BOTULISMO INFANTIL, UM ESTUDO PRELIMINAR KATIA CRISTINA UGOLINI MUGNOL Monografia apresentada para conclusão do curso de Pós-Graduação em Biotecnologia - Microbiologia Industrial da Universidade de Mogi das Cruzes. SÃO PAULO, 1997 INTRODUÇÃO O Botulismo é uma doença relativamente rara em nosso meio, graças às medidas sanitárias que vêm sendo adotadas a nível industrial e comercial. Apesar disso, é ainda importante descrevê-la e apresentar suas mais novas facetas, uma vez que, apesar de ocorrer em menores índices, é ainda fator de risco à vida humana. Dentre as formas menos conhecidas do botulismo, está a infantil, ainda em fase de pesquisa, principalmente em países como Inglaterra e Argentina, os quais têm fornecido importantes informações sobre sua etiologia, tratamento e prognóstico. Trata-se de uma toxi-infecção, onde o Clostridium botulinum produz "in vivo" a potente toxina e acarreta ao lactente, sua principal vítima, sintomas principalmente neurológicos e alterações clínicas que podem vir a ser fatais. Os conhecimentos sobre esta patologia ainda são poucos, de forma que ela permanece como uma entidade rara talvez mais pela falta deles do que realmente por sua baixa incidência . O objetivo deste trabalho é proporcionar bases para novas pesquisas e descobertas sobre o Botulismo Infantil, fornecendo um apanhado dos conhecimentos existentes até o momento a fim de que sejam desvendados, quem sabe em um futuro próximo, o que ainda permanece obscuro a respeito. Assim, esta doença passará a ser tida como uma realidade e melhor conhecida, principalmente pelos pediatras, podendo-se facilitar o diagnóstico e o tratamento dos casos hoje tidos como decorrentes de outras patologias. Este trabalho se inicia com um relato histórico sobre o botulismo, seguindo-se informações sobre o microorganismo envolvido e as principais manifestações da doença, visando fornecer maiores subsídios para o entendimento do que hoje se sabe sobre o Botulismo Infantil. CAPÍTULO I - O BOTULISMO 01 - RELATO HISTÓRICO O botulismo é hoje uma doença relacionada mais à conservação e embalagem inadequadas de um alimento do que por uma contaminação propriamente dita. Não ocorre por alterações do alimento causadas por bactérias e fungos que correntemente os contaminam e sim por condições industriais que destroem ou inibem esses microorganismos, deixando caminho livre para que o Clostridium botulinum se desenvolva sem competição. Desde épocas remotas, relatam-se casos de indivíduos que apresentavam sintomas característicos do hoje denominado botulismo, após ingestão de alimentos mal conservados. Pode-se supor, com base nos conhecimentos atuais, que alguns alimentos devem realmente ter sido os responsáveis pelo surgimento da doença entre nossos antepassados. É possível imaginar que um salmão conservado em um barril de salmoura demasiado diluída para ser completamente bacteriostática, bem como arenques mal defumados no Mar Báltico ou trutas mal enlatadas na Escandinávia ou outros tantos alimentos marinhos mal conservados, tenham sido os primeiros agentes veiculadores dessa doença, uma vez que a pesca era o principal meio de subsistência e comércio dos povos da antiguidade. São poucos os conhecimentos referentes a essa patologia anterior ao século XIX. Tem-se conhecimento, mas sem bases realmente fundamentadas em relação ao botulismo, que o imperador Leão VI, de Bizâncio (886-911) proibiu a elaboração de embutidos de carne devido à disseminação de toxiinfecções alimentares. O que não se sabe ao certo é se esta lei tinha algo a ver com tabus ou teologias ou realmente com a disseminação de doenças de caráter grave. Qualquer que fosse a razão, é certo que a proibição era séria. O "criminoso" tinha suas propriedades confiscadas após o açoite, em desonra, e era exilado por toda a vida. Em 1793, em Wurttemburg, Alemanha, treze pessoas adoeceram, das quais seis morreram. Duas explicações foram dadas: o médico oficial da cidade atribuiu os casos à intoxicação por beladona, enquanto outras pessoas acreditavam na hipótese da doença e mortes terem sido causadas pela ingestão de salsichas, preparadas com sangue de cervo, denominado de "Blunzen o Shweinsmagen". Foi o início do estudo de intoxicações causadas por embutidos, cujo maior pesquisador por Justino Kerner (1786 - 1862). Justino Kerner era médico e poeta, tendo estudado Medicina e Literatura na Universidade da Turíngia. Foi nomeado médico oficial do distrito de Wurttemburg, onde se destacou como um grande mestre da poesia e pesquisador do botulismo, áreas pouco correlatas, mas desenvolvidas com grande competência. Recolheu dados sobre 230 casos do que denominou botulismo, uma vez que estavam geralmente associados à ingestão de salsichas ("botulus", em latim). A doença era também conhecida como "Doença de Kerner", dado sua dedicação às pesquisas. Observou-se que as salsichas eram veículos da doença apenas sob algumas situações. As que apresentavam pequenas bolsas de ar sob o envoltório, constituído de tripa animal, e as maiores, nas quais o envoltório era de intestino grosso, eram as que mais se tornavam venenosas. Isso sugeriu desde o início que o agente seria um organismo vivo anaeróbio facultativo ou estrito, o que foi comprovado posteriormente. Casos de infecção associados ao consumo de conservas de pescado foram relatados na mesma época na Escandinávia e na Rússia, o que futuramente ampliou o número de alimentos associados ao botulismo. Inicialmente, muitos compostos foram associados a essas intoxicações, como ácido prússico, cobre, alcalóides vegetais e até a "aqua toffana ". Esta era supostamente uma toxina segregada na saliva dos escravos torturados nas arenas romanas, antes de sua morte. Um investigador alemão sugeriu que processo semelhante ocorreria com os cervos em Wurttemburg. Quando de sua morte, uma substância similiar contaminaria a musculatura desses animais e posteriormente os alimentos produzidos a partir de sua carne. Muitos anos depois do trabalho de Kerner, em 1896, houve outro caso que marcou o estudo do botulismo. Em Ellezeller, pequena cidade belga da província de Hainaut, 23 músicos, de um total de 35, ficaram doentes após uma refeição de presunto cru e cerveja. Voltavam do enterro de um integrante do grupo quanto fizeram a fatídica refeição. Dos doentes, três morreram e dez ficaram em estado grave, todos com sinais progressivos de paralisia neuromuscular. O caso chamou a atenção de Emile Pierre Marie de Ghent, graduado em Lovaine e pós-graduado em Londres, Edimburgo, Paris, Viena e Berlim, onde trabalhou com Koch, um dos grandes nomes da Bacteriologia. Estudou o caso dos músicos detalhadamente, conseguindo reproduzir a doença em várias espécies animais. Desenvolvou meios de cultivo e adaptou-os às condições de crescimento do microorganismo, o qual denominou Bacillus botulinum . Percebeu a produção de toxinas a partir destes microorganismos, as quais administradas via oral e perenteral a cobaias, mesmo em pequenas doses, causavam a sua morte. Notou que algumas espécies animais eram imunes à toxina, como as galinhas, e que este produto bacteriológico era inativado se submetido à ebulição por trinta minutos a 80 C ou uma hora a 70 C. Van Ermengen postulou então os detalhes básicos sobre o botulismo: (1) trata-se de uma intoxicação e não de uma infecção; (2) a toxina é produzida por uma bactéria específica; (3) ingerida a toxina com os alimentos ela não é inativada pelos processos digestivos normais; (4) é relativamente resistente aos agentes químicos, porém sensível ao calor; (5) não é produzida em alimentos cuja concentração de sal é suficientemente alta; (6) nem todas as espécies