. PRINCÍPIOS: Os princípios do Biodireito devem se submeter, por consequência lógica, aos princípios ordenadores do ordenamento jurídico vigente, princípios estes insculpidos pela Constituição Federal de 1988. Tais princípios, compreendem em sua maioria, os direitos fundamentais do homem e dos seus valores fundamentais, como o direito à vida, a liberdade, a dignidade da pessoa humana e a solidariedade. Apesar da Bioética possuir princípios próprios que lhe são inerentes é certo que o Biodireito deve levá-los em conta, mas deve sempre ter em mente os princípios constitucionais reguladores do ordenamento jurídico vigente. Portanto, os princípios constitucionais, juntamente com os princípios da Bioética, constituem o cerne estrutural do Biodireito. ! " # $ #% ) *! + , , -& & ! ' ( $ $ & SCREENING NO TRABALHO PARA DEPENDÊNCIA QUÍMICA NAS FUNÇÕES DE RISCO Pensamos que o exame precoce, ou chamado screening, para dependência química nas funções de risco deve ser visto com cuidados, seja na visão do Biodireito ou na visão de nosso legislador Constituinte. O filósofo da moral, Kant, através de seu imperativo categórico, afirmava que todas as normas decorrentes da vontade legisladora dos homens precisariam colocar o homem no centro de suas finalidades, primando pela observância de sua dignidade. Portanto, qualquer legislação elaborada pela razão prática deve levar em conta, como sua finalidade suprema, a realização do valor intrínseco da dignidade humana. Nosso legislador constituinte erigiu a dignidade humana a princípio fundamental de nosso ordenamento jurídico, em seu artigo 1º, III, fazendo com que todas as legislações e normas infra-constitucionais levem em conta esta dignidade como base de suas políticas legislativas. Sabemos, também, que os valores sociais do trabalho e de livre iniciativa são princípios fundamentais (artigo 1º, IV), como são garantias fundamentais de qualquer pessoa o direito a inviolabilidade de sua intimidade, de sua vida privada, de sua honra e de sua imagem, sendo assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de qualquer violação a estes direito, como estipula o artigo 5º, inciso X de nossa C.F. Queremos com isto alertar que agora precisamos pensar no ser humano como centro de todas as nossas preocupações e políticas e desta forma repensar: até que ponto estes exames precoces e investigativos ferem a dignidade do trabalhador? Sabemos que as funções de risco devem ser exercidas por pessoas sãs, capazes, sóbrias e em pleno uso de suas faculdades mentais, tendo em vista que suas atividades laborais podem colocar em risco a vida de várias pessoas e da comunidade, mas também sabemos que o desvirtuamento de conduta do trabalhador que trabalha em área de risco pode ser aferido por outros meios menos invasivos e indignificantes. Em nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da boa-fé e nenhuma relação dependente de mais fidúcia, confiança e boa-fé, do que a relação de trabalho. É livre a contratação de empregados e justamente por isso as pessoas são contratadas em face do perfil que apresentam ao empregador quando da contratação. Este, por sua vez, para decidir por uma contratação, tem todo o direito de realizar testes de triagem, de aptidão, psicotécnicos, exames clínicos e admissionais e todo o aparato investigativo que estiver a seu alcance, mas uma vez contratado forma-se entre empregador e empregado um contrato de trabalho que tem como base uma confiança recíproca, ou seja, a do empregador na certeza do exercício correto da função indicada e a do empregado no recebimento da gratificação avençada se cumprir à determinação patronal. Rompida esta confiança, qualquer das partes pode requerer o rompimento deste contrato de trabalho, não se exigindo nem mesmo menção à causa que levou ao rompimento. O problema está em saber se as duas partes estão cumprindo o seu papel nesta relação contratual. No caso do empregador é mais simples, pois basta averiguar se suas obrigações, relativas ao pagamento da remuneração de seus empregados, estão sendo cumpridas. Mas no caso do empregado, especialmente nas funções de risco, fica difícil averiguar se está exercendo ou não tais funções e se às faz no pleno uso de suas habilidades e faculdades. Para tanto, evoluiu a nossa medicina para testes dignósticos precoces que tem como função averiguar se o empregado está ou esteve sob o uso de drogas e/ou bebidas. Ocorre que a feitura de exames precoces, ao que parece, já indica que o empregador não confia em seus empregados e até mesmo invade sua vida privada para investigar se ele faz ou não uso de drogas e de bebidas alcoólicas, mesmo que apresente-se totalmente sóbrio e ‘limpo’ para trabalhar. Poder-se-ia até mesmo questionar: Mas aquele que já consumiu drogas uma vez não pode facilmente consumi-las novamente durante a jornada de trabalho e causar um acidente? Com o que respondemos: E aquele que nunca as consumiu também não poderia, se é de hipóteses que estamos falando, iniciar o seu consumo durante a jornada de trabalho e da mesma forma causar um acidente?, ou, Acidentes não podem ser causados por pessoas sóbrias ? Acreditamos que existem outras formas de se averiguar o desvio de conduta dos empregados que trabalham em áreas de riscos e até mesmo de se prevenir acidentes de trabalho, tais como um exame admissional abrangente e eficaz para investigar se o perfil do candidato se encaixa no da empresa, supervisionamento especializado para os trabalhadores de área de risco, monitoramento constante de suas atividades, cursos de aperfeiçoamento e conscientização e vários outros meios que podem, no caso concreto, serem mais eficazes do que testes clínicos periódicos invasivos. É importante diferenciarmos os exames médicos periódicos que tem por objetivo avaliar a saúde do empregado exposto