Dissertação - Universidade Federal do Piauí

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
MESTRADO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
EDUARDO BATISTA SOARES NETO
SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES COM
TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO
TERESINA
2010
1000
EDUARDO BATISTA SOARES NETO
SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES COM
TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO
Dissertação apresentada ao Mestrado
em Ciências e Saúde para obtenção
do título de Mestre em Ciências e
Saúde.
Área de concentração: Políticas,
Planejamento e Gestão em Saúde.
Linha de pesquisa: Análise de
Situações de Saúde.
Orientadora: Professora Doutora LÚCIA CRISTINA DOS SANTOS ROSA
TERESINA
2010
1001
FICHA CATALOGRÁFICA
Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco
S676s
Soares Neto, Eduardo Batista.
Sobrecarga de familiares de pacientes com Transtorno
Obsessivo-Compulsivo [manuscrito] / Eduardo Batista Soares
Neto. – 2010.
171 f.
Cópia de computador (printout).
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Piauí,
Programa de Mestrado em Ciências e Saúde, 2010.
“Orientadora: Profª. Drª. Lúcia Cristina dos Santos Rosa”.
1. Transtorno Mental. 2.
Compulsivo. 3. Cuidadores.
I. Título.
Transtorno Obsessivo 4. Sobrecarga familiar.
CDD 614.58
1002
EDUARDO BATISTA SOARES NETO
SOBRECARGA DE FAMILIARES DE PACIENTES COM TRANSTORNO
OBSESSIVO-COMPULSIVO
Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Mestrado em Ciência e Saúde
do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Piauí – área de
concentração: Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde; linha de pesquisa:
Análise de Situações de Saúde – para obtenção do Título de Mestre em Ciências e
Saúde.
Aprovada em: 09 de julho de 2010.
Banca examinadora:
Presidente: Professora Doutora Lúcia Cristina dos Santos Rosa
Universidade Federal do Piauí - UFPI
1º Examinador: Professor Doutor José Jackson Coelho Sampaio
Universidade Estadual do Ceará - UECE
2º Examinador: Professora Doutora Lidya Tolstenko Nogueira
Universidade Federal do Piauí - UFPI
1003
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal do Piauí, pelo Mestrado em Ciências e Saúde;
Ao Mestrado em Ciências e Saúde pelo aprendizado acadêmico;
Às instituições onde foi realizada a pesquisa – Hospital Areolino de Abreu, Centro de
Atenção Psicossocial tipo II de Piripiri/PI e Centro de Neurologia e Cefaléia do Piauí
LTDA – pela aquiescência na realização da pesquisa;
Aos participantes da pesquisa;
Aos autores pesquisados que com suas publicações científicas disseminam e
compartilham o conhecimento;
Aos professores das bancas de qualificação do projeto, pré-defesa e defesa da
dissertação – Professor Doutor Alexandre Nogueira, Professor Doutor Alexandre
Parente, Professor Doutor José Jackson Coelho, Professora Doutora Lídya
Tolstenko e Professora Doutora Lúcia Rosa – pelas valiosas críticas, observações,
sugestões e recomendações.
Aos professores do Mestrado em Ciências e Saúde da UFPI que efetivamente
contribuíram no aprendizado e formação acadêmica;
À Professora Pós-Doutora Marina Bandeira da Universidade Federal de São João
del-Rei/MG, pela valiosíssima interlocução, pela prestatividade e generosidade com
que sempre atendeu às solicitações de esclarecimentos de dúvidas relacionadas à
“Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” – FBIS-BR.
Ao Professor João Batista Teles pelo suporte estatístico, sempre paciente e
prestativo.
Em especial à Professora Doutora Lúcia Rosa, orientadora deste mestrado, pela
aceitação em ser orientadora deste mestrando, pela confiança depositada e
inspirada, pela simplicidade e sabedoria com que dissemina seu rico conhecimento.
1004
RESUMO
Contexto: A relação sujeito com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e seu
familiar pode resultar em conseqüências negativas para ambos. Presença de
sobrecarga em familiares/cuidadores resultante do auxílio/cuidado prestado pode
comprometer a saúde destes, implicar em deterioração de relacionamentos e
manutenção ou agravamento do quadro do enfermo. Objetivos: Avaliar sobrecarga
de familiares de sujeitos com TOC, inclusive nas suas dimensões objetiva e
subjetiva. Métodos: Estudo descritivo-analítico constituído de caracterização do
sujeito com TOC (n=45) e de seu familiar/cuidador (n=45), através da sua
investigação em grupos na rede pública – CAPS (n=30) e ambulatório de hospital
psiquiátrico (n=30) – e privada (n=30); confirmação diagnóstica – TOC – com uso do
MINI; aplicação da “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” – FBIS-BR.
Resultados: Observou-se sujeito com TOC com idade média de 36 anos, sem
predomínio de gênero no grupo total, solteiro ou casado, católico, desempregado,
residindo com o cônjuge e filhos, e em farmacoterapia. Familiar-cuidador com idade
média de 46 anos, do gênero feminino, casado, católico, residindo com o sujeito com
TOC e relatando não receber ajuda/orientação no cuidado/auxílio deste. Investigouse a existência de sobrecargas, objetiva e subjetiva em familiares cuidadores de
sujeitos com TOC; avaliando-se também os graus de sobrecarga nas subescalas – e
em seus itens – objetiva, subjetiva, global subjetiva e global objetiva. Conclusões: O
estudo constatou a existência de sobrecarga em familiares cuidadores de sujeitos
com TOC; identificou graus de sobrecarga, e encontrou associação entre aspectos
da sobrecarga e grupos investigados; evidenciando a necessidade de novos estudos
e do envolvimento dos familiares nos protocolos de atendimento em Psiquiatria.
Palavras-chave: transtorno obsessivo-compulsivo, cuidadores, sobrecarga familiar,
graus de sobrecarga.
1005
ABSTRACT
Context: The relationship of the individual with Obsessive-Compulsive Disorder
(OCD) and their family may bring negative consequences to both. The burden
present in family members/caretakers, which is a result of the care given, could
jeopardize their health, provoke the decay of relationships, as well as maintain or
worsen the patient’s condition. Objectives: Evaluate the burden in family members
of individuals with OCD, including the subjective and objective dimensions. Methods:
This is a descriptive-analytical study that characterizes the individual with OCD
(n=45) and their family or caretakers (n=45) in samples of the public – CAPS (n=30)
and psychiatric hospital clinic (n=30) – and private network (n=30); diagnosis
confirmation – OCD – by using MINI; the “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos
Familiares” – Scale for Evaluating Burden in Family Members – FBIS-BR – was
applied. Results: Individuals with OCD aged 36 in average, with no predominance of
gender in the total sample, married or single, catholic, unemployed, living with
partner and children, and under pharmacotherapy. Family member-caretaker aged
46 in average, feminine, married, catholic, living with the individual with OCD who
related not having received help/guidance for taking care of the individual. The
existence of subjective and objective burden in family members caretakers of
individuals with OCD was investigated; the levels of burden in the objective,
subjective, global subjective and global objective subscales – and its items – were
also evaluated. Conclusions: The study has verified different levels of burden in
family members of individuals with OCD; it identified the levels of burden, and found
a connection between burden aspects and the samples investigated, which shows
the need of new studies and the involvement of family members in the psychiatry
treatment.
Key-words: obsessive-compulsive disorder, caregivers, family burden, levels of
burden.
1006
ABREVIATURAS E SIGLAS
GCAPS = grupo da rede CAPS.
GCP = grupo da clínica privada.
GHP = grupo do ambulatório do hospital psiquiátrico.
APA = “American Psychiatric Association”.
5-HT = 5-hidroxitriptamina = serotonina.
CID-10 = 10ª (décima) edição da “Classificação Internacional de Doenças”.
dp = desvio-padrão.
DSM-IV = “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders”, 04ª edição.
e.g. = exempli gratia [do latim] = “por exemplo”.
FBIS-BR = Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares; versão brasileira.
IBGE = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
ISRS = Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina.
OMS = Organização Mundial da Saúde.
PNAD = Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios.
TOC = Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
UFSJ = Universidade Federal de São João del Rei.
WHO = “World Health Organization” = Organização Mundial da Saúde – OMS.
1007
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................
9
2 REFERENCIAL TEÓRICO...............................................................................
13
2.1 O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO...........................................
13
2.1.1 Caracterização...........................................................................................
14
2.1.2 Epidemiologia............................................................................................
17
2.1.3 Etiologia.....................................................................................................
18
2.1.4 Clínica, comorbidade e diagnóstico diferencial.....................................
24
2.1.5 Evolução....................................................................................................
28
2.1.6 Tratamento.................................................................................................
30
2.2 O PROVIMENTO DE CUIDADO DA PESSOA COM O TRANSTORNO
MENTAL NO SEIO DA FAMÍLIA..........................................................................
35
2.2.1 Breve contextualização histórica da relação entre o Estado/Políticas
Públicas e os grupos familiares no Brasil.......................................................
36
2.2.2 Famílias brasileiras em um cenário histórico de constantes e
intensas mudanças sociais...............................................................................
39
2.2.3 Algumas concepções sobre família(s) e repercussões do
provimento de cuidado de pessoa com transtorno mental...........................
43
2.2.4 As famílias, e as alterações em seu ciclo vital na presença de um
sujeito com transtorno mental..........................................................................
46
2.3 O CUIDAR EM SAÚDE MENTAL..................................................................
51
2.3.1 Os CAPS e a abordagem da família........................................................
54
2.3.2 O ambulatório e a família invisibilizada..................................................
55
2.3.3 O consultório privado...............................................................................
57
2.3.4 A situação do cuidar.................................................................................
58
2.3.5 O cuidador.................................................................................................
61
2.4 O ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS ENVOLVENDO FAMILIARES.....
64
2.5 A SOBRECARGA EM EVIDÊNCIA................................................................
69
2.6 A “ESCALA DE AVALIAÇÃO DA SOBRECARGA DOS FAMILIARES”........
78
2.6.1 Estudo de validação da FBIS-BR.............................................................
78
1008
2.6.2 As características da escala....................................................................
80
2.6.3 Protocolo de aplicação da FBIS-BR........................................................
83
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.........................................................
84
3.1 DELINEAMENTO/DESENHO DO ESTUDO..................................................
84
3.2 A AMOSTRA..................................................................................................
84
3.3 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS.................................................
87
3.4 COLETA DE DADOS.....................................................................................
89
3.5 ADVERSIDADES E SEU MANEJO...............................................................
91
3.6 LIMITAÇÕES METODOLÓGICAS.................................................................
92
3.7 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS..........................................................................
93
3.8 ANÁLISE ESTATÍSTICA................................................................................
94
4 RESULTADOS.................................................................................................
96
4.1 PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO E CLÍNICO DO SUJEITO COM TOC......
96
4.2 PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO, DE SAÚDE E DE INFORMAÇÕES
RELATIVAS AO CUIDAR, RELACIONADAS AO CUIDADOR............................
100
4.3 SOBRECARGA..............................................................................................
104
4.3.1 Sobrecarga objetiva – graus....................................................................
107
4.3.2 Sobrecarga subjetiva – graus..................................................................
110
5 DISCUSSÃO.....................................................................................................
113
6 CONCLUSÕES.................................................................................................
132
REFERÊNCIAS....................................................................................................
137
APÊNDICES.........................................................................................................
148
ANEXOS............................................................................................................... 155
1009
1 INTRODUÇÃO
Durante o atendimento de pacientes psiquiátricos ao longo dos anos
como médico-psiquiatra, observou-se a presença relativamente constante e
crescente de familiares acompanhando as consultas de seus entes adoecidos,
normalmente apresentando-se como fonte de informações complementares, ou
como única fonte de informação – quando o sujeito com transtorno, por razões
inerentes a seu estado, ou por recusa voluntária, medo, receios, preconceitos, com
relação à consulta psiquiátrica, negava-se a prestar informações –, mas também
freqüentemente, e cada vez mais, como indagador sobre o estado do familiar
adoecido, qual o tratamento – mais indicados, características, riscos –, qual o
prognóstico, como proceder.
Observou-se também o familiar acompanhante apresentando-se, dentro
da consulta do familiar-enfermo, como um paciente com suas queixas particulares,
relativas a questões pessoais – transtornos mentais próprios –, algumas vezes
percebidos em sintomas atribuídos, de modo consciente ou inconsciente, ao familiar
apresentado como razão da consulta, embora não característicos do transtorno
deste e posteriormente assumidas como não pertencentes ao mesmo. Inúmeras
vezes percebeu-se, ou foram discorridas pelo(s) familiar(es), queixas relacionadas à
carga sentida pelo cuidar – gasto de tempo, gastos financeiros, limitações sociais,
quadros psicológicos e emocionais surgidos com o processo do cuidar, reações
pessoais e familiares ao problema e aos comportamentos do paciente.
Tais observações foram sendo constatadas no atendimento de sujeitos
com as mais variadas enfermidades psiquiátricas, observando-se maior freqüência
do familiar no acompanhamento daqueles com quadros esquizofrênicos e, dentro do
grupo dos transtornos de ansiedade, daqueles com Transtorno ObsessivoCompulsivo - TOC. Transtorno que apresenta além de suas características clínicas,
destacadamente as compulsões que várias vezes envolvem/requerem a participação
de familiares em sua realização, um considerável grau de comprometimento à
qualidade de vida da pessoa com o transtorno.
1010
O TOC é um transtorno mental grave, fonte de considerável sofrimento e
comprometimentos no funcionamento social, ocupacional e em diversas outras
áreas da vida do sujeito, em virtude de suas características clínicas e repercussões
nas relações sociais.
Várias situações podem influenciar o diagnóstico de TOC, o tratamento,
as investigações epidemiológicas, a qualidade de vida do sujeito com o Transtorno e
as relações familiares
– sobrecargas objetivas e subjetivas, hostilização,
acomodação. Como exemplos destas situações relevantes no TOC, relacionadas
mais diretamente ao sujeito com o transtorno, podemos citar a latência entre o início
dos sintomas e a procura de auxílio/tratamento; a procura de profissionais para tratar
sintomas isolados ou conseqüências de sua existência, e.g. a procura por
dermatologistas em razão de lesões de pele resultantes do uso de substâncias
cáusticas na limpeza pessoal; a resistência dos sujeitos em assumir seus sintomas,
por vergonha, por receio de discriminação e preconceito; a elevada presença de
comorbidades. Outros aspectos que também podem influenciar o conhecimento e a
condução do transtorno relaciona-se com o tipo de amostra escolhida nos inquéritos
epidemiológicos; questões familiares; influências sociais, religiosas e culturais;
desconhecimento por parte dos profissionais de saúde; preconceitos acerca de
transtornos mentais e seus portadores, Psiquiatria e psicofármacos; o destacado
custo social do TOC – dependência financeira, desemprego, utilização de serviços
de saúde por sujeitos cuja fase de vida deveria ser a mais produtiva; dentre outros.
O provimento de cuidados/auxílio por familiares a sujeito enfermo surgido
no meio familiar, além de ser constituinte da nossa cultura, pode resultar em
conseqüências negativas para o cuidador – à sua saúde e ao seu relacionamento
com o ente adoecido – e para o enfermo.
No TOC, o envolvimento da família participando de compulsões, ou
alterando os seus comportamentos para adaptar-se, acomodar-se, aos sintomas do
paciente, pode conduzir a evolução e tratamento deste para o pólo negativo, e
também comprometer o relacionamento familiar.
Estudos acerca da sobrecarga familiar resultante do provimento de
cuidados podem resultar em focos para intervenções que beneficiam o enfermo, o
1011
familiar – evitando, reduzindo ou atenuando a própria sobrecarga, e suas
conseqüências para estes – e o próprio sistema de saúde.
Aditivamente aos aspectos acima relacionados, a carência de estudos
envolvendo a relação entre o TOC e a sobrecarga familiar, com a utilização, no
Brasil, de instrumentos de avaliação validados e adaptados à realidade do país –
permitindo a comparabilidade de resultados de pesquisas –, muito contribuíram para
o desenvolvimento do presente estudo. Além do acréscimo aos conhecimentos
existentes, a realização desta pesquisa almeja tornar-se subsídio e estímulo para
novos estudos envolvendo a avaliação de possibilidades de novos recursos em
projetos terapêuticos de sujeitos com transtornos mentais – abordagem familiar –, a
prevenção de conseqüências negativas decorrentes de sobrecarga familiar tanto
para os sujeitos enfermos como para o(s) familiar(es), assim como possibilitar – pelo
uso de escala padronizada, adaptada e validada para uso no Brasil – a
comparabilidade com outros estudos com todos os desdobramentos daí possíveis.
A confluência de todos estes fatores findou por definir o presente estudo,
cuja questão estruturante é a existência de sobrecarga em familiares de sujeitos
com TOC, e que possui como objetivo geral avaliar a existência de sobrecarga
subjetiva e/ou objetiva em familiar-cuidador de sujeitos com o transtorno, em
tratamento na rede pública – em ambulatório de hospital psiquiátrico e em centro de
atenção psicossocial – e na rede privada, e como objetivos específicos identificar o
perfil sócio-demográfico e clínico do paciente com diagnóstico de TOC, caracterizar
o perfil sócio-demográfico e clínico do familiar de referência no cuidado ao sujeito
com TOC, verificar relações entre as características do sujeito com TOC e a
existência e o tipo de sobrecarga resultante no familiar cuidador e verificar relações
entre as características do familiar cuidador do sujeito com o transtorno e a
existência e o tipo de sobrecarga resultante neste familiar.
A presente dissertação encontra-se materializada em seis seções. Após
esta breve contextualização do assunto em foco, justificativas para a escolha do
tema e a apresentação dos objetivos da pesquisa, realizamos uma revisão sucinta,
haja vista que os assuntos relacionados constituem-se por si só um vasto campo de
conhecimentos e a tentativa de esgotá-los seria impossível, dos três eixos principais
pesquisa: o TOC, a Família e a Sobrecarga de Cuidadores.
1012
Apresentamos o TOC com suas singularidades, epidemiologia, hipóteses
etiológicas,
características,
evolução,
comprometimentos
e
tratamentos.
Discorremos sobre a família, contextualizando-a historicamente e procurando
demonstrar as relações históricas no desenvolvimento do “cuidar” do familiar com
transtorno mental no Brasil, destacando as relações com o Estado. Discutimos a
questão da Sobrecarga resultante do desempenho do papel de cuidador;
conceituando-a, e ilustrando-a com exemplos de pesquisas investigando o assunto
em diversos transtornos mentais; destacando a carência de estudos com uso de
instrumentos adaptados e validados no Brasil – prejudicando a fidedignidade e a
comparabilidade
de
resultados
encontrados
–
acerca
da
Sobrecarga,
destacadamente envolvendo familiares de sujeitos com o TOC; enfatizando as
conseqüências da Sobrecarga – aos familiares, aos sujeitos com TOC, aos
relacionamentos familiares, suas repercussões sobre o transtorno. Discorremos
também sobre o principal instrumento utilizado na presente pesquisa, a versão
brasileira da “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” – FBIS-BR.
Em seguida apresentamos os aspectos metodológicos da pesquisa e
revelamos os resultados obtidos através da aplicação dos instrumentos de
investigação nos
três grupos utilizados para demonstrar as modalidades
assistenciais atualmente vigentes no nosso Estado do Piauí: serviço privado e
público – este representado por um Centro de Atenção Psicossocial representando o
novo modelo de serviço público em Psiquiatria, e pelo ambulatório do HospitalPsiquiátrico representando o antigo, mas presente, modelo assistencial.
Investigamos destacadamente a sobrecarga, seus graus nos aspectos
objetivos e subjetivos e em suas diferentes subescalas, nos familiares-cuidadores
nestes três grupos, além da caracterização do sujeito com o transtorno e do
cuidador. Subseqüentemente procedemos à análise dos resultados à luz dos
registros investigados na literatura; procurando verificar divergências entre os
resultados constatados nos três
grupos
investigados,
apresentar as conclusões obtidas e recomendações.
para posteriormente
1013
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO
Neste tópico procuramos fornecer uma visão ampla acerca do TOC,
ressaltando a impossibilidade da exploração completa do assunto dada a sua
complexidade e ainda na atualidade a incompletude do seu conhecimento integral.
Descrevemos a seguir aspectos conceituais, epidemiológicos, etiológicos,
clínicos e tratamentos; visando mostrar ao leitor as suas singularidades, a sua
relevância, e os comprometimentos resultantes do transtorno para o sujeito com
TOC – sua evolução pessoal, de sua enfermidade, implicações no tratamento –,
para seu familiar e para o relacionamento de ambos.
Sublinhamos o aspecto do cuidado na família, os fatores relacionados ao
desenvolvimento de sobrecarga, e a importância do envolvimento do familiar para a
evolução e o prognóstico do transtorno e no seu tratamento como recurso
extraclínico de suma relevância – e ainda não efetivamente explorado pelos serviços
e pelos profissionais de saúde.
Destacamos o aspecto da acomodação familiar, ressaltando-a não
apenas como resultado da exaustão familiar frente às demandas oriundas do sujeito
com TOC, mas também como recurso de convivência do familiar com o sujeito com
o transtorno – recurso utilizado como auxílio na luta contra o sofrimento do enfermo,
ou como estratégia para tentar levar a cabo as exigências de auxílio por este –, além
de sua interferência na busca por tratamento e na consolidação de comportamentos
negativos – manutenção de sintomas – do enfermo.
1014
2.1.1 Caracterização
O TOC é uma enfermidade mental grave, encontrando-se entre os cinco
transtornos mentais – depressão unipolar, esquizofrenia, uso de álcool, transtorno
bipolar e TOC – que integram a lista das enfermidades implicadas nas maiores taxas
de incapacidade no mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO, 2001),
sendo o quarto diagnóstico psiquiátrico mais comum (NIEDERAUER et al., 2007;
SADOCK; SADOCK, 2007b; TORRES; LIMA, 2005) e podendo ser fonte de
importante gasto aos sistemas de saúde – maior procura e utilização de serviços
pelos sujeitos com a enfermidade (FERRÃO et al., 2007). Acomete sujeitos em fases
mais produtivas da vida (SADOCK; SADOCK, 2007b), comprometendo sua
qualidade de vida
1
– tendo sido equiparado em alguns aspectos à esquizofrenia
(NIEDERAUER et al., 2007) –, e determinando sofrimento tanto aos sujeitos
acometidos pelo transtorno como à sua família (DEL-PORTO, 2001).
Inicialmente nomeada de neurose obsessiva
2
por Sigmund Freud
(FREUD, 1976a), recebeu na teoria psicanalítica clássica a denominação de
Neurose Obsessivo-Compulsiva (SADOCK; SADOCK, 2007b).
Atualmente catalogada no grupo dos “Transtornos de Ansiedade”, do qual
também fazem parte o transtorno de pânico, o transtorno de ansiedade
generalizada, o transtorno de estresse pós-traumático e as fobias, de acordo com o
texto revisado da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais – DSM-IV-TR – (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA, 2002);
e, no grupo dos “Transtornos neuróticos, relacionados ao stress e somatoformes”,
segundo a 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças – CID-10
1
No presente trabalho seguimos Minayo, Hartz e Buss (2000), que caracterizam qualidade de vida como uma noção
eminentemente humana, polissêmica, caracterizada por constituir-se numa representação social construída a partir de
parâmetros subjetivos – como a liberdade, o amor, a realização pessoal, a felicidade, dentre outros – e objetivos – balizados
pela satisfação das necessidades básicas e daquelas criadas pela sociedade –, com a marca da relatividade cultural e
histórica.
2
James Strachey, o editor inglês da edição Standard das Obras psicológicas Completas de Sigmund Freud, cita Lowenfeld
(1904), informando que o conceito e o termo Neurose Obsessiva (no alemão: Zwangsneurose) originou-se de Freud, que o
utilizou pela primeira vez numa publicação em seu artigo sobre Neurose de Angústia, em 1895 (FREUD, 1976a). Freud, em
1896, definiu o termo “idéias obsessivas” – Zwangsvorstellungen, no alemão; termo introduzido por Krafft-Ebing em 1867
(FREUD, 1976a) –, posteriormente refere que seria mais apropriado falar em “pensamento obsessivo” (no alemão:
Zwangsdenken) – que correspondia a qualquer ato psíquico: desejos, tentações, pulsões, reflexões, dúvidas, comandos e
proibições – apesar de casualmente continuar usando o primeiro, como sinônimo (MAHONY, 1991).
1015
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS, 1993). Caracteriza-se pela
presença de obsessões e compulsões, aliadas a sofrimento clinicamente
significativo e comprometimento no funcionamento do sujeito (APA, 2002; SADOCK;
SADOCK, 2007b).
As obsessões são caracterizadas como um pensamento, sentimento,
idéia ou sensação persistente, recorrente, intrusiva e inadequada, excessiva ou
irracional, reconhecida pelo sujeito como oriunda de sua própria mente e que lhe
causa acentuada ansiedade ou sofrimento, à qual tenta ignorar, neutralizar ou
eliminar. Enquanto a compulsão é definida como um comportamento ou ato mental
consciente, padronizado e recorrente, excessivo ou irracional, que o sujeito se sente
forçado a realizar, cujo objetivo é prevenir ou reduzir ansiedade ou sofrimento e/ou
evitar algum evento ou situação temida; consomem tempo e interferem
significativamente na vida do sujeito (APA, 2002; CORDIOLI, 2007; SADOCK;
SADOCK, 2007b; VERSIANI, 2001).
Numa relação relativamente paradoxal, o sujeito na tentativa de livrar-se
do sofrimento causado pelas obsessões acaba por escravizar-se às compulsões
(TORRES; SMAIRA, 2001). A execução destas não proporciona gratificação nem
prazer; e, ou não tem conexão realista com o que busca evitar ou neutralizar, ou são
claramente excessivas (APA, 2002); enquanto a resistência à sua execução conduz
a uma elevação na ansiedade (NUTT; BALLENGER, 2009). As ações das
compulsões uma vez iniciadas, costumam ser repetidas até que o sujeito considere
que estão concluídas, ou alcancem o “just right” como definem alguns autores, ou
que o sujeito sinta-se melhor (TORRES; SMAIRA, 2001). As esquivas das situações
temidas, quando generalizadas, podem confinar o sujeito ao lar (APA, 2002;
SADOCK; SADOCK, 2007b).
O nível de crítica do sujeito com TOC com relação às obsessões e/ou
compulsões apresentadas pode variar tanto entre sujeitos diferentes, como num
mesmo sujeito na dependência do momento em que se encontre (TORRES;
SMAIRA, 2001).
Cabe ressaltar que tanto obsessões como compulsões não são
exclusivas do TOC, podendo apresentar-se em vários outros transtornos
psiquiátricos como, e.g., na depressão e na esquizofrenia (TORRES, 2001), em
1016
transtornos neurológicos como, e.g., na síndrome de Gilles de La Tourette, na
epilepsia do lobo temporal e no parkinsonismo pós-encefalítico (LACERDA;
DALGALARRONDO; CAMARGO, 2001), e na vida mental normal (NUTT;
BALLENGER, 2009; TORRES, 2001); diferenciando-se no TOC pela natureza
“egodistônica” dos sintomas e por causarem sofrimento e comprometimento aos que
acomete (NUTT; BALLENGER, 2009).
Segundo Del-Porto (2001) a manutenção da razão, o reconhecimento do
caráter absurdo das preocupações e a resistência, com a busca de formas de livrarse do sofrimento apresentado, como características marcantes do transtorno já eram
observadas na descrição de Esquirol (1838) do caso de “Madame F.”, o primeiro
caso de TOC apresentado na literatura psiquiátrica.
Em crianças não se aplica o critério diagnóstico do reconhecimento do
caráter excessivo ou irracional das obsessões ou compulsões em algum período
durante o transtorno (APA, 2002).
Na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10
(1993), o Transtorno Obsessivo-Compulsivo é codificado sob o registro “F42”, com
um quarto caractere diferenciando os casos: com predomínio de pensamentos
obsessivos ou ruminações (.0), com predominância de atos compulsivos (.1), com
pensamentos e atos obsessivos mistos (.2), outros transtornos obsessivocompulsivo (.8), e Transtorno Obsessivo-Compulsivo não especificado (.9) (OMS,
1993).
