Linfoma cutâneo em região tarsal de um gato – relato de

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XIV Congresso Paulista de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais - CONPAVEPA - São Paulo-SP
Linfoma cutâneo em região tarsal de um gato – relato de caso.
Cutaneous lymphoma of the tarsus in a cat – case report.
SCALERCIO, A.P1; PASQUALE, R2; NETO, R.T3; WERNER J4.
1
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Curitiba – Paraná – Brasil.
1
[email protected]
2
Clínica Veterinária ONCOVET – Curitiba – Paraná – Brasil.
3
VetMol - Patologia Molecular Veterinária – Botucatu – São Paulo – Brasil.
4
Laboratório de Patologia Veterinária Werner & Werner – Curitiba – Paraná – Brasil.
Palavras-chave: linfoma cutâneo; felinos; tarso.
Introdução
O linfoma é o tipo de neoplasia mais comum nos gatos tendo diversas apresentações como alimentar,
em sistema nervoso central, mediastino, renal e outros tipos extranodais como em cavidade oral, pulmão,
osso, região nasal e cutâneo.
A forma cutânea é pouco frequente em felinos, representando apenas 0,2-1,7% dos casos (BURR et
al. 2014; MOORE e OLIVRY, 1994). Atualmente, há poucos estudos em gatos que são limitados a alguns
relatos de caso. Em cães, esta doença é melhor documentada e mais comum, representando 3-8% dos casos
(MOORE e OLIVRY, 1994). Entre as formas cutâneas existe uma apresentação em região de tarso em
felinos, bem mais rara e agressiva. A literatura a respeito deste tipo de linfoma é escassa, mas há um estudo
feito por Burr et al. (2014) que juntou 23 casos de linfoma na região do tarso em felinos e delineou
preliminarmente o comportamento da doença, formas de diagnóstico, prognóstico e tratamento de eleição.
O diagnóstico desta doença deve ser baseado na apresentação clínica do animal, exame citológico,
histopatológico, imunohistoquímico e imunofenotipagem. A forma cutânea pode apresentar-se com lesões
solitárias, multifocais, difusas, eritematosas, crostosas, papulares, nodulares, ulceradas, em placas, com ou
sem ancoragem em tecido subcutâneo. Essas lesões podem ter aparecimento agudo, mas geralmente são
crônicas podendo levar meses para se chegar ao diagnóstico (MOORE e OGILVIE, 2001).
O exame citológico revela a presença de células linfoides, podendo ou não ser acompanhada de
infiltrado inflamatório. A avaliação histopatológica revela proliferação de células linfoides que atinge a
epiderme, os anexos e, nos estágios avançados, a derme e tecido subcutâneo (FONTAINE et al. 2009;
MAGNOL et al. 1996). Os linfócitos podem ser de tamanhos variáveis; pode haver infiltrado inflamatório e
também pode ser vista apoptose de queratinóticos da epiderme e folículos pilosos atingidos (FONTAINE et
al. 2011). Comumente há prevalência de linfócitos T (DAY, 1995), mas no estudo de Burr et al. (2014) a
prevalência foi de linfócitos B.
O prognóstico para linfoma cutâneo tarsal em gatos vai de desfavorável a ruim (FONTAINE et al.
2010), pois é associado à doença sistêmica (BURR et al. 2014).
O estudo retrospectivo multicêntrico feito por Burr et al. (2014) foi o único deste tipo e demonstrou
que o linfoma tarsal aparenta ser uma doença agressiva em gatos, com uma mediana de sobrevida de 190
dias. Neste trabalho diversos tipos de tratamento foram feitos, entre eles corticosteroides, protocolo de
quimioterapia CHOP, apenas lomustina, vincristina e lomustina associadas, e radioterapia. O gato que
apresentou maior sobrevida (1.011 dias) foi tratado com a combinação de radioterapia e quimioterapia.
Relato do caso
No mês de setembro de 2011, um gato com aumento de volume em região tarsal foi encaminhado
para a Clínica ONCOVET em Curitiba-Paraná. O animal apresentava uma lesão crônica recorrente, nodular,
dolorida, eritematosa, alopécica em membro pélvico direito (Figura 1) e aumento de volume em linfonodo
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poplíteo direito. O animal apresentava bem-estar geral, sem outras evidências clínicas. Foi realizada citologia
da lesão que revelou presença de abundantes linfócitos fazendo suspeita de lesão proliferativa linfocítica.