animais são suscetíveis à doença. Como resultado dos trabalhos desses dois cientistas, foram sendo descobertas outras fontes da doença botulínica, bem como toxinas sorologicamente distintas, mas causadores de intoxicações semelhantes. Em 1904, um surto de botulismo em Darmstodt (Alemanha), doze pessoas morreram após ingerirem uma salada em feijão em conserva. Este surto foi estudado por Landmann, que isolou agente semelhante ao de Ermengen. Em 1919, Burke, estudado os agentes isolados por ambos, descobriu que pertenciam a grupos diferentes. Daí em diante, novas descobertas foram sendo feitas, chegando-se ao que hoje conhecemos sobre o agente do botulismo, que passou a ser designado como Clostridium botulinum. Entre 1899 e 1973, o Center for Disease Control documentou 688 epidemias distintas de botulismo de origem alimentar, envolvendo cerca de 1800 pessoas, com uma taxa de mortalidade de 55%. Nos anos 30, o número de casos relatados sofreu um aumento considerável, provavelmente devido ao maior consumo de enlatados e conservas domésticas. Determinou-se que as maiores fontes de contaminação são os legumes (57%), produtos de peixe (15%), frutas conservadas (12%) e condimentos, incluindo o mel (8%). A doença é hoje tida como uma intoxicação e não como uma infecção, na maioria de suas manifestações, uma vez que os sintomas provém das toxinas produzidas pelos microorganismos ainda no alimento, os quais, quando ingeridos, promovem as manifestações clínicas. Há uma forma de botulismo, entretanto, que não se trata apenas de uma intoxicação, mas de uma toxiinfecção, alvo principal deste trabalho. Trata-se do botulismo infantil, cujos estudos ainda estão em andamento e cuja descrição é ainda desconhecida por muitos. Os primeiros casos estudados são recentes, datando do início de 1976, quando Pickett e colaboradores evidenciaram seus sinais e sintomas e comprovaram a presença do Clostridum botulinum como agente causador da toxiinfecção. 02 - INCIDÊNCIA GEOGRÁFICA Pesquisas são realizadas com grande intensidade na Inglaterra, Suécia, Rússia e Estados Unidos e alguns países orientais a respeito da prevalência geográfica do Clostridium botulinum, bem como os principais veiculadores da doença botulínica. O solo, os sedimentos lacustres e fluviais, bem como como o ambiente marinho e o trato intestinal de alguns peixes já tiveram esta bactéria e/ou seus esporos comprovadamente presentes. Os esporos estão espalhados por todo o globo terrestre, havendo, entretanto, prevalência dos vários tipos em regiões específicas. Os esporos do tipo A são comuns na região oeste dos EUA, enquanto os do tipo B são encontrados na região leste e também na Europa. Os do tipo E encontram-se nas latitudes setentrionais, sendo frequentemente isolados do lôdo das margens de lagos, da areia das praias e da vasa marítima. Os tubos intestinais dos peixes estão frequentemente contaminados por esporos do tipo E, e os do tipo F infestam salmões do rio Colúmbia e o sedimento marítimo ao largo da costa da Califórnia e do Óregon. A nível de América do Sul e particularmente no Brasil, não são muitos os casos relatados bem como as pesquisas realizadas. Isso sugere duas possibilidades: realmente são poucos os casos que ocorrem ou são poucos os diagnosticados como tal. Dentre os países latino-americanos, a Argentina é o que tem hoje mais dados epidemiológicos coletados, incluindo-se em suas pesquisas a descoberta do Clostridium botulinum tipo G, desconhecido até então. Em 1960, Jeffman descreveu um surto de botulismo em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, ocorrido em 1958 após o consumo de conserva de peixe, sendo este relato tido como a primeira menção científica a respeito da doença no Brasil. Na década de 70, foram descritos diversos surtos de botulismo animal, os quais acometeram principalmente as regiões nordeste e central do Brasil, sendo os principais autores Tokarnia, C.H. em 1970, Dobereiner, J. e Langenegger, J. em 1979 e 1980. Já Saraiva, D., em 1978, relatou o isolamento da bactéria em aves, no Rio Grande do Sul. Por sua vez, Ward. B.G., em 1967, constatou a presença do Clostridium botulinum em amostras de areia coletadas em praias e açúdes do Ceará. Leita, M.F.F., em 1982, isolou-o a partir do solo de hortas instaladas em São Paulo. Delazari, I., em 1981, constatou sua presença em 27% de amostras de peixes (pescada, bagre e sardinha), moluscos (ostras) e crustáceos (camarões) coletadas no litoral de São Paulo. 03 - O MICROORGANISMO O Clostridium botulinum é uma bactéria do tipo bacilar, reta ou semi-curva, grampositiva, esporulada, anaeróbia. Pode não ser considerado como uma espécie única, e sim como um conjunto de grupos distintos que produzem toxinas de ação farmacológica similar. Inicialmente, foram divididos em dois grupos: proteolítico e não-proteolítico, baseando-se em sua capacidade de hidrolizar proteínas, tais como caseína e albumina. Hoje, são divididos em três grupos básicos, segundo Smith e Holdeman: Grupo I - Cepas proteolíticas, compreendendo todas as espécies do tipo A e formas proteolíticas dos tipos B e F. Formam colônias de 3 a 8 mm de diâmetro com centro elevado, opaco e margem irregular. As cepas muito toxigênicas tendem a formar colônias mais lisas. Grupo II - Cepas não-proteolíticas do tipo B e F e todas do tipo E. Formam colônias de 1 a 3 mm de diâmetro, levemente irregulares, com margens lobadas, translúcidas e semi-opacas, com superfície sem brilho. Grupo III - Cepas não-proteolíticas dos grupos Calfa, Cbeta e D. Formam colônias circulares, levemente irregulares, elevadas, translúcidas, cinza esbranquiçadas. Pode-se ainda distinguir um Grupo IV, formado por cepas proteolíticas, mas não sacarolíticas do grupo G. TABELA I . Principais características do Clostridium botulinum Grupo Tipo toxigênico das cepas Protease Lipase Hidrólise da esculina Fermentação Glicose Frutose Ribose e Sacarose Produtos metabólicos Açúcares da parede I A,B,F + + + f - - ABiVib glicose II B,E,F - + - + + + A,Bl glicose e galactose III C,D - v - + v - APB ausência de açúcares ou traços de glicose IV G + - - - - - Abibiv NT pha a. a. + : Fermentador (pH<5,5) : f: fracamente fermentador )pH 5,6 a 5,8) : -: não fermentador V : variável = 50% das cepas + e 5-% das cepas b. b. a: Ácido acético ; p: ácido propiônico ; b: ácido butírico ; ib : ácido isobutírico ; iv: ácido isovaleriánico l : ácido láctico ; pha: ácido fenilacético. Os produtos principais estão indicados em letras maiúscula, e os menos importantes em letras minúsculas. c. c. NT : não determinado Todas as cepas do Clostridium botulinum são mesófilas, com crescimento ideal entre 25 e 37 C. A do tipo E, entretanto, pode se desenvolver e produzir toxina em temperaturas muito baixas, a até 5 C, o que permite sua sobrevivência e atividade sob refrigeração. TABELA II. Dados de temperatura para o Clostridium botulinum Temperatura ótima Temperatura mínima Tipo E Outros tipos Tipo E Outros tipos Crescimento 30 C 34 a 37 C 5 C 15 a 20 C Toxinogênese 28 a 30 C 34 C 5 C 15 C Esporulação 15 a 41 C Ativação não necessária Germinação 37 C > 10 C Emergência 31 a 37 C > 10 C 80 C Quanto ao pH, tende a se desenvolver melhor nos próximos à neutralidade, tendendo ao alcalino (7,0 a 7,4). Teoricamente, pH abaixo de 4,6 impede seu crescimento, protegendo assim frutas e hortaliças e favorecendo seu desenvolvimento em produtos cárnicos. É sabido, entretanto, que certas cepas são passíveis de se desenvolver em pH mais baixos. O Clostridium botulinum pode esporular tanto na natureza (água e solo) quanto nos meios de cultivo, sendo termorresistente e, portanto, passível de sobrevivência a um tratamento térmico insuficiente. O grau de termorresistência, entretanto, varia conforme a cepa, sendo mais elevado nos tipos A e B e mais baixo no tipo E. Essa propriedade pode ser determinada calculando-se o "valor D", definido como o tempo de redução decimal de uma suspensão de esporos a uma dada temperatura. Esse valor, entretanto, varia em função do meio de cultivo, de esporulação e de germinação, o que torna mais exato se substituído pelo "valor Z", que se trata da pendente da curva de logaritmos dos "valores D" em função da temperatura de aquecimento. Os esporos são também resistentes à ação de radiações (raios X, UV e etc.) e a diversos agentes bactericidas, como o cloro, hipoclorito, óxido de etileno, álcool, formaldeído e amônio quaternário. 