No texto revisado da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), o TOC encontra-se no Eixo I
3
, sendo
codificado sob o número “300.3” e possuindo um especificador para casos “com
insight pobre” – quando no episódio vigente o sujeito, na maioria do tempo, não
reconhece a irracionalidade ou o aspecto excessivo das obsessões e compulsões
4
(APA, 2002).
3
O DSM-IV-TR é um sistema de avaliação psiquiátrica multiaxial que se encontra disposto em cinco eixos; sendo que o Eixo I
compõe-se dos transtornos clínicos e de outras condições que possam ser foco de atenção clínica (APA, 2002).
4
Especificadores gerais de gravidade e curso para o TOC podem ser aplicados, quando na vigência da satisfação dos critérios
diagnósticos – leve, moderado e grave –, ou quando os mesmos já não forem mais satisfeitos – remissão parcial, completa e
histórico prévio (APA, 2002).
1017
Alguns autores, baseados na enorme diversidade de formas pelas quais o
TOC se manifesta, na diversidade de fatores etiológicos propostos, na época de
início e na intensidade de sintomas, no curso evolutivo e no aspecto de suas
respostas aos tratamentos variarem bastante entre sujeitos, discutem se o TOC é
um único transtorno ou constitui um grupo de transtornos (CORDIOLI, 2007).
2.1.2 Epidemiologia
Com uma prevalência na população geral de 2 a 3% (GONZALEZ, 1999;
MARAZZITI; NASSO, 2000; SADOCK; SADOCK, 2007b), apresenta-se igualmente
em ambos os gêneros em adultos (APA, 2002; NIEDERAUER et al., 2007;
SADOCK; SADOCK, 2007b), sendo que entre os adolescentes costuma apresentarse mais freqüentemente e precocemente entre os meninos (SADOCK; SADOCK,
2007b).
Com uma idade média de início de 20 anos, pode ocorrer já na infância
(APA, 2002; CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b) – casos relatados de até
02 anos de idade (SADOCK; SADOCK, 2007b).
Observa-se maior acometimento no grupo dos solteiros (NIEDERAUER et
al., 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b; STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003),
especialmente no gênero masculino (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003), devido em
parte ao início mais precoce neste gênero (APA, 2002). Estudo sobre o efeito do
gênero em pacientes com TOC, em amostra brasileira, encontrou uma idade de
início mais precoce no masculino – p<0,05 (FONTENELLE, 2008).
Muitos vivem com os pais ou outros membros da família, ou com eles
mantém contato diário (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003).
Estudos apontam uma latência de até 17 anos entre o início dos sintomas
e a procura de auxílio, diagnóstico e tratamento adequado (CORDIOLI, 2007;
1018
TORRESAN et al., 2008; TORRES; LIMA, 2005), determinada por fatores como,
e.g., desconhecimento, a vergonha do quadro, medos de contaminação em
ambientes de tratamento da saúde, de que seus receios se realizem, de serem
considerados insanos (CORDIOLI, 2007; TORRES; LIMA, 2005).
Niederauer et al. constataram, em revisão publicada em 2007, que
existem evidências de que o TOC causa comprometimento na qualidade de vida dos
enfermos, com relevância para as obsessões, e que esses pacientes costumam
utilizar mais os serviços de saúde do que a população em geral.
Torres e Lima (2005) em revisão de literatura para o período de 19802004 verificaram que diferentemente das amostras clínicas, em quase todas as
amostras populacionais predominam mulheres
5
e sujeitos apresentando apenas
obsessões; apontam que fatores como a dificuldade de obtenção de amostra
adequada, dificuldades relacionadas à aplicação dos questionários – tanto inerentes
às características dos pacientes, a preparação de entrevistadores, a ocorrência de
comorbidades – criam obstáculos à realização dos estudos epidemiológicos de TOC.
2.1.3 Etiologia
O TOC apresenta fortes evidências de etiologia multifatorial, destacandose entre os fatores biológicos a predisposição genética (APA, 1995; SADOCK;
SADOCK, 2007b), a hipótese de desregulação de neurotransmissores e os achados
em exames complementares – aumento da atividade em lobos frontais, gânglios
basais e cíngulo; diminuição da latência REM; dentre outros –, e entre os fatores
psicológicos as teorias psicodinâmicas (SADOCK; SADOCK, 2007b) e as teorias de
5
Hita (1998) analisando a relação entre doença mental e gênero feminino, aponta que a discussão acerca da existência de
associação apóia-se em dois eixos principais: a existência da mesma, evidenciada em estudos fundamentados em fatores
biológicos relativos ao gênero feminino e em fatores sociais relacionados ao papel deste gênero na sociedade; e a existência
de estudos que sugerem que as investigações que indicam a presença de associação teriam resultados superestimados, pois
o gênero feminino teria como características a maior aceitação de suas emoções, a tendência a expressar mais facilmente
seus sintomas, a maior consciência de conseqüências, e a propensão a mais freqüente e facilmente buscarem auxílio.
1019
condicionamentos clássico – ou pavloviano – e operantes (CORDIOLI, 2007;
SADOCK; SADOCK, 2007b).
Estudos em gêmeos apontam dados que estimulam a hipótese do
envolvimento de fatores genéticos na etiologia deste transtorno (GONZALEZ,
2001). Em monozigóticos indicam uma taxa de concordância de 63% de TOC,
enquanto em dizigóticos a taxa é de aproximadamente 22% (GONZALEZ, 1999).
Estudos de famílias sugerem que há uma maior prevalência do transtorno
entre os familiares de pacientes com o mesmo (GONZALEZ, 1999), sabendo-se que
a existência de um caso aumenta em quatro a cinco vezes a chance de existir outro
(CORDIOLI, 2007). Com relação aos pais, 25% terão um diagnóstico de TOC e 3040%
terão
sintomas subclínicos
e/ou
traços
de
personalidade
obsessiva
(STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003).
Ferrão et al. (2004), em estudo observacional retrospectivo, avaliando a
associação de características clínicas à presença ou ausência de história familiar de
TOC, encontraram taxa de 17,8% de pacientes com história familiar positiva,
observando, com significância estatística – p<0,05 –, que pacientes com TOC com
história familiar positiva para o mesmo apresentaram uma menor média de idade de
início dos sintomas, maior incidência de colecionismo, maior complexidade nos
sintomas medidos pela Escala de Sintomas Obsessivo-Compulsivos de Yale-Brown
– Y-BOCS –, e maior complexidade terapêutica, verificada pela maior necessidade
de terapias complementares à farmacológica. Observaram também maior demora
em busca por auxílio profissional no grupo com história familiar positiva, sugerindo
que a demora pode dever-se ao fenômeno da acomodação familiar.
Alguns estudos de análise de segregação indicam: o modelo autossômico
dominante como o mais compatível (GONZALEZ, 1999) e a provável implicação na
suscetibilidade ao TOC de um gene de efeito maior (FERRÃO et al., 2004;
GONZALEZ, 1999; GONZALEZ, 2001).
Rocha et al. (2006) em revisão acerca de estudos de associação entre
polimorfismos de genes candidatos e TOC, relataram: que as pesquisas envolvendo
a via serotoninérgica têm avaliado o gene do transportador de serotonina, o gene
dos receptores de serotonina e o gene que codifica a enzima triptofano-hidroxilase, e
1020
os envolvendo a via dopaminérgica, a enzima catecol-O-metiltransferase – COMT –
e a enzima monoaminoxidase-A – MAO-A; que investigações com outras vias de
neurotransmissão também têm sido estudados, sem resultados certos; e que
nenhum dos genes pesquisados pode ser considerado necessário ou bastante para
o desenvolvimento do TOC, sendo que a demarcação de possíveis endofenótipos
em que a heterogeneidade clínica do transtorno esteja minimizada tende a ser o
futuro do estudo da etiopatogênese do TOC.
Estudos indicam que os neurotransmissores serotoninérgicos e
dopaminérgicos apresentam uma provável implicação na fisiopatologia do TOC
(GONZALEZ, 1999).
A hipótese de desregulação de neurotransmissor fundamenta-se na
verificação de que medicamentos que elevam a concentração de serotonina – 5-HT
– 6 nas sinapses nervosas – como os inibidores da recaptação de serotonina - IRS –
reduzem os sintomas obsessivo-compulsivos, trazendo a suspeita da existência de
uma associação entre o TOC e uma alteração neuroquímica nas vias cerebrais
serotonérgicas, reforçada pelas observações de que medicamentos que elevam os
níveis de outros neurotransmissores ou não bloqueiam a recaptação de serotonina
na sinapse nervosa não reduzem os sintomas do TOC (CORDIOLI, 2007).
Segundo Graeff (2001), existem evidências que sugerem que a
hipersensibilidade de receptores
7
pré-sinápticos para serotonina do tipo “1D” (5-
HT1D) – envolvido no mecanismo regulador sobre a liberação de 5-HT, através de
mecanismo de retroalimentação negativo –, situados na via serotoninérgica
mesoestriatal, esteja implicado na desinibição do circuito caudato-tálamo-cortical,
responsável na produção das manifestações compulsivas do TOC.
6
A serotonina é neurotransmissor cerebral sintetizado no terminal do axônio a partir do aminoácido triptofano – cuja
disponibilidade é a função limitante da produção de 5-HT. Resumidamente, o triptofano sob a ação da enzima triptofanohidroxilase, é transformado em 5-OH-triptofano, que por sua vez sofre ação de uma enzima descarboxilase, resultando em 5OH-triptamina – serotonina, ou 5-HT. A serotonina, após liberação em fenda sináptica e posterior ligação a receptores no
processo de neurotransmissão, simplificadamente, segue duas vias: recaptação no terminal pré-sináptico; metabolização –
preferencialmente pela monoaminoxidase-A (MAO-A), produzindo como principal metabólito o ácido 5-hidroxi-indolacético
(SADOCK; SADOCK, 2007a).
7
Atualmente são conhecidos sete tipos de receptores de 5-HT, com vários subtipos, apresentando vários mecanismos
efetores (SADOCK; SADOCK, 2007a), sem o conhecimento definitivo sobre quais especificamente podem ser implicados no
TOC (MARAZZITI; NASSO, 2000).
1021
A grandeza e a duração da atividade serotoninérgica é postulada como
sendo regulada pelo transportador de serotonina, que regula o processo de
recaptura da serotonina – 5-HT – na fenda sináptica (ROCHA et al., 2006).
A verificação de que os neurônios dopaminérgicos sofrem tônus inibitório
dos neurônios serotoninérgicos nos gânglios da base; as observações de que
fármacos que aumentam a liberação de dopamina
8
ou diminuem a sua recaptação
induzem sintomas obsessivo-compulsivos; as constatações de diminuição da
densidade de receptores D2 e de aumento da densidade do transportador
dopaminérgico, nos gânglios da base de pacientes com TOC, obtidas em estudos
que avaliam receptores dopaminérgicos; além das alterações observadas em
estudos de neuroimagem; implicam numa provável participação do sistema
dopaminérgico na fisiopatologia do TOC (FERRÃO et al., 2007).
O sistema glutamatérgico também tem sido avaliado como um possível
implicado na fisiopatologia do TOC (FERRÃO et al., 2007); alguns estudos,
fenomenológicos e de neuroimagem funcional, sugerindo uma associação a um
estado hiperglutamatérgico 9 (FONTENELLE, 2001).
Disfunções no núcleo caudado, tálamo e córtex órbito-frontal, são as
alterações neuroanatômicas que têm sido investigadas no TOC, embasadas por
achados em exames de neuroimagem e pela teoria de Rapoport
10
(GRAEFF,
2001).
Pesquisas de neuroimagem funcional no TOC com uso de tomografia por
emissão de pósitron – PET, “positron emission tomography” –, tomografia
computadorizada por emissão de fóton único – SPECT, “single photon emission
computerized tomography” –, Ressonância Magnética Funcional e Espectroscopia
por Ressonância Magnética, e pesquisas de neuroimagem estrutural, indicam
8
O neurotransmissor dopamina é uma amina biogênica, fruto da via de síntese das catecolaminas, produzida no terminal
axônico dopaminérgico a partir do aminoácido tirosina. De modo resumido pode-se descrever o mecanismo de produção da
dopamina como: a tirosina, sob ação da enzima tirosina-hidroxilase é convertida em 3,4-diidroxifenilalanina (dopa) que por sua
vez, sob ação da dopamina-descaboxilase, resulta na produção da dopamina. A dopamina após liberação em fenda sináptica e
conclusão do processo de neurotransmissão, segue duas vias: metabolização por duas enzimas principais, a
monoaminoxidase-B – MAO-B – e a catecol-O-metiltransferase – COMT; recaptação no terminal pré-sináptico (SADOCK;
SADOCK, 2007a).
9
O estado hiperglutamatérgico associa-se à neurotoxicidade, desencadeando a hipótese de que a ausência de tratamento ou
a maior duração do transtorno podem resultar em sofrimento tissular cerebral e disfunção neuropsicológica (FONTENELLE,
2001).
10
Conforme Graeff (2001), a existência de relação entre o estriado e a organização de comportamentos inatos conduziu os
estudos acerca do substrato neuroanatômico do TOC para os núcleos da base, alicerçados pela teoria de Rapoport.
1022
alterações em gânglios da base e córtex órbito-frontal, todavia não apresentam
resultados universais e sem controvérsias (LACERDA; DALGALARRONDO;
CAMARGO, 2001; VALENTE JR; BUSATTO FILHO, 2001).
Na teoria psicanalítica clássica a neurose obsessivo-compulsiva é
considerada uma regressão de fase no desenvolvimento psicossexual, da fase
edípica para a anal, intensamente ambivalente – caracterizada pela presença de
amor e ódio dirigidos a um mesmo objeto, pelo conflito evidente na dúvida e
indecisão paralisante frente a escolhas e nos padrões de fazer-e-desfazer dos
comportamentos; pelo medo da perda do amor de um objeto significativo ou com o
temor com a ansiedade por retaliação de impulsos inconscientes (SADOCK;
SADOCK, 2007b).
Na neurose obsessiva, segundo Freud, o impulsionador de toda a
formação subseqüente do sintoma é a angústia do superego (FREUD, 1976b;
MAHONY, 1991)
11
. Na angústia do superego, nas neuroses de adultos, o superego
se opõe à tentativa de entrada na consciência de desejo pulsional, que com o auxílio
do ego – que aqui não se oporia à admissão do desejo – busca obter gratificação; o
superego submete então o ego a si, levando-o a lutar contra a moção pulsional. A
defesa do ego neurótico adulto, portanto, é motivada pelo temor do ego em ser
punido pelo superego (FREUD, 2006).
As teorias comportamentais propõem que as obsessões são estímulos
condicionados, com o processo ocorrendo quando a um acontecimento nocivo ou
provocador de ansiedade, um estímulo neutro é apresentado e àqueles vinculado;
este estímulo neutro associa-se então a medo ou ansiedade, e através do processo
de resposta condicionada, passa a ser capaz de provocar desconforto e ansiedade,
tornando-se um estímulo condicionado (SADOCK; SADOCK, 2007b).
As compulsões, nas teorias comportamentais, se estabeleceriam a partir
de quando o sujeito descobre – por acaso (CORDIOLI, 2007) – que a realização de
determinada ação/ritual reduz ou neutraliza, mesmo que temporariamente, a
11
Segundo Anna Freud (2006), em “O ego e os mecanismos de defesa”, quando moção pulsional do id (princípio do prazer é
soberano) em busca de satisfação tenta invadir o ego, resultando em tensão e desprazer, este – ego – através de mecanismos
de defesa apropriados – que são levados a efeito inconscientemente – se propõe a colocar as pulsões permanentemente fora
de ação. Como razões para a utilização de defesas contra as pulsões, Anna Freud enumera as angústias: do superego,
objetiva – na neurose infantil; resulta do medo do mundo exterior, suas restrições e punições conseqüentes à gratificação dos
desejos pulsionais – e pulsional – resultante do medo da força das pulsões –; e a necessidade de síntese por parte do ego,
onde a busca de harmonia entre seus impulsos resulta em conflitos entre tendências opostas.
1023
ansiedade vinculada a uma obsessão, passando a realizar estes rituais de modo
repetitivo e freqüente para controlar e evitar a ansiedade; progressivamente essas
estratégias tornam-se fixas, como padrões aprendidos de comportamentos
compulsivos (CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b), via mecanismo de
reforço negativo, um condicionamento operante (CORDIOLI, 2007). Reforço positivo
pode ser verificado quando os pacientes reforçam a manutenção da sintomatologia
por causa de ganhos secundários (CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b). A
acomodação familiar, quando, e.g., o familiar participa nos sintomas compulsivos,
pode reforçar os sintomas do sujeito enfermo (FERRÃO et al., 2007).
Muito permanece por ser compreendido no relacionado ao aprendizado
por observação, outro modelo comportamental do TOC. Estudos em pacientes que
cresceram em lares onde um dos pais tinha o transtorno verificaram que os sintomas
entre ambos são diferentes, o que contradiria a hipótese do aprendizado por
observação, embora seja possível que alguns sintomas possam ser aprendidos por
observação – e.g., evitações excessivas e tendências perfeccionistas (STEKETEE;
VAN NOPPEN, 2003).
Graeff (2001) ao discorrer sobre a fisiopatogenia do TOC registra como a
mais aceita a teoria de Judith Rapoport, que hipotetizou que compulsões de limpeza
e conferências de portas e janelas – se estavam fechadas – seriam exacerbações
comportamentais, respectivamente, de rotinas de auto-limpeza e conferências e
demarcações de território, que teriam, na forma sem exageros, papel de prevenção
de doenças e garantia de território necessário para reprodução e alimentação,
possuindo assim papel na seleção natural das espécies.
Outras evidências etiológicas provêm de verificações do surgimento
com relativa freqüência de sintomas obsessivo-compulsivos no curso de
enfermidades ou problemas cerebrais, e.g., encefalites, coréia de Sydenham, após
traumatismos cranianos, lesões no hipotálamo e acidentes vasculares que
comprometem os gânglios basais (CORDIOLI, 2007).
No âmbito da psiconeuroimunologia tem sido caracterizado o início súbito
de TOC em crianças como subseqüente à infecção por estreptococos betahemolítico do grupo A, via surgimento de anticorpos antineuronais, como na coréia
de Sydenham (SADOCK; SADOCK, 2007a).
1024
De acordo com Mercadante (2001), a despeito da presença de estudos
testando a hipótese da existência de um subgrupo de TOC e/ou Síndrome de
Tourette causados por mecanismos imunológicos, ainda não se pode afirmar a
existência, ou sua negativa, de uma causa imunológica.
2.1.4 Clínica, comorbidade e diagnóstico diferencial
Apresentam-se como características clínicas de obsessões, os receios de
contaminação – queixa mais freqüente –, as dúvidas
12
, o medo de que algo terrível
possa ocorrer, as simetrias, escrúpulos excessivos, os pensamentos, impulsos ou
imagens proibidas ou perversas (APA, 1995; CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK,
2007b), as obsessões somáticas relacionadas com outros transtornos, os
pensamentos neutros – palavras, sons, músicas, imagens – que assumem
características para obsessões, dentre outros (TORRES; SMAIRA, 2001).
Dentre
os
sintomas
compulsivos
destacam-se
os
excessos
ou
ritualizações de limpeza e as verificações, ocorrendo também os rituais de repetição,
contagens, rituais de vestir-se, de fazer-desfazer (APA, 1995; CORDIOLI, 2007;
SADOCK; SADOCK, 2007b), organização, simetria em ações – e.g., tocar com um
braço no que foi tocado pelo outro – (TORRES; SMAIRA, 2001), além de vários
outros. 13
Tais características costumam levar os pacientes com transtorno a
procurarem diversos especialistas, antes de serem diagnosticados corretamente, em
decorrência de suas compulsões – e.g., lesões de gengivas, problemas
12
A expressão “folie de doute” – “loucura da dúvida” – já foi um termo pelo qual o Transtorno foi conhecido (TORRES;
SMAIRA, 2001).
13
Del-Porto (2001) destaca no caso de “Madame F.” relatado por Esquirol (1838) – denominado na ocasião de “monomanie
raisonante” – a presença de quase todos os principais sintomas do transtorno – obsessões de agressão, contaminação,
escrúpulos, dúvidas patológicas, compulsões de limpeza, lavagem, verificação, contagem, ordenação e simetria.
1025
dermatológicos – ou obsessões – e.g., crença de ter AIDS – (SADOCK; SADOCK,
2007b).
A existência simultânea de obsessões e compulsões múltiplas costuma
ser verificada na maioria dos casos; e, com o passar do tempo pode ser observada a
mutabilidade dos temas e da sintomatologia, e a cristalização de rituais compulsivos
(TORRES; SMAIRA, 2001).
Interessante destacar que estudos em amostras clínicas constatam
semelhanças entre padrões obsessivos e compulsões mesmo em países
culturalmente diferentes (TORRES; LIMA, 2005). Del-Porto (2001) estudando
aspectos transculturais do TOC observou que independentemente de diferenças
culturais, históricas, étnicas e econômicas, as obsessões com conteúdo de
contaminação e agressão e as compulsões de limpeza e verificação apresentam-se
como sintomas universais, e que em certos países onde a expressão da sexualidade
é mais coibida e em algumas sociedades religiosas, observa-se a influência da
cultura sobre certos sintomas, destacadamente nas obsessões de agressão e de
cunho sexual.
Vários estudos têm indicado que o TOC é um transtorno heterogêneo,
sendo sugerida a existência de possíveis subtipos através da observação de
diversas formas de manifestação da síndrome, diferentes índices de resposta à
terapêutica e diferentes evoluções. Destacam-se como possíveis subtipos em
estudo, os grupos TOC associado a tiques, TOC de início precoce e TOC associado
à Febre Reumática (HOUNIE et al., 2001).
Estudos
principalmente
nas
acerca
de
aspectos
neuropsicológicos
áreas
da
identificação
das
funções
têm
contribuído
neuropsicológicas
comprometidas, da relação entre as disfunções e as características clínicas, da
comparação entre as disfunções de pacientes com TOC e com outros diagnósticos
psiquiátricos – diferenças em relação a sujeitos com episódio depressivo maior e
com esquizofrenia –, e da relação entre as disfunções neuropsicológicas e as teorias
neuroquímicas do transtorno (FONTENELLE, 2001). Na área da identificação das
funções
neuropsicológicas
comprometidas
foram
observados:
desempenhos
diversos na memória para ações - dificuldade em recordar a realização de ações
anteriores – e na monitorização da realidade – dificuldade em determinar se uma
1026
ação foi realizada ou apenas imaginada –; e achados de comprometimento do
desempenho em testes que avaliam a função executiva – classicamente associada
aos lobos frontais – em adultos, foram achados em sujeitos com TOC e em sujeitos
com sintomas obsessivo-compulsivos subclínicos. Em sujeitos com TOC também
foram observados: comprometimento da memória não-verbal e de habilidades
visoespaciais, que têm conduzido à hipótese de disfunção dos lobos frontais e do
hemisfério não-dominante; lentidão na execução de testes neuropsicológicos. Na
área da relação com características clínicas, correlações positivas entre alterações
neuropsicológicas específicas – e.g., habilidades visoespacias – e aspectos clínicos,
como o gênero, o tempo de enfermidade, gravidade de sintomas depressivos,
gravidade dos sintomas obsessivo-compulsivos, já foram estabelecidas em diversos
estudos (FONTENELLE, 2001).
Estudos comparando sujeitos com outros diagnósticos psiquiátricos,
semelhanças
neuropsicológicas
com
sujeitos
com
tricotilomania,
transtorno
dismórfico corporal e fobia social foram encontradas (FONTENELLE, 2001).
Estudos clínicos, de imagem e genéticos apresentam evidências de uma
provável ligação entre TOC e tiques (GONZALEZ, 1999).
O TOC apresenta várias comorbidades, destacando-se a depressão, a
fobia social, o uso de álcool, fobias específicas, pânico e transtornos alimentares
(APA, 1995; CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b).
Dentre as comorbidades, a depressão apresenta-se como a complicação
de maior freqüência, relacionando-se – como característico da presença das
comorbidades – com gravidade, cronicidade, resposta terapêutica insatisfatória e
pior prognóstico, além de ser a causa mais comum de internação hospitalar
(PETRIBÚ, 2001). A existência de sintomas depressivos associados ao TOC foi
observada como vinculada a alterações negativas mais significativas na qualidade
de vida do sujeito com TOC (NIEDERAUER et al., 2007).
O álcool e drogas, às vezes são usados, inapropriadamente, para lidar
com os sintomas do TOC (TORRES; LIMA, 2005).
1027
Com relação ao transtorno afetivo bipolar, Costa (2008) em revisão de
literatura identificou estudos apontando taxas deste transtorno entre 2,7 e 17,7% nos
sujeitos com TOC.
Costa et al. (2007), em estudo de revisão de literatura, referem-se à
existência
de
associação
entre
migrânea
14
e
transtornos
psiquiátricos,
principalmente depressão e transtornos ansiosos, com maior prevalência destes em
sujeitos com migrânea do que entre a população geral. Registra existência de
estudo indicando que especificamente com relação ao TOC, prevalência quatro
vezes maior foi encontrada entre os sujeitos migranosos.
O diagnóstico diferencial do TOC pode apresentar-se como tarefa
relativamente complexa devida à sobreposição de manifestações clínicas deste a
vários outros transtornos mentais. Recordamos ainda que a ocorrência de sintomas
obsessivo-compulsivos por si só não determina um diagnóstico de TOC, podendo
aqueles ocorrer como manifestação não patológica de determinadas fases da vida –
e.g., rituais de verificação pelos pais de recém-nascido, acerca do bem-estar deste –
ou como parte da manifestação clínica de outros transtornos (TORRES, 2001).
Exemplos de enfermidades que fazem diagnóstico diferencial com o TOC
são: Transtorno de Tourette, epilepsia de lobo temporal, esquizofrenia, depressão
(SADOCK; SADOCK, 2007b), fobias, hipocondria, transtorno de tiques, transtorno
dismórfico corporal, transtornos alimentares, transtorno de controle de impulsos e
transtorno de ansiedade generalizada (TORRES, 2001).
No processo diagnóstico do TOC, segundo critérios do DSM-IV-TR
(2002), a perturbação não deve ocorrer como resultado dos efeitos fisiológicos
diretos de uma substância – sejam drogas ilícitas ou medicamentos – ou de uma
condição médica geral; e, na presença de outros transtornos do eixo I, o conteúdo
das obsessões ou compulsões não deverá estar restrito a estes outros transtornos
(APA, 2002).
14
A migrânea é uma cefaléia primária comum e incapacitante. Com relação a vínculo neurofisiológico com o sistema
serotonérgico, destaca-se a contribuição significativa à compreensão acerca dos mecanismos da migrânea obtidas com o
surgimento dos triptanos – agonistas dos receptores serotoninérgicos 5-HT1B/D – como drogas eficazes no tratamento das
suas crises (SUBCOMITÊ DE CLASSIFICAÇÃO DAS CEFALÉIAS DA SOCIEDADE INTERNACIONAL DE CEFALÉIA, 2006).
1028
2.1.5 Evolução
O curso do transtorno costuma ser crônico (APA, 2002; CORDIOLI, 2007;
NIEDERAUER et al., 2007; SADOCK; SADOCK, 2007b; TORRESAN et al., 2008),
com alguns sujeitos com evolução flutuante (APA, 1995; NIEDERAUER et al., 2007;
SADOCK; SADOCK, 2007b; TORRESAN et al., 2008) e outros constante, com
exacerbações secundárias a eventos estressantes (APA, 2002; SADOCK; SADOCK,
2007b).