Foi realizado hemograma que apresentou leucocitose por neutrofilia (leucócitos 27.800, variação
5.500-19.500; neutrófilos 23.908, variação 2.100-12.750) e presença de agregados plaquetários. Os exames
bioquímicos (ALT, AST, FA, ureia e creatinina) estavam dentro dos limites para a espécie.
Os exames de imagem incluíram radiografia torácica e ultrassonografia abdominal. A radiografia
torácica revelou padrão misto (intersticial e alveolar) em campos pulmonares craniais sugestivo de
pneumonia e padrão vascular em campos pulmonares caudais sugerindo inflamação, porém sem evidência
clara de envolvimento pulmonar. Ao exame ultrassonográfico foi visualizado apenas, como alteração digna
de nota, aumento de um linfonodo dorsal à bexiga, medindo 0,4cm.
A amputação do membro pélvico direito foi feita por apresentar grandes chances de controle local.
Um mês após a cirurgia iniciou-se quimioterapia com lomoustina na dose de 10mg. Aos 56 dias de
tratamento, a dose foi aumentada para 15mg, a cada quatro semanas. O animal veio a óbito após 89 dias de
tratamento com quimioterapia.
A avaliação histopatológica da lesão (Figura 2a) revelou infiltrado neoplásico linfoide subcutâneo,
não encapsulado, composto por denso lençol de células de tamanho pequeno a médio, com núcleos
irregularmente arredondados, com cromatina grosseira e nucléolos inconspícuos. As figuras de mitose foram
de 4-6 por cga/400x.
O exame histopatológico do linfonodo inguinal revelou ausência de estruturas foliculares e centros
germinativos, infiltrado denso de células linfoides mostrando regularidade dos núcleos hipercromáticos e
pouco citoplasma eosinofílico. As figuras de mitose foram de 0-2 por 10cga/400x.
O exame imunohistoquímico revelou células CD3+ (marcador em comum para todos os linfócitos T;
Figura 2b), CD79- (marcador de linfócitos B), Ki67 acima de 80%, Pax-5 (outro marcador de linfócitos B)
negativo, revelando linfoma de células T com leve epiteliotropismo e alta proliferação celular. Neste caso
não foi realizado exame para FeLV.
Discussão
O felino relatado apresentou uma forma distinta de linfoma cutâneo manifestado na região tarsal do
membro pélvico direito, com prevalência de células T e leve epiteliotropismo. Segundo Burr et al. (2014), o
linfoma cutâneo epiteliotrópico é o tipo de linfoma cutâneo mais comum em gatos.
A etiologia deste relato não foi esclarecida. Para Burr et al. (2014) e Fontaine et al. (2001) a causa do
linfoma cutâneo permanece não determinada, apesar de terem correlacionado com infecções virais. Em um
estudo por Tobey et al. (1994) foi encontrado DNA para FeLV em um gato com linfoma cutâneo nãoepiteliotrópico. No artigo por Burr et al. (2014), 17 gatos foram testados para FeLV, todos tendo resultado
negativo, e um gato apresentou anticorpos para FIV. Apesar destes resultados, mais estudos são necessários
para confirmar esta etiologia em gatos. Infecções crônicas foram levantadas como uma possível causa para o
linfoma cutâneo em humanos (WEINSTOCK e HORM, 1988). Esta suspeita é baseada no fato de que
linfócitos T podem ser cronicamente ativados por antígenos ambientais e/ou anormalidades na função das
células de Langerhans. Porém, em felinos, esta etiologia também não foi elucidada.
De acordo com Fontaine et al. (2009), o exame histopatológico do linfoma cutâneo epiteliotrópico
revela infiltrado linfoide com tropismo pela epiderme, podendo ou não formar agregados no epitélio
(microabscessos de Pautrier). Estes achados corroboram em parte o resultado apresentado neste trabalho, pois
foram vistos linfócitos infiltrando a epiderme e o epitélio de folículos, revelando epiteliotropismo. Contudo,
não houve formação de microabscessos de Pautrier. A progressão da doença leva ao infiltrado de linfócitos
neoplásicos na derme (MOORE e OLIVRY, 1994). Isto explica a presença de infiltrado em derme profunda,
resultado apresentado neste artigo.