04 - AS NEUROTOXINAS BOTULÍNICAS As neurotoxinas produzidas pelas diferentes cepas possuem efeitos farmacológicos similares, tendo, entretanto, estruturas proteicas diferentes. São classificadas em oito grupos diferentes, relacionando-se com as diferentes espécies de Clostridium botulinum, confome a Tabela III. TABELA III. Relações das toxinas produzidas com as espécies de Clostridium botulinum. Tipo de Clostridium botulinum Toxina A B Calfa Cbeta D E F G A +++ - - - - - - - B - +++ - - - - - - C1 - - +++ - + - - - C2 - - + +++ - - - - D - - + - +++ - - - E - - - - - +++ + - F - - - - - + - - G - - - - - - - + As neurotoxinas produzidas pelas diversas cepas de Clostridium botulinum possuem efeitos farmacológicos similares, sendo que, entretanto, a suscetibilidade dos animais a esses efeitos varia consideravelmente, conforme a sua espécie e a da toxina presente. Assim, o homem é mais sensível às toxinas do tipo A, B, E e F, o gado às dos tipo C beta e D, os eqüinos ao tipo C beta e as aves ao tipo C alfa e C beta. Apesar de algumas diferenças em seu processo de síntese e intensidade de ação, as toxinas têm basicamente uma estrutura similar. Formam agregados ao associar-se com uma hemoaglutinina (não tóxica) e outros polipeptídeos (não tóxicos) que podem protegê-las quando de sua passagem pelo estômago. Purificadas, são polipeptídeos com peso molecular de 150 Kda sintetizadas a partir de subunidades H e L, de peso molecular 100 a 50 Kda respectivamente. Estas, isoladamente, são inativas biologicamente, permanecendo unidas por uma ponte S - S, com exceção da Toxina C2. As toxinas são produzidas durante o desenvolvimento bacteriano e são liberadas quando o microorganismo sofre lise. Surgem a partir de precursores ligeiramente tóxicos, sintetizados com base em prototoxinas. Algumas cepas alcançam seu poder tóxico total a partir da ação de uma protease oriunda da própria bactéria, a qual atua sobre esse precursor, como é o caso das cepas do tipo A e algumas dos tipos B e F. Outras, entretanto, adquirem uma toxicidade parcial como conseqüência da ação de uma protease bacteriana, atingindo o poder tóxico total somente após tratadas com tripsina ou alguma outra enzima proteolítica exógena. Algumas cepas do tipo E, ao contrário, sintetizam diretamente a toxina já completamente ativa, não necessitando de ação endógena ou exógena de qualquer espécie para seu poder total. É a ação desses metabólicos bacterianos a grande responsável pela intoxicação botulínica. Sabe-se, entretanto, que certos procedimentos básicos são capazes de inativar essas toxinas, como submissão ao calor de 80 C por dez minutos, por ação de formaldeído ou tratamento por tripsina em pH 7,5 ou digestão péptica a pH 1,8. A toxina tipo A é a mais estudada, possivelmente por conservar bem sua toxigenicidade, produzir caldos de cultivo muito potentes em uma variedade de meios e por manter-se facilmente sob uma forma cristalizada estável. Sua síntese não está associada à esporulação do microorganismo, ocorrendo independentemente desta e na ausência de divisão celular. As condições de aerobiose ou anaerobiose também não influem em sua produção, o que já não ocorre em relação ao suprimento de aminoácidos essenciais, fosfatos e glicose. A ação da toxina foi estudada amplamente, passando-se anos até que seus efeitos fossem totalmente identificados e seu foco de ação estabelecido. Purkhaver, em 1877, definiu que a ação paralítica oriunda da toxina se devia à ação sobre os nervos periféricos, não havendo comprometimento a nível de sistema nervoso central. Van Ermengem (1897) afirmou que "a síndrome do botulismo consiste essencialmente em um grupo de fenômenos neuroparalíticos, alterações da secreção do trato gastrointestinal e paralisia motora simétrica, completa ou parcial, causada, provavelmente, por lesão da medula oblonga, especialmente dos núcleos de vários nervos cerebrais e dos pontos anteriores da corda espinhal". Dickson e Shevky (1923) estudaram a ação da toxina sobre o sistema nervoso autônomo e voluntário, concluindo que não existia nenhum efeito nas fibras nervosas sensoriais e nem nas células musculares e sim, provavelmente, pelo efeito da toxina sobre as terminações das fibras motoras. Edmunds e Long , em 1923, também afirmaram tratar-se de uma "paralisia parcial das terminações dos nervos motores que vão aos músculos voluntários". Quando da purificação das toxinas tipo A e B, associada aos avanços no estudo da fisiologia humana, Guyton e MacDonald, em 1947, já tiveram uma idéia mais clara sobre seu mecanismos de ação. Determinaram que a toxina não atuava diretamente sobre o músculo ou sobre o tronco nervoso e sim causava um retardo ou uma inibição na condução do impulso nervoso. Existem ainda algumas controvérsias, mas sabe-se que as toxinas botulínicas bloqueiam a liberação dos neurotransmissores colinérgicos através do Ca++ intercelular, particularmente nas funções neuromusculares, o que resulta em uma paralisia progressiva das pernas, músculos respiratórios e nervos motores intracranianos. Não se sabe ao certo se a toxina chega a inibir ou alterar a produção da acetilcolina ou apenas sua ação sobre as células nervosas. Torda e Wolff, em 1947, sugeriram que a toxina inibiria a acetilcolinesterase, enzima participante da síntese da acetilcolina, o que, entretanto, não foi comprovado. As pesquisas mais recentes demonstraram que Guyton e MacDonald tinham razão. O músculo envenenado pela toxina não responde à neostigmina, um inibidor da colinesterase, porém contrai-se se exposto à ação da acetilcolina, comprovando que a toxina inibe a ação da acetilcolina na placa motora terminal. Esta é a prova de que não há ação direta da toxina sobre o músculo, uma vez que mesmo em presença da toxina botulínica, há resposta se o músculo for estimulado diretamente por ação da acetilcolina. Fisiologicamente, a acetilcolina é armazenada nas vesículas sinápticas em feixes denominados "quanta", sendo esta liberada em ondas de 100 a 200 quando um impulso elétrico percorre o axoplasma. A acetilcolina liberada se combina com um ponto receptor da placa terminal do músculo, produzindo a contração. Seu excesso é inativado pela ação da acetilcolinesterase. Com base nos conhecimentos atuais, pode-se dizer que a toxina botulínica age em três etapas: 1. 1. Fixação da toxina por meio do fragmento H aos receptores na membrana présináptica, processo este que não requer energia ou íons Ca++. Esta fase é reversível se administrado um soro antibotulínico específico. 2. 2. Internalização da toxina nas vesículas do neurônio pré-sináptico, com gasto de energia. Ocorre provavelmente por um processo de reorganização da membrana celular neuronal. É uma etapa irreversível. 3. 3. Etapa lítica caracterizada por paralisia. Produz-se danos à estrutura da membrana citoplasmática e bloqueio da secreção da acetilcolina. 