São indicadores de melhor prognóstico o bom ajustamento pessoal, social
e profissional, quadros episódicos e obsessões sem compulsões (SADOCK;
SADOCK, 2007b), sendo a remissão completa dos sintomas um dos fatores que
mais assegura a não recaída (FERRÃO et al., 2007). Outros fatores sugeridos como
relacionados a um melhor prognóstico seriam a idade tardia de início do transtorno,
sintomas obsessivos apresentando-se com menor gravidade, transtornos de
personalidade pré-mórbidos ausente, menor freqüência de comorbidade, terapêutica
apresentando boa resposta inicial, ausência de transtornos psiquiátricos nos pais
(MIRANDA; BORDIN, 2001).
Torres e Lima (2005), em revisão acerca da epidemiologia do TOC,
encontraram registro indicando taxa de 26% de tentativa de suicídio.
A qualidade de vida pode sofrer conseqüências sérias pelo TOC, com
interferência negativa em vários domínios – estudantil, profissional, familiar, afetiva,
social, financeira – da vida do sujeito com o transtorno, com repercussões sobre a
vida de pessoas próximas, familiares, amigos, destacando-se também seu custo
social – dependência financeira, desemprego, uso de serviços de saúde por sujeitos
cuja fase de vida deveria ser a mais produtiva (TORRESAN et al., 2008).
Estima-se que cerca de 40% dos sujeitos com TOC não obtenham
resposta satisfatória aos sintomas com o tratamento adequado (FERRÃO et al.,
2007; LOPES et al., 2004). Tal grupo é subdividido, utilizando-se a diferenciação
proposta por Rauch e Jenike, citados por Ferrão et al. (2007), em resistentes e
1029
refratários: os primeiros definidos como aqueles sujeitos que se submeteram a um
ensaio com um tratamento de “primeira linha” e não obtiveram resposta satisfatória,
e os segundos como os que não responderam satisfatoriamente a vários
tratamentos apropriadamente administrados.
A ausência de resposta aos tratamentos pode decorrer de diversos
fatores como, e.g.: a inadequada indicação da alternativa terapêutica; o uso de
subdosagens; o uso de dosagens eficazes por período de tempo inadequado; as
características constitucionais do sujeito – que alteram a farmacocinética das
drogas, o efeito de psicofármacos, como, e.g., a genética, o peso e a idade; os
fatores relacionados ao não engajamento do paciente ao tratamento, como a
influência familiar, a presença de efeitos colaterais indesejáveis – afetando a
qualidade de vida do enfermo (TORRESAN et al., 2008), os custos, investimento
emocional – psicoterapias, tempo de duração do tratamento; a experiência do
profissional, dificuldade de acesso ao tratamento adequado, dentre outros. Além de
fatores intrínsecos ao transtorno, como o início precoce, conteúdo dos sintomas,
fenômeno sensorial, maior gravidade no início dos sintomas, juízo crítico pobre,
presença de tiques e comorbidades – podendo causar interferência na resposta ao
tratamento ou exigir terapêutica diversa daquela orientada para o TOC isoladamente
–; alguns ainda sem comprovação de relação causal com a resistência ao
tratamento (FERRÃO et al., 2007).
A influência familiar pode conduzir negativamente a evolução e
tratamento do sujeito com TOC, através de mecanismos de acomodação –
constituída através da participação do familiar nos sintomas, favorecendo a
realização da compulsão, terminando por, sem aperceber-se, reforçar os sintomas
do sujeito – e de hostilização – percebida pelo enfermo em relação a como os seus
familiares lidam com seu problema (FERRÃO et al., 2007; SADOCK; SADOCK,
2007b; STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003); que podem contribuir para aumentar o
grau de desgaste familiar (SADOCK; SADOCK, 2007b). A presença do diagnóstico
nos familiares, ou a presença de sintomas ou traços do transtorno nestes, podem
levá-los a simpatizarem e até encorajarem comportamentos obsessivo-compulsivos.
As razões para um tratamento adequado não apresentar eficácia, podem
estar relacionadas ao aspecto multifatorial da etiologia da enfermidade, tendo alguns
1030
autores buscado correlacionar à resposta ao tratamento, características clínicas,
neurobiológicas e genéticas do transtorno, possibilitando a realização de predições
acerca de quais tratamentos seriam mais indicado para determinado caso (FERRÃO
et al., 2007).
2.1.6 Tratamento
Apesar dos resultados obtidos com o tratamento, raramente os sujeitos
com TOC ficam assintomáticos (FERRÃO et al., 2007; MARQUES, 2001).
O tratamento preconizado como de “primeira linha” para o TOC segue
dois eixos não excludentes: a farmacoterapia, com uso de medicamentos inibidores
seletivos da recaptação de serotonina – ISRS, e a psicoterapia. Mudanças de
fármacos – dentro da mesma classe, ou para outra –, associações medicamentosas
–
promovendo
potencializações
serotoninérgicas
e/ou
atuando
em
outros
neurotransmissores –, medicações endovenosas, uso de psicoterapia intensiva,
abordagem familiar, estimulação magnética transcraniana (FERRÃO et al., 2007;
MANSUR et al., 2004), estimulação cerebral profunda (FERRÃO et al., 2007),
neurocirurgia (FERRÃO et al., 2007; LOPES et al., 2004), fazem parte da
abordagem a pacientes resistentes ou refratários aos tratamentos de “primeira linha”
(FERRÃO et al., 2007). A eletroconvulsoterapia, não é indicada para sintomas
obsessivo-compulsivos a não ser quando existe comorbidade com depressão,
principalmente com risco de suicídio (SHAVITT et al., 2001).
O recurso da hospitalização pode ser alternativa viável, quando os
sintomas escapam do controle e a família não tem rede de apoio ou esta é precária
(SADOCK; SADOCK, 2007b), ao sujeito com quadro grave, resistente ou refratário
(FERRÃO et al., 2007).
1031
A existência de comorbidades psiquiátricas nos sujeitos com TOC implica
na necessidade também do tratamento daquelas, tornando freqüentemente os
tratamentos mais longos (PETRIBÚ, 2001).
A seguir procuramos discorrer sobre o tratamento psicoterápico e
farmacológico do TOC.
O tratamento psicoterápico tem como indicações, com eficácia
demonstrada, as abordagens cognitivo-comportamental (CORDIOLI, 2007; FERRÃO
et al., 2007; HYMAN et al., 2006) e comportamental (CORDIOLI, 2007; SADOCK;
SADOCK, 2007b), destacando-se a técnica de exposição com prevenção de
resposta como a de melhor eficácia (FERRÃO et al., 2007; STEKETEE; PIGOTT,
2009). Como um dos efeitos da psicoterapia – terapia cognitivo-comportamental –
têm-se a diminuição na incidência e na rapidez das recaídas após a suspensão da
farmacoterapia (MARQUES, 2001).
A utilização do recurso representado pelos familiares no processo
terapêutico comportamental pode ser recurso útil na execução de exercícios
comportamentais, desde que sob treinamento e supervisão profissional e em
situações em que a participação daqueles não possa resultar em conflitos
interpessoais (WIELENSKA, 2001).
A terapia de grupo, a psicoterapia de apoio e a terapia familiar, também
constituem recursos valiosos no arsenal psicoterapêutico para o TOC (SADOCK;
SADOCK, 2007b). A terapia residencial intensiva e a inclusão da abordagem familiar
são consideradas como alternativas terapêuticas para pacientes graves (FERRÃO et
al., 2007).
As tentativas de intervenções familiares visando reduzir níveis de
acomodação familiar e trabalhar “emoções expressas” obtiveram resultados
superiores a tratamento padrão sem abordagem de familiares em pacientes
refratários a vários tratamentos (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003).
O uso de agonista parcial do receptor glutamatérgico do N-metil-Daspartato – NMDA –, D-cicloserina como potencializador de resposta à terapia
comportamental, para pacientes com TOC resistentes ou refratários, ainda é pouco
estudado (FERRÃO et al., 2007).
1032
A farmacoterapia - efetiva em 40 a 60% dos casos e primeira escolha
quando há comorbidades (CORDIOLI, 2007) - baseia-se no uso de substâncias que
regulam a atividade de neurotransmissores, notadamente o neurotransmissor
serotonina.
No tratamento farmacológico atual são medicações de “primeira linha”, a
clomipramina e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina: sertralina,
paroxetina,
fluvoxamina,
fluoxetina
(SADOCK;
SADOCK,
2007b;
SADOCK;
SADOCK, 2002; VERSIANI, 2001), citalopram e escitalopram (FINEBERG et al.,
2007; NUTT; BALLENGER, 2009).
15
Não há, a princípio, diferenças entre o efeito terapêutico da clomipramina
e dos ISRS, existindo diferenças no tocante a efeitos colaterais
16, 17
mais presentes
com o uso da primeira (CORDIOLI, 2007).
Efeitos colaterais com o uso de drogas “antiobsessivas”
18
constituem
uma das principais razões para não-adesão, descontinuação precoce do tratamento
ou mudança prematura nas prescrições, podendo ocorrer em função da droga
utilizada, alguns desaparecendo ou reduzindo sua intensidade com a manutenção
do uso, com alterações/ajustes posológicos – horários e doses –, mudanças de
hábitos de vida, observação de cuidados e realização dos mesmos preventivamente,
ou ainda com o uso de drogas adequadas para o tratamento desses efeitos
colaterais. Cabe relatar que alguns efeitos pela sua intensidade, persistência ou grau
de comprometimento acabam por indicar a substituição do fármaco utilizado. Há que
se destacar também a influência das características e variações individuais do
sujeito, a presença de comorbidades e o uso de outras drogas, quando da
15
A sertralina, a paroxetina, a fluvoxamina e a fluoxetina são os ISRS atualmente aprovados pelo “Federal Drug
Administration” – FDA – norte-americano para o tratamento do TOC (STEKETEE; PIGOTT, 2009).
16
À clomipramina comumente apresentam-se como efeitos colaterais: efeitos cardiocirculatórios, como hipotensão postural –
bloqueio alfa1-adrenérgico – e alterações no ritmo cardíaco – efeito anticolinérgico; sedação; ganho de peso, em função da
modulação do sistema hipotalâmico resultante de bloqueio de receptores 5HT1 e 5HT2C; retardo ejaculatório por bloqueio de
receptores alfa1-adrenérgicos e 5HT1A; e efeitos anticolinérgicos como boca seca, constipação intestinal, retenção urinária e
visão borrada (CORDIOLI, 2001).
17
Ao uso dos ISRS comumente apresentam-se colateralmente, com variações também na dependência da substância
utilizada: náuseas; vômitos; dispepsia; insônia; disfunções sexuais, provavelmente pela estimulação crônica de 5HT2; aumento
de ansiedade e inquietação no início do tratamento; cefaléia; dentre outros efeitos colaterais (CORDIOLI, 2001; SADOCK;
SADOCK, 2002).
18
Efeitos colaterais das medicações serotonérgicas são por vezes relacionados a receptores dispersos de serotonina que são
ativados de modo indiscriminado por muitos destes medicamentos (SADOCK; SADOCK, 2007a).
1033
prescrição farmacoterápica, com relação ao surgimento de efeitos colaterais
(CORDIOLI, 2001).
A ausência de resposta
19
a um desses fármacos não parece implicar na
ausência de resposta a todos os componentes da mesma classe
20
, e dentre as
drogas utilizadas em monoterapia, nas doses preconizadas e por via oral, não há
evidência de superioridade de nenhuma em relação às outras (FERRÃO et al.,
2007). O uso dos ISRS, segundo alguns autores, promove a remissão dos sintomas
em aproximadamente 60% dos pacientes (MARAZZITI; NASSO, 2000).
Diversos outros fármacos como, e.g., os Inibidores da MonoaminoOxidase – IMAO – (SADOCK; SADOCK, 2007b; SHAVITT et al., 2001), também tem
sido utilizados como opção farmacoterápica. O uso dos IMAO deve restringir-se a
alguns casos não respondedores aos agentes inibidores de recaptação de
serotonina, e que disponham de profissional com experiência em lidar com questões
como as interações perigosas entre certos alimentos e essa classe de medicação
(STEKETEE; PIGOTT, 2009).
Além do uso exclusivo de um fármaco, as associações medicamentosas –
com antipsicóticos, e.g. – (VERSIANI, 2001) também podem ter indicações na
farmacoterapia do TOC, como no contexto de casos resistentes (FERRÃO et al.,
2007; SHAVITT et al., 2001), exigindo-se especial atenção ao universo das
interações medicamentosas, que se destaca ainda mais quando considerado o
tratamento associado de outras enfermidades/comorbidades.
Segundo Marques (2001) os estudos que investigam os índices de
recaída demonstram ser esta a regra após a interrupção do tratamento. Verificando
também que a manutenção da farmacoterapia implica em menor taxa de recaída,
que as doses de manutenção ainda não estão definidas, e recomendando a
permanência das doses utilizadas na fase aguda, durante a fase de manutenção,
levando em consideração a tolerância aos efeitos colaterais.
19
O uso de um inibidor de recaptação de serotonina em sua dose máxima indicada e tolerada e durante cerca de três meses,
são necessários para uma indicação de que um sujeito em tratamento não respondeu à medicação (MARQUES, 2001).
20
As diferentes respostas, entre sujeitos, a um e não a outro ISRS podem ser explicadas pelo compartilhamento de poucos
aspectos moleculares dos ISRS (SADOCK; SADOCK, 2002).
1034
Como alternativas à monoterapia em sujeitos não-respondedores a esta
modalidade, Ferrão et al. (2007) enumeram: a superdosagem – cujos dados na
literatura são ainda insuficientes para avaliar o risco/benefício desta intervenção –; o
uso de medicação intravenosa, embasado em não efeito de metabolização hepática
de primeira passagem, aumento de biodisponibilidade no SNC e maior velocidade
de obtenção de concentração sangüínea máxima; e a associação medicamentosa,
pautada na hipótese de que o TOC possui etiologia multifatorial, relacionando-se a
diferentes circuitos cerebrais, além dos sensíveis a drogas serotoninérgicas, ou
diferentes locais nesses circuitos. Nesta última alternativa incluindo-se: o uso de
moduladores do sistema dopaminérgico; a potencialização serotoninérgica através,
e.g., de eventos farmacocinéticos como a inibição enzimática de enzimas do
citocromo P450 determinando aumento de concentração do fármaco-substrato não
metabolizado, e de eventos farmacodinâmicos como a potencialização de inibição
de recaptura de serotonina e a potencialização da atividade serotoninérgica por
outras vias além de inibição de recaptura. O uso de moduladores do sistema
glutamatérgico apresenta poucos dados acerca de sua eficácia para o tratamento do
TOC (FERRÃO et al., 2007).
Sabe-se que pacientes submetidos a uma mesma farmacoterapia, do
mesmo modo que aqueles com um mesmo diagnóstico podem apresentar diferentes
evoluções e resultados. Para a definição da estratégia de intervenção e para a
evolução e prognóstico de uma enfermidade, além do diagnóstico, outras variáveis
“extraclínicas” são importantes. Dentre estas variáveis exemplificam-se, os recursos
relativos ao paciente – individuais, tais como o gênero, o nível cognitivo, vida
solitária ou não, e do seu contexto, destacando-se o ambiente familiar e social em
que vive, ressaltando-se as questões de solidariedade, hostilidade e agregação – e
aos serviços de atenção – recursos materiais, organizativos, estruturais, e o contexto
desses recursos. (SARACENO; ASIOLI; TOGNONI, 1994).
Como observado, a complexidade do TOC – heterogeneidade clínica,
diferentes respostas aos tratamentos, diferentes evoluções, dentre outros aspectos –
, as características relativas ao próprio sujeito e a interferência do contexto social e
familiar, podem contribuir para o agravamento do transtorno e gerar dilemas que
intermediam o provimento de cuidado doméstico.
1035
No próximo tópico investiremos no papel da família, que no nosso País é
a principal base de suporte e provimento de cuidados, procurando mostrar o aspecto
do deslocamento do cuidado pelas Políticas de Saúde Mental para a família, que se
encontra despreparada para esta função e para o surgimento de um sujeito com
transtorno mental em seu meio. Tal contexto resultante da presença do transtorno
mental acabando por poder gerar ao familiar-cuidador sobrecarga, em decorrência
de uma ruptura no ciclo de vida “normal” – quebra da expectativa de filhos
saudáveis, adultos independentes e até provedores financeiros e de cuidados aos
membros idosos e mais jovens do grupo – e da secundarização de projetos e
necessidades pessoais em função do prestar cuidados ao familiar com o transtorno
mental.
Conseqüentemente esse cenário impõe também uma abordagem
complexa acerca dos cuidados domésticos à pessoa com TOC, cercada por
questões históricas, culturais, sócio-demográficas e psicológicas, consideradas no
processo de tratamento por Saraceno (1994) como “variáveis sombra” que
interferem na inserção comunitária da pessoa com transtorno mental, como será
tratado a seguir.
2.2 O PROVIMENTO DE CUIDADO DA PESSOA COM O TRANSTORNO MENTAL
NO SEIO DA FAMÍLIA
O diagnóstico e a vivência com TOC comumente requer o provimento de
cuidado no grupo familiar de origem da pessoa com esse quadro clínico ou no
mínimo com sintomas que impedem que os demais conviventes sejam indiferentes
nas relações cotidianas. Para entender a complexidade que contorna o provimento
de cuidado na família de pessoas com TOC, se faz necessário compreender
historicamente o grupo familiar no contexto brasileiro, definindo sua forma de
1036
organização bem como as mudanças que a afetaram e que vão interferir na relação
entre o cuidador e a pessoa dependente de cuidados.
2.2.1 Breve contextualização histórica da relação entre o Estado/Políticas
Públicas e os grupos familiares no Brasil
Prover cuidado de uma pessoa com transtorno mental exige entender
como se desenhou historicamente a relação entre o Estado e o grupo familiar no
contexto brasileiro.
Diferentemente da realidade dos países Ocidentais com Estado de BemEstar robusto, que reconheceu a cidadania plena de seus moradores, sobretudo
após a segunda guerra mundial, assumindo várias funções anteriormente ao
encargo das famílias, o Estado brasileiro historicamente conformou uma cidadania
ocupacional (SANTOS, 1987) na década de 1930 que incluiu apenas os
trabalhadores que se inseriam no mercado de trabalho com carteira assinada e
profissão reconhecida oficialmente.
No contexto da cidadania ocupacional, as famílias persistiram como
principal fonte de construção da identidade de cada cidadão brasileiro bem como
lugar de provimento de cuidado.
Mas com relação à pessoa com transtorno mental o Estado brasileiro, ao
transportar o modelo hospitalocêntrico francês, estabeleceu uma outra relação
custodiando e tutelando aquele sujeito. O modelo de hospital psiquiátrico iniciado no
Rio de Janeiro, em 1852, impunha a segregação em determinadas instituições,
denominadas por Goffman (1988) como instituições totais, por fechar o sujeito na
racionalidade institucional, fora do espaço-tempo imposto pela modernidade. Isto é,
a pessoa com transtorno mental passava a ter suas necessidades atendidas
exclusivamente em um único espaço, o serviço de saúde mental, passando a usar
1037
uniformes e tendo que se submeter a uma disciplina e um cotidiano que mortificava
o seu “eu”. Nesse contexto à família da pessoa com o transtorno mental restava
informar sobre seu histórico, servindo como um recurso em caso de necessidade e
sendo transformada em visita.
Ou seja, a tomada de cuidado exclusivamente pelos serviços de saúde
governamentais retirava das famílias seu papel de cuidadora, até porque no
imaginário social se difundia que “lugar de doido é no hospício”. Muitas pessoas com
transtorno mentais se tornavam moradoras desses locais, excluindo qualquer
participação da família.
A partir de denúncias de abandono e maus-tratos sofridos nos
manicômios e com os avanços psicofarmacológicos dos anos de 1950, iniciam-se
processos reformistas, primeiramente na Inglaterra, depois na França, Estados
Unidos e Itália.
De 11 a 14 de novembro de 1990, em Caracas/ Venezuela, a partir de
discussões sobre a reestruturação da assistência psiquiátrica, é instituída a
Declaração de Caracas, que condena o manicômio – figura usada como sinônimo
para hospital psiquiátrico por: isolar e incapacitar socialmente o doente, ameaçar os
direitos humanos e civis dos enfermos, consumir a maior parte dos recursos
destinados aos serviços de saúde mental, e fornecer ensino insuficientemente
associado às necessidades de saúde mental (BRASIL, 2004a).
A condenação destas instituições manicomiais estrutura-se a partir de
quatro eixos: ético-jurídico – pela violação dos direitos humanos das pessoas com
transtornos mentais; clínico – em função da ineficácia terapêutica e da condição de
agente patogênico e cronificador, historicamente assumido por tais instituições;
institucional – devido tais instituições se constituírem como espaço de violência,
institucionais totais, que mortificam, sujeitam; sanitário – em função da organização
do modelo assistencial figurar como “cidade dos loucos”, produzindo a loucura
administrativa, executiva e organizacional (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DA
SAÚDE, 1990).
Apenas em 1991 a Organização das Nações Unidas – ONU – divulga
documento que trata da proteção de pessoas com problemas mentais e da melhoria
1038
da assistência à saúde mental. Assim tem início a assunção legal e oficial da pessoa
com transtorno mental como pessoa com dignidade humana e como sujeito de
direitos reconhecidos socialmente.
No Brasil os processos reformistas em saúde mental têm início no final da
década de 1970, pela influência das mudanças desencadeadas pelo processo
italiano, incrementado por Franco Basaglia, e pelas mudanças exigidas a partir do
processo de redemocratização da sociedade brasileira, desencadeada por vários
fatores, dentre os quais, as pressões dos movimentos sociais e dentre estes o
Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (AMARANTE, 1995) gerando o
Movimento da Luta Antimanicomial (TENÓRIO, 2002).
Na década de 1990 o Governo Brasileiro através do Ministério da Saúde
inicia um processo de reestruturação da assistência psiquiátrica, criando fontes de
financiamento para manutenção de serviços comunitários, de “portas abertas”, pois
até então apenas os hospitais psiquiátricos recebiam tais recursos federais.
Somados a isso, inicia-se um processo de avaliação sistemática dos hospitais
psiquiátricos
impondo
indicadores
mínimos
para
a
qualidade
assistencial,
desestimulando a abertura de novos hospitais psiquiátricos e estimulando que os
serviços em saúde mental sejam prioritariamente de natureza público-estatal.
Como desdobramento desses processos, em abril de 2001 é aprovada a
Lei nº 10.216 que “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial” (BRASIL, 2004a).
Inicia-se processo de restituição do asseguramento dos direitos civis, às
liberdades básicas, haja vista que até então havia a tendência de perda dos mesmos
em decorrência de um diagnóstico ou internação psiquiátrica.
Nesse contexto, alguns familiares são instados a mudar da posição de
informantes e visitantes para cuidadores informais de pessoas com transtornos
mentais. O lócus do cuidado se desloca dos hospitais psiquiátricos para o contexto
comunitário e familiar. Tal mudança gera vários dilemas e questões para serem
equacionadas pelos grupos familiares provedores de cuidado.
Na cultura da sociedade ocidental e também na brasileira, o sujeito
observado como passível de cuidado é no geral a criança, pois nasce dependente
1039
dos cuidados de terceiros, mas é esperado socialmente que cresça e desenvolva o
auto-cuidado. Nenhum grupo está preparado para cuidar de uma pessoa adulta com
transtorno mental (MELMAN, 2001). Tal experiência impacta o grupo familiar, que
tem que lidar com um cuidado complexo, “desreferenciado” sócio-culturalmente e
num contexto de intensas transformações internas da própria família brasileira que
se pluralizou, diversificando-se, o que exige que o conceito seja utilizado no plural,
família(s), bem como que a avaliação do seu aprimoramento seja balizada pelas
novas configurações que assume, impondo mudanças nos papéis historicamente
construídos para cada um de seus integrantes.
2.2.2 Famílias brasileiras em um cenário histórico de constantes e intensas
mudanças sociais
Para analisar as famílias faz-se, segundo Rosa (2003), necessário partir
do pressuposto de que se conforma como um grupo construído historicamente,
datado e localizado.
Sua história no Brasil é marcada por modelos que se apresentaram ao
longo do tempo, concordantes com a própria formação sócio-econômica e cultural
do país. Vários modelos de sua organização se apresentaram no decorrer histórico,
embora sob a égide do modelo dominante. Os segmentos de baixa renda se
organizaram conforme foi possível em uma sociedade escravocrata e avessa a uma
organização oficial deste segmento, o que repercutiu na estruturação dos papéis e
funções atribuídas a seus integrantes. Coexistiram assim em um mesmo período
várias formas de organização familiar, além de sofrerem variações também nas
diferentes regiões do país (ROSA, 2003b).
1040
O processo de estruturação da família brasileira inicia-se baseado no
modelo patriarcal
21
trazido pelos colonizadores após o descobrimento, passando
pelo modelo matricêntrico
22
ressaltado a partir do processo de interiorização do
Brasil – principalmente com a fase do ouro no século XVII – e pelo início de
mudanças no papel feminino com a vinda da família real para o Brasil, todavia ainda
com a preponderância do modelo patriarcal (ROSA, 2001).
Com a Independência do País e os processos de instituição do Estado e
de urbanização, onde a família patriarcal apresentava-se como óbice à consolidação
dos avanços políticos e econômicos, associados ainda ao movimento higienista,
passa-se progressivamente à constituição da “família conjugal” (ROSA, 2001;
ROSA, 2003b) caracterizada principalmente por ser estruturada em um casamento
determinado por amor, centrada no casal e na criança, na divisão sexual de funções
e de trabalho – homem como referência moral e provedor financeiro, com as funções
“extra-lar”; mulher como esposa, mãe, educadora, dona de casa, com suas funções
incorporadas socialmente como ato de amor e portando não-remuneradas (ROSA,
2003b) –, e onde a família deixa de ser auto-suficiente, como uma unidade de
produção e passa a ser uma unidade de consumo (ROSA, 2001).
Em fins do século XIX destaca-se progressivamente o modelo da “família
conjugal moderna”, reforçado pelo aumento das imigrações de estrangeiros com
suas tradições familiares já ajustadas à estrutura deste modelo que surgiu
gradualmente na Europa concomitantemente ao aparecimento da sociedade
moderna. No século XX ocorrem alterações na “família conjugal moderna” como
resultado de mudanças sociais, culturais e econômicas, como, e.g., as mudanças no
papel da mulher na sociedade, o movimento feminista e a crise nas funções
tradicionalmente atribuídas ao homem no papel de provedor financeiro da família,
21
A “família patriarcal”, dominante, porém minoritária, característica dos colonizadores, é historicamente a mais visível por ser
a mais descrita na literatura, tendo influenciado o próprio segmento dos escravos como estratégia de resistência à separação
de seus membros e de reconhecimento social (ROSA, 2001). Caracterizava-se por ser o modelo das elites agrárias – cujo
sistema requeria uma população mais fixa, proporcionando uma formação familiar mais estável –, composta pelo casal, filhos,
outros parentes, escravos, afilhados; formatada com base no casamento por interesses econômico e político, muitas vezes
realizado entre parentes; possuía influência política, dividindo poder com o Estado e a Igreja; valorizava-se e centralizava-se no
espaço privado, possuindo uma rígida divisão sexual do trabalho: a mulher, submissa ao marido, limitava-se ao universo
privado da casa, caracterizado por ser uma unidade de produção, consumo, assistência social, religiosa e médica, e ao homem
cabendo as funções militares, religiosas e empresariais, estando mais associado ao espaço público (ROSA, 2003b).
22
A “família matricêntrica”, cujo eixo é a figura feminina e que tem como alicerce o convívio e manutenção da unidade
doméstica, é característica do segmento dos sujeitos pobres livres, brancos ou ex-escravos, e dos escravos, apresentando
formato estrutural nem sempre constante e com alterações na direção dos modelos das elites. Historicamente destaca-se a
partir do processo de interiorização do Brasil com o deslocamento do eixo econômico e também da direção política, da região
Nordeste para o Sudeste do país, criando-se, em função da nova configuração comercial, a necessidade de migrações da mão
de obra, o que se tornava obstáculo a casamentos, aumentando a ilegitimidade dos filhos (ROSA, 2001; ROSA, 2003b).
