EXTENSAO DE SIGNIFICADO EM SINTAGMAS DO PORTUGuM: UMA PERSPECTIV A DE INTERPRETA~AO LExICo-SINTATICo-SEMANnCA Marcia Tranzillo BARRETO (Univ. Fed. da Bahia) ABSTRACT: This research intends to ONllyse from the lexical-syntatical-semantical point of view some specific kinds of expressions that occur on coloquial .brazilian portuguese, including expressions with copulative verbs, as for example: pintar um lance, pregar os olhos. ficar na sua, estar de po"e, etc. Most of these expressions are already cristalysed on coloquiallanguage. The importance of this study comes from flu MCUSity of an ClI1equI,Ud tTUItm,nt that should be given to those expressions on a lexical level, what kind of semantic interpretation may be suitable and what kind of syntIJlicanalysis can be done. KEY WORDS: lexicon, sintagmatic neologism, semantic representation, sintatic analysis. o l~xico ~ urn. conjunto aberto de unidades ling(listicamente significativas, que estlo armazenadas na mente dos falantes, e fornece as possibilidades de escolha para a concretiza~o do enunciado. Uma vez constufdo 0 enunciado, formam-se as unidades sintagm3ticas, pois 0 sintagma se constr6i no discurso. 0 l~xico, portanto, constitui um aspecto potencial da lingua, enquanto os sintagmas constituem 0 uso real do acervo lingilfsticode que dispOemos falantes. A construeio de sintagmas "especiais" ~ freqlientemente observada na linguagem coloquial de falantes nativos. 0 carater "especial" desses sintagmas adv~m do pragmatismo da lingua, 0 falante nativo comumente faz uso de expressOes com extenslo de sentido, que formam estnlturas sintagmaticas complexas e resultam numa unidade lexical, que se refere a uma realidade especifica e tem um sentido particular e fixo: bater as botas,'pregar os olhos,'pisar na bola; cair bem,' quebrar a cara; ficar na sua. Este mecanismo da lingua permite a cri~o de neologismos sintagmaticos, que resultam de uma comb~o nova entre os lexemas, gerando estruturas fixas, que representam um todo significativo e funcionam como uma unidade lexical, embora tenbam a eStnltura de urn.sintagma. o significado resultante dessas estroturas fi.xas independe do significado dos lexemas isolados que as compOem. Desse modo, nenhurn tipo de modificaCio pode ocorrer na disposi~ao das unidades e nem se pode inserir outras unidades nesse tipo de estrotura - 0 que acarretaria uma outra significa~ao. As expressOes do formadas por uma base verbal + X, em que X pode ser , qualquer categoria sintagmatica: entral' em C4ll4 (PP); ficar lI/L.SlI/l. (PP); cDir b.em (ADVP),'levar urn1J4PO(NP). Os verbos, por sua vez, podem ser transitivos (de regencia direta e indireta): pisar na bola, bater urnpapo; verbos intransitivos: cDir bem; verbos copuiativos: estar de po"e, ficar na sua. Portanto, nlio hi urn padrao especial de verbos, hem como urn tipo especifico de sintagma para compor a estrotura interna dos VPS que formam esse tipo de neologismo. Na maioria das vezes, a extensio de sentido desses sintagmas "especiais" e metaf6rica ou polissCmica. Contudo, existem express6es que podem ser interpretadas no sentido literal: quebrar a cara, sollar os cachorros, pisar na bola. No entanto, quando. isso ocorre, nio estamos diante de uma estrotura fixa, nio hi neologismo sintagmatico, pois· 0 sintagma nlio estara funcionando como unidade lexical. 0 que mantem a unidade lexical e 0 todo signifieativo e exatamente os lexemas estarem em rel~o fixa, gerando urn novo sentido. Uma descriCio estrotural dessas expressOesdeve demonstrar de que forma ocone uma rela~ao fixa entre os lexemas, de modo que essa estrutura seja indecomponivel, a fun de funcionar como unidade lexical. Assim, estamos diante do que hem defende Basilio (1989): do estroturas sintaticas com uma finalidade lexical. Essa relaCio fi.xaentre lexemas e definida por Pottier (1974) como inte&fllCio.A integrae10 e urn movimento de lexicalizacio, quer dizer, a passagem de urna sintaxe livre, original, criada no momento da comunica~ao, para uma sintaxe em via de flXaeio·que pode cbegar a memorizaCio total. Aoaceitarmos urn tipo de analise estrutural, que considera estas expressoes como uma unidade lexical, podem estar diante de urn processo de formae1o de palavras que resulta em·urn composto sintagmatico. A composi~ao e urn processo idiossincrasico de formae1O de palavras. Atraves da combina~ao entre lexemas ja existentes, se obtem novos v0c4bulos com significados novos. As lexias silo relacionadas, operando-se entre elas uma combinae1o semAntica. Desse modo, em guarda-chuva, guarda-roupa 0 significado : dos lexemas isolados se mantem de alguma forma. Entretanto, 0 mesmo nlio ocone com pe-de-moleque, em que 0 significado dos lexemas isolados desaparece. Mas, ainda assim, esse processo de formaeiO de palavras resulta numa unidade lexical, por representar urn todo signifieativo, em que se tem, por isso, uma relae10 fixa entre