05 - TOXÓIDES BOTULÍNICOS O estudo do Clostridium botulinum e o maior conhecimento a respeito de suas toxinas, promovem a capacidade de síntese de antídotos específicos, ditos toxóides. São preparados a partir de cepas muito antigênicas que, cultivadas em meios comerciais, produzem as toxinas. Estas são esterilizadas e filtradas a fim de obter-se seu princípio ativo sem diminuição de sua antigenicidade. Inicialmente, a toxina do tipo E era tratada com tripsina a fim de promover sua inativação. Descobriu-se, entretanto, que suas propriedades antigênicas eram também muito reduzidas. Podem ser preparadas com adição de formalina e incubação a 37 C. O material resultante é adsorvido em fosfato alumínico e conservado por adição de 0,01% de timerosal. Também o excesso de formaldeído tende a reduzir exacerbadamente o poder antigênico da toxina, e o uso em quantidades insuficientes podem torná-la tóxica ao indivíduo. Desta forma, cada toxóide é preparado com uma concentração diferente, conforme a concentração total de proteína presente na toxina, bem como de suas hidrogenases e da temperatura de incubação a que será submetido. Após a inativação da toxina, alguns pesquisadores neutralizam o formaldeído com adição de bissulfito sódico. Este também é adicionado de forma controlada, uma vez que pode, neutralizando totalmente o formaldeído, retransformar o toxóide na toxina original. A resposta quando da administração do toxóide, tem sido geralmente boa, entretanto, a imunidade não é adquirida imediatamente. É desconhecido até o momento os níveis de antitoxina necessários para proteger o indivíduo à toxina ingerida. Tem-se observado também que um número significativo de indivíduos imunizados com o toxóide apresentaram uma hipersensibilidade ou reações alérgicas. Como as pesquisas ainda estão sendo realizadas, sua utilização comercial não foi totalmente liberada pelo Centro de Controle de Enfermidades dos EUA, para uso humano, requerendo acompanhamento rigoroso. A nível veterinário, entretanto, são aplicados em grande escala, mas seu preparo é diferente do toxóide para uso humano, não provindo de toxinas purificadas. Aqui tem-se microorganismos crescendo em tubos de diálise contendo solução salina e suspensos então em meio bacteriológico estéril. O líquido destes cultivos é então dializado e detoxificados com formalina a fim de diminuir seu conteúdo de peptonas. O toxóide é então precipitado com alúmen e absorvido com hidróxido de alumínio. O produto final tem custo menor do que o obtido no necessário para uso humano, sendo altamente antigênico e amplamente utilizado. Pode-se também, ao invés do toxóide, produzir-se anti-toxinas por sensibilização de animais de grande porte, como cavalos, de forma semelhante à utilizada para produção de soro anti-ofídico. Antes de sua utilização clínica em humano, costuma ser feito teste cutâneo de hipersensibilidade e, se negativo, administram-se dois frascos de antitoxina botulínica trivalente para os tipos A, B e E, com doses a cada 2 ou 4 horas. A antitoxina costuma ser adquirida do NCDC, National Communicable Disease Center, nos EUA. A antitoxina bivalente para os tipos A e B, fabricada pelos Laboratórios Laderle, costuma ser usada para os casos já identificados como sendo causados por uma dessas toxinas. Como todos os antissoros, pode-se ter como recorrência a dita "Doença do Soro", oriunda da sensibilidade a proteínas advindas do soro do cavalo. 06 - A DOENÇA A ação da toxina botulínica no organismo humano pode ocorrer de três modos diferentes: 06.01 - Botulismo Alimentar : Inicia-se 18 a 36 horas após a ingestão do alimento contendo a toxina, podendo-se ter variações onde o período de incubação dura até 8 dias. O indivíduo apresenta boca seca, diplopia, acuidade visual diminuída, blefaroptose, diminuição ou perda total do reflexo pupilar. São sintomas neurológicos bilaterais e simétricos que podem ser precedidos por náusea, vômitos, cólicas abdominais e diarréia. Desenvolve-se paresia bulbar (disartria, disfagia, regurgitação nasal), sendo que a disfagia tende a levar à pneumonia aspirativa. Os músculos do tronco e das extremidades tornam-se fracos, não havendo distúrbios sensitivos ou de consciência. As principais implicações são a insuficiência respiratória e as infecções pulmonares além de uma constipação precedendo os distúrbios neurológicos. A temperatura do paciente mantém-se normal, bem como exames bioquímicos do sangue, urina e líquor. Não há alterações celulares observáveis no exame hematológico. Não se sabe ao certo qual a quantidade de toxina suficiente para produzir a doença ou levar à morte. O que se sabe é que a toxina botulínica é a mais potente das secreções bacterianas e, portanto, mesmo quantidades pequenas podem causar manifestações clínicas. O alimento tóxico, ao chegar ao estômago e às porções iniciais do intestino delgado, tem a absorção da toxina iniciada. Acredita-se que apenas cerca de 1% da toxina ingerida é absorvida e que da parte restante muita toxina seja desnaturada por enzimas proteolíticas. A porção absorvida, provavelmente a de peso molecular menor em relação à porção total ingerida, segue pelos linfáticos intestinais e chega ao canal toráxico e daí à corrente sanguínea. A linfa intestinal contém 15 vezes mais toxina do que o sangue circulante, reforçando a idéia de que seja despejada no canal toráxico e não encaminhada pelo sistema-porta do fígado, como se acreditava anteriormente. Atingindo as sinapses nervosas, atuam então na inibição da transmissão dos impulsos neuro-musculares por ação sobre a acetilcolina, provocando então os distúrbios característicos da doença. A toxina que atinge a porção final do intestino delgado e o cólon tende a ser absorvida lentamente, o que provavelmente explica o início retardado da doença e a longa duração dos sintomas em muitos pacientes portadores do botulismo clínico. O período de incubação, como citado, é extremamente variável, dependendo do tipo de toxina ingerida e sua quantidade, bem como as características orgânicas do próprio indivíduo. A taxa de mortalidade, tende a ser maior nos casos onde o período de incubação for menor, uma vez que provavelmente a redução deste tempo está associada a uma ingestão de maior quantidade da toxina ou de um tipo mais potente. Há, entretanto, divergências sobre essa proporcionalidade, uma vez que a ingestão da toxina B tende a revelar sintomas em poucas horas, mas como uma taxa de mortalidade considerada pequena. Nas intoxicações do tipo B e E, a náusea e o vômito costumam ser os principais sintomas, sendo que a regurgitação do alimento responsável tende a diminuir o índice de absorção da toxina e, portanto, a gravidade dos sintomas. Nos casos de intoxicação pelo tipo A, os sintomas gastrointestinais são menos frequentes. Acredita-se, mas sem provas ainda, que estes sintomas gastrointestinais sejam provocados pelas alterações que as bactériais causam no alimento e não pela própria toxina, uma vez que o botulismo por ferida não os apresenta. Intoxicações por bactérias como Salmonelas, Shiguelas e Estafilococos possuem sintomatologia semelhante ao botulismo, podendo gerar confusão de diagnóstico. O mesmo se dá com relação à "miastenia gravis", síndrome de Guillian-Barré, acidentes cérebro-vasculares, polineurite diftérica, síndrome de Eaton-Lambert, assim como intoxicações por álcool metílico, compostos organo-fosforados, beladona, atropina, monóxido de carbono e etc. O tratamento pode ter sucesso se aplicado à tempo. A dificuldade respiratória pode ser sanada com intubação, traqueostomia ou ventilação mecânica, conforme o grau de comprometimento. O uso de antitoxinas é eficaz em cerca de 85% dos casos, utilizando-se geralmente uma forma trivalente (A,B e E). É necessária a administração no menor tempo possível, sendo que sua ação visa evitar o progresso dos sintomas, uma vez que os distúrbios neurológicos já existentes não são revertidos. Utiliza-se também a "guanidina", tida como passível de aumentar a liberação da acetilcolina nas terminações nervosas, melhorando a condutividade dos impulsos, o que, entretanto, é um método de eficiência ainda discutido. O tratamento, portanto, visa três pontos principais: neutralização da toxina circulante o mais rapidamente possível, eliminação da toxina ainda não absorvida no trato gastrointestinal e controle da paralisia progressiva, especialmente a nível respiratório. 