1041
que quando incapaz de desempenhá-lo plenamente, tende a receber auxílio da
mulher, que adiciona às funções do lar o trabalho fora de casa. Este novo padrão
familiar caracteriza-se por ter uma estrutura mais dinâmica e flexível, com relações
baseadas em rede de solidariedade, com maior número de mulheres chefiando as
famílias, e com filhos chegando a desempenhar atividades laborais
23
, auxiliando ou
até constituindo fonte principal de renda, e sendo criados também por outros
membros da rede de parentesco ou de amizade, ou ainda em lares substitutos
(ROSA, 2003b).
Contemporaneamente,
em
face
das
mudanças
demográficas,
econômicas, sociais e culturais, interferindo nos padrões de organização familiar
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE, 2008a),
resultando em processos de remodelação familiar rumo ao casal igualitário, do
controle da natalidade
24
, dos divórcios – aumentando o número de famílias
recombinadas, que agregam outros integrantes não consangüíneos –, da
reconceituação da categoria trabalho, das lutas e conquistas – Constituição de 1988
– pela igualdade entre os gêneros, das uniões homossexuais (ROSA, 2003b), criamse novas conformações de famílias que se apresentam em contínuo e dinâmico
processo de modelação.
A identidade e o comportamento de cada integrante da família dentro do
grupo e de cada grupo familiar em si, são determinados pela localização do mesmo
e, sobretudo de seus chefes na estrutura produtiva (ROSA, 2003b).
As variações na chefia do grupo familiar, a ausência de um dos membros
na organização da família, a permanência de membros que se esperaria já estar
constituindo novos núcleos familiares, o regresso para o grupo familiar de origem –
secundariamente a experiências conjugais sem êxito, e.g. –, as alterações impostas
pela necessidade de sobrevivência econômica, social ou emocional, o surgimento de
um sujeito com transtorno mental em seu seio, dentre outras, são desafios
apresentados às famílias na sociedade contemporânea.
23
A inserção dos filhos no mercado de trabalho, determinada pela necessidade de sobrevivência física, econômica,
principalmente nas famílias gerenciadas apenas pela mulher adulta – monoparental feminina – constitui-se em fenômeno de
adaptação sociocultural e não de desorganização familiar, contudo prejudicial ao desenvolvimento daqueles que assumem, em
época precoce da vida, a função de geradores de renda, podendo ainda no contexto, assumir a função de autoridade diante
dos irmãos menores (ROSA, 2003b).
24
A redução no tamanho da família acaba por resultar em menor número de sujeitos para prestar cuidados, terminando por
sobrecarregar ainda mais o gênero feminino no papel de cuidar (ROSA, 2003b).
1042
Análise realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE
(2008a), em sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD de 2007,
acerca do diferencial entre o rendimento do cônjuge e da pessoa de referência na
família
25
, no contexto dos arranjos familiares constituídos por casais, sugere que a
indicação deste sujeito de referência na família não está mais, como outrora, tão
relacionada ao papel de principal provedor
26
. O papel de principal provedor
financeiro antes atributo exclusivo do gênero masculino, começa a ser reavaliado em
decorrência do aumento do número de famílias formadas por casais com filhos e
chefiadas por mulheres, alterando-se segundo Pinheiro et al. (2008), com base em
dados da PNAD, de 3,4% em 1993 para 18,3% em 2007.
Em sua PNAD-2007, o IBGE (2008a) verifica como características do
sujeito de referência na família, em arranjos familiares unipessoais residentes em
domicílios particulares, um predomínio do gênero feminino no Estado do Piauí,
característica diversa da verificada no cômputo geral Região Nordeste e também da
Norte e Centro-Oeste; e no relativo à faixa etária preponderante entre esses sujeitos,
o grupo de 60 ou mais anos de idade, concordante com o valor geral de todas as
Regiões do Brasil. No tocante ao arranjo dos casais residentes em domicílios
particulares, a faixa etária prevalente na Região Nordeste e na contabilidade total do
País corresponde ao grupo dos 25 aos 34 anos.
Considerando-se a diversidade de denominações de variados tipos de
arranjos familiares, destacamos como exemplos de classificações Rosa (2003a) e
IBGE (2008). Rosa (2003a) enumera como tipos distintos de organizações
familiares: a família nuclear ou conjugal moderna – pai e mãe, e seus filhos; família
conjugal ampliada – família nuclear adicionada de outros elementos do parentesco;
família monoparental – chefiada por apenas um membro adulto, a mulher ou o
homem; família de colaterais – ocorre quando a chefia da família é assumida por um
ou mais irmãos adultos; família unipessoal – constituída por um único sujeito; e as
novas conformações compostas pelos casais homossexuais, pelas famílias
constituídas a partir de famílias desfeitas e refeitas, recombinadas e outras,
alicerçadas nas relações afetivas e não em parentesco. Enquanto o IBGE (2008a)
25
A pessoa de referência na família é classificada, segundo o IBGE (2008a), como aquela responsável pela família ou deste
modo considerada pelos integrantes da família.
26
A escolha do sujeito de referência pelos moradores de um domicílio, no contexto das pesquisas domiciliares do IBGE,
ocorre através da livre indicação dos moradores, sem nenhuma intervenção quanto à escolha pelo Instituto (IBGE, 2008a).
1043
elenca como tipos de organizações familiares, residentes em domicílios particulares:
a família unipessoal; os arranjos com parentesco e os sem parentesco; o casal sem
filhos e com outros parentes, o casal sem filhos e sem parentes; o casal com filhos,
com parentes e o sem parentes; a mulher sem cônjuge com filhos, com parentes e
sem parentes; e, outros tipos com parentesco.
As mudanças na configuração histórica das famílias impuseram redução
no seu tamanho, nos papéis de seus membros, sobretudo da mulher, que de
trabalhadora do lar, passa a ser onerada com o somatório do trabalho extra-lar,
colocando limitações para sua condição construída socialmente como principal
cuidadora de pessoas enfermas das famílias (ROSA, 2003b). Desse modo o próprio
conceito de família(s) torna-se complexo, impondo significados distintos a partir de
vivências singulares.
2.2.3 Algumas concepções sobre família(s) e repercussões do provimento de
cuidado de pessoa com transtorno mental
Há diversas concepções de famílias, oriundas de várias disciplinas e
institutos. Qualquer conceituação apresenta limitações tendo-se em perspectiva o
fato deste ser um grupo dinâmico, apresentando vários desenhos e formas de se
vincular e atribuir sentidos a suas relações.
O IBGE (2008a), e.g., tem considerado família, no contexto de suas
investigações em pesquisas domiciliares, o grupo definido pela condição de moradia
no mesmo domicílio, independentemente da existência de vínculos entre os
membros.
Partindo-se da consideração de que a simples moradia em um mesmo
domicílio não configura uma família, que apresenta vários sentidos permeados,
sobretudo pelo tipo de relação que se estabelece entre seus diferentes integrantes,
1044
e por questões acerca da existência de várias famílias residindo em um mesmo
domicílio; para efeitos deste estudo família será caracterizada como lugar onde se
reproduzem relações de poder (ROSA, 2001); local de negociações de diferenças,
interesses e cuidados mútuos que são constantemente construídas e reconstruídas
(ROSA, 2003b); local de diversidades, desde sua formação quando se origina da
junção de sujeitos vindos de realidades diferentes e com experiências diversas, que
intensificam e mantém esta diversidade à medida que evolui e amplia-se (BIASOLIALVES; MOREIRA, 2007); como lugar de elaboração das experiências vividas e que
dá sentido às relações entre os sujeitos (SARTI, 2004).
Como ambiente de ação, influencia na formação da personalidade dos
sujeitos, no seu comportamento, no curso da moral, no estabelecimento da cultura e
de suas instituições, no desenvolvimento mental e social (BUSCAGLIA, 2006),
recebendo influências do meio social e nele também agindo, provocando mudanças
(BIASOLI-ALVES; MOREIRA, 2007), e tornando-se alvo de políticas públicas ao
atuar como mediadora das relações entre sujeitos e coletividade (BASTOS et al.,
2007).
Como comunidade é possível caracterizá-la como o modo mais completo
desta, constituindo-se numa forma particular de associação envolvendo os sujeitos
em suas totalidades como pessoas; onde cada membro possui suas experiências
pessoais, compreendendo o outro através da conjugação de experiências
particulares, via processo empático
27
, e de experiências comuns e compartilhadas
em rede social (BELLO, 2007).
A importante experiência particular de cada sujeito com sua família faz
com que alguns se sintam de certa maneira autoridade no conhecimento sobre o
assunto; o que pode trazer riscos como a tendência a avaliar e determinar seu
próprio padrão de organização como o melhor, em comparação e em detrimento aos
demais (ROSA, 2003a).
Sarti (2004) destaca que em análises sobre família faz-se necessário um
processo de estranhamento, do investigador, com relação àquilo que é família, pois
27
No processo empático se pode apreender o que o outro está vivendo em sua essência, todavia sem jamais poder viver o ato
do outro, que sempre será pessoal, singular e inviolável (BELLO, 2007).
1045
existe tendência natural em identificá-la com base na sua experiência e vivência
pessoal de família.
Os membros estabelecem relações de diversas ordens - psíquicas,
espirituais, afetivas, competitivas, dentre outras –, sendo as ligações sentimentais,
na contemporaneidade, as mais significativas. E, com base em seus próprios
sentimentos assumem posições que após avaliadas, serão aceitas ou rejeitadas
(BELLO, 2007).
Quaisquer mudanças que ocorram nos inter-relacionamentos familiares
irão exercer sua influência – produtiva, significativa e positiva, ou traumática e até
destrutiva – em cada membro individualmente e no grupo como um todo
(BUSCAGLIA, 2006), sendo que o enfrentamento das crises que se apresentam à
família supõe a interação entre os recursos próprios e os externos a esta (BASTOS
et al., 2007).
A emergência ou existência de uma pessoa com transtorno mental no
grupo familiar no geral ocorre como um evento imprevisto, inesperado, produzindo
crises que terão que ser enfrentadas a partir de várias necessidades, sobretudo
intermediadas pelas requisições do provimento de cuidado, o que gera impacto, ou
seja, produz um resultado (COHEN; ROLANDO, 1993) na organização para tal
encargo, situação parcamente explorada no contexto brasileiro.
Brito e Rabinovich (2008) em estudo sobre o impacto de acidente
vascular cerebral na família de sujeitos acometidos por primeiro episódio, discorrem
sobre a escassa existência de investigação acerca das formas de lidar da família
com o adoecimento e suas conseqüências. Enumeram vários aspectos nos quais se
operam mudanças: no sujeito, nos papéis, na moradia, econômicas, no autocuidado, redução na vida social dos familiares e alterações nas relações familiares.
Destacam as mudanças relativas ao sujeito, caracterizadas pela conscientização
das mudanças que lhe ocorreram e que surgiram à sua família, conduzindo-o a
reações de impaciência, perda de capacidade de tolerância a estressores,
nervosismo e fragilidade emocional; as relativas ao aspecto econômico, resultantes
de gastos aumentados – medicamentos, profissionais, dentre outros – e da perda da
contribuição financeira quando um sujeito economicamente ativo é afetado.
Ressaltam a monopolização do cuidado pelo sujeito acometido, que quando adulto
1046
requer maior disponibilidade física, emocional e sócio-econômica da família.
Observam nas relações familiares tanto estreitamento de vínculos e reaproximações
de sujeitos, como o surgimento de conflitos decorrentes do não reconhecimento,
pouco envolvimento e desigualdade de disponibilidade de recursos na divisão de
responsabilidades relativas ao cuidado.
2.2.4 As famílias, e as alterações no seu ciclo vital na presença de um sujeito
com transtorno mental
O grupo familiar, assim como o sujeito, organiza sua existência baseado
numa expectativa de segurança relativa, alicerçado na previsibilidade para os
eventos da vida, obtido através de experiências vividas e experimentadas por outros
que o antecederam. Todo grupo familiar que se forma aguarda a ocorrência de
certos eventos em sua história, ou como denominam alguns teóricos, no ciclo vital;
destarte algumas mudanças no grupo familiar são esperadas e até desejadas, como
os nascimentos (ROSA, 2001). Todavia, há eventos imprevistos, não aguardados,
como o surgimento de um sujeito com transtorno mental no grupo.
Melman (2001) informa que nenhum grupo familiar está preparado para
ter um sujeito com transtorno mental em seu meio. Tal acontecimento provoca
ruptura de expectativa, desnorteamento e a exigência de um novo aprendizado, de
conferir novos tons à realidade (ROSA, 2001).
Vários são os determinantes das repercussões do transtorno mental e da
existência do sujeito com o transtorno, no ciclo de vida da família como: os relativos
ao próprio transtorno mental, e.g., o seu modo de início gradual ou súbito, seu curso
e o grau de incapacitação que produz; os relacionados ao sujeito com transtorno,
exemplificados pela posição ocupada na família, idade e gênero; os fatores relativos
à inserção da família na estrutura social – nas famílias de baixa renda: desemprego,
carências materiais, condições de moradia, acesso a educação, saúde e lazer,
1047
dentre outros; o momento do ciclo de vida familiar, de desenvolvimento, em que se
encontra o grupo (ROSA, 2001).
A não efetivação, pelo sujeito adoecido, do processo de satisfação das
próprias demandas e das com quem interage, determina ações e reações dos
constituintes do ambiente – família – no qual se encontra inserido, resultando em
reações de frustração e decepção, muitas vezes estigmatizantes, que se cristalizam
em nódoas e sentimentos de incapacidade no sujeito, que por sua vez poderá migrar
para o isolamento, marginalização e distanciamento daqueles sujeitos significativos;
iniciando-se um círculo de sentimentos de raiva, culpa e distanciamento mútuo em
todos os envolvidos (SARACENO, 2001).
Conforme Rosa (2001), a partir do seu primeiro contato com o parente
adoecido a família vivencia sentimentos, de surpresa – situação inesperada, às
vezes interpretada com brincadeira –, de medo – pelo desconhecido –, de conflito
interno – caracterizado por sentimentos ambíguos, de medo daquele que ama –, de
preocupação – destacadamente com o futuro e sua relação com ele –, de culpa – a
invisibilidade orgânica, física, do transtorno acaba por ativar fantasias do familiar
sobre a etiologia, conduzindo-o a ruminações excessivas sobre participação no
quadro, erros cometidos, negligências. Do outro lado, o sujeito com transtorno
mental sofre também com a preocupação que causa à sua família, além do
sofrimento decorrente do próprio transtorno.
Percorre estágios no processo de vivência com um sujeito acometido por
transtorno mental, segundo Rosa (2003b). Inicialmente utiliza-se da estratégia da
“normalização” dos sintomas – primeiro estágio, constituindo-se em mecanismo de
defesa da família contra o estigma e a estigmatização pela sociedade, caracterizado
pela integração das alterações apresentadas pelo sujeito com transtorno à rotina
familiar, pela construção de explicações diversas à classificação médica para
justificar alterações e por um controle familiar sobre comportamentos inadequados;
intensifica-se nos quadros em que a sintomatologia mais se aproxima do aceito
socialmente, como na depressão e neurose; sendo permeado pela negação do
transtorno mental, resistência a sua aceitação e o desconhecimento. O “temor do
efeito de contágio” constitui outro estágio, estruturado em reflexões, temores sobre
consangüinidade. A fase da “desorientação e desnorteamento”, resultado da
1048
inexistência de referenciais sociais compartilhados e da deficiência nas explicações
obtidas e desenvolvidas, adicionada aos sentimentos de culpa. O estágio do
relacionamento com os serviços e profissionais de saúde – serviços excluindo a
família das abordagens, investimentos na perspectiva da cura, frustrações com as
recidivas. E a etapa da cronificação, com o alijamento, pela família, do sujeito
acometido pelo transtorno, a perda de lugares espaciais e afetivos, e a tendência da
família a culpabilizar o Estado e a transferir a responsabilidade do cuidado para o
serviço de saúde (ROSA, 2003b). Atualmente, com a intensificação dos cuidados
comunitários, tende a ocorrer o contrário, a responsabilidade sobrecarregar
exclusivamente os familiares.
A presença de um sujeito acometido por um transtorno mental na família
destaca-se e revela-se mais dramática quanto menor o tamanho da prole,
determinando uma menor disponibilidade de sujeitos para divisão de tarefas
relacionadas ao cuidar, independentemente da fase vigente do ciclo de vida familiar
(ROSA, 2001).
As relações com o sujeito com transtorno mental determinam situações
aparentemente contraditórias: a família prefere cuidar a internar e, organizada em
associações,
luta
para
assegurar
que
nos
novos
serviços
seja
mantida/proporcionado a minimização de gasto temporal com o cuidar pela família,
mantendo-se a economia de tempo promovida pelo antigo sistema – asilar (ROSA,
2003b).
O impacto provocado por uma doença séria, crônica, exige uma
reestruturação – determinada pelo nível de intimidade dos relacionamentos dentro
da família, a amplitude do estímulo causador, e a intensidade das reações
emocionais envolvidas – da família, com o aprendizado de novos valores, de novos
modelos de comportamento e com uma redefinição de funções (BUSCAGLIA, 2006).
Mudanças na trajetória existencial – crise na vida – podem determinar
duas evoluções: restabelecimento do estado de relativo equilíbrio anterior, através
do uso de respostas prévias socialmente construídas; ou surgimento de uma
realidade de tensão, conflito e incertezas, enquanto, na falta de referências
compartilhadas, a nova situação não é assimilada (ROSA, 2001).
1049
Ocorrem então rupturas no curso dos acontecimentos aguardado por
cada família em seus ciclos de vida, desestruturando os projetos e expectativas
previamente definidos pelos familiares (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005),
resultando em conseqüências indiretas para alguns membros e diretas para outros
sujeitos, influenciando relacionamentos e as expectativas de trocas sociais no grupo.
Destacando-se como conseqüência a geração de carga, sobretudo para a figura do
familiar cuidador, no geral uma mulher, que tende a permanecer como a única
cuidadora, com poucas possibilidades de dividir tal encargo com outras pessoas do
grupo (ROSA, 2003b).
Destarte, as atitudes e vivências perante os problemas causados pelo
sujeito com transtorno mental, podem se revelar de formas diversas por distintos
sujeitos que compõe a família, como resultado de diferentes percepções e
elaborações sobre o transtorno mental (MELMAN, 2001) e relações construídas com
a pessoa com transtorno mental, historicamente permeadas pelo código de direitos e
deveres entre os membros das famílias e comunidades. Tal experiência gera crise
familiar, com intensas mudanças de rotina e demandas para os diferentes
componentes do grupo, sobretudo para o cuidador principal.
Segundo Rosa (2003b) a partir dos anos de 1990, como resultado de um
processo de redução nos recursos nas áreas de políticas sociais e busca de
mudança no modelo assistencial, retirando-se o sujeito com transtorno mental do
isolamento social que historicamente o confinou em hospitais psiquiátricos sob a
custódia do Estado, alguns grupos familiares passam a ser demandados para o
cuidado na comunidade.
Tal situação deriva em envolvimento de alguns membros do grupo,
sobretudo dos sujeitos do gênero feminino – historicamente encarregadas, na
divisão sexual do trabalho, do provimento de cuidado na família e da assistência aos
enfermos – que podem passar a desempenhar papéis não esperados para seu ciclo
de vida e até sobrecarregarem-se com o acúmulo de funções (ROSA, 2003b).
Neste contexto a família pode lançar mão de recursos como as redes
sociais, como estratégia para lidar com as demandas que lhe são apresentadas, e a
renovada busca de auxílio do Estado, como transferência de responsabilidades ou
1050
como uma divisão de tarefas que proporcionará tempo para a família prover seu
próprio sustento e do sujeito com transtorno mental (ROSA, 2003b).
Desse modo as famílias com pessoas com transtorno mental, como o
TOC, na conjuntura dos processos de mudanças no modelo assistencial passam a
ser demandadas como uma das principais provedoras de cuidado e fundamentais no
processo de reinserção social e comunitária.
Rosa (2003b) destaca cinco dimensões, relativas às representações das
relações da família com o sujeito com transtorno mental no contexto reformista
brasileiro: como “recurso” nas estratégias de intervenção, como “lugar” de convívio,
como “sofredora” – influenciada pelo convívio com o sujeito com transtorno mental e
assim também demandante de tratamento e assistência –, como “sujeito da ação” –
ator político, avaliador de serviços, construtor social –, e como “provedora de
cuidado”.
Mas tal encargo parcamente explorado no Brasil é gerador de
sobrecargas que repercutem na vida dos cuidadores familiares, e desencadeiam
como resultado da relação e exigências de provimento de cuidado, mudanças
objetivas – materiais; reorganização da vida dos integrantes do grupo em função das
necessidades determinadas pelo sujeito acometido e pelo transtorno – e subjetivas –
pela quebra do ciclo de vida esperado, pela intensidade do envolvimento emocional
e pelas alterações que podem vir a serem impostas a seus membros, como a
secundarização
de
projetos
e
necessidades
(BARROSO;
BANDEIRA;
NASCIMENTO, 2007; ROSA, 2001).
O familiar que assume o papel de cuidador, secundariamente ao seu
despreparo para a função de lidar com uma enfermidade mental, que muitas vezes
não sabe interpretar ou avaliar, crendo alguns no início do transtorno tratar-se de
uma brincadeira ou uma situação passageira, é conduzido, com o tempo, a
desenvolver medo da situação desconhecida, do comportamento inesperado
(ROSA, 2003a).
1051
2.3 O CUIDAR EM SAÚDE MENTAL
O “cuidar” tem sido invisível no quadro estatístico global da realidade
social e econômica (WHO, 2002), apesar do seu indiscutível valor e de processos
históricos que lhe vem ressaltando com recurso imprescindível no âmbito do cuidado
prestado por cuidadores informais, destacadamente por familiares.
No mundo a partir dos anos de 1950 (MELMAN, 2001), e no Brasil mais
destacadamente a partir da década de 1990 (BRASIL, 2004a) com a intensificação
do processo de Reforma do Modelo de Assistência Psiquiátrica, iniciou-se o
processo de desinstitucionalização do paciente com transtorno mental, com
destaque para a redução no tempo de hospitalização e a realização do tratamento
em serviços comunitários de saúde mental (BANDEIRA; BARROSO, 2005),
promovendo-se a mudança do modelo assistencial na busca da integração social do
paciente.
A transferência da assistência ocorreu no mundo através de processos –
estratégias e interesses – diversos; com resultados às vezes inadequados, como o
grande número de enfermos, não incorporados pelas instituições privadas,
abandonados nas ruas, como exemplifica Melman (2001) com o caso dos Estados
Unidos – EUA –, representado por uma política econômico-administrativa de
racionalização de recursos.
Na Europa, no processo de desinstitucionalização, destacam-se: o
modelo de setorização na França, com criação de equipes psiquiátricas de ação
regionalizada visando a continuidade terapêutica entre hospital psiquiátrico e
unidades extra-hospitalares, e o sistema de seguro social; o sistema sanitário
nacional na Inglaterra, assumindo a assistência extra-hospitalar de apoio ao
programa de desospitalização, e a redução de leitos psiquiátricos; e o movimento de
crítica institucional na Itália, resultando no enfrentamento de bases ideológicas da
Psiquiatria e do modelo do hospital psiquiátrico, via alterações nos modos de
percepção acerca da questão e busca de alianças com sindicatos, organizações
não-governamentais e partidos políticos (MELMAN, 2001).
1052
A partir dos anos de 1970, nos países europeus do primeiro mundo, às
famílias são devolvidas funções assumidas anteriormente pelo Estado, acrescidas
de outras funções também geradoras de sobrecarga, decorrentes do processo de
reestruturação produtiva e do desemprego resultante da crise econômica (ROSA,
2003b).
No Brasil, a década de 1980 caracteriza-se por sua vez pelos estudos
feministas - desigualdade no relacionado aos gêneros, desequilíbrio de poderes –;
pelo movimento da “Reforma Psiquiátrica”; pelos avanços no ideário neoliberal com
políticas de retração da ação do Estado e retorno do cuidado para a família; e pela
pressão sobre o Estado por parte destas famílias, pela manutenção e aumento dos
serviços públicos pertinentes, através da formação de organizações/associações de
familiares
–
resultantes
de
conseqüências
produzidas
pelo
processo
de
desinstitucionalização que culminaram por produzir sobrecarga às famílias (ROSA,
2003b).
É então devolvido a algumas famílias o papel de principal provedora de
cuidados e apoio ao sujeito com transtorno mental, todavia sem preparação,
suporte, conhecimento e apoio para a tarefa. Tal contexto resulta em geração de
sobrecarga aos cuidadores como conseqüência da abdicação ou colocação em
segundo plano dos seus desejos, projetos, necessidades, e da reorganização de
suas vidas (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007; UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI – UFSJ, 2003-2008) – profissional, familiar,... –
em função, ou com o acréscimo, das necessidades do sujeito com o transtorno
mental, em torno das vivências do transtorno. Também resulta em geração de
sobrecarga por causar-lhes frustração pela não efetivação do processo de
independência esperado para um sujeito adulto (BANDEIRA; CALZAVARA;
VARELLA, 2005), no caso o sujeito com transtorno, pela não criação de filhos
saudáveis física e mentalmente, e “perfeitos”, aptos para a vida em comunidade e
para o trabalho que em nossa sociedade encontra-se no centro dos valores e das
preocupações (MELMAN, 2001). Infere-se que os esforços na mudança do modelo
assistencial, implicam na necessidade da busca do conhecimento da realidade dos
familiares e de meios de ajudá-los (MELMAN, 2001).
1053
Na década de 1990, o Movimento da Reforma do Modelo de Assistência
Psiquiátrica no Brasil marcou ainda o início do processo de constituição da família
como ator político no movimento, norteando-se para a cidadania do ente adoecido, e
relativamente negligenciando a si mesma (ROSA, 2003b).
No processo brasileiro de Reforma algumas normas tiveram destacado
impacto, exemplificando-se: a Lei 10.216 de 06 de abril de 2001, que versa sobre os
direitos e a proteção dos sujeitos com transtornos mentais e redireciona o modelo de
assistência em saúde mental no País, e destaca a responsabilidade do Estado, com
a participação da família e da sociedade, no desenvolvimento da política, da
assistência em saúde mental e na promoção de ações de saúde aos sujeitos com
transtornos mentais; o programa de redução de leitos psiquiátricos; a implantação
dos “Centros de Atenção Psicossocial” – CAPS –
“Residências Terapêuticas”
28
; a criação dos serviços de
29
; a normatização, avaliação e supervisão da rede
hospitalar especializada em Psiquiatria e de hospitais gerais com enfermarias ou
leitos psiquiátricos
30
; o “Programa de Volta para Casa”
“Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica”
32
31
; a constituição da
e da “Comissão de Saúde Mental”
33
onde são representados usuários, familiares, gestores, prestadores de serviços e
associações de profissionais de saúde (BRASIL, 2004a).
De modo sucinto, o hospital psiquiátrico constituiu-se inicialmente no
principal recurso assistencial em saúde mental. Entre as décadas de 1960 e 1970 os
ambulatórios de saúde mental ganham destaque na assistência e mais
recentemente, a partir da década de 1990, os centros de atenção psicossocial. Por
sua vez, as pessoas com maior renda financeira tenderam a buscar auxílio na ação
médica liberal, através de consultórios médicos particulares.
28
29
30
Portaria Gabinete do Ministro da Saúde – GM – nº 336, de janeiro 2002 (BRASIL, 2004a).
Portaria GM nº 106, de 11 de fevereiro de 2000 (BRASIL, 2004a).
Portaria GM nº 251, de janeiro/2002 (BRASIL, 2004a).
31
Lei nº 10.780, de 31 de julho de 2003; estabelecendo benefício de auxílio reabilitação psicossocial para pacientes egressos
de internações e sua inclusão em programas extra-hospitalares de atenção em saúde mental (BRASIL, 2004a).
32
33
Resolução nº 93, de dezembro/1993 (BRASIL, 2004a).
Resolução nº 298, de dezembro/1999 (BRASIL, 2004a).