a áreas de risco ou insalubres daqueles que somente servem para verificar se os empregados fazem ou já fizeram uso de drogas ou bebidas alcoólicas. O objetivo primário da prática da medicina do Trabalho é o de salvaguardar a saúde dos trabalhadores e de promover um ambiente de trabalho seguro e salubre e, neste caso, justifica-se plenamente a feitura dos exames que visam, pura e simplesmente, a saúde do empregado. Após discussões que duraram mais de cinco anos, foi aprovado no âmbito da Comissão Internacional de Saúde Ocupacional (ICOH) o Código Internacional de Ética para os Profissionais de Medicina do Trabalho, sendo que seus três princípios básicos podem assim ser resumidos: 1º - A prática da medicina do Trabalho deve ser realizada de acordo com os mais elevados padrões e princípios éticos, primando pela saúde dos trabalhadores 2º - O médico do trabalho deve visar a proteção da vida e da saúde dos trabalhadores, respeitando a dignidade humana e agindo com integridade, imparcialidade e com confidencialidade de suas atividades; 3º - Os profissionais de Medicina do Trabalho são profissionais especializados que devem gozar da máxima independência profissional no exercício de suas funções. A bioética, conforme acima dito, tem como um de seus princípios a Autonomia da vontade do paciente que precisa consentir e ser claramente informado das atividades médicas que nele serão realizadas, sendo, também, princípio bioético o de que toda intervenção médica ou pesquisa em seres humanos deve evitar provocar danos aos seus pacientes, maximizando os benefícios e minimizando os riscos possíveis, buscando sempre o seu bem-estar. Os exames precoces, portanto, quando realizados apenas com o fito de investigar a conduta dos empregados, acabam por invadir a sua vida privada e sua intimidade e ferindo, portanto, a sua dignidade, na medida em que atestam até mesmo o consumo de drogas e bebidas alcoólicas ocorridos à vários dias ou anos antes de sua realização e, desta forma, não promovem a saúde e nem maximiza benefícios para o empregado. Apesar de serem considerados medidas administrativas preventivas, estes exames não devem ser realizados com o objetivo de exclusão e de seleção de empregados infalíveis, pois neste caso adquirem um caráter muito mais restritivo e seletivo, impedindo o acesso ao emprego, do que uma preocupação real com a proteção da saúde e prevenção de danos ao trabalhador. Na atualidade, a legislação trabalhista vigente, particularmente, a Norma Regulamentadora No. 7 , que disciplina o PCMSO estabelece os parâmetros para um Programa de Saúde, e não simplesmente a emissão de “atestado médico de saúde”. Estes exames precoces, caso não sejam vistos sob os olhos protetivos da dignidade humana, podem levar ao absurdo da exclusão social e do mercado de trabalho por discriminação genética. Os exames genéticos permitem determinar a probabilidade de uma pessoa poder vir a sofrer, ou não, de uma doença hereditária cujos sintomas só se manifestarão anos depois e tais exames poderiam ser utilizados pelas empresas para contratarem ou não seus funcionários, excluindo da contratação aqueles que possivelmente tenham probabilidade de ficarem doentes. Às empresas apenas é lícito informar-se sobre o estado de saúde atual dos seus futuros trabalhadores, sendo-lhes vedado o acesso à informação sobre o seu previsível estado de saúde no futuro. A nível de exames genéticos a Resolução sobre os Problemas Éticos e Jurídicos da Manipulação Genética de 16 de Março de 1989 do Parlamento Europeu consagra o caráter voluntário destes exames, afirmando que "as análises genéticas e as consultas correspondentes possam ser orientadas exclusivamente para o bem-estar das pessoas em questão, sempre com caráter voluntário, e os resultados da pesquisa sejam comunicados aos interessados, se estes assim o desejarem..", sendo que esta mesma Resolução previu que os trabalhadores têm o direito de recusarem a efetuar exames genéticos e de não serem alvo despedida por essa razão, proibindo a seleção de trabalhadores por este critério genético. Em algumas atividades de risco, especialmente as que envolvem grande potencial de dano para a comunidade, em face desta proteção difusa e social, torna-se possível, no caso concreto e averiguadas as suas peculiaridades, a utilização dos exames periódicos, mas desde que tais exames sejam confiáveis e preditivos, com preferência para os métodos não invasivos e a exames que não oferecem risco à saúde dos trabalhadores, e desde que precedidos de termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelo empregado. É o que estabelece o artigo 12 do Código Internacional de Ética para os Profissionais de Medicina do Trabalho aprovado no âmbito da Comissão Internacional de Saúde Ocupacional (ICOH) : “Monitorização Biológica 12. Exames biológicos e outras pesquisas de laboratório devem ser escolhidos em função de sua validade para proteger a saúde do trabalhador, levando em conta a sensibilidade, a especificidade, e o valor preditivo destes exames. Os profissionais de Medicina do trabalho não devem utilizar exames de screening ou testes laboratoriais que não são confiáveis ou que não têm suficiente valor preditivo para o que é requerido em função do posto de trabalho específico. Sendo possível escolher, e sempre que apropriado, deve ser dada preferência a métodos não invasivos e a exames que não oferecem risco à saúde dos trabalhadores. A indicação de algum exame invasivo ou que oferece algum grau de risco para o trabalhador somente pode ser feita após a avaliação dos benefícios e dos riscos, e não pode ser justificada em função de interesses do Seguro. Tais exames, se indicados, devem ser precedidos do consentimento informado do trabalhador, e devem ser realizados segundo os mais elevados padrões profissionais.”