06.02 - Botulismo por lesões: manifesta-se pelos mesmos sintomas do botulismo alimentar, entretanto sem os sintomas gastrointestinais. Dá-se pela penetração dos cistos do Clostridium botulinum por lacerações na pele. É uma das formas mais raras de infecção botulínica. Alguns casos de infecção de feridas pelo Clostridium botulinum podem passar desapercebidas, como citado por Hall em sua publicação em 1945. Mesmo infectadas por cepas toxigênicas, o indivíduo pode não apresentar qualquer sintoma. Pode-se, inclusive, confundir o agente infeccioso com o Clostridium sporogenes, contaminante frequente de feridas, mas não toxigênico. 06.03 - Botulismo como toxi-infecção: Caracteriza-se por haver ingestão não somente das toxinas botulínicas, mas também de formas vegetativas e esporos do Clostridium botulinum que passarão a produzir "in vivo" suas toxinas. Inicialmente acreditou-se impossível este tipo de infecção, mas Burke et al, em 1921, assinalou ser possível, uma vez que explicaria as recaídas sofridas por pacientes em franca melhora. Acredita-se que em condições normais, o microorganismo não seria capaz de sobreviver à competição com a flora bacteriana intestinal. Em casos de diminuição do peristaltismo como consequência da toxina, já seria mais fácil a colonização do intestino pelo Clostridium botulinum e posterior produção de mais toxina. O Botulismo Infantil enquadra-se neste tipo de infecção e é a forma que melhor a representa. CAPÍTULO II - BOTULISMO INFANTIL 01. BOTULISMO INFANTIL - UMA TOXI-INFECÇÃO O Botulismo Infantil é tida como uma infecção extremamente rara, talvez mais pela falta de estudos sobre o assunto do que por sua real baixa incidência. Por ser o botulismo considerado uma infecção com poucos casos registrados na atualidade, outras patologias acabam sendo dadas como responsáveis no estudo de casos de lactentes com comprometimento muscular, quando alguns deles poderiam ser de botulismo infantil. Com os atuais processos industriais e o maior controle microbiológico dos alimentos, sua incidência tende realmente a ser pequena, mas um levantamento rigoroso poderia revelar taxas mais elevadas do que se poderia imaginar. Os primeiros casos de botulismo infantil identificados como entidade clínica específica, ocorreram em 1976, tendo sido relatados por Pickett e cols, sendo as vítimas duas crianças com menos de seis meses de idade. Anterior a esta data, a criança mais jovem afetada por uma intoxicação alimentar, com sinais e sintomas semelhantes à doença, tinha 15 meses de idade. Outros casos de hipotonia muscular com perturbações de nervos cranianos já haviam sido relatados, mas sua causa era desconhecida. Em 1979, o CDC, Center for Disease Control, estimou em 250 os casos anuais de botulismo infantil distribuídos pelo mundo, sendo 98 nos Estados Unidos. Neste país, entre 1976 e 1984 foram confirmados cerca de 400 casos, sendo a metade deles nos estados da Califórnia, Utah e Pensilvânia. Na América Latina, os primeiros casos descritos foram na Argentina, datando de 1982. Já no Brasil, não há casos relatados, o que, com certeza, reflete mais a falta de conhecimento sobre o assundo do que a inexistência de casos, uma vez que o Clostridium botulinum já foi isolado em vários estados, como Ceará, Piauí, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A maioria dos casos descritos foram causados pelos sorotipos A e B, embora existam também casos por sorotipos C1 , E, F e G. Tal como ocorre com adultos, a maioria dos casos descritos no leste dos EUA se deve ao tipo B, enquanto que no oeste a predominância é do tipo A, refletindo a distribuição dos esporos e tipos A e B no solo americano. Já na Califórnia, as toxinas tipo A predominam na proporção de 12:1 em relação à B entre os casos ocorridos em indivíduos mais velhos e de apenas 3:2 nos lactentes, demonstrando uma possível sensibilidade exacerbada à toxina B ou uma outra fonte de infecção nos casos infantis. O Botulismo Infantil é a doença que representa inteiramente a toxi-infecção pelo Clostridium botulinum. Após a ingestão dos esporos da bactéria, ocorre a germinação do agente no intestino do hospedeiro, com a produção de toxina que, após ser absorvida, passa à circulação sanguínea e chega então às sinapses colinérgicas do sistema nervoso periférico. Age então como a toxina ingerida com o alimento, impedindo a liberação da acetilcolina e produzindo uma paralisia flácida, que se inicia na cabeça, face e pálato, estendendo-se ao tronco e extremidade de forma simétrica. A constipação está presente em cerca de dois terços dos casos, antecedendo a paralisia muscular. Os déficits dos nervos cranianos podem ser também assimétricos, havendo variação de letargia leve e alimentação lenta até hipotonia severa com insuficiência respiratória. A paralisia do pálato e faringe acaba causando oclusão das vias aéreas, podendo haver ainda paralisia do diafragma e músculos intercostais, com parada respiratória algumas vezes irreversível. Os sintomas gerais do botulismo infantil estão evidenciados na Tabela IV TABELA IV - Sinais e sintomas do botulismo infantil SINAIS E SINTOMAS Schreiner (1991) Fraqueza e hipotonia et alli Wilson (1982) Thompson (1980) et 88% 93% 100% Sucção débil 79% 96% 100% Obstipação 65% 83% 75% Sonolência 60% 71% Não encontrado Choro fraco 18% 89% 75% alli Irritabilidade 18% 61% Não encotnrado Dificuldade respiratória 11% 43% 75% Convulsões 2% Não encontrado Não encontrado Incapacidade de sustentação da cabeça Não encontrado 96% Não encontrado Dificuldade para engolir Não encontrado 92% 75% Alteração muscular facial Não encontrado 69% Não encontrado Hiporreflexia Não encontrado 52% Não encontrado Reflexo fotomotor diminuído Não encontrado 50% Não encontrado Ptose Não encontrado Não encontrado 75% Diminuição do reflexo da tosse Não encontrado Não encontrado 75% Midríase Não encontrado Não encontrado 17% O que se observa é que os lactentes afetados são geralmente oriundos de uma gestação saudável, sem complicações, e apresentam desenvolvimento normal, não tendo aparentemente qualquer sinal que os torne mais suscetíveis. Estão geralmente na faixa etária de dois a seis meses, com idade média de dez semanas, sendo que 57% dos casos descritos pelo CDC entre 1975 e 1977 eram do sexo masculino, o que não determina, entretanto, prevalência em relação ao sexo da criança. Necessita-se ainda determinar quais os motivos que levam o lactente e não crianças mais velhas a serem mais suscetíveis à doença, bem como porque em adultos essa forma de toxi-infecção não é observada. Alguns pesquisadores alegam que crianças na fase de lactação teriam ainda um sistema digestivo imaturo, com menor peristatismo e uma flora bacteriana ainda em formação, o que propiciaria ao esporo do Clostridium botulinum um ambiente sem competitividade e com menor movimento, dando-lhe uma superfície de adesão mais estável e permitindo assim a elaboração de um volume de toxina que terá