1054
2.3.1 Os CAPS e a abordagem da família
Classificados segundo ordem crescente de porte/complexidade e
abrangência populacional são encarregados para realizar, prioritariamente, o
atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em sua
área territorial (BRASIL, 2004a).
Possuem atribuições definidas como organizar a demanda e rede de
cuidados; regular a porta de entrada da rede assistencial; coordenar as atividades
de supervisão de unidades – hospitais psiquiátricos; de atendimento psiquiátrico a
crianças e adolescentes; de serviços a usuários de álcool e drogas –; supervisionar
e capacitar as equipes de Atenção Básica, Serviços e Programas de Saúde Mental;
e realizar e manter atualizado o cadastramento dos pacientes. Desenvolvem
atividades como atendimento individual, em grupo, oficinas terapêuticas, visitas
domiciliares, atendimento à família, atividades comunitárias e ações intersetorias,
sempre buscando a integração e reinserção social do sujeito com transtorno mental
(BRASIL, 2004a).
O CAPS não dispensa a tradição, o saber e os instrumentos da
Psiquiatria, mas utiliza-os rumo à produção de um novo modo de apreender a
problemática do transtorno mental e do tratamento, incorporando à prática clínica o
tradicionalmente considerado extraclínico (TENÓRIO, 2002).
De acordo com o Ministério da Saúde, os CAPS devem ser serviços
substitutivos ao hospital psiquiátrico e não complementar ao mesmo, possuindo
valor estratégico, dentre todos os dispositivos de atenção à saúde mental, na
Reforma Psiquiátrica (BRASIL, 2008).
Esses Centros apresentam-se em tipos diferentes, caracterizados
conforme sua capacidade operacional de atendimento, em: CAPS I - capacidade
operacional para atendimento em municípios com população entre 20.000 e 70.000
habitantes; CAPS II - atendimento em municípios com população entre 70.000 e
200.000 habitantes; CAPS III - capacidade operacional para atendimento em
1055
municípios com população acima de 200.000 habitantes, sendo um serviço de
Atenção Básica contínua, 24 horas/dia, incluindo finais de semana e feriados, com
limitação para permanência em acolhimento noturno e possuindo leitos para
observação e/ou repouso, inclusive nos finais de semana e feriados, devendo estar
referenciado a um Serviço de Urgência/Emergência de sua região, que fará o
suporte de atenção médica; CAPS i - para atendimento de crianças e adolescentes;
CAPS ad - para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e
dependência de substâncias psicoativas (BRASIL, 2004a).
Possuem três modalidades básicas de assistência – regimes de
atendimentos: intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, conforme a capacidade
máxima de atendimentos necessitados pelo usuário ao mês, de acordo com cada
tipo de CAPS (BRASIL, 2004a).
Como principal dispositivo na mudança do modelo assistencial no
contexto brasileiro, os CAPS são desafiados a mudar a relação histórica dos
serviços de saúde mental com o grupo familiar. Tendo como um dos seus objetivos
incentivar a participação dos familiares, não somente estimulando o usuário em seu
tratamento, como também participando no dia-dia do serviço, em suas atividades.
Figurando dentre as suas atividades o atendimento para a família, constituído por:
atendimento individualizado a familiares, atendimento nuclear e a grupo de
familiares, visitas domiciliares, atividades de lazer com familiares e atividades de
ensino (BRASIL, 2004b).
2.3.2 O ambulatório e a família invisibilizada
A localização de um ambulatório de saúde mental no espaço físico do
hospital psiquiátrico, mesmo como construção separada, pode reforçar o papel
centralizador deste, ratificando o modelo hospitalocêntrico do atendimento, que
historicamente se sustentou no circuito ambulatório-urgência/emergência-internação.
1056
Além disto, distancia-se do novo modelo assistencial por situar-se longe do território
de residência do seu usuário – exceto daqueles que residem obviamente próximo ao
hospital.
O serviço ambulatorial na realidade brasileira tendo por principal
característica o atendimento médico e psicológico, destacado pela rapidez no
contato entre profissional e usuários – duração do tempo da consulta –, abordagem
predominantemente medicamentosa, seguimento alargado – intervalo muito longo
entre as consultas do usuário –, atendimentos profissionais isolados – sem trabalhar
mecanismos de referência e contra-referência entre os profissionais, e sem
planejamento terapêutico multidisciplinar; exceto em certos grupos profissionais
onde há maior contato e interesses pessoais em trabalhar em equipe
multiprofissional –, e sem abordagens socioterápicas, prejudica o processo da
Reforma Psiquiátrica. Muitas vezes estas dificuldades podem decorrer da demanda
elevada pelos serviços e pela carência de profissionais no quadro pessoal,
sobrecarregando os poucos existentes. Obviamente existem exceções a este
padrão, configurando-se como serviços mais próximos à nova rede de assistência
em saúde mental almejada.
Aspectos como a demanda elevada por atendimento em saúde mental, a
carência numérica de serviços substitutivos e a sua incapacidade de atendimento
pleno às múltiplas necessidades dos usuários, a falta de visibilidade territorial dos
serviços substitutivos, o preconceito em torno do transtorno mental aliado ao receio
de estigmatização – conduzindo muitos portadores destes transtornos e seus
familiares a buscarem atendimento longe da visão dos sujeitos do seu contato social
–, podem constituir fatores mantenedores da grande demanda verificada nos
ambulatórios psiquiátricos.
Tais serviços, sobretudo os de natureza pública, costumam ser mais
procurados pela população de menor renda, que nele encontra além do atendimento
a possibilidade de receber “gratuitamente” as medicações, muitas vezes de grupos
farmacológicos mais antigos, algumas vezes de medicamentos considerados
“excepcionais” – elevado custo, usos específicos –, recebidos após cadastro em
serviço específico do Estado.
1057
A família no contexto do ambulatório tradicional de saúde mental costuma
funcionar apenas como informante nas consultas, parcamente sendo percebida
como potencial recurso no tratamento dos usuários do serviço. Além disso, também
não costuma ser vista como “sujeito” que demanda informações acerca do
transtorno de seu ente adoecido – e.g., diagnóstico, como auxiliar, o que fazer em
situações de crise –, como “sujeito que padece”, como “sujeito que pode sofrer
conseqüências negativas pela presença do transtorno mental em seu seio”.
Destaque-se que a visibilidade da família para o ambulatório costuma ser a exceção.
2.3.3 O consultório privado
O consultório privado como serviço de saúde mental historicamente se
baseia na prática liberal do profissional médico, que atende via planos de saúde ou
pagamento direto de honorários, “particular”, do usuário dos seus serviços.
Comumente constitui-se de estrutura empresarial ou privada, administrada no geral
pelos próprios profissionais, que costuma adequar-se mais às necessidades dos
familiares – mais freqüente em consultas –, em decorrência das demandas e
exigências impostas por seus usuários – portadores de transtornos mentais e seus
familiares.
Caracteriza-se por aspectos como, e.g., consultas com horário marcado,
sala de espera com maior privacidade, consultas mais demoradas, debates com os
usuários e seus acompanhantes acerca de diagnóstico, prognóstico, terapias
indicadas, uso de medicações consideradas de “primeira linha” – mais específicas,
com menos efeitos colaterais –, envolvimento de familiares como recurso no plano
terapêutico. Aqui também ocorrem exceções, sendo a família por vezes observada
como intrusa e agravadora de quadros, o que pode acabar por determinar
interferência negativa na condução, interrupções, mudança de profissional
assistente e até abandono de tratamento.
1058
A rede privada pode caracterizar-se por serviços – consultórios – de um
só profissional, que de acordo com as necessidades encaminha o sujeito com
transtorno para acompanhamento associado com outros profissionais instalados em
outros consultórios; ou de grupo de profissionais – médicos-psiquiatra, psicólogos,
dentre outros, que trabalham num mesmo espaço, necessariamente não
significando que trabalhem interdisciplinarmente.
O custo do acompanhamento pode resultar em acompanhamentos
irregulares,
resultado
da
impossibilidade
de
comparecimento
com
maior
periodicidade às consultas, sendo também acrescidos com a utilização dos serviços
de outros profissionais – psicólogos e terapeutas ocupacionais. A instrumentalização
dos familiares como recurso pode também sofrer interferência do fator financeiro –
consultas e sessões psicoterápicas para familiares –, destacadamente em Estados
financeiramente pobres como o Piauí.
2.3.4 A situação do cuidar
A inexistência de uma rede substitutiva de serviços, adequadamente
instituída e em ação, necessária ao processo de desinstitucionalização, pode acabar
por tornar o processo da Reforma apenas num processo de desospitalização,
resultando em maior sobrecarga à família.
O processo de mudança no modelo assistencial ao sujeito com transtorno
mental, no mundo, dentre suas conseqüências, trouxe nova mudança histórica à
perspectiva da família.
Anteriormente, a família era cúmplice, grata por se ver aliviada do
problema, com o Estado assumindo o papel de “cuidador” com a criação das vilas
psiquiátricas, e depois de protetor – mais da sociedade que do paciente – com a
construção dos manicômios, retirando da família a “carga” do cuidado com o sujeito
1059
acometido pelo transtorno mental; e deste modo contribuía também para
perpetuação da velha instituição manicomial (SARACENO, 2001).
Justificando-se com o objetivo de proteger o sujeito da influência negativa
de uma família propiciadora de adoecimento, a separação – o isolamento, peça
chave do dispositivo institucional – do sujeito com transtorno mental da família
justificava-se também com o objetivo de proteger, a esta, do transtorno mental, da
influência negativa dos acometidos que poderia contaminar outros membros,
principalmente mulheres jovens e crianças, tidos como mais vulneráveis (MELMAN,
2001).
Em seguida, teoricamente culpada pela Psiquiatria – a partir do
surgimento da psicopatologia familiar, centrada no estudo dos transtornos familiares
–, e consideravelmente responsabilizada, por parte da sociedade, pelo que possa
ocorrer a seus membros (MELMAN, 2001), passa a família a ser a responsável por
seus cuidados (SARACENO, 2001).
O ato de cuidar de um familiar adoecido, com transtorno mental ou não, é
característica
constituinte
da
cultura
brasileira
(BARROSO;
BANDEIRA;
NASCIMENTO, 2007), podendo a própria cultura ser um determinante do impacto do
cuidar daqueles que desempenham esta atividade (GARRIDO; MENEZES, 2004).
Em populações de menor renda, e.g., observa-se o provimento de cuidados
permeado pela lógica da reciprocidade do dar e receber (SARTI, 1996).
O cuidar e a necessidade de cuidar são constituintes preciosos da
condição humana; possuindo tanto lado positivo – e.g., auxiliar o outro, contribuindo
para melhorar sua qualidade de vida e minorar sofrimentos; reduzir gastos;
satisfação pessoal em cuidar –, como negativo – e.g., danos à saúde do cuidador,
deterioração de relações, prejuízos econômicos. Requer também discussões sérias
sobre direitos – dar e receber – e deveres – “prover e dar cuidado”, modo de divisão
da tarefa entre os gêneros, e “entre as famílias, comunidades e o Estado” (WHO,
2002).
Um mínimo de conhecimento acerca do transtorno mental, do seu manejo
e sua aceitação, são requisitos para o provimento de cuidados, que envolve também
1060
o convencimento da necessidade de tratamento pelo próprio sujeito com transtorno
mental (ROSA, 2003b).
Para Rosa (2003b) os serviços de saúde com intervenções centradas na
remissão sintomatológica caracterizam-se por serem despreparados para receber as
necessidades familiares advindas do provimento de cuidados por estes cuidadores
informais.
Persiste entre os trabalhadores de saúde mental uma leitura de que as
famílias seriam um lugar natural de cuidado, permeado pelo código de direitos e de
deveres impostos legalmente e pela tradição de consangüinidade (ROSA, 2003a).
Não se evidencia, assim, que o cuidar é uma construção social, e cuidar de uma
pessoa adulta com transtorno mental é algo complexo, que requer preparo mínimo
do cuidador, determinadas condições objetivas e subjetivas, e retaguarda dos
serviços de saúde mental (ROSA, 2003b).
Com a cultura hospitalocêntrica os familiares passaram a acreditar que
quem sabia cuidar era quem “estudou – fez curso universitário – para isso” haja vista
que o modelo hospitalocêntrico difundia essa ilusão de que “lugar de doido é no
hospício”, ou seja, uma pedagogia institucional que designava um lugar social
específico para o cuidado dessa população: o hospital psiquiátrico.
Desconstruir tal imaginário social implica na divisão do encargo de prover
cuidado entre os serviços de saúde mentais/profissionais de saúde mental e os
grupos familiares/cuidadores-familiares, haja vista que por seu lado os familiares
aprenderam, no geral, a cuidar no ensaio e erro, com parca ou sem assistência dos
profissionais de saúde mental.
1061
2.3.5 O cuidador
A função de cuidador pode ser desempenhada tanto por um profissional –
desempenhando sua atividade em uma instituição, seja hospitalar ou não, ou na
própria casa do sujeito que demanda cuidado –, como por um membro familiar –
compreendem, numericamente, o maior número de cuidadores –, um amigo, ou um
vizinho, que ajuda alguém de modo freqüente, comumente cotidianamente, em
tarefas que não costumam demandar auxílio em adultos saudáveis (WHO, 2002).
O papel de cuidador tem destacado impacto na qualidade de vida do
sujeito demandante de auxílio, além de impacto no próprio cuidador; podendo haver
comprometimento na saúde mental, física, na vida social e laboral deste.
Tanto os familiares-cuidadores, como outros cuidadores informais
34
e o
próprio sujeito acometido pela enfermidade, vivem processo em que às dificuldades
da vida cotidiana contemporânea, acrescidas às dificuldades próprias do transtorno
com suas características, suas demandas e questões, adicionam-se mais frustração,
baixa tolerância e exaustão, além de inquietação e revolta às limitações e
adversidades resultantes (VASCONCELOS, 2003).
A Organização Mundial da Saúde pondera que os cuidadores devem ser
apoiados, receber suporte, e serem capacitados para maximizar o cuidado que eles
podem ofertar, evitando as conseqüências que lhe acompanham, e mantendo a
capacidade do cuidar por um longo período de tempo (WHO, 2002).
O familiar cuidador, com base em crenças pessoais e aspectos culturais,
históricos e sociais, aceita o papel que lhe é designado, avaliando-se em sua função
e avaliando a nova conjuntura em que se encontra. Lança mão de mecanismos para
o
enfrentamento
da
sobrecarga
decorrente
da
função,
desenvolvidos
individualmente e/ou obtidos via experiências compartilhadas.
34
São cuidadores informais, aqueles sujeitos que prestam cuidados não-remunerados e não-técnicos aos sujeitos
demandantes de cuidados; são exemplos de cuidadores informais os familiares, os amigos e vizinhos (PEGORARO;
CALDANA, 2006).
1062
Mas, existe uma tendência de sobrecarga do cuidado em um único
sujeito, que tende a não querer dividir a função com outros sujeitos apesar de
queixar-se da sobrecarga a que se sente submetido. Quando o faz tende a dividir
apenas os aspectos secundários no cuidado (ROSA, 2003b) e a realização de
outras funções antes desempenhadas por si, de modo que fique liberado para
dedicar-se ao familiar adoecido; tal ajuda, aceita ou solicitada pelo cuidador, é por
este definida e coordenada (PEGORARO; CALDANA, 2006).
Um cuidador pode possuir sob sua supervisão outras pessoas, além de
sujeitos adoecidos, o que resulta em continuidade de sobrecarga mesmo com a
melhora destes (PEGORARO; CALDANA, 2006).
Estudo qualitativo realizado por Machado, Freitas e Jorge (2007),
investigando os significados e as crenças de cuidadores de sujeitos com Síndrome
Metabólica, avaliou como os cuidadores percebem-se – que significados têm para
quem executa a função de cuidador – investigando o significado da experiência, os
mecanismos de enfrentamento desenvolvidos que auxiliam na compreensão e até
na aceitação de sua condição, e as condições de capacitação para o cuidado.
Observou o significado de caridade e o caráter religioso, com a crença de força
divina que proverá vida ao familiar e forças àquele que cuida; a verbalização ou
exteriorização do que incomoda ou do sofrimento e a designação divina da função
de cuidador, como formas de enfrentamento; e a constatação da falta de preparo
emocional ou a insegurança para a função. Avaliou ainda as dificuldades vividas na
função do cuidado, investigando encargos financeiros e demandas emocionais do
cuidador, observando preocupações com custos, destacadamente de alimentos e
medicamentos, e discursos acerca da abdicação ou colocação em segundo plano
das necessidades ou projetos pessoais, na busca do restabelecimento do familiar,
que além de expressarem situações de sofrimento, alterações na saúde e qualidade
de vida do cuidador, interferem na qualidade do cuidado prestado.
Na questão do gênero do cuidador verifica-se que a figura masculina,
destacadamente no papel de esposo, apresenta-se como importante fonte de ajuda
no cuidado e de apoio emocional, tanto possibilitando o compartilhamento do
sofrimento, como exercendo papel de autoridade (PEGORARO; CALDANA, 2006).
1063
Segundo Pinheiro et al. (2008), indicadores oriundos da PNAD, no
período de 1993 a 2007, apontam para um crescente, embora muito discreto
aumento do papel masculino como provedor de cuidados à sua prole, embasado em
dados que indicam um aumento no número de famílias monoparentais masculinas
no Brasil e uma redução nas monoparentais femininas, embora no cômputo geral
estas continuem predominando com amplíssima margem de diferença
35
.
Ao gênero feminino, histórico, social, cultural e psicologicamente
36
, está
associado à ação de cuidar.
A situação da mulher ao longo da história da família no Brasil apesar de
sofrer alterações, sobretudo a partir dos anos de 1950, mantém-se ainda nos dias
atuais como a principal referência nas questões relativas à família e especialmente
no cuidar. Destacando-se a mãe como a principal figura a fornecer cuidados e
assistência, além de estrutura de ligação e referência permanente e comum na
família, e sobre quem recai a maior quota de responsabilidade pelo não controle
comportamental do sujeito com transtorno mental (ROSA, 2003b).
Historicamente, a transformação do estágio de invisibilidade do gênero
feminino característico da família patriarcal antiga para um estágio de maior
visibilidade social no século XIX, com as mudanças resultantes da vinda da família
real portuguesa para este País, resulta posteriormente no surgimento da família
conjugal moderna no Brasil. Apresentando-se a mulher principalmente em processo
de conquista de funções, agregando aos encargos das atividades domésticas o peso
resultante de sua participação no espaço público, atribuições e responsabilidades,
mais do que de espaço social, de reconhecimento e de igualdade com o gênero
masculino (ROSA, 2003b). Embora em alguns contextos divida as tarefas
domésticas com o homem ou com outra pessoa designada para a função, a
responsabilidade da administração do lar e do cuidado familiar ainda permanece
como sua atribuição, resultando em sobrecarga pela atuação nos dois espaços,
público e privado (ROSA, 2001).
35
Segundo dados da PNAD/IBGE, as famílias monoparentais masculinas apresentavam, dentre o total de famílias chefiadas
por homens, um percentual em 1993 de 2,1%, passando para 3% em 2007. As famílias monoparentais femininas, dentre o total
de famílias chefiadas por mulheres tiveram uma mudança de 63,9% em 1993 para 49,2% em 2007 (PINHEIRO et al., 2008).
36
A atividade costuma ser internalizada por grande parte das mulheres como uma função, uma característica que lhes é
própria (ROSA, 2003b).
1064
Num contexto histórico e social de desigualdades entre gêneros, a
inserção da mulher no mercado de trabalho ocorre de modo inadequado e
subordinado, recebendo menores remunerações (ROSA, 2003b). No período de
1996 a 2007, a PNAD registrou uma mudança de 46% para 52,4% na proporção das
mulheres trabalhando ou à procura de emprego; enquanto em 2007 a participação
masculina no mercado de trabalho chegou a 72,4% (PINHEIRO et al., 2008).
A situação contemporânea apresenta um aumento da necessidade das
mulheres de serviços oferecidos pelo Estado, tanto como estratégia para divisão de
tarefas de cuidar – “da casa”, de seus integrantes – requerida pela necessidade da
mulher de “trabalhar fora” como forma de incremento, complementação ou até
mesmo geração primária de renda familiar, como quanto decorrente do aumento da
expectativa de vida, aumentando também a freqüência de mulheres viúvas em
unidades unipessoais que vão necessitar de cuidados e assistência (ROSA, 2003b).
2.4 O ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS ENVOLVENDO FAMILIARES
As pesquisas surgidas após o processo de desospitalização e
desinstitucionalização seguiram dois rumos: o primeiro, relacionado às atitudes dos
familiares com relação ao paciente, buscando conhecer o impacto destas e
correlações com a evolução do transtorno mental; e o segundo, relativo às
resultantes do convívio social com os pacientes a que os familiares estavam
sujeitos, objetivando examinar as repercussões e as sobrecargas (MELMAN, 2001).
Com relação ao primeiro, conforme Saraceno (2001) e Melman (2001),
exemplificam-se os estudos de Brown e Wing, nos anos de 1960, sobre “Emoções
Expressas” – entendida como os aspectos verbais e não-verbais da comunicação
entre paciente e familiar-chave, relativamente a “comentários críticos, hostilidade,
hiperenvolvimento emotivo e empatia”. Nestes estudos objetivavam identificar
variáveis importantes para avaliar o grau de adaptação social pós-alta hospitalar de
1065
pacientes
psicóticos
–
esquizofrênicos
–,
identificando,
também,
fatores
desencadeantes de recidivas; distinguiram dois tipos de famílias: as com alta,
implicadas em maior risco de recaídas e internações, e as com baixa “Emoções
Expressas”.
O ambiente familiar é identificado, em pesquisas sobre “Emoções
Expressas”, como um estressor e não um causador, sendo que atuações em fatores
de estresse ambiental poderiam reduzir ou impedir sua associação com uma
vulnerabilidade individual pré-existente, resultando em redução ou na evitação de
recaídas (MELMAN, 2001). A vivência a situações de exposição prolongada a
ambiente familiar hostil, resultante da sobrecarga vivida pelos cuidadores, ativando
uma vulnerabilidade existente no sujeito-paciente pode também conduzir ao
surgimento de uma sobrecarga das habilidades de enfrentamento destes
(SARACENO, 2001), intensificando o risco de recaídas.
Como outro exemplo do primeiro rumo citado, ressalta-se, conforme
Saraceno (2001), os estudos epidemiológicos de Luc Ciompi sobre resultados e
decurso dos distúrbios esquizofrênicos, em que argumenta que padrões específicos
de influência mútua no contexto familiar conduziriam à “cristalização” do papel de
enfermo e à cronificação das formas de interagir do sujeito.
No referente à segunda via de pesquisas, destaca-se a questão da
sobrecarga, resultante do ato de cuidar do sujeito com transtorno mental, com todas
as suas repercussões. Envolvendo também os estudos das estratégias e dos fatores
associados ao seu enfrentamento.
37
No Brasil há poucos estudos acerca da sobrecarga familiar de pacientes
psiquiátricos (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005), com a utilização de
escalas validadas e adaptadas à realidade do país.
Loukissa (1995) destaca que no início da década de 1990, os estudos
começaram a focar-se na educação e suporte familiar e na importância da avaliação
das necessidades da família.
37
Loukissa (1995), em artigo de revisão, elencou estudos analisando programas de suporte e educacionais direcionados aos
familiares, observando os programas como recursos para redução da sobrecarga.
1066
Avaliações de sobrecarga de cuidadores através do uso de instrumentos
adaptados quando originários de outros locais, validados e fidedignos, que
proporcionam a confiabilidade dos resultados e a sua comparabilidade com outros
estudos científicos, como a “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares –
FBIS-BR”, possibilitam além da avaliação da sobrecarga e a sua comparabilidade, a
avaliação das implicações da sobrecarga em vários aspectos da vida dos
cuidadores. Podem também ser recurso para a avaliação de resultados de
intervenções dirigidas aos sujeitos que demandem cuidados e aos próprios
cuidadores, e para a avaliação de serviços, com todos os desdobramentos positivos
decorrentes destas possibilidades para todos os envolvidos (BANDEIRA; ISHARA;
ZUARDI, 2007). As intervenções operacionalizadas nos familiares objetivam além de
cuidar destes, fornecer-lhes capacidades para o desempenho do papel (CAMPOS;
SOARES, 2005).
De acordo com Bandeira e Barroso (2005), os estudos acerca da
sobrecarga de familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos apresentam
problemas de ordem metodológica como: o tipo e tamanho de amostra de familiares,
que freqüentemente não são representativos da população geral de familiares de
sujeitos com transtorno mental; o tipo de diagnóstico do sujeito enfermo; e o modelo
familiar estudado, comumente caracterizado apenas pelos pais, dificultando a
avaliação do impacto em diferentes membros da família. Outros problemas como,
e.g., a falta de estudos longitudinais dificultando a investigação dos efeitos das fases
do transtorno mental na sobrecarga familiar, a carência de estudos sobre estratégias
de enfrentamento dos familiares, e a influência de características pessoais do
familiar, também são destacados como afetando os estudos/conhecimentos acerca
desta questão da sobrecarga.
Estudos como o de Scazufca, Menezes e Almeida (2002) investigando a
sobrecarga em cuidadores de idosos com depressão, o de Garrido e Menezes
(2004) com cuidadores informais de idosos com demência, o de Barroso, Bandeira e
Nascimento (2007) avaliando a sobrecarga de familiares de sujeitos com transtorno
mental em tratamento na rede pública, e o de Lemos, Gazzola e Ramos (2006)
estudando cuidadores primários de pacientes com doença de Alzheimer; destacamse no Brasil, com a utilização de instrumentos validados, no estudo da questão da
sobrecarga de familiares.
1067
Barroso, Bandeira e Nascimento (2007) investigaram através da utilização
da “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares – FBIS-BR”
38
a sobrecarga
em familiares cuidadores de sujeitos com diagnóstico de esquizofrenia, transtorno
esquizoafetivo e transtorno psicótico agudo de tipo esquizofrênico, em atendimento
na rede pública de Belo Horizonte/MG. Constataram a presença de sobrecarga
objetiva e subjetiva em diferentes dimensões da vida dos familiares. Verificaram
maior sobrecarga objetiva – p<0,000 –: na subescala “A” – a assistência na vida
cotidiana – da FIBS-BR, na questão relativa à freqüência com que teve que preparar
as refeições do familiar-enfermo ou teve que auxiliá-lo na tarefa; na subescala “B” –
supervisão aos comportamentos problemáticos – no item da freqüência de
supervisão ao consumo demasiado de bebidas não-alcoólicas ou cigarros.
Encontraram maior sobrecarga subjetiva – p<0,000 –: na subescala “A” no item
indicativo do incômodo sentido por ter que auxiliar ou recordar ao paciente de
ocupar seu tempo com algo; na subescala “B” na questão referente ao incômodo
com o consumo excessivo de bebidas não-alcoólicas ou fumo; e na subescala “E” –
preocupação com o paciente – na questão referente a preocupações com o futuro
do enfermo.
Scazufca, Menezes e Almeida (2002) pesquisaram sobrecarga em
cuidadores de idosos com depressão – utilizando a versão brasileira da escala
“Burden Interview”
39
– achando níveis de sobrecarga elevados naqueles,
semelhantes aos encontrados em estudos existentes na literatura com cuidadores
de idosos com demência. Encontraram associação estatisticamente significativa
entre a sobrecarga dos parentes e a idade do cuidador, seu gênero e o
relacionamento com o paciente, destacando-se os cuidadores jovens, do gênero
feminino e filhos dos idosos, respectivamente, como relacionados à maior
sobrecarga. Verificaram também nos cuidadores, com a utilização da escala “Self
Reporting Questionnaire” - SRQ20, também já validada para o Brasil, que avalia o
construto desconforto emocional – distress –, uma associação positiva entre este e a
sobrecarga.
38
Derivada da escala “The Family Burden Interview Schedule – Short Form” - FBIS/SF – desenvolvida por Tessler e Gamache
em 1994 (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007), foi adaptada e validada para o Brasil por Bandeira, Calzavara e
Varella (2005), Bandeira et al. (2007), e Bandeira, Calzavara e Castro (2008).