as unidades da estrutura. o neologismo sintagmAtico do qual estamos tratando, caracteriza-se como unidade lexica composta, mas trata-se de uma composiCio diferente daquela tradicional. Ao contrario desta, 0 neologismo sintagmatico composto conserva as particularidades tlexionais dos lexemas que 0 origina; alem disso, Dio slo unidas por hffem na escrita, pois esta em fase de lexic~o. Observe tam~m que os compostos de base verbal tem uma interpre~io nominal: porta-bandeira, guarda-roupa, pdra-quedas resultam em uma categoria (N). As expressOOs neol6gicas de estrutura fixa, cuja base e um verbo tem uma 'interpreta~o verbal: pregar os olhos = dormir; bater as botas = mouer; bater papa conversar; resultam numa categoria (V). As estruturas fixas passam a funcionar como tal, ou seja, funcionam como unidade lexical,com significado global ou como todo significativo quando sao aceitas e reiteradas pelos falantes, e slo usadas freq1ientemente num contexto especifico. Desse modo, 0 uso da expressio esta consagrado por conv~o, uma vez que 0 todo significativo Dio resulta do significado isolado das unidades que cOmpOema expresslo neol6gica. Por Dio haver a assoc~o do significado isolado dos lexemas, e que 0 sentido, nessas expressOOs,e opaco. Assim, bater papa nio significa dar pancadas no volume do pesc~o, e sim, significa conyersar. Portanto, do ponto de vista semantico, nio existe motiva~o entre a expressao e 0 sentido gerado nela; por isso a conve~io. E do ponto de vista pragmatico, a conve~o se estabelece porque a expresslo e usada freqiientemente num contexto especifico. Dada a convencionalidade dessas expressOOs,uma pergunta se nos apresenta: ja que nio ba rel~ entre os significados dos lexemas isolados e 0 todo significativo resultante dessa rel~io flXa, que inferencias sao feitas pelo falante, no processo de cri~o dessas expressOOsneol6gicas? Esta e uma resposta bem mais complexa do que nos parece a primeira vista. Acreditamos, porem, 0 que e um tanto 6bvio, que a esse processo criativo slo partilhados os fatores lingiiisticos e extra-lingiiisticos, tais como suposiCOCse pressuposi~oes partilhadas pelos falantes; conhecimento de Mundo e toda uma bagagem emotiva, tendo 0 lexico como suporte. A essa inter~o cabe tam~m uma analise lingiiistica com base na realidade psicol6gica e pragmatica dos falantes. 0 que pode bem se definir como conhecimento partilhado, do qual fala Grice (1967). Assim, pode-se afmnar que 0 significado de uma expressao mo e entendido com base apenas nas palavras e na sintaxe; a compreensao depende do nosso conhecimento de mundo e de fatores pragmaticos. Segundo Koch & Travaglia (1989), 0 conhecimento de mundo e visto como especie de dicionario enciclopCdico do Mundo e da cultura arquivado na mem6ria. No caso das expressoes neol6gicas, esse arquivo e "consultado" e 0 falante seleciona as possibilidades de comb~o, baseado no seu conhecimento de mundo, que e ao mesmo tempo um conhecimento partilhado. Considerando 0 objetivo desta comunicacio apontado no titulo, nio nos aprofundaremos nesta analise pragmatica. Tendo em vista 0 exposto ate 0 momento, consideramos 0 neologismo sintagmatico como um processo, um mecanismo criativo subjacente A comperencia do falante, e de consideravel importincia para a ampliacio e renova~o do lexico. = este trabalho pretende, do ponto de vista lexico-sintdtico-semantico, determinados tipos de expressOes que oco"em no Portugues coloquial, incluindo expressOesfomwdas com verbos copulativos, COmIJpor exemplo: pintar urn lance, pregar os olhos, ficar na sua, estar de po"e, etc. A maioria dessas expressOesjd se encontram cristalizadas na lingua. A importdncia de urn estudo minucioso sobre a q(U!~tdoprovhn da necessidade de uma melhor expliCllfdo, etou do tratamento que pode ser dado a tais expressOes a ntvel lexical; que tipo de interpretafdo semQntica pode ser dada; do ponto de vista sintdtico, que tipo de andlise pode ser feita. RESUMO: PALAVRAS-CHAVE: lexico, neologismo sintagmitico, representaeio semantica, an4lise sintatica. BARBOSA, Maria Aparecida. Produtividade das designa~s: percursos 16xico-sinlagmi.ticos.In: Revista BTaliJeiratU LingtUstica. Sio Paulo: Duas Cidades, 1982. v. 6. BASILIo, Margarida. Estrutura laical do portuguls: uma aboIdagem gerativa. Petr6poIis: Vozes, 1980. __ . Teoritl luical. Slo Paulo: Atica, 1989. GRICE, Paul H. Logic and conversation. In: COLE, Peter &; MORGAN, Jerry L. Syntaxe and semontics: speech acts. 3. New York: 1975. KOCH, Ingedore G. Villaf;a &; Sll.VA, Maria Cecfiia P. de Souza. LinglUstica aplieada aa portuguls: moifologia. 6.ed. Slo Paulo: Cortez, 1991. __ &; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coer/neia. Sio Paulo: Cortez, 1989. POTl'IER, Bernard. LingtUstica geral: tearia e descri~o. Rio de Janeiro: Prese~, TAGNIN, Stella Onweiler. 1974. E%presslJts idiomQdcas e_ convencionais. 810 Paulo: Atica, 1989.