um maior tempo para ser absorvida. TABELA V - Complicações do botulismo infantil Complicações Schreiner et alli (1991) Johnson et alli (1979) Síndrome Inapropriada Hormônio Antidiurético (SIHAD) 16% Não encontrado Instabilidade do Sistema Nervoso Autônomo 12% Não encontrado Apnéia 12% Não encontrado Infecção do trato urinário 11% Não encontrado Pneumonia 7% 20% Sépsis 5% Não encontrado Convulsões 5% Não encontrado Dificuldade respiratória 4% 30% Intubação 77% 20% Anemia Não encontrado 30% Necessidade de sondas de alimentação Não encontrado 70% Dois casos foram descritos por Richard A. Polin e Lawrence W. Brown no Simpósio sobre Infecções Raras publicado pela Editora Interamericana em maio de 1979 no "Clínicas Pediátricas da América do Norte". No primeiro caso relata-se o ocorrido com uma menina de 2 meses de idade admitida no Children’s Hospital of Philadelphia apresentando fraqueza muscular progressiva. Tratava-se de criança proveniente de gestação a termo, sem comprometimentos maternos e fetais, amamentada ao seio, mas também com fórmula comercial complementar. A criança apresentava anormalidades neurológicas e histórico de comprometimento gastrointestinal anterior à internação, hipotonia difusa e moleza na cabeça, ptose bilateral, choro e reflexo de sucção reduzidos, escassez de movimentos faciais e de reflexo de vômito. A química sanguínea e os valores hematológicos mantiveram-se normais, bem como as características do líquido céfaloraquidiano. Foi efetuada administração de neostigmina, o que promoveu melhora do tônus muscular, e ventilação assistida no quinto dia da doença aguda. No décimo dia, iniciaram-se sinais de melhora considerável, sendo a cura neurológica considerada completa três meses mais tarde. Durante a primeira semana de internação isolou-se a toxina botulínica tipo B de suas fezes. O segundo caso descrito por eles foi muito semelhante, mas com um grau maior de comprometimento neurológico, sendo que de suas fezes demonstrou-se, além da toxina B, microorganismos ainda viáveis. 02. DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO Os casos diagnosticados a tempo e tratados adequadamente têm bom prognóstico, como demonstram os trabalhos que os relatam. Entretanto, dado sua semelhança com outras síndromes e o pouco conhecimento a respeito, os óbitos tendem a ocorrer antes que o diagnóstico seja corretamente formulado. Acredita-se que a "Síndrome da Morte Súbita do Lactente" (SMSL), também chamada de "Morte no Berço" , tenha encoberto casos de parada respiratória causadas pela toxina botulínica . Essa síndrome atinge crianças na mesma faixa etária do botulismo infantil, sendo definida como "morte súbita e inesperada de um lactente que estava bem ou quase bem antes da morte e que continua inexplicável após a realização de uma autópsia". É causa de pânico entre a família, uma vez que ocorre de forma inesperada. O bebê geralmente morre durante a noite, tornando-se cianótico e letárgico subitamente, sofrendo uma parada respiratória sem esboço de reação. Ainda não se sabe ao certo suas causas, mas descreveu-se que de 4,3 a 15% do total de óbitos registrados como SMSL se deram devido ao botulismo infantil, tendo sido isolados nessas autópsias a toxina botulínica e/ou o microorganismo. Além do diagnóstico diferencial entre botulismo infantil e Síndrome da Morte Súbita do Lactente, existem outras patologias com um quadro semelhante de sintomas e que devem ser descartados durante a análise do caso. Como dito anteriormente, dado o pouco conhecimento a respeito do botulismo infantil, geralmente em casos de crianças com sintomas neurológicos, ela é a patologia menos considerada, passando inclusive desapercebida. Essas principais patologias com sintomas semelhantes podem ser obserVadas no Quadro I. QUADRO I. Diagnóstico diferencial do Botulismo Infantil * Sépsis * Encefalite / Meningite * Encefalopatia metabólica (urêmica, hepática, etc.) * Doença de Leigh * Síndrome de Reye * Intoxicações (organofosforados, metais pesados, monóxido de carbono) * Polineuropatia aguda (Guillain-Barré, difteria) * Acidentes com animais peçonhentos * Miopatia ou distrofia muscular congênita * Doença de Werdning - Hoffman * Miastenia gravis congênita * Poliomielite * Hipotireoidismo * Acidente Vascular Cerebral O diagnóstico definitivo do botulismo infantil só se dará após isolamento do Clostridium botulinum ou de suas toxinas nas fezes da criança doente. Como há geralmente uma constipação severa, a coleta da amostra pode ser facilitada por um enema salino. Diferentemente do adulto ou de crianças mais velhas, o soro é negativo para a toxina. A determinação da toxina pode ser realizada por diferentes técnicas laboratoriais, como ELISA, Imunodifusão, Imunofluorescência e pelo Teste da Neutralização em Cobaias. Este último permite a detecção de pequenas concentrações da toxina, desde 10-8 mg. A grosso modo, neste teste, injeta-se 1 ml de soro do paciente, via intraperitoneal, em camundongos. Parte deles recebeu anti-soros tipo A, B, E e F. Se os animais imunizados sobrevivem e os não imunizados morrerem, detecta-se a presença da toxina. Pode-se também proceder da mesma forma utilizando-se ao invés do soro do paciente, diluições em salina das fezes da criança ou do alimento suspeito de contaminação . Não há ainda muitos conhecimentos sobre o tratamento da toxi-infecção, tendendo-se até então a controlar os sintomas. O uso de imunoglobulina humana hiperimune está em estudo e sua eficácia sob rigorosa observação. Da mesma forma, os toxóides, ditos antídotos específicos, também vêm sendo pesquisados. O que se faz hoje é a assistência respiratória, dado o comprometimento cardiorespiratório geralmente presente, bem como a alimentação parenteral ou enteral, cuja necessidade se dá devido à possível presença de dismotilidade gastrointestinal. Estatisticamente, tem-se que cerca de 5% dos casos apresentam recorrência de sintomatologia após a alta hospitalar, sem que se tenha conhecimento de fatores predisponentes. O que se tende a acreditar é que, mesmo após o tratamento, alguns esporos sobrevivam a nível gastrointestinal e recomecem a produção de toxinas quando os níveis de antibióticos decai. Acredita-se que a mesma porcentagem, 5%, evolua ao óbito, mas isso ainda é relativo, uma vez que casos de SMSL que podem ser oriundas de toxi-infecção por Clostridium botulinum não foram considerados. É interessante que as fezes dos lactentes continuam a apresentar a toxina e os microorganismos meses após o início da doença, mas não se conhecem casos de infecções secundárias em outras pessoas a partir destas. 