39
A tradução, a consistência interna e a validade de construto da versão brasileira da escala “Burden Interview” foram
apresentadas por Scazufca em seu estudo utilizando cuidadores de pacientes com 60 anos ou mais de idade com diagnóstico
de depressão, publicado em artigo científico em 2002 (SCAZUFCA, 2002).
1068
Garrido e Menezes (2004) avaliaram a sobrecarga subjetiva de
cuidadores informais de idosos com demência – observando em sua amostra uma
alta freqüência de transtornos de comportamentos com limitações às tarefas
rotineiras do cotidiano e nas atividades instrumentais –, verificaram predomínio entre
os cuidadores do gênero feminino – filhas ou esposa –, residindo com o familiar
acometido, e resultados estatisticamente significativos para a associação do impacto
nos cuidadores – avaliado através da versão brasileira da escala “Zarit Burden
Interview” – às variáveis: grau de parentesco, sintomas psiquiátricos do cuidador e
tempo em que exercia o papel de cuidador.
Lemos, Gazzola e Ramos (2006) estudando cuidadores primários de
pacientes com doença de Alzheimer – utilizando-se do instrumento, validado para o
Brasil, “Caregiver Burden Scale” – verificaram impacto subjetivo resultantes do
cuidar, em níveis elevados e dependentes do nível de escolaridade dos cuidadores –
quanto maior escolaridade, maior os escores do impacto – e do grau de
dependência dos demandantes do cuidado – maior impacto quanto maior a restrição
ao leito. Avaliando cada uma das dimensões da escala, observaram significância
estatística: para o grau de parentesco e auxílio em atividades – banho e vestir-se –
para a dimensão “envolvimento emocional”; faixa etária e aspecto de o cuidador
trabalhar fora ou estudar, na dimensão “ambiente”; associação com problemas de
saúde do cuidador e o número de comorbidades, na dimensão “isolamento”; e
administração de alimentos, nas dimensões “ambiente” e “tensão geral”; além de
correlações positivas com a idade do cuidador, na dimensão “envolvimento
emocional”, e com o número de atividades realizadas por este, na dimensão “tensão
geral”; e correlação negativa com a idade do cuidador, na dimensão “envolvimento
emocional”.
Loukissa (1995) em estudo de revisão acerca da sobrecarga familiar de
sujeitos com transtorno mental crônico observou a existência daquela, apontando
como variáveis mais exploradas que influenciam em sua experiência pela família, o
nível de funcionamento dos pacientes, a sintomatologia e os comportamentos
apresentados.
1069
2.5 A SOBRECARGA EM EVIDÊNCIA
O processo de desinstitucionalização psiquiátrica com seu modelo
comunitário de assistência culminou com o surgimento de novas demandas dos
profissionais, nova organização do trabalho de assistência e maior interação com o
paciente e o familiar (BANDEIRA; ISHARA; ZUARDI, 2007). Neste contexto
destacando-se a situação dos serviços comunitários de saúde – às vezes
insuficientes, com dificuldades para atender de modo satisfatório às demandas e
não articulados em rede assistencial – e o não desenvolvimento de programas de
acompanhamento de pacientes na comunidade, o que dificulta um maior
envolvimento dos familiares de pacientes psiquiátricos como principais provedores
de cuidados cotidianos (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005). Além disso,
uma quantidade considerável de suporte de familiar aos sujeitos acometidos por
vários transtornos mentais é habitualmente necessária no processo de controle
destas enfermidades, podendo estes familiares prestadores de cuidados serem
afetados negativamente pela sobrecarga relacionada à assistência prestada, pela
falta de suporte ao seu papel e por estresse associados aos sintomas da
enfermidade (ROSE; MALLINSON; GERSON, 2006).
Rose, Mallison e Gerson (2006) encontraram que o número de
hospitalizações não se encontrava relacionado à sobrecarga, mas que esta se
relaciona a outras variáveis como, mais freqüentemente, as preocupações com o
sujeito acometido pelo transtorno mental.
Para os serviços de saúde mental, a sobrecarga percebida pelos
familiares reveste-se de importância pela possibilidade do desenvolvimento de
intervenções mais específicas na família, com a possibilidade de auxílio na
reinserção social dos sujeitos acometidos por transtorno mental, e de prevenção no
surgimento, resultante da sobrecarga, de transtornos psicológicos nos familiares
(BANDEIRA; BARROSO, 2005).
Campos e Soares (2005) supõem que a adesão familiar aos serviços de
saúde substitutivos no processo de reforma do modelo assistencial, sofra efeito da
1070
sobrecarga emocional a que estes familiares possam encontrar-se submetidos.
Destacam concordância com outros estudos sobre as representações sociais do
transtorno mental que apontam a percepção dos benefícios do tratamento nos
serviços substitutivos, pelos familiares com maior renda e escolaridade. 40
No processo de desinstitucionalização observa-se o surgimento de
sobrecarga dirigida tanto aos familiares, quanto aos profissionais dos serviços de
saúde mental 41.
A família, dentro do processo, é encarada como fonte de suporte, todavia
sem conhecimento ou preparo para este papel (LOUKISSA, 1995). Função que pode
se tornar sobrecarga como resultado da assistência cotidiana prestada ao membro
adoecido e das dificuldades vivenciadas na função de cuidador (BANDEIRA;
CALZAVARA;
VARELLA,
2005;
LOUKISSA,
1995),
podendo
resultar
em
conseqüências, diretas ou indiretas, tanto ao familiar – cuidador – como ao paciente
e ao relacionamento de ambos.
O “cuidar” na esfera doméstica – familiar –, historicamente atribuído ao
gênero feminino, é caracterizado também como uma função gratuita – “um ato de
amor” –, não reconhecida como trabalho, solitária, leiga – ao ser desempenhada por
sujeitos não preparados/formados para a função –, requerendo qualidades
específicas (ROSA, 2003b). Segundo Campos e Soares (2005), a mulher ao assumir
a responsabilidade do papel de cuidadora de um sujeito com transtorno mental na
família, acaba mais exposta às cargas psicológicas da convivência, sofrendo mais a
atmosfera familiar negativa, e sentindo-se culpada ou sendo acusada pelos
desfechos.
Para Melman as vivências de sobrecarga tendem a serem minimizadas
por muitos familiares (MELMAN, 2001), o que pode ser embasado pela observação
de Rose, Gallinson e Gerson (2006) acerca da esperança na remissão do adoecido
40
Campos e Soares (2005) ao analisarem os discursos de familiares cuidadores – aderentes e não aderentes aos serviços
alternativos em saúde mental – de pacientes com transtorno mental crônico, organizam aqueles em dois eixos conforme a
percepção da sobrecarga familiar em: sobrecarga emocional e do cuidado; a primeira composta pelas classes relativas a
efeitos sobre a interação familiar e atmosfera familiar negativa, e a segunda em alterações na situação financeira e na rotina
familiar.
41
Os profissionais de serviços de saúde mental, no contexto da desinstitucionalização psiquiátrica, em situação de
perceberem-se submetidos a demandas excessivas e com o sentimento sofrer uma carga resultante do seu trabalho – contato
contínuo com sujeito com transtorno mental, medos, sentimentos de insatisfação com resultados obtidos em sua atividade
laboral, cansaço – encontram-se também sob sobrecarga, podendo esta evoluir a um quadro de estresse emocional
(BANDEIRA; ISHARA; ZUARDI, 2007).
1071
para um estágio anterior de normalidade, apesar da percepção das perdas
decorrentes do transtorno.
Em sua revisão, Loukissa (1995) relatou que Hoening e Hamilton
pesquisando acerca da experiência de sobrecarga, em 1965, diferenciaram – com o
intuito de distinguir as evidências observáveis da sobrecarga das reações
emocionais dos cuidadores – os conceitos de sobrecarga objetiva e a subjetiva.
Sob a óptica objetiva – caracterizada aqui através da FBIS-BR – a
sobrecarga distingue-se como a conseqüência observável do cuidar, configurandose pelo excesso de assistência ao paciente, alterações na rotina familiar, supervisão
a comportamentos problemáticos do paciente, e gastos financeiros. Enquanto sob a
óptica subjetiva – conforme a FBIS-BR – caracteriza-se nos aspectos relativos ao
grau de incômodo percebido ou avaliado pelo familiar, na assistência ao paciente
nas tarefas cotidianas, na lida com comportamentos problemáticos, e nas
preocupações com o paciente; englobando a reação emocional e o sentimento de
estar sendo submetido a uma sobrecarga (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA,
2005; BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007; UFSJ, 2003-2008).
Áreas como as preocupações com o futuro do familiar adoecido –
responsável pelo maior índice de sobrecarga –, a perturbação na rotina do lar, o
sentimento de estar aprisionado à situação, a concentração reduzida, os
sentimentos de responsabilidade como a culpa por não prestarem o cuidado que
consideravam que deveriam se capazes de fornecer, e as perturbação pelas
mudanças no paciente foram indicadas por familiares, em estudo conduzido por
Rose, Mallinson e Gerson (2006), como fontes de maior sobrecarga; no extremo de
menor experiência de sobrecarga foram apontados os problemas financeiros, a
perda de trabalho e atritos com amigos, resultantes do cuidar. Observaram ainda
relação significativa entre as variáveis: sobrecarga e fonte de preocupações, entre a
primeira e o manejo familiar e da sobrecarga com a percepção da gravidade do
transtorno. 42
42
Rose, Mallisson e Gerson (2006) avaliaram a sobrecarga de familiar – esta através da utilização do instrumento “Burden
Assessment Scale” - BAS –, além de outras variáveis como o senso de controle pessoal sobre eventos e situações de vida,
contextos do cuidar (gravidade do transtorno, contato com profissionais, avaliação de cuidados pessoais), áreas de
preocupações e o nível de funcionamento do sujeito acometido pelo transtorno mental, em amostra composta por familiares
cuidadores de sujeitos com depressão maior, esquizofrenia e transtorno bipolar.
1072
Rosa (2003b) observou que os gastos com transporte, medicação,
alimentação e vestuário, são os itens que mais causam ônus financeiro à família no
provimento de cuidado; destacando que o provimento de cuidados a um sujeito com
transtorno mental provoca impacto econômico, independentemente do sujeito com
transtorno produzir ou não renda para o grupo familiar.
A presença de comorbidades tem sido identificada como contribuindo
para aumento da carga e de custos; e fatores relativos à falta de diagnóstico correto
e precoce e ao tratamento inadequado implicando em aumento nos custos (COSTA,
2008).
Pegoraro e Caldana (2006) avaliaram a sobrecarga de familiares de
usuários de um centro de atenção psicossocial em dois contextos: de crise do
usuário e após a crise.
Observaram no contexto da crise, a sobrecarga
apresentando-se de ordem prática – através da realização de tarefas como
administrar medicação, acompanhá-lo a consultas médicas, supervisionar ou cuidar
da higiene pessoal, cuidar da alimentação –, financeira – constatando a freqüente
ajuda externa com dinheiro para medicamentos, alimentos – e emocional, verificada
nas preocupações do cuidador, no cansaço, no choro, no medo, na hipervigilância
ao sujeito adoecido, no sentimento de impotência diante do transtorno mental, e em
queixas de outras dificuldades como cuidar de outro sujeito enfermo ou de crianças.
No referente à sobrecarga após a crise, no relativo à de ordem prática os familiares
indicaram menor necessidade de cuidados/atenção por parte dos sujeitos adoecidos
– quando se faziam necessárias consistiam apenas em apoio para realização de
determinadas ações como, e.g., a lembrança de horário de compromissos – e menor
solicitação de rede de apoio
43
, já existente antes da crise e mantendo-se após a
mesma, nos cuidados; a sobrecarga emocional apresentava-se menos intensa do
que durante a crise.
A sobrecarga objetiva, também, encontra-se ligada à relação entre o
estresse e variáveis como o gênero, tempo gasto diariamente no cuidar, a idade, o
43
A rede de apoio do cuidador constitui-se por parentes – e.g., esposo, filhos, irmãos, avós –, vizinhos, amigos,...,
principalmente do gênero feminino, atuando como suporte ao cuidado, de acordo com a solicitação do cuidador principal,
fazendo-se presente não só em situações extremas, mas também no auxílio a situações de sobrevivência do dia-dia
(PEGORARO; CALDANA, 2006).
1073
parentesco, anos de cuidado, religiosidade, auxílio nos cuidados e relacionamento
anterior ao transtorno (MOREIRA, 2008).
Campos e Soares (2005) ao avaliarem a representação da sobrecarga
familiar de pacientes com transtorno mental crônico verificaram que gênero e classe
social são macro-reguladores da sobrecarga emocional, e que esta seria a
sobrecarga cujo enfrentamento é mais difícil.
A sobrecarga material, psicológica, social, que familiares de sujeitos com
transtorno mental experimentam na interação e no manejo cotidiano com o familiar
enfermo vem sendo avaliada não apenas pelas implicações no universo das
relações familiares, como também no tocante à evolução do transtorno – recidivas,
cristalização do papel de enfermo, cronificação do transtorno, cronificação das
modalidades interativas do sujeito – e do sujeito-enfermo, na revelação de
distorções acerca dos “saberes” individual dos familiares, dos sujeitos e de suas
influências no processo (SARACENO, 2001), e no afastamento dos familiares das
relações sociais, por questões como vergonha, cansaço ou frustração (MELMAN,
2001). Os sintomas psicológicos predominam entre cuidadores familiares com
estresse (MOREIRA, 2008).
Existe uma tendência de sobrecarga do cuidado a um único sujeito, que a
assume com prejuízos pessoais e sem divisão de aspectos do cuidar com outros
sujeitos, contraditoriamente sem querer dividir a função com esses outros, apesar de
queixar-se da sobrecarga a que se sente submetido, e quando o faz tende a dividir
apenas os aspectos secundários no cuidado (ROSA, 2003a) como, e.g., confirmar
consultas ou comprar o medicamento. Mesmo na presença de família extensa a
sobrecarga não tende a ser aliviada, destacadamente por questões como a
discordância em como deve ser tratado o transtorno e a ausência de disponibilidade
para o suporte (ROSE; MALLINSON; GERSON, 2006).
Bandeira e Barroso (2005) verificaram certo consenso em diversos
estudos com relação à sintomatologia do sujeito com transtorno mental – sua
gravidade –, à falta de suporte social, ao fato do sujeito residir com a família, às
restrições pessoais dos familiares – limitações em atividades sociais, liberdade,
tempo empregado no cuidar –, aos comportamentos problemáticos do sujeito
enfermo, às tarefas realizadas para atender às demandas deste – padrão excessivo
1074
– e às preocupações com o mesmo – seu presente e futuro –, como fatores
relacionados à sobrecarga dos familiares. Relataram que outras variáveis como o
papel do diagnóstico do sujeito enfermo ainda não se encontra claramente
esclarecido, com estudos indicando diferenças na sobrecarga com relação a
diferentes diagnósticos.
Lemos, Gazzola e Ramos (2006) destacam que na literatura fatores
associados aos cuidadores e aos sujeitos acometidos por problema de saúde, como
o gênero, a idade, o grau de parentesco e de escolaridade e o nível sócio
econômico, e a duração dos cuidados, são indicados como preditores do impacto no
cuidar. Barroso, Bandeira e Nascimento (2007) observaram ainda na literatura, que
o diagnóstico, a duração do acometimento pela enfermidade, a magnitude dos
sintomas, as hospitalizações e o nível de dependência do sujeito que demanda o
cuidado, a freqüência do contato entre cuidador e aquele, e a disponibilidade de
rede social de apoio e a adequação dos serviços de saúde mental, eram variáveis
relacionadas à intensidade da sobrecarga.
Avaliando estudos em cônjuges cuidadores, Loukissa (1995) constatou
resultados diversos, como maior sobrecarga nas esposas, e ausência de diferença
na sobrecarga global entre os gêneros, com sobrecarga associando gênero do
cuidador e aspectos específicos – como, e.g., os sintomas dos pacientes
relacionando-se positivamente nos maridos, e a associação de idade da mulher, a
capacidade de enfrentamento e a presença de crianças, para as esposas.
Observa-se a identificação de fatores agravantes da sobrecarga, na
literatura, ressaltando-se a falta de auxílio de outros familiares, a falta de
informações e apoio por parte dos serviços de saúde mental, a gravidade da
enfermidade, a falta de adesão do paciente ao tratamento, a ausência de
informações sobre o transtorno mental, tratamento e manejo dos pacientes por parte
dos profissionais para os familiares (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007).
Loukissa (1995) observou a existência de sobrecarga mesmo quando o
membro adoentado não residia na mesma casa que a família, embora a maior
experiência de sobrecarga ocorresse quando residiam juntos, e que o grau de
sobrecarga estava estatisticamente relacionado à gravidade do transtorno mental.
1075
A inexistência ou a existência insatisfatória de uma rede social de suporte
influenciam na questão da sobrecarga do cuidador. A redução na disponibilidade de
sujeitos na família para prover cuidados, resultante de questões demográficas como
a diminuição do número de seus integrantes, envelhecimento populacional e das
novas configurações familiares acaba também por sobrecarregar um único cuidador
(ROSA, 2003a). Loukissa (1995) verificou que a ocorrência de suporte social e o
envolvimento de cônjuge no cuidado foram associados à redução na sobrecarga do
cuidador. Brito e Rabinovich (2008), em estudo sobre o adoecimento da família,
conseqüente ao surgimento de um episódio de acidente vascular cerebral em um
dos seus membros, ressaltam que a existência de rede de suporte familiar precária
aos cuidados implica em percepção familiar de maior sobrecarga.
Estudos indicam que elevada sobrecarga pode trazer conseqüências à
saúde mental dos cuidadores, sendo destacadas a depressão (BARROSO;
BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007), a ansiedade (UFSJ, 2003-2008) e o desconforto
emocional – distress (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005).
Loukissa (1995) verificou como conseqüências negativas da experiência
de sobrecarga apresentada pelos familiares, a ocorrência de sintomas de estresse,
sentimentos de preocupações com o futuro, medo de reações do familiar enfermo,
tensão, depressão, dificuldades relativas ao sono, alterações no funcionamento
familiar, restrição de atividades sociais, medo de estigma, dificuldades financeiras,
sentimentos de ansiedade, culpa e raiva, e que familiares apresentavam como
reação comportamentos como hostilidade e agressividade.
O afastamento do cuidador do seu ambiente social e a esquiva ao contato
com amigos, possíveis conseqüências da sobrecarga resultante do cuidar, pode
resultar como destacam Lemos, Gazzola e Ramos (2006) em problemas de saúde
nos cuidadores.
Conforme
estudo
de
revisão
de
Niederauer
et
al.
(2007),
os
relacionamentos familiares e sociais são as áreas mais afetadas pelo TOC,
destacando que a maior interferência no funcionamento da família e no
relacionamento com os amigos parecem ser provocadas pelas compulsões.
1076
O TOC causa impacto negativo nos familiares, decorrentes de alterações
nas rotinas familiares, auxílio a comportamentos e de alterações econômicas; às
vezes sem dar-se conta das alterações em sua qualidade de vida devido à
progressiva adaptação aos comportamentos/rituais compulsivos do familiar com
TOC (TORRESAN et al., 2008).
A participação da família e a sua acomodação aos rituais do sujeito com
TOC estão relacionadas a aspectos como o sofrimento e a maior disfunção familiar,
a rejeição dos familiares ao sujeito com o transtorno e ao aumento na gravidade dos
sintomas do transtorno (STEKETEE; PIGOTT, 2009).
Alta freqüência de envolvimento de familiares nos sintomas dos sujeitos
com TOC tem sido verificada em pesquisas, com registros de participação, embora
de modo mínimo, de considerável percentual dos familiares nas compulsões, ou de
modificação de seus comportamentos para adaptar-se aos sintomas dos pacientes
(SADOCK; SADOCK, 2007b; STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003), experimentando
perturbações em suas vidas – prejuízos em relacionamentos pessoais, problemas
financeiros, perda de tempo para lazer – por causa do transtorno (STEKETEE; VAN
NOPPEN, 2003).
A acomodação familiar envolve a participação ativa em comportamentos
do paciente – compulsões e/ou esquivas –, promoção de garantias e modificações
da rotina familiar. Resulta em mais hostilização (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003),
além de poder reforçar os sintomas do sujeito enfermo (FERRÃO et al., 2007), e
acontece em uma situação de estresse e disfunção familiar (CALVOCORESSI et al.,
1995).
O nível de acomodação familiar possivelmente, segundo Guedes (2001),
pode ser determinado pelo grau de intrusão dos comportamentos compulsivos e
suas conseqüências no sujeito com TOC.
Calvocoressi et al. (1995) avaliando a acomodação familiar no TOC,
verificaram correlação positiva entre “distress” e o grau de acomodação familiar ao
paciente. Constataram que a acomodação correlacionou-se também com relatos de
familiares de exacerbação da ansiedade e sentimento de raiva nos sujeitos com o
TOC, quando não obtinham a participação do familiar em sintomas. Encontraram
1077
correlação ainda entre a acomodação e disfunção familiar (subescalas resolução de
problemas, comunicação, resposta afetiva e funcionamento geral, do instrumento
“McMaster Family Assessment Device” que avalia a percepção familiar do seu
próprio funcionamento), acomodação familiar e atitudes de rejeição dos familiares
para com o sujeito com TOC (com o uso da “Patient Rejection Scale”), e
acomodação e as subescalas dependência e necessidade de administração,
restrições em oportunidades familiares, desarmonia familiar, falta de recompensa e
sobrecarga pessoal, do “Questionnaire on Resource and Stress for Families with
Chronically Ill or Handicapped Members”.
A saúde mental dos familiares pode sofrer influência negativa da
sobrecarga emocional resultante de sentimentos – indulgência, raiva, vergonha,
ambivalência – dos familiares para com o sujeito com TOC (TORRESAN et al.,
2008).
Os esforços dos familiares buscam reduzir o desconforto emocional do
paciente e o tempo gasto em rituais. Todavia este esforço termina por causar
desconforto emocional nos membros da família assim como hostilização ao sujeito
com o transtorno mental, muitas vezes caracterizada nas “emoções expressas” criticismo, hostilidade e/ou envolvimento emocional. As “emoções expressas” são
avaliadas como possível preditor familiar de resultados/recaída para TOC
(STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003).
Calvocoressi et al. (1995) destaca que preocupações de familiares acerca
da intensificação da ansiedade do enfermo e de raiva direcionada a si – cuidador –,
devem ser consideradas com relação à descontinuação da participação familiar nos
comportamentos dos pacientes.
A estimativa do grau de sobrecarga de familiares, assim como dos
profissionais de serviços de saúde mental e do mesmo modo que a do nível de
satisfação dos pacientes, familiares e dos profissionais é um dos objetivos dos
estudos de avaliação dos serviços de saúde mental (BANDEIRA; ISHARA; ZUARDI,
2007). Considerando-se ainda que para os serviços de saúde mental, a sobrecarga
percebida pelos familiares reveste-se de importância pela possibilidade do
desenvolvimento de intervenções mais específicas nas famílias, com a possibilidade
de auxílio na reinserção social dos sujeitos acometidos por transtorno mental, e de
1078
prevenção no surgimento, resultante da sobrecarga, de transtornos psicológicos nos
familiares (BANDEIRA; BARROSO, 2005).
2.6 A “ESCALA DE AVALIAÇÃO DA SOBRECARGA DOS FAMILIARES”
A “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares” - FBIS-BR –
ANEXO A – adaptada e validada para o Brasil (BANDEIRA; CALZAVARA; CASTRO,
2008; BANDEIRA et al., 2007; BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005), derivase da escala “The Family Burden Interview Schedule - Short Form” – FBIS/SF –
desenvolvida por Tessler e Gamache em 1994 (BARROSO; BANDEIRA;
NASCIMENTO, 2007), nos Estados Unidos.
A FIBS/SF é uma escala multifatorial que analisa a sobrecarga familiar
(BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005), composta de 70 itens que analisam as
sobrecargas objetiva e subjetiva do familiar, em cinco aspectos de suas vidas –
assistência ao paciente na vida cotidiana, supervisão aos comportamentos
problemáticos, gastos financeiros, impacto na rotina diária, e preocupações com o
paciente –, dos quais 45 se referem ao grau de sobrecarga (UFSJ, 2003-2008).
2.6.1 O estudo de validação da FBIS-BR
O estudo de validação no Brasil foi realizado pelo Laboratório de
Pesquisa em Saúde Mental – LAPSAM – do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal de São João del Rei – UFSJ –, Minas Gerais, envolvendo as
1079
etapas de adaptação transcultural, estudo de fidedignidade e estudo de validade
(UFSJ, 2003-2008).
A adaptação transcultural foi realizada através de processo de tradução
da escala FBIS para o português por tradutor com língua materna inglês; retradução
para o inglês por tradutor de língua materna português; análise da escala por grupo
de especialistas com comparação das versões ao original, corrigindo erros e
reformulando instruções e redações das questões, aumentando compreensão e
clareza dos itens; e realização de estudo piloto, identificando dificuldades, realizando
ajustes, procedendo-se a novas aplicações, até que não fossem mais detectados
problemas de compreensão (BANDEIRA; CALZAVARA; VARELLA, 2005).
O estudo da fidedignidade foi realizado por Bandeira et al. (2007) através
da análise da consistência interna e estabilidade temporal da escala. A FBIS-BR
apresentou consistência interna adequada. Os coeficientes alfa de Cronbach e
correlações item-total foram: para as escalas de sobrecarga global objetiva e
subjetiva, respectivamente, de 0,82, com correlação variando de 0,21 a 0,52, e de
0,92, com correlação oscilando de 0,31 a 0,97; para a subescala sobre
preocupações com o paciente, de 0,58, com correlação variando de 0,23 a 0,41; nas
subescalas de assistência ao paciente na vida cotidiana, supervisão de
comportamentos problemáticos e do impacto na rotina diária do familiar cuidador, o
coeficiente alfa variou de 0,74 a 0,90, com a correlação oscilando de 0,23 a 0,50.
Excetuando-se dois itens da subescala “B” que apresentaram correlação item-total
inferior a 0,20, a consistência interna das subescalas alcançou resultados próximos
ao da escala original; tendo as subescalas “A” e “B”, subjetivas, e a subescala “D”,
alcançado índices maiores que as da versão original; e a subescala “C” por ser
composta de questões abertas, inapropriadas para esta análise estatística, não foi
submetida à análise. A estabilidade temporal foi avaliada através de procedimento
de teste e re-teste com análise através da correlação de Pearson – p<0,05 – entre
os escores obtidos, constatando que tanto os dados das subescalas como da escala
global – objetiva e subjetiva – foram estatisticamente significativos.
O estudo da validade da FBIS-BR consistiu no estudo das validades de
critério e de construto (BANDEIRA; CALZAVARA; CASTRO, 2008; UFSJ, 20032008). A primeira foi realizada através da análise de correlação de Pearson – p<0,01
1080
– entre escores obtidos para todas as subescalas da FBIS-BR e os da escala
“Burden Interview“ - BI – já validada para o Brasil, e que avalia o mesmo construto
sobrecarga familiar –, com obtenção de correlações significativas entre as escalas. A
validade de construto foi analisada pela técnica de validação convergente, com
obtenção de correlação de Pearson – p<0,01 – significativa dos escores da escala
“Self Reporting Questionnaire” - SRQ20 – também já validada para o Brasil e que
avalia o construto desconforto emocional, distress, teoricamente correlacionado ao
construto de sobrecarga – com a maioria das subescalas da FBIS-BR – exceto na
dimensão subjetiva da subescala “B” desta –, e com a sobrecarga global objetiva e
subjetiva.
2.6.2 As características da escala
Diversamente a outras escalas, a FBIS foi desenvolvida, em sua origem,
para pacientes psiquiátricos com diagnósticos variados, sendo aplicável a uma vasta
população de familiares de pacientes, independentemente da escolaridade ou da
presença de restrições sensoriais, em razão de seu desenvolvimento nos moldes de
uma entrevista, com suas questões lidas pelo entrevistador (BANDEIRA;
CALZAVARA; VARELLA, 2005).