O exame histopatológico deste relato de caso revelou infiltrado linfocítico com predomínio de
linfócitos pequenos com núcleo hipercromático. O padrão histopatológico observado é semelhante ao citado
por Moore e Olivry (1994) e Fontaine et al. (2009) e comprova a suspeita clínica de linfoma cutâneo. Para
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Willemze et al. (1997) e Fontaine et al. (2009) necrose tumoral pode ser observada, levando à ulceração. Esta
é outra alteração que também foi observada no caso relatado neste artigo.
O exame imunohistoquímico é relevante para diferenciar o tipo celular do linfoma em células T ou B.
O resultado neste trabalho vai de encontro com o descrito por Fontaine et al. (2009) e Moore et al. (1994) que
citam que o fenótipo celular geralmente é caracterizado por células CD3+ (um marcador comum para todas
os linfócitos T).
Em humanos e cães a porcentagem de células positivas para o antígeno Ki-67, indicador de
proliferação celular, é correlacionada com a malignidade do tumor. Se houver 21% ou mais de células
expressando o Ki-67, o tumor é considerado de alta malignidade (FONTAINE et al. 2009). Baseado nesta
informação, o tumor deste relato pode ser considerado de alta malignidade, pois apresentava Ki-67 acima de
80%.
O prognóstico pode ser delineado baseando-se na resposta ao tratamento, estadiamento clínico e
status para FeLV (VAIL et al. 1998). Em gatos, a média de sobrevivência oscila, podendo ser de 2,5 meses a
4 anos, e o prognóstico varia de desfavorável a ruim (FONTAINE et al. 2011). O animal apresentado neste
trabalho obteve remissão nos dois primeiros meses do tratamento, todavia, a recidiva ocorreu prontamente e
não foi responsiva à quimioterapia. Sendo assim, conclui-se que o prognóstico deste caso foi desfavorável.
Já foram relatados diversos tratamentos para linfoma cutâneo em gatos, entre eles: apenas
corticosteroides (DUST et al. 1982), fibronectina (CACIOLO et al. 1983), quimioterapia (NETA et al. 2008),
cirurgia (BURR et al. 2014) e radioterapia (NETA et al. 2008). Atualmente, o tratamento mais promissor
para linfoma cutâneo em gatos é quimioterapia com lomustina na dose de 60-70mg/m2, via oral, uma vez a
cada três semanas (FONTAINE et al. 2011), confirmando a decisão do quimioterápico usado neste trabalho
mas não a dose escolhida.
A amputação para ressecção do tumor foi escolhida para o animal deste relato corroborando com
informações descritas por Kagawa et al. (2011) que realizou amputação em um caso de linfoma cutâneo,
entretanto, o gato foi a óbito por doença sistêmica dois meses após a cirurgia. No artigo por Burr et al.
(2014), três gatos foram submetidos à amputação e permaneceram em remissão por 56, 350 e 525 dias. Este
tratamento deve ser considerado com cautela, pois é um tratamento agressivo e ainda há poucos relatos
publicados. Considerando que 56% dos gatos tiveram doença metastática no momento do óbito,
quimioterapia adjuvante à amputação deve ser realizada (BURR et al. 2014).
O gato deste relato de caso apresentou aumento de linfonodo poplíteo direito no momento do
diagnóstico. Aparentemente, metástase para linfonodos sentinelas ou intra-abdominais é comum,
evidenciando a necessidade de estadiar e acompanhar o paciente frequentemente. Dos 23 gatos estudados por
Burr et al. (2014), cinco tiveram envolvimento de linfonodo poplíteo, um teve metástase de células redondas
em fígado e linfonodos ilíacos confirmada por citologia, e treze foram reportados por ter metástase no
momento do óbito.
Considerações finais
Pode-se concluir que o linfoma cutâneo em região tarsal de gatos é uma doença agressiva e que na
maioria dos casos apresenta metástases. O estadiamento e acompanhamento por parte do médico veterinário
são necessários para diagnóstico precoce de novas lesões. Ainda não há consenso quanto ao tratamento ideal
para este tipo de neoplasia, porém, a quimioterapia associada à radioterapia foi o tratamento que apresentou
melhor sobrevida.
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