03. FONTES DE CONTAMINAÇÃO Com base no que é conhecido, portanto, pode-se determinar algumas fontes principais de transmissão desta doença, sendo o mel o produto hoje mais destacado. É conveniente, entretanto, ampliar o estudo em relação a outros possíveis veículos de contágio, como os alimentos infantis industrializados, apesar de que hoje o controle microbiológico a nível industrial é muito mais rigoroso do que há algumas décadas atrás. Apesar disso, não pode-se apenas suspeitar da inocência desses alimentos na transmissão não somente do botulismo infantil quanto de outras infecções, uma vez que são muitas as variáveis que podem permitir sua contaminação, seja a nível ainda industrial ou mesmo com relação à seu armazenamento e conservação no comércio final. É necessário ter-se certeza de que não há risco de contaminação, principalmente pelo fato dos lactentes serem ainda muito suscetíveis à ação dos microorganismos presentes no meio ambiente, já que sua imunidade ainda não está completamente estabelecida. Por ser o botulismo uma enfermidade diretamente associada à ingestão de alimento contaminado pelo Clostridium botulinum, também a forma de toxi-infecção infantil tende a seguir a mesma regra. Todos os casos definidos de botulismo infantil têm em comum a produção "in vivo" da toxina, o que é reforçado pelo fato de não ter-se identificado a toxina pré-formada em qualquer alimento ou medicamento administrado às crianças doentes. Dos relatos, algumas eram amamentadas ao seio e outras por mamadeira, mas a maioria havia recebido uma variedade de alimentos sólidos, dentre os quais o mel foi identificado como o maior fator de risco. Arnon e cols. testaram 21 tipos de alimentos e medicamentos que foram utilizados por cinco pacientes diagnosticados, sendo que destes encontraram um container de mel que foi positivo para Clostridium botulinum. O CDC, por sua vez, encontrou 13% de todas as amostras de mel por ele testadas positivas para a bactéria. Em publicação na Revista de Doenças Infecciosas de julho de 1979, na Califórnica, 555 produtos foram analisados durante a identificação dos veículos possíveis de esporos de Clostridium botulinum encontrados no intestino de pacientes com sinais de botulismo infantil. Entre esses produtos analisados haviam alimentos, drogas e espécimes ambientais. Dos ítens alimentícios, destacou-se o mel, cuja positividade para estes esporos foi de 10%. Dos ítens ambientais, a positividade foi principalmente para o resíduo presente no coletor de aspiradores de pó, o que acaba por corroborar portanto com a presença deste microorganismo no solo. Analisando-se os casos relatados mundialmente, pelo menos 1/3 deles têm histórico de ingestão de mel, o que determinou que a Academia Americana de Pediatria e o Centro de Controle de Doenças de Atlanta contra-indiquem o uso do mel em lactentes com menos de 1 ano. A mesma recomendação se estendeu à Argentina e ao Reino Unido. Produtos como xarope de milho têm sido também analisados, mas ainda não se comprovou uma relação direta com o desenvolvimento da doença 04 - O MEL COMO FONTE DE INFECÇÃO Em praticamente todas as publicações à respeito do botulismo infantil, o mel é destacado como fonte da doença aos lactentes. Estes são unânimes em afirmar o risco da administração do mel à crianças com menos de um ano de idade, e sua prevalência dentre os alimentos envolvidos na transmissão desta toxi-infecção. O que permanece ainda bastante obscuro, entretanto, é qual mecanismo faz deste produto tão suscetível à contaminação pelo Clostridium botulinum, uma vez que os produtos açucarados são um dos mais protegidos de ataque bacteriano. É conhecido, entretanto, que os microorganismos presentes no mel procedem principalmente do néctar das flores e das próprias abelhas, uma vez que estas carregam em suas patas e antenas muitos microorganismos presentes no solo. Segundo a FAO e a OMS, o mel pode ser definido como uma "substância açucarada obtida a partir do néctar das flores ou das secreções provenientes de partes vivas de plantas ou que sobre elas se encontram e que as abelhas melíferas libam, transformam e combinam com matérias específicas, armazenando-as depois nos favos da colméia". É um produto tido desde os primórdios da civilização como sendo um medicamento de poderes miraculosos, além de simbolizar a fertilidade e a vida, através de mitos e rituais. Pinturas rupestres datadas da Era Paleolítica (12.000 anos AC) já demonstravam sua utilização como fonte alimentar, não havendo ainda, entretanto, indícios da criação de abelhas, mas somente a extração do mel das colméias disponíveis na natureza. A criação destas se iniciou apenas por volta do ano 4.000 AC. As civilizações egípcia e mais tarde grega e romana tinham no mel uma importante fonte quotidiana de açúcar e uma base alimentar para crianças, bem como o utilizavam na produção de bebidas, como o hidromel, e de produtos de beleza. Além da história, também a religião enfoca o mel em diversas crenças. No livro do Êxodo, diz Deus a Moisés , "tendo visto a aflição do meu povo, desci para o salvar e conduzir a uma terra fértil, uma terra onde corre o leite e o mel". Índios americanos, por sua vez, usam o mel em rituais de purificação e fertilidade. A ciência vem tentando desvendar e comprovar os efeitos benéficos do mel. Muitas tradições são hoje comprovadas e muitas superstições foram derrubadas. Segundo a Associação Brasileira de Apicultura, o mel tem ação vasodilatadora e diurética, sendo útil no controle da hipertensão. Age também como antisséptico natural do sistema respiratório e digestivo, atuando em irritações de garganta, bronquites, sinusite, problemas de assimilação digestiva e também como anestésico e cicatrizante. A produção do mel pelas abelhas se dá, basicamente, por uma concentração do néctar recolhido das flores, este consitutído de água e açúcares, principalmente Sacarose. Esse néctar é ingurgitado pela abelha e depositado em uma bolsa dissociada do tubo digestivo, e depois regurgitada para a língua de outra abelha, que o repassa a outra e assim por diante. Nesse processo, além de uma concentração dos açúcares, a invertase vai degradando a Sacarose a açúcares mais simples, chegando à Levulose e à Glicose. O sistema digestivo das abelhas não é obviamente estéril, podendo esse processo ocasionar a contaminação do mel com leveduras aí presentes. Conforme a flor de que o néctar foi obtido, bem como de sua localização geográfica, o mel resultante terá características diferentes, principalmente quanto à cor, sabor e perfume. Daí a grande variedade que pode ser encontrada desse produto O mel é composto de 75% de glicídios (95% de glicose e levulose e 5% de sacarose e maltose), 20% de água e 5% de proteínas, ácidos orgânicos como ácido acético e ácido cítrico, sais minerais, vitaminas e oligo-elementos (enxofre, fósforo, sódio, potássio, cálcio, ferro, cobre, magnésio,etc.). Seu pH oscila entre 3,3 a 4,9. Esse esquema de composição não é uniforme, variando, da mesma forma que as características físicas, conforme o tipo de néctar de onde foi extraído. O altíssimo teor de açúcar presente no mel inibe consideravelmente a proliferação bacteriana, mas pode permitir a sobrevivência de formas esporuladas, como do Clostridium botulinum, estas mais resistentes às animosidades do meio. Esse efeito bacteriostíatico também é favorecido pela baixa concentração de água, o que pode ser alterado pela adição acidental ou proposital da mesma. Leveduras osmotolerantes podem, ao contrário, se desenvolver facilmente no mel, promovendo fermentação que pode ser visualizada por uma espuma esbranquiçada, formada inicialmente na camada mais superficial do produto, onde o índice de umidade é maior. As principais leveduras envolvidas são o Saccharomyces rouxii e o Saccharomyces bisporus var mellis e, ocasionalmente, o Saccharomyces bailii. Após sua atividade, o mel passa a ter variações no seu sabor e odor, sem que a nível químico elas sejam consideráveis. O mel armazenado e em ambiente frio tende a se cristalizar, podendo então apresentar-se granulado ou pastoso, sem que seu valor nutritivo sofra prejuízos. O que pode ocorre é uma maior facilidade a que ocorra a fermentação, uma vez que a porção cristalizada, que tende a ficar depositada no fundo, libera água para a porção ainda liquefeita , que ficará na porção superior do recipiente, suscetível à ação das leveduras. Se aquecido a cerca de 70 C, o mel cristalizado vai se tornar novamente liquefeito, mas tende a perder alguns de seus componentes. Uma das atuais preocupações é a contaminação do mel com pesticidas residuais. No ato da coleta do produto, alguns produtores destroem a colméia com inseticidas, como o DDT e o Aldrin, cujo resíduo tende a permanecer no mel. Análises realizadas até o momento detectaram teor destes organoclorados em níveis mais baixos do que os tidos como limite inferior para o consumo humano. O cuidado e a observação, entretanto, fazem-se necessários. Apesar de já serem muitos os casos de ocorrência do botulismo infantil provenientes da ingestão do mel contaminado com o Clostridium botulinum, pouca literatura se encontra a esse respeito. A nível nacional, isto se torna ainda mais difícil, uma vez que pelo pouco conhecimento da doença no país, pouco ou nada se pesquisa a respeito de suas fontes. O que se pode deduzir a partir do que já se conhece a respeito, é que o mel seria contaminado pelas próprias abelhas, as quais carregariam em suas patas e antenas os esporos dessa bactéria, habitantes do solo onde elas pousam constantemente. Estes poderiam mesmo passar a habitar as colméias, permanecendo nos favos juntamente com o mel. Também a contaminação no ato da coleta do produto é possível, caso as medidas de higiene sejam precárias e favoreçam a contaminação por contato com o solo. Por ser o mel um produto com características que desfavorecem o crescimento de outros microorganismos, o Clostridium botulinum, mais resistente, sobrevive sem competitividade, proporcionando-lhe condições de desenvolvimento praticamente exclusivo. Pelas estatísticas obtidas no caso do estudo de amostras de mel consumidos por crianças com o botulismo infantil, que chegaram a 10% de positividade para os esporos do Clostridium botulinum, pode-se pressupor que a contaminação realmente existe e em níveis bastante elevados. Como o mel não é um item indispensável na dieta infantil e ainda são poucas as rotinas de análise microbiológica deste produto, é preferível evitar sua administração à criança, principalmente no caso de lactentes, de forma análoga ao que hoje é adotado nos Estados Unidos, Reino Unido e Argentina. Por se tratar de um produto natural, tende-se sempre a encarálo como algo somente benéfico, ficando esquecidos os riscos inerentes à falta de processamento industrial, como a pasteurização, e controle microbiológico rigoroso. Normalmente, o mel é comercializado diretamente do produtor, não sendo submetido a qualquer tipo de análise, o que facilitaria a disseminação desta doença. Daí parte também a certeza de que o número de casos de botulismo infantil em nosso país deve ser muito superior ao que se conhece, já que existe o hábito de compra desse produto, nessas condições, para sua administração a bebês como adoçante de mamadeiras e sucos, bem como chupetas embebidas em mel para acalmar uma criança que chora. O consumo pelos adultos, entretanto, bem como por crianças mais velhas, parece não fornecer qualquer tipo de risco em relação ao botulismo. CURIOSIDADE - APLICAÇÕES ESTÉTICAS DA TOXINA BOTULÍNICA O texto a seguir foi extraído da revista " Isto É" de 29 de Maio de l996 e enfoca o uso da toxina botulínica por cirurgiões plásticos no tratamento de rugas. É interessante evidenciar que, com o auxílio da ciência, até o mais poderoso veneno pode se tornar útil. A toxina que causa o botulismo é a mais nova arma dos especialistas contra os sinais do tempo. CARLA GULLO Na frenética luta contra o envelhecimento, vale tudo para apagar os sinais do tempo. Até veneno. O mais novo método de combate a rugas é uma toxina que, em altas doses, causa o botulismo, um tipo de intoxicação que provoca paralisia muscular e pode ser fatal. Para uso cosmético, entretanto, a chamada toxina botulínica é ministrada a conta-gotas e, segundo os especialistas, não causa dano à saúde. Essa nova arma da estética vem sendo usado nos Estados Unidos há mais de quatro anos, com excelentes resultados. Foi o que afirmou o dermatologista americano Arnold Klein durante a IV Racme, Reunião Anual de Cosmiatria e Medicina Estética, realizada no início do mês em São Paulo. Klein, que tem na lista de clientes ninguém menos que Michel Jackson, Cher e Sharon Stone, demonstrou ao vivo as aplicações do Botox (nome comercial do medicamento). "A toxina paralisa o músculo, faz com que a pele estique e elimina as rugas", explica. O médico não disse se aplica o método em seus clientes famosos. Aliás, ele não conta nem sob tortura os tratamentos que ministra nas estrelas. "Ninguém confia em um médico que diz a todo mundo os segredos do paciente". De qualquer maneira, Klein demonstrou bastante entusiasmo com o Botox. O cirurgião plástico paulista Sérgio Mariottini ressalva que, apesar de animadores, os resultados da toxina botulínica não são eternos. "A cada quatro ou seis meses o paciente deve repetir o tratamento, pois o músculo não fica paralisado para sempre", afirma. Outra restrição é a de que o Botox só deve ser injetado nas rugas da testa e ao redor do olhos. "Não é indicado para boca e face porque pode causar queda dos lábios", explica o médico brasileiro. Os estudos sobre a bactéria Clostridium botulinum começaram em 1895. Naquela ano, 34 componentes de um grupo de música da Bélgica comeram um presunto cru salgado contaminado e desenvolveram uma paralisia que matou três delas. A toxina foi considerada um dos piores venenos e ainda hoje, mesmo raramente, pode ser encontrada em embutidos e em enlatados estragados. Em l946, a substância foi purificada pela primeira vez. Em 1978 ela começou a ser usada para tratar pacientes com problemas musculares e, agora, para combater rugas. Aplicar no rosto uma toxina que paralisa o músculo parece assustador. A impressão é que a pessoa não conseguirá mais fechar os olhos ou sorrir. Não é bem assim. Claro que, enquanto durar o efeito do Botox, não é possível franzir o senho. O sorriso não fica comprometido, mas as ruguinhas de expressão desaparecem. Fora isso, a toxina botulínica não tem outros efeitos colaterais. Segundo o dermatologista Otávio Macedo, de São Paulo, o medicamento só não pode ser usado em gestantes. "É uma técnica interessante que complementa o tratamento feito com autocolágeno, também para combater as rugas", lembra o especialista. O colágeno, substância que dá sustentação à pele, é utilizado para preencher o sulco da face e ao redor dos lábios, onde o Botox não pode atuar. (REVISTA ISTO É / N 1391 - 29/05/96) CONCLUSÃO O botulismo infantil é uma realidade dentre as doenças de lactentes, necessitando ser mais pesquisada e conhecida pelos pediatras. Por ser uma patologia tida como rara, muitos casos de "Síndrome da Morte Súbita do Lactente" são diagnosticadas como sem solução quando poderiam ser atribuídas à ação das toxinas produzidas "in vivo" pelo Clostridium botulinum. Faz-se portanto necessária uma maior divulgação e um maior esclarecimento a respeito desta doença tão pouco conhecida, bem como de seus veículos de transmissão, mais destacadamente o mel, que continua sendo usado de forma indiscriminada, sem as análises necessárias e os processos industriais de esterilização. Desta forma, tanto a nível médico como domiciliar, havendo um maior conhecimento a respeito, poderiam ser tomadas maiores precauções para evitar sua ocorrência, bem como diagnosticar em tempo os casos que acabam ficando sem solução e podem ser inclusive fatais. BIBLIOGRAFIA 1. 1. AQUARONE, Eugênio, BORZANI, Walter & LIMA, Urgel de Almeida. Biotecnologia. Tópicos de Microbiologia Industrial. São Paulo; Edgard C\Blucher Ltda, 1975. 231 p. 2. 1. ARNON, S.S. & MIDURA, T.F. Honey and other environmental risk factors for infant botulism. Journal Paediatric. Estados Unidos, 94(2): 331-6. Fevereiro, 1979. 3. 2. BARSANTI, Cláudio & TADDEI, José Augusto. Botulismo Infantil; Atualização. 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