As características da FIBS-BR encontram-se extensivamente descritas
em Bandeira et al. (2006) e UFSJ (2003-2008). A seguir procuramos sinteticamente
ilustrar suas características principais usando sempre as referências acima.
A Escala pode ser utilizada na busca da identificação das dificuldades no
papel de cuidar desempenhado pelos familiares, das dimensões da vida que são
afetadas e das necessidades de suporte profissional, e na avaliação do efeito de
programas terapêuticos dirigidos aos sujeitos adoecidos, podendo proporcionar
subsídios para a introdução, modificações e redirecionamento de intervenções às
famílias.
1081
A FBIS-BR avalia o grau de sobrecarga – objetiva e subjetiva – dos
familiares, em cinco dimensões, representadas em cinco subescalas: parte “A”,
relativa à assistência ao paciente na vida cotidiana; parte “B”, referente à supervisão
aos comportamentos problemáticos do paciente; parte “C”, relacionada aos gastos –
sobrecarga – financeiros; parte “D”, relativa ao impacto na rotina diária do familiar
cuidador; e parte “E”, referente às preocupações com a vida presente e futura do
paciente.
A sobrecarga objetiva é avaliada pela freqüência relacionada às
dimensões das subescalas “A”, “B” e “D”, percebidas pelo familiar, como resultado
de seu papel como cuidador; com opções de resposta, dispostas em escala ordinal
tipo “Likert” de cinco pontos: 1= nenhuma vez, 2 = menos que uma vez por semana,
3 = uma ou duas vezes por semana, 4 = de três a seis vezes por semana e 5 =
todos os dias. Enquanto a sobrecarga subjetiva é avaliada pelo grau de incômodo –
opções de resposta, dispostas em escala ordinal tipo “Likert” de quatro pontos: 1 =
nem um pouco, 2 = muito pouco, 3 = um pouco e 4 = muito – sentido pelo familiar no
seu papel de cuidador, com relação à dimensão presente nas subescalas “A” e “B”;
por uma questão na subescala “C” – freqüência com que o familiar percebeu que as
despesas com o sujeito adoecido estavam sobrecarregando o orçamento da família
– e pela freqüência na dimensão relativa à subescala “E”; opções de resposta para
subescalas “C” e “E”: 1 = nunca, 2 = raramente, 3 = às vezes, 4 = freqüentemente e
5 = sempre ou quase sempre.
A Escala possui 70 questões; 45 referentes ao grau de sobrecarga: 21
itens de sobrecarga objetiva e 24 de sobrecarga subjetiva. Todavia, como quatro
itens – itens 6 e 8 da subescala “B” de ambas as avaliações, objetiva e subjetiva –
apresentaram baixos valores de fidedignidade no estudo de validação, não podendo
portanto ser incluídos nos cálculos dos escores de sobrecarga, totaliza 41 itens
quantitativos que devem ser incluídos nos cálculos dos escores de sobrecarga – 19
objetiva e 22 subjetiva.
As questões da Escala referem-se aos últimos trinta dias da vida do
paciente, que antecedem a entrevista, excetuando-se uma questão relacionada à
subescala dos gastos financeiros que avalia a sobrecarga no último ano – C5 –, e a
1082
duas questões na subescala “D” – D2 e D3 – que avaliam as mudanças
permanentes ocorridas na vida do familiar.
A subescala “A” avalia a sobrecarga do familiar, tanto a objetiva quanto a
subjetiva. Apresenta nove questões para avaliar cada tipo de sobrecarga – objetiva:
A1a-A9a, e subjetiva: A1b-A9b.
A subescala “B”, também avalia ambas as sobrecargas. Possui oito
questões para avaliar cada tipo de sobrecarga – objetiva: B1a-B8a, e subjetiva: B1bB8b. As questões B6 e B8 desta subescala, por não terem atingido o critério mínimo
de correlação item-total nos estudos de consistência interna, não são utilizadas no
cálculo da sobrecarga.
A subescala “C” possui cinco questões que, por não se referirem a
escores de avaliação, mas a valores em dinheiro, não são utilizadas nos cálculos de
sobrecarga. As quatro primeiras questões – C1-C4 – analisam o tipo e valor dos
gastos com os pacientes, e quanto foi o auxílio destes para abonar estas despesas.
A última questão – C5 –, relativa à freqüência sentida pelo familiar no último ano de
peso com gastos com o paciente – sobrecarga subjetiva –, não entra no cálculo da
sobrecarga global, todavia pode ser usada, isoladamente, como escore de
sobrecarga financeira.
A subescala “D” investiga apenas a sobrecarga objetiva, através de
quatro questões – D1a-D1d –, utilizadas no cálculo de sobrecarga, que avaliam a
freqüência do impacto nas rotinas diárias da família ocorrida nos últimos 30 dias,
mais outras duas questões – D2 e D3a-f; não computadas no cálculo dos escores de
sobrecarga – que medem as mudanças permanentes incididas na vida do familiar,
como resultado do ser cuidador.
A subescala “E” tem sete questões que medem apenas a sobrecarga
subjetiva, através da freqüência das preocupações dos familiares com relação ao
paciente.
A construção da FBIS-BR em subescalas permite além do cálculo dos
escores globais de sobrecarga – os graus de sobrecarga: média dos escores obtidos
em todas as questões, apropriadas para o cálculo, que avaliam cada uma das
sobrecargas – objetiva e subjetiva, o cálculo dos escores de sobrecarga, objetiva ou
1083
subjetiva, separadamente para cada dimensão – média dos escores obtidos nas
questões adequadas para o cálculo, em cada subescala.
2.6.3 Protocolo de aplicação da FBIS-BR
A aplicação da FBIS-BR requer o seguimento de instruções específicas
que asseguram uma padronização na coleta dos dados.
Compõem-se basicamente: da sua aplicação em situação de privacidade
para o entrevistado – familiar de paciente psiquiátrico – em um único encontro, com
resposta a todas as questões do instrumento, anotadas pelo entrevistador; do
esclarecimento ao entrevistado sobre o objetivo da aplicação dos instrumentos e do
destino dos dados obtidos, deixando-o à vontade para que expresse quaisquer
dúvidas que porventura tenha durante a entrevista, esclarecendo-as; da ênfase, a
cada questão feita, que elas se referem aos últimos trinta dias da vida do paciente,
com exceção a uma questão relativa à sobrecarga financeira onde será ressaltado
que se refere ao último ano e a duas questões na subescala referente ao impacto na
rotina diária, que avaliam as mudanças permanentes ocorridas na vida do familiar;
do destaque à informação de que não existem respostas certas e tampouco erradas,
e que as mesmas devem ser dadas baseando-se em sua própria vivência, como
expressão verdadeira de seus sentimentos com relação à sobrecarga resultante do
ato de cuidar do paciente (BANDEIRA et al., 2006; UFSJ, 2003-2008).
1084
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 DELINEAMENTO/DESENHO DO ESTUDO
Estudo
quantitativo;
observacional,
descritivo-analítico,
transversal
(LUNA, 1998).
3.2 A AMOSTRA
Esta pesquisa foi realizada em três instituições que tratam de sujeitos
com transtornos mentais: duas da rede pública – ambulatório de hospital psiquiátrico
e centro de atenção psicossocial – e uma da rede privada de assistência.
O ambulatório do Hospital Areolino de Abreu, de Teresina/PI, foi o serviço
escolhido para representar a primeira categoria de instituições. Localizado na Rua
Joe Soares Ferry, nº2420, bairro Primavera, na capital do Estado do Piauí, é o
hospital psiquiátrico de ensino da Universidade Federal do Piauí; hospital
psiquiátrico público estadual, referência no tratamento de transtornos mentais,
inclusive para outros Estados da região Nordeste e Norte do país. Em
funcionamento na sua atual sede, desde 1977. O ambulatório funciona de segunda a
sexta-feira, em dois turnos de atendimento, possuindo atualmente um quadro de
recursos humanos profissionais, atendendo sujeitos com transtornos mentais,
composto por oito médicos-psiquiatra, cinco psicólogas, uma assistente social e uma
enfermeira; possui ainda uma neurologista realizando atendimento neurológico dos
1085
pacientes usuários do serviço e cinco dentistas. A principal procura é por consultas
com médico-psiquiatra, com agendamentos programados para 60dias.
O “Centro de Atenção Psicossocial – CAPS II” da cidade de Piripiri-PI, sito
à rua Dr. Antenor de Araújo Freitas, nº2671, bairro Paciência, naquela cidade, foi o
escolhido
para
representar
o
serviço
CAPS,
mediante
a
lógica
psicossocial/comunitária e trabalho em equipe multiprofissional. É um serviço
classificado como tipo dois – segundo capacidade operacional para atendimento –
que atende nos regimes não-intensivo, semi-intensivo e intensivo, prestando
assistência à população de sujeitos com transtornos mentais da referida cidade e de
cidades próximas, desde julho de 2005. Funciona com equipe composta por dois
médicos-psiquiatra, dois psicólogos, uma enfermeira, uma assistente social, uma
nutricionista, uma terapeuta ocupacional e um educador físico.
Na rede privada a pesquisa ocorreu em consultório médico-psiquiátrico da
rede particular de assistência, situado no Centro de Neurologia e Cefaléia do Piauí
LTDA, localizado na Rua São Pedro, nº2071, sala 304, Teresina-PI, que presta
atendimento na área de Psiquiatria desde outubro de 2007.
A escolha destes de serviços, além de buscar representar três das
modalidades de assistência atualmente vigentes e dominantes em Psiquiatria,
também teve por objetivo minimizar um possível viés de seleção resultante do
aspecto dos serviços públicos – CAPS e o ambulatório do hospital psiquiátrico –
terem como usuários predominantemente a população de menor renda financeira.
O universo avaliado no presente estudo foi então composto por: sujeitos
com TOC em tratamento em ambulatório de hospital psiquiátrico, sujeitos com TOC
em tratamento em CAPS tipo II, sujeitos com TOC em tratamento em consultório
médico particular; e por familiar cuidador dos referidos pacientes – indicados por
estes como seu familiar de referência no tocante a cuidados.
Foram observados como critérios de inclusão para o sujeito com TOC: ter
diagnóstico de TOC, no serviço – ambulatório/CAPS/consultório –, ser maior de 18
anos de idade e aceitar participar da pesquisa; e para o familiar cuidador: ser
1086
indicado pelo sujeito com TOC como o seu principal prestador de auxílio/cuidados,
ser maior de 18 anos de idade e aceitar participar do estudo. 44
Como critérios de exclusão foram observados: para o sujeito com TOC, o
fato de encontrar-se, na ocasião da pesquisa, em tratamento de outro transtorno
mental, registrada em codificação segundo a 10ª edição da Classificação
Internacional de Doenças – CID-10 – em seu prontuário; e para o familiar cuidador
os aspectos: presença de transtorno mental em curso, de diagnóstico anterior ao
diagnóstico do paciente com TOC, e histórico de internação psiquiátrica.
O grupo-total foi constituído por quarenta e cinco – n=45 – pacientes com
TOC e quarenta e cinco – n=45 – familiares cuidadores dos referidos pacientes; aos
quais foram aplicados os respectivos instrumentos de coleta de dados, após
cumprimento de considerações éticas e obtenção de consentimentos livres e
esclarecidos. O tamanho do universo de pesquisa foi determinado considerando-se
uma prevalência de 3% de TOC na população (APA, 1995; MARAZZITI; NASSO,
2000; SADOCK; SADOCK, 2007b), com nível de confiança de 95% e com erro
amostral de 5%, obtendo-se, para uma amostragem casual simples, n≌45 pacientes.
45
A divisão dos grupos segundo os locais de coleta de dados foi realizada
de modo igualitário; ficando para cada local, conjuntos de quinze sujeitos com TOC
e seu respectivo familiar.
O critério de seleção para os sujeitos com TOC no grupo referente ao
ambulatório do hospital psiquiátrico foi a ordem de chegada para atendimento de
consultas agendadas – observadas em registros do setor de marcação de consultas
–, distribuídos nos dois turnos de trabalho, de segunda a sexta-feira. No CAPS a
seleção ocorreu a partir da listagem de prontuários. E no setor privado a seleção
ocorreu do mesmo modo que para o CAPS.
44
A faixa etária escolhida para os sujeitos com TOC pautou-se nos aspectos da população atendida no ambulatório do
hospital psiquiátrico ser composta por indivíduos acima de 18 anos de idade, e por este ser um transtorno com latência de
diagnóstico de até 17 anos, ponderando-se que a maioria dos sujeitos com o transtorno em tratamento é de adultos. A faixa
etária para o familiar cuidador foi estabelecida como mínimo de 18 anos de idade, considerando-se que o provimento de
cuidados a um sujeito com transtorno mental deva ser função desempenhada por adultos.
45
Para cálculo do tamanho da amostra foi utilizada a fórmula, descrita por Motta e Wagner (2003), para estudos descritivos
4xZ α²xpxq
4x 1,96 2 x 0,03 x(0,97)
com uso de variável qualitativa: 𝑛 ≅
, tendo-se 𝑛 ≌
≌ 45; onde n = tamanho da
(2xME )²
(2x0,05)²
amostra; Zα = valor de Z na curva normal segundo α; p = estimativa inicial da proporção; q = (1-p); e ME = margem de erro
máxima tolerável em relação ao parâmetro (MOTTA; WAGNER, 2003).
1087
3.3 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
Utilizou-se nesta pesquisa os instrumentos abaixo relacionados.
Formulário do perfil do sujeito com TOC, composto de dados sóciodemográficos e clínicos, dirigido ao sujeito com TOC (formulário A – vide APÊNDICE
A): constituído por questões fechadas com informações sobre gênero, faixa etária,
estado civil, grau de instrução, procedência, religião, ocupação, renda financeira,
tempo de tratamento, idade de início de sintomas e de diagnóstico, comorbidades e
tratamento, e com quem reside.
Formulário do perfil do cuidador, composto de dados sóciodemográficos, de saúde e de informações relacionadas à tarefa de cuidar, dirigido
ao familiar cuidador do sujeito com TOC (formulário B – vide APÊNDICE B):
constituído por questões fechadas e abertas, com informações sobre gênero, faixa
etária, grau de instrução, estado civil, procedência, religião, ocupação, renda
financeira, parentesco com o sujeito com TOC, tempo como cuidador, qual
comportamento do sujeito com TOC que mais o incomoda, presença de sintomas
que atribua ao ato de cuidar, se reside com o sujeito acometido pelo transtorno e
qual a freqüência de contato com o mesmo, a quantidade de tempo gasta
diariamente com o enfermo, doenças pessoais, época de início e tratamento na
ocasião, se presta cuidados a outro enfermo, e se recebe alguma ajuda/orientação
na prestação de cuidado/auxílio.
“Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares – FBIS-BR” –
(BANDEIRA et al., 2006) – ANEXO A –, constitui-se em um instrumento que avalia
as sobrecargas – objetiva e subjetiva – dos familiares de pacientes psiquiátricos –
seção 2.6.
O cálculo dos graus de sobrecarga é realizado através do cálculo das
médias dos escores obtidos nas questões. Para os graus globais de sobrecarga
objetiva e subjetiva, calcula-se a média dos escores obtidos em todas as questões
que avaliam cada uma das sobrecargas. Para os graus – escores – de sobrecarga,
1088
objetiva ou subjetiva, separadamente para cada dimensão, calcula-se a média dos
escores obtidos nas questões adequadas para o cálculo, em cada subescala (UFSJ,
2003-2008).
“Mini International Neuropsychiatric Interview” – MINI –, é uma
entrevista diagnóstica estruturada, padronizada, psiquiátrica, breve, desenvolvida
em 1990 por médicos, psiquiatras e clínicos, nos EUA e na Europa, para desordens
psiquiátricas da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais – DSM-IV – e da CID-10 (MEDICAL OUTCOME SYSTEM, INC, 1996-2006).
Pode ser utilizada tanto na prática clínica, no ensino, na gestão de programas de
saúde e na pesquisa – onde pode ser usada para seleção de populações e para
avaliação breve de critérios diagnósticos –, observando-se que seu uso é
condicionado a treinamento obrigatório prévio (AMORIM, 2000).
É constituído por diversas versões com especificidades relativas aos seus
objetivos: MINI, também designado por MINI Core; MINI Screen; MINI Plus; MINI
Kid; MINI Tracking; e MINI Informatizado. O MINI – DSM-IV – está dividido em
módulos diagnósticos independentes que exploram os principais Transtornos
Psiquiátricos do Eixo I do DSM-IV. As opções de resposta às indagações do MINI
são dicotômicas: “sim” ou “não”, e suas perguntas referem-se a períodos de tempo
distintos, definidos em cada módulo avaliado (AMORIM, 2000).
Na
presente
pesquisa
utilizou-se
a versão
“MINI
5.0.0/Brazilian
version/DSM-IV”, Screen e Core (ANEXO B - fragmento da escala autorizado, pela
responsável pelo desenvolvimento do MINI e pelo treinamento de utilizadores no
Brasil, para reprodução nesta dissertação; ANEXO C – autorização para
reprodução), com intuito de confirmação diagnóstica de TOC e suspeição de
comorbidades. Inicialmente foi aplicada a versão “MINI Screen DSM-IV-5.0-2002”,
composta por questões filtro, para rastreamento de quadros sindrômicos; na
presença de positividade para alguma questão-filtro, procedeu-se à aplicação da
versão MINI – Core – para confirmação. Na aplicação da versão MINI – Core –,
foram excluídos os módulos opcionais, e considerados para análise dos demais
diagnósticos apenas os quadros vigentes no período atual.
1089
A aplicação da FBIS-BR possui uma duração aproximada de trinta
minutos (BANDEIRA et al., 2006) e a da entrevista diagnóstica padronizada – MINI –
uma duração de quinze a trinta minutos (AMORIM, 2000).
3.4 COLETA DE DADOS
Após cumprimento de considerações éticas, realização de treinamento
obrigatório para utilização do MINI (ANEXOS D e E), e obtenção de autorizações e
consentimentos livres e esclarecidos segundo a Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde, procedeu-se à aplicação oral dos instrumentos de coleta de
dados, nos grupos selecionados nos locais da pesquisa definidos pelo autor.
Com o intuito de proporcionar mais segurança aos sujeitos da pesquisa,
em especial ao sujeito com TOC – em virtude de suas peculiaridades –, com relação
ao sigilo e anonimato das informações que foram fornecidas para a investigação, um
número escolhido pelo referido sujeito em uma lista de números aleatórios – o
número, uma vez escolhido, foi descartado na lista para evitar que fosse selecionado
por outro sujeito –, foi registrado nas folhas de resposta dos instrumentos de coleta
de dados (formulários, escala de sobrecarga – FBIS-BR –, e entrevista diagnóstica
psiquiátrica padronizada – MINI) no lugar do nome do sujeito. Destarte, caso o
paciente quisesse se retirar da pesquisa tempos após o preenchimento dos
formulários deveria informar o número que escolheu para representar seu nome,
para que, apenas assim, fossem identificadas as suas folhas de respostas –
formulário(s), entrevista diagnóstica psiquiátrica padronizada, no caso do sujeito com
TOC, e escala, no caso do familiar cuidador – que seriam, então, eliminadas.
Nenhum dos sujeitos dos grupos solicitou sua retirada da pesquisa –
cancelou seu próprio consentimento.
1090
A aplicação oral dos instrumentos pautou-se nas instruções de aplicação
da “Escala de Avaliação da Sobrecarga dos Familiares – FBIS-BR”, destacando-se
aos entrevistados que as suas respostas deveriam ser dadas baseando-se em sua
própria vivência e como expressão verdadeira de seus sentimentos – na avaliação
da sobrecarga, como resultante do ato de cuidar do paciente –, e que não existiam
respostas certas nem erradas. As aplicações ocorreram em situação de privacidade
para o entrevistado, em um único encontro, com resposta a todas as questões dos
instrumentos, anotadas pelo entrevistador. Ao entrevistado foi esclarecido o objetivo
da aplicação dos instrumentos e o destino dos dados obtidos, deixando-o à vontade
para que expressasse quaisquer dúvidas que porventura tivesse durante a
entrevista, esclarecendo-as.
Na aplicação do MINI foram observadas também as convenções
determinadas para a sua aplicação: frases em letras minúsculas foram lidas palavra
por palavra para o(a) entrevistado(a); frases em letras maiúsculas não eram lidas,
servindo apenas para referenciar o aplicador; frases em negrito determinavam o
período a ser explorado; frases escritas entre parênteses eram exemplos clínicos
que poderiam ser utilizados para esclarecer a pergunta; termos separados por uma
barra (/), o entrevistador considerava somente o termo relativo ao sintoma do
entrevistado(a) anteriormente explorado; nas respostas com uma seta sobreposta
indicando que um dos critérios fundamentais para o diagnóstico não foi preenchido,
cotava-se “não” no quadro diagnóstico correspondente e dirigia-se ao módulo
seguinte. Foi destacado para o entrevistado o período de exploração correspondente
a cada módulo, conforme destacado no próprio MINI.
Os formulários “perfil do sujeito com TOC” e “perfil do cuidador” foram
submetidos a um breve estudo piloto, realizado conforme o protocolo da pesquisa,
com cinco sujeitos com TOC e seus respectivos familiar-cuidador no grupo do
ambulatório do hospital-psiquiátrico e no da clínica privada – totalizando vinte
entrevistas –, onde não foram observadas dificuldades nas suas aplicações, tendose realizadas algumas alterações que não implicaram em prejuízo nos formulários
preenchidos, uma vez que todos os dados acrescidos ou já eram obtidos
indiretamente de questões anteriores ou já tinham sido anotados no próprio
formulário durante as coletas. As alterações restringiram-se ao desdobramento de
novas alternativas de respostas, a criação de questão com itens de resposta para a
1091
codificação diagnóstica – CID-10 – e a mudança na numeração de itens de
respostas para a facilitação da construção de planilhas para cálculos estatísticos. Os
formulários do estudo piloto foram incluídos no universo da pesquisa final.
A aplicação da FBIS-BR teve uma duração média de 50 minutos para
cada entrevista, e o MINI de 30 minutos. Não tendo sido encontradas dificuldades
em suas aplicações.
3.5 ADVERSIDADES E SEU MANEJO
No contexto da existência de vários diagnósticos registrados em
prontuário do sujeito com TOC – verificado principalmente no grupo do ambulatório
do hospital psiquiátrico –, a participação do sujeito na pesquisa somente foi
efetivada após a confirmação do diagnóstico de TOC através da aplicação do MINI.
Em duas situações os sujeitos com TOC indicaram outros elementos de
sua vida que não da sua rede de parentesco biológico ou conjugal, como seus
cuidadores e por eles considerados como “da família”. A participação de tais sujeitos
na pesquisa foi acatada, pela indicação dos sujeitos com TOC e pelo papel
desempenhado como cuidador segundo aqueles, passando no presente estudo a
serem também denominados familiar-cuidador.
Nas situações em que houve a recusa, manifesta também pela não
resposta ao convite, pelo paciente – incluindo também sua discordância na
participação de seu familiar – ou pelo cuidador, incluindo também o não
comparecimento à entrevista e a ausência de interesse em agendar nova entrevista,
desconsiderou-se aquele conjunto – paciente e seu respectivo familiar cuidador –,
passando-se o convite a outro sujeito que preenchesse os critérios préestabelecidos. Tal evento ocorreu em oito ocasiões: quatro no ambulatório do
hospital psiquiátrico, uma no CAPS e em três no grupo da rede privada.
1092
Em todas as situações de ausência do familiar cuidador à consulta do
paciente – momento da pesquisa –, foi proposto agendamento da entrevista com o
familiar cuidador em outra ocasião, com a aquiescência do sujeito com TOC. Em
quatro ocasiões, apesar do aceite e participação do sujeito com TOC, o cuidador
não compareceu à sua entrevista ou não manifestou interesse na participação da
pesquisa; nestas situações foram desconsideradas as participações – formulário e
entrevista com uso do MINI – dos respectivos sujeitos com TOC. Procedeu-se então
à seleção de novos participantes. Em uma das situações um sujeito com TOC, no
grupo da clínica privada, não tinha familiares residindo na cidade.
Foram realizados contatos telefônicos, no grupo do ambulatório do
hospital psiquiátrico, com sete sujeitos para agendamento de data de entrevista com
o sujeito com TOC e/ou com o cuidador.
Excepcionalmente, em uma ocasião, a entrevista ao familiar cuidador foi
aplicada na residência do mesmo, em razão de cuidar de criança pequena e ser a
responsável pelos cuidados da casa não podendo ausentar-se da mesma. Todas as
demais entrevistas ocorreram nos locais de coleta discriminados na pesquisa –
hospital, clínica privada e no CAPS.
No grupo do CAPS os sujeitos com TOC foram identificados pelos
profissionais do serviço, pois em grande número de prontuários não era feito o
registro da codificação do transtorno segundo a CID-10. Todos diagnósticos foram
confirmados com o uso do MINI, do mesmo modo que para os outros grupos dos
sujeitos com TOC.
3.6 LIMITAÇÕES METODOLÓGICAS
A natureza e a configuração dos locais de coleta de dados podem
determinar viés de seleção na amostra, refletindo na impossibilidade de generalizar
1093
seus resultados para a população geral com TOC constituída também por sujeitos
que desconhecem seu problema de saúde, por aqueles sem acesso a tratamento e
pelos que mantêm em segredo seus sintomas e que acabam por somente afetar os
familiares cuidadores quando em estágio avançado da enfermidade, quando já não
é possível disfarçá-la, ou quando já não conseguem tolerar sozinhos as obsessões,
ou ainda quando já requerem ajuda na realização de algumas compulsões.
Refletimos sobre a possibilidade da existência de viés de gratidão
46
nas
ocasiões em que o sujeito com TOC tivesse realizado consultas médicas anteriores
com o pesquisador, ou naquelas em que os sujeitos entrevistados tenham
destacado a possibilidade de ter tido a oportunidade de falar mais detalhadamente
sobre seus problemas para alguém interessado em ouvi-los.
O uso de instrumento de avaliação disposto em escala pode ter
determinado um viés de aquiescência
47
.
Consideramos ainda como limitação a ausência da avaliação dos níveis
de gravidade dos sujeitos com TOC – que pode ser um fator de confusão para a
análise dos resultados, pois a gravidade poderia exercer um papel na sobrecarga.
3.7 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
A presente pesquisa cumpriu os Termos da Resolução nº196/96 do
Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.
46
O viés de gratidão é caracterizado pela relutância em expressar opiniões negativas; pela supressão de observações,
questionamentos e julgamentos negativos pelo entrevistado, podendo ocorrer em contextos em que estes tenham afinidade
pelo entrevistador, ou pelo profissional provedor de cuidados; sendo observados comumente em avaliações de serviços
públicos (ESPIRIDIÃO; TRAD, 2005).
47
O viés de aquiescência, relacionado à enumeração dos quesitos dos questionários, é comum em instrumentos que contém
escala, caracterizando-se pela tendência do pesquisado em concordar com o primeiro item desta, independentemente do seu
conteúdo (ESPIRIDIÃO; TRAD, 2005).
1094
Honrou as seguintes etapas: aprovação da pesquisa no Mestrado em
Ciências e Saúde; autorizações prévias das instituições onde o projeto seria
realizado; inscrição e aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Federal do Piauí (ANEXOS F e G); realização de treinamento obrigatório para a
utilização do “Mini International Neuropsychiatric Interview” – MINI (ANEXOS D e E);
e autorização/aceite dos participantes obtido através de Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
A aplicação oral dos instrumentos FBIS-BR e MINI pautaram-se nas
recomendações específicas para suas aplicações.
A presente pesquisa foi registrada na Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa/Ministério da Saúde – CONEP/MS – sob o número 045; possuindo
Certificado de Apresentação para Apreciação Ética – CAAE – registrado sob o
número 0180.0.045.000-8.
3.8 ANÁLISE ESTATÍSTICA
Utilizou-se o SPSS 16.0, para o processamento dos dados e os cálculos
de freqüências, percentuais, médias, desvios-padrão e análises estatísticas.
Para as análises estatísticas foram usados o teste não paramétrico de
Kruskall-Wallis para verificar diferenças entre os graus de sobrecarga e os grupos
das redes, e para verificar associação das variáveis categóricas – perfis sóciodemográfico e clínico – foi usado o teste Qui-quadrado, e o teste exato de Fisher,
quando ocorreu freqüência inferior a cinco.
Para avaliar interações foi utilizado o modelo linear generalizado, tendo
como variável dependente os graus de sobrecarga global objetiva e subjetiva, como
fator fixo a rede de assistência, e como cofatores: o gênero, o estado civil do sujeito
com TOC, as comorbidades com o diagnóstico de TOC, e o gênero, a escolaridade,
1095
a renda do cuidador, o tempo gasto no cuidar, o parentesco, o fato de residir com o
sujeito com TOC, e a freqüência do contato com o sujeito acometido pelo transtorno.
Em todos os testes trabalhou-se com um nível de significância em 5%.
1096
4 RESULTADOS
4.1 PERFIL SÓCIO-DEMOGRÁFICO E CLÍNICO DO SUJEITO COM TOC
TABELA 1: Idade média e variações, nos sujeitos com TOC.
IDADE (ANOS)
Mínima
Máxima
Idade média
Desvio-padrão
CLÍNICA PRIVADA
18
61
33,20
12,60
CAPS (Centro de Atenção
Psicossocial)
18
75
37,60
14,97
AMBULATÓRIO DE HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
20
74
37,20
15,72
TOTAL
18
75
36,00
14,30
GRUPOS
No “grupo clínica-privada” – GCP – o perfil dos sujeitos com TOC
caracteriza-se como um sujeito masculino, com curso superior completo – TABELA 2
–, solteiro (60,00%), católico (73,33%), desempregado (46,67%), sem renda
financeira, residindo com o cônjuge e com os filhos quando estes existiam (40,00%),
em família chefiada pelo próprio sujeito (40,00%). Em tratamento há mais de dois
anos (66,67%), à base de fármacos (86,67%), em uso de ISRS – TABELA 3.
Com relação ao “grupo CAPS” - GCAPS –, sujeito com TOC do gênero
feminino, com ensino fundamental incompleto ou médio incompleto – TABELA 2 –,
casado/relação consensual (60,00%), católico (93,33%), desempregado/do lar
(46,67%), sem renda, residindo com o cônjuge e filhos quando estes existiam
(53,33%), em família chefiada pelo cônjuge (46,67%). Em tratamento há menos de
um ano (46,67%), à base de fármacos (80,00%), ressaltando-se o uso exclusivo de
ISRS – TABELA 3 – e de ISRS conjugado a benzodiazepínico e neuroléptico
(33,33%).
1097
Para o “grupo ambulatório do hospital-psiquiátrico” – GHP –, observou-se
como perfil o sujeito com TOC do gênero feminino, com ensino fundamental
incompleto – TABELA 2 –, solteiro (46,67%; 40,00% casados), católico (86,67%),
desempregado (46,67%), sem renda, residindo com o cônjuge e com filhos quando
estes existiam (40,00%), em família chefiada pelo cônjuge (33,33%). Em tratamento
há menos de um ano (33,33%), à base de fármacos (73,33%), sem uso de ISRS –
TABELA 3.
No tocante aos tipos de TOC, destacou-se a verificação no GCAPS de
que maior percentual de sujeitos não possuía codificação diagnóstica (CID-10)
registrada em prontuário – TABELA 3. Em todos os casos incluídos no universo
pesquisado total dos sujeitos com TOC houve a confirmação diagnóstica do TOC
com o uso do MINI; observando-se suspeição de comorbidades em 42,22% do
grupo – destacando-se a presença de episódio depressivo maior em 26,66% do
grupo total-TOC.
No universo total dos sujeitos com TOC da pesquisa (n=45) oito sujeitos
informaram encontrar-se em tratamento para outros problemas de saúde, nãopsiquiátricos – hipercolesterolemia, diabetes, artrose, hérnia de disco, tireoideopatia,
sífilis e hipertensão arterial.
Considerando-se o grupo total-TOC, calculou-se um tempo de latência
entre o surgimento dos primeiros sintomas e o diagnóstico de 9,78 anos (desviopadrão=9,15). Observou-se também, no grupo total-TOC, que não há diferença entre
gêneros na proporção de homens e mulheres (χ2 = 3,76; p>0,05).
Houve associação (p<0,05) entre os grupos dos sujeitos com o transtorno
– GCP, GCAPS, GHP – e o gênero, o grau de instrução, a renda mensal – TABELA
2 –, a codificação diagnóstica através da CID-10, e o tipo de medicação utilizada
pelos sujeitos com TOC – TABELA 3.
1098
TABELA 2: Características sócio-demográficas dos sujeitos com TOC, segundo
grupos pesquisados.
GRUPOS
(p=0,019) **
GÊNERO
CARACTERÍSTICAS
(p=0,000) **
GRAUS DE INSTRUÇÃO
TOTAL
%
N
%
N
%
N
%
Masculino
10
66,67
3
20,00
3
20,00
16
35,56
Feminino
5
33,33
12
80,00
12
80,00
29
64,44
_
_
1
6,67
_
_
1
2,22
_
_
1
6,67
1
6,67
2
4,44
Ensino fundamental
incompleto
_
_
5
33,33
5
33,33
10
22,22
Ensino fundamental
completo
_
_
_
_
1
6,67
1
2,22
Ensino médio
incompleto
1
6,66
5
33,33
4
26,67
10
22,22
Ensino médio
completo
4
26,67
3
20,00
4
26,67
11
24,44
Curso superior
incompleto
3
20,00
_
_
_
_
3
6,67
Curso superior
completo
7
46,67
_
_
_
_
7
15,57
_
_
4
26,67
3
20,00
7
15,56
_
_
4
26,67
5
33,33
9
20,00
3
20,00
_
_
_
_
3
6,67
1
6,67
_
_
_
_
1
2,22
4
26,67
_
_
_
_
4
8,89
7
46,67
7
46,67
7
46,67
21
46,66
Alfabetizado
< 01 SM ***
01 a 02 SM
(p=0,002) **
AMBULATÓRIO
DO HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
CAPS *
N
Analfabeto
RENDA MENSAL
CLÍNICA
PRIVADA
2,1 a 3SM
3,1 a 4SM
Mais de 4SM
Não tem renda
* CAPS = Centro de Atenção Psicossocial.
** “Fisher’s Exact Test”.
*** SM = salário(s) mínimo(s); SM/2008=R$368,00; SM/2009=R$ 465,00.
1099
TABELA 3: Características clínicas dos sujeitos com TOC, segundo grupos
pesquisados.
GRUPOS
(p=0,000) **
CLÍNICA
PRIVADA
AMBULATÓRIO
DO HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
CAPS *
TOTAL
N
%
N
%
N
%
N
%
F42.0
5
33,33
2
13,33
9
60,00
16
35,56
F42.1
3
20,00
_
_
3
20,00
6
13,33
F42.2
7
46,67
3
20,00
3
20,00
13
28,89
Não codificado
_
_
10
66,67
_
_
10
22,22
ISRS *** (exclusivo)
12
80,00
5
33,33
1
6,67
18
40,00
3
20,00
7
46,67
3
20,00
13
28,89
_
_
2
13,33
11
73,33
13
28,89
_
_
1
6,67
_
_
1
2,22
ISRS + outras
(p=0,000) **
MEDICAÇÕES
DIAGNÓSTICO CID-10
CARACTERÍSTICAS
medicações
Outras medicações
Sem medicações
* CAPS = Centro de Atenção Psicossocial.
** “Fisher’s Exact Test”.
*** ISRS = Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina.
1100
4.2
PERFIL
SÓCIO-DEMOGRÁFICO,
DE
SAÚDE
E
DE
INFORMAÇÕES
RELATIVAS AO CUIDAR, RELACIONADAS AO CUIDADOR
TABELA 4: Idade média e variações, dos cuidadores dos sujeitos com TOC.
IDADE DO CUIDADOR (ANOS)
Mínima
Máxima
Idade média
Desvio-padrão
CLÍNICA PRIVADA
27
70
52,80
11,97
CAPS (Centro de Atenção
Psicossocial)
18
53
38,40
10,49
AMBULATÓRIO DE HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
27
65
46,93
11,82
TOTAL
18
70
46,04
12,68
GRUPOS
Na construção do perfil do cuidador, verificamos coincidências nos três
grupos do familiar cuidador – GCP, GCAPS, GHP – no tocante a um sujeito do
gênero feminino (GCP=80,00%, GCAPS=80,00%, GHP=93,33%), casado/relação
consensual
(GCP=93,33%,
GCAPS=80,00%,
GHP=66,67%),
católico
(GCP=93,33%, GCAPS=93,33%, GHP=86,67%), residindo com o sujeito com TOC
(GCP=66,67%, GCAPS=53,33%, GHP=80,00%). Sem relato de sintomas físicos que
associasse à ação de cuidar (GCP=80,00%, GCAPS=86,67%, GHP=66,67%), com
contato diário com o familiar com TOC (GCP=86,67%, GCAPS=100,00%,
GHP=86,67%). Informando não receber ajuda/orientação no cuidado/auxílio do
sujeito enfermo (GCP=73,33%, GCAPS=46,67%, GHP=40,00%), e referindo não
encontrar-se
cuidando
de
outro
enfermo
(GCP=80,00%,
GCAPS=73,33%,
GHP=66,67%).
Com relação ao perfil do cuidador observamos ainda os aspectos do
sujeito possuir o ensino médio completo e o superior completo no GCP, e o ensino
médio nos grupos do CAPS e do ambulatório do hospital psiquiátrico; estarem
1101
empregados (46,67%) em ambas os grupos GCP e GCAPS, e tanto empregado
como desempregado no GHP – TABELA 6.
Pais (53,33%) e cônjuge (40,00%) foram os principais parentescos
indicados no GCP, enquanto no GCAPS o parentesco era cônjuge (53,33%) e no
GHP pais (60,00%). Especificamente com relação ao gênero feminino como
cuidador, encontrou-se em valores percentuais, no grupo total das cuidadoras, que
50,00% eram de mães, 15,79% de esposas e 10,53% de filhas.
Informaram considerar que não gastam tempo com a ação de cuidar, no
GCP e GHP; enquanto no GCAPS relataram gastar menos de duas horas por dia
com cuidados – TABELA 5.
TABELA 5: Tempo diário dispendido pelo familiar cuidador ao cuidar, segundo
grupos.
GRUPOS
TEMPO DIÁRIO
DISPENDIDO *
< 02 horas
02 a 06 horas
06 a 12 horas
24 horas
Não considera que
gaste tempo
TOTAL
CLÍNICA PRIVADA
AMBULATÓRIO
DO HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
CAPS***
TOTAL
N
%
N
%
N
%
N
%
5
33,33
7
46,67
2
13,33
14
31,11
-
-
6
40,00
2
13,33
8
17,78
-
-
1
6,67
3
20,00
4
8,89
-
-
-
-
3
20,00
3
6,67
10
66,67
1
6,67
5
33,33
16
35,56
15
100,00
15
100,01**
15
99,99**
45
100,01**
* p=0,000; “Fisher’s Exact Test”.
** O excesso ou a falta na totalização da base do percentual (100%) é devido a problema de aproximação.
*** CAPS= Centro de Atenção Psicossocial.
Houve associação (p<0,05) entre os grupos – GCP, GCAPS, GHP – e o
grau de instrução, a ocupação , a renda mensal – TABELA 6 e o tempo gasto no
cuidar – TABELA 5.
1102
TABELA 6: Características sócio-demográficas do cuidador dos sujeitos com TOC,
segundo grupos pesquisados.
GRUPOS
CARACTERÍSTICAS
(p=0,035) **
GRAUS DE INSTRUÇÃO
OCUPAÇÃO
(p=0,037) **
(p=0,026) **
AMBULATÓRIO
DO HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
CAPS *
TOTAL
N
%
N
%
N
%
N
%
_
_
1
6,67
_
_
1
2,22
Alfabetizado
_
_
_
_
1
6,67
1
2,22
Ensino fundamental
incompleto
_
_
1
6,67
3
20,00
4
8,89
Ensino fundamental
completo
2
13,33
2
13,33
_
_
4
8,89
Ensino médio
incompleto
_
_
3
20,00
3
20,00
6
13,33
Ensino médio
completo
5
33,33
6
40,00
7
46,67
18
40,00
Curso superior
incompleto
2
13,33
1
6,67
1
6,67
4
8,89
Curso superior
completo
6
40,00
1
6,67
_
_
7
15,56
Desempregado (a) /do
lar
1
6,67
4
26,67
6
40,00
11
24,44
Empregado (a) com
carteira assinada
7
46,67
7
46,67
6
40,00
20
44,44
Aposentado (a)
5
33,33
_
_
_
_
5
11,11
“Autônomo”
2
13,33
2
13,33
3
20,00
7
15,56
Recebendo benefício
_
_
2
13,33
_
_
2
4,44
< 02 SM ***
5
33,33
8
53,33
8
53,33
21
46,67
2,1 a 4SM
2
13,33
2
13,33
_
_
4
8,89
Mais de 4SM
7
46,67
1
6,67
1
6,67
9
20,00
Não tem renda
1
6,67
4
26,67
6
40,00
11
24,44
Analfabeto
RENDA MENSAL
CLÍNICA
PRIVADA
* CAPS = Centro de Atenção Psicossocial.
** “Fisher’s Exact Test”.
*** SM = salário(s) mínimo(s); SM/2008=R$368,00; SM/2009=R$ 465,00.
1103
No universo total dos familiares cuidadores pesquisados (n=45), dez
sujeitos (22,22%) relataram queixas que atribuíam como resultantes do cuidar do
sujeito com TOC, destacando-se 50,00% com referência à insônia.
Constatou-se a existência de diferença estatística entre a idade do cuidador nos
grupos do familiar cuidador da clínica privada, do CAPS e do ambulatório do hospital
psiquiátrico (p=0,006; “Kruskal Wallis Test ”).
1104
4.3 SOBRECARGA
Observou-se a presença de sobrecarga em 100,00% dos familiares de
sujeitos com TOC. Com uso da FBIS-BR a ausência de sobrecarga seria constatada
apenas na situação em que sujeitos respondessem com a opção “1” – nenhuma
vez/nenhum pouco/nunca – da escala Likert da FIBS-BR – subescalas A, B, D e E, e
questão C5 da subescala C – em todas as questões, tanto da sobrecarga objetiva
como da subjetiva, o que não ocorreu em nenhum familiar entrevistado.
TABELA 7: Graus de sobrecarga, calculados conforme instruções da FBIS-BR, no
grupo total (n=45) de familiares cuidadores.
OBJETIVA
SUBESCALAS
SOBRECARGA
Assistência na vida cotidiana (A)
2,00
Supervisão de comportamentos problemáticos (B)
1,45
Impacto nas rotinas diárias (D)
1,46
SOBRECARGA GLOBAL OBJETIVA
SUBJETIVA
GRAUS DE
1,71
Assistência na vida cotidiana (A)
1,73
Supervisão de comportamentos problemáticos (B).
2,75
Preocupação com o paciente (E)
3,45
SOBRECARGA GLOBAL SUBJETIVA
2,86
No aspecto dos gastos financeiros – avaliados na FBIS-BR, todavia não
utilizáveis nos cálculos dos graus de sobrecarga por se tratarem de valores em
dinheiro – 60,00% do grupo total do familiar cuidador referiram que os gastos que
1105
tinham com o sujeito com TOC “nunca” foram pesados para si no último ano; nos
grupos separadamente esta também foi a resposta com maior percentual.
TABELA 8: Gasto mensal (valores máximo, mínimo e médio em R$), segundo o
familiar cuidador, com o sujeito com TOC, distribuídos por grupos.
GRUPOS
CLÍNICA
PRIVADA
CAPS
AMBULATÓRIO DO
HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
máximo
3090,00
730,00
1065,00
mínimo
403,00
100,00
150,00
valor médio
1181,33
434,80
379,80
GASTOS/MÊS
(R$)
TABELA 9: Graus de sobrecarga (FBIS-BR), em familiar cuidador de sujeitos com
TOC, segundo rede assistencial.
GRAUS DE SOBRECARGA
CLÍNICA
PRIVADA
CAPS
AMBULATÓRIO
DO HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
p*
Assistência na vida cotidiana (A)
1,43
2,00
2,57
0,004
Supervisão de comportamentos
problemáticos (B)
1,12
1,57
1,67
0,014
Impacto nas rotinas diárias (D)
1,03
1,62
1,73
0,011
1,25
1,78
2,11
0,001
Assistência na vida cotidiana (A)
1,59
1,34
2,30
0,047
Supervisão de comportamentos
problemáticos (B)
2,40
2,43
3,20
0,131
Preocupação com o paciente (E)
3,05
3,35
3,94
0,030
2,77
2,60
3,23
0,049
OBJETIVA
SUBESCALAS
SUBJETIVA
SOBRECARGA GLOBAL OBJETIVA
SOBRECARGA GLOBAL SUBJETIVA
* Kruskall-Wallis test.
A significância observada em relação à sobrecarga global objetiva e
subjetiva nos três grupos sofre interação da variável “parentesco” (p<0,05). Em
1106
relação à sobrecarga global objetiva, nos três grupos, sofre interação da variável
relativa ao fato do familiar residir com o sujeito com TOC (p<0,05); e em relação à
sobrecarga global subjetiva, nos três grupos, sofre interação da variável: freqüência
do contato com o sujeito acometido pelo transtorno (p<0,05). Todavia, não sofre
interação das variáveis: gênero, estado civil do sujeito com TOC, comorbidades com
o TOC, e das variáveis: gênero, escolaridade, renda do familiar-cuidador e tempo
gasto no cuidar (p>0,05).
1107
4.3.1 Sobrecarga objetiva – graus
TABELA 10: Graus de sobrecarga objetiva na subescala “assistência na vida
cotidiana” (subescala A), conforme itens da FBIS-BR, segundo grupos de rede
assistencial.
ITENS
-
subescala
“A”
GRAUS DE SOBRECARGA OBJETIVA
(assistência na vida cotidiana)
Higiene e cuidados pessoais
AMBULATÓRIO
DE HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
p*
1,40
2,67
0,001
1,33
1,40
3,53
0,000
1,67
1,73
2,60
0,215
1,07
1,53
1,67
0,260
2,40
3,00
3,20
0,385
1,00
2,47
1,80
0,000
1,13
1,87
1,87
0,490
2,13
3,07
3,80
0,020
1,13
1,53
2,00
0,043
CLÍNICA
PRIVADA
CAPS
1,00
Administração de medicamentos
Realização de tarefas de casa
Realização de compras
Preparo de refeições
Transporte
Administração de dinheiro
Ocupação do tempo
Consultas médicas e atividades de
tratamento
* Kruskall-Wallis test.
1108
TABELA 11: Graus de sobrecarga objetiva na subescala “supervisão aos
comportamentos problemáticos” (subescala B), conforme itens da FBIS-BR, segundo
grupos de rede assistencial.
ITENS – subescala “B”
(supervisão aos comportamentos
problemáticos)
GRAUS DE SOBRECARGA OBJETIVA
AMBULATÓRIO
DE HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
p*
CLÍNICA
PRIVADA
CAPS
Comportamentos desconcertantes
1,00
1,67
1,40
0,055
Demanda excessiva de atenção
1,33
1,67
1,73
0,524
Perturbações noturnas
1,00
1,47
1,33
0,185
Heteroagressividade
1,07
1,33
1,20
0,591
Tentativa ou ameaça de suicídio
1,07
1,47
2,33
0,013
Consumo excessivo de alimentos,
ou bebidas não-alcoólicas, ou fumo
1,27
1,80
2,00
0,166
* Kruskall-Wallis test.
1109
TABELA 12: Graus de sobrecarga objetiva na subescala “impacto nas rotinas
diárias” (subescala D), conforme itens da FBIS-BR, segundo grupos de rede
assistencial.
ITENS – subescala “D”
GRAUS DE SOBRECARGA OBJETIVA
AMBULATÓRIO
DE HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
p*
1,60
1,60
0,029
1,00
1,73
2,00
0,016
Alterações nos serviços ou rotinas
da casa
1,00
1,53
1,87
0,055
Alterações na atenção aos outros
familiares
1,13
1,60
1,47
0,343
(impacto nas rotinas diárias)
CLÍNICA
PRIVADA
CAPS
Atrasos ou ausências a
compromissos
1,00
Alterações das atividades sociais e
de lazer
* Kruskall-Wallis test.
1110
4.3.2 Sobrecarga subjetiva – graus
TABELA 13: Graus de sobrecarga subjetiva na subescala “assistência na vida
cotidiana” (subescala A), conforme itens da FBIS-BR, segundo grupos de rede
assistencial.
ITENS
–
subescala
“A”
GRAUS DE SOBRECARGA SUBJETIVA
(assistência na vida cotidiana)
p*
AMBULATÓRIO
DE HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
CLÍNICA
PRIVADA
CAPS
Higiene e cuidados pessoais
- **
3,00
3,22
0,438
Administração de medicamentos
2,00
1,00
2,64
0,110
Realização de tarefas de casa
2,67
1,25
3,57
0,019
Realização de compras
1,00
1,50
2,25
0,353
Preparo de refeições
1,00
1,50
1,50
0,508
Transporte
- **
1,09
1,67
0,173
Administração de dinheiro
1,00
1,00
2,00
0,267
Ocupação do tempo
1,88
1,64
2,67
0,184
Consultas médicas e atividades de
tratamento
1,00
1,14
2,13
0,341
* Kruskall-Wallis test.
** Estes itens não foram avaliados, pois na questão de sobrecarga objetiva (FBIS-BR) correspondente a resposta foi “nenhuma
vez” à indagação da freqüência de assistência no aspecto específico. Nesta situação o sujeito não pode sentir-se incomodado
com uma situação que ele não realiza; então, a questão subjetiva correspondente, na FIBS-BR, não é respondida.
1111
TABELA 14: Graus de sobrecarga subjetiva na subescala “supervisão aos
comportamentos problemáticos” (subescala B), conforme itens da FBIS-BR, segundo
grupos de rede assistencial.
ITENS
–
subescala
(supervisão aos
problemáticos)
“B”
GRAUS DE SOBRECARGA SUBJETIVA
comportamentos
p*
AMBULATÓRIO
DE HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
CLÍNICA
PRIVADA
CAPS
Comportamentos desconcertantes
- **
2,40
3,25
0,252
Demanda excessiva de atenção
2,00
1,83
2,00
0,891
Perturbações noturnas
- **
2,67
2,67
1,000
Heteroagressividade
3,00
3,50
3,67
0,574
Tentativa ou ameaça de suicídio
3,00
2,60
4,00
0,031
Consumo excessivo de alimentos,
ou bebidas não-alcoólicas, ou fumo
3,00
2,86
3,17
0,682
* Kruskall-Wallis test.
** Estes itens não foram avaliados, pois na questão de sobrecarga objetiva (FBIS-BR) correspondente a resposta foi “nenhuma
vez” à indagação da freqüência à supervisão no aspecto específico. Nesta situação o sujeito não pode sentir-se incomodado
com uma situação que ele não realiza; então, a questão subjetiva correspondente, na FIBS-BR, então não é respondida.
1112
TABELA 15: Graus de sobrecarga subjetiva na subescala “preocupação com o
paciente” (subescala E), conforme itens da FBIS-BR, segundo grupos de rede
assistencial.
GRAUS DE SOBRECARGA SUBJETIVA
ITENS – subescala “E”
AMBULATÓRIO
DE HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
p*
3,67
4,47
0,174
2,73
2,93
3,20
0,755
Vida social
2,40
2,93
3,60
0,115
Saúde física
3,93
3,80
4,20
0,748
Condições de moradia atual
1,60
2,60
3,20
0,035
Sobrevivência financeira
2,80
3,07
4,13
0,075
Preocupações com o futuro
3,93
4,47
4,80
0,173
(preocupação com o paciente)
CLÍNICA
PRIVADA
CAPS
Segurança física
3,93
Tipo de ajuda e tratamento
* p<0,05; Kruskall-Wallis test.
1113
5 DISCUSSÃO
A idade média dos sujeitos com TOC do universo total desta pesquisa –
36,00 anos; dp=14,30 – convergiu com dados da literatura que registram idade
média de 35,20 anos (CALVOCORESSI et al., 1995). O mesmo padrão foi
observado individualmente em cada um dos grupos pesquisados - TABELA 1.
Ventilamos que uma menor idade média verificada no grupo da rede
privada possa ser resultante da busca mais precoce por auxílio neste grupo em
razão do maior nível de instrução, maior acesso a informações acerca de saúde,
maior capacidade de identificação de alterações como sendo características de um
transtorno mental, além de aspectos relacionados às características do tipo do
serviço – mais reservado e com menor exposição pública –; sendo os serviços
públicos possivelmente procurados por seus usuários apenas nos estágios de maior
sofrimento e comprometimentos, quando estes aspectos se apresentassem em
níveis superiores aos temores de estigmas, discriminações e medos de transtorno
mental e de tratamento psiquiátrico.
Ao considerarmos que à idade exata de 36 anos, para ambos os gêneros,
corresponderia uma expectativa de mais 40,9 anos de vida
48
(IBGE, 2008b),
inferimos que o acometimento por TOC observado, de adultos-jovens em faixa etária
média de 36 anos, resultará por parte do sujeito demandante de cuidados da
necessidade do provimento destes pelo cuidador por um período prolongado de
tempo, considerando-se a gravidade do transtorno, sua evolução e dificuldades
relacionadas ao tratamento, podendo resultar em maiores graus de sobrecarga
familiar com todas as conseqüências decorrentes tanto para o sujeito com o
transtorno, como para o familiar-cuidador, para a família como um todo, e para os
serviços e sistema de saúde.
Relativo ao gênero do sujeito com TOC, considerando-se que não há
diferença estatisticamente significativa entre os gêneros no grupo total – n=45 –,
48
Segundo dados da “Tábua completa de mortalidade – ambos os sexos – 2008” (IBGE, 2008b).
1114
verificou-se concordância com estudos que indicam igual prevalência em ambos os
gêneros em adultos (APA, 2002; NIEDERAUER et al., 2007; SADOCK; SADOCK,
2007b). Avaliando apenas valores percentuais dos gêneros em cada grupo
separadamente, destacamos consonância dos grupos do CAPS – GCAPS – e do
ambulatório do hospital psiquiátrico – GHP – com relatos de predomínio do gênero
feminino verificados em inquéritos populacionais (TORRES; LIMA, 2005). A
existência de associação – p<0,05 – entre o gênero do sujeito com TOC e os grupos
pesquisados sugere que aquele aspecto mude em função do local de atendimento –
TABELA 2.
Rosa (2003b) encontrou em análise do perfil de usuários do ambulatório
do Hospital Areolino de Abreu uma predominância do gênero feminino – 58,55% –
inferindo que a diferença entre os gêneros possa ser explicada como resultante da
cultura de gênero, com o feminino aceitando mais facilmente as alterações no curso
de vida caracterizadas no adoecer e buscando mais e sendo mais receptiva à ajuda
profissional. Hita (1998) aponta estudos indicando fatores biológicos relacionando a
doença mental e a área da saúde reprodutiva feminina – e.g., período pré-menstrual,
climatério, problemas no puerpério –, e fatores sociais relacionando o papel feminino
na sociedade – e.g., as relações de desigualdade entre os gêneros, a localização do
feminino em posições socialmente desvantajosas – como eixos que buscam ratificar
a existência de associação entre este gênero e a doença mental.
O gênero feminino enquanto enfermo tende, socialmente, a ser mais
aceito, e ao buscar auxílio em um serviço psiquiátrico sofre com menor intensidade o
estigma relacionado (ROSA, 2003b). Conjecturamos com base nas considerações
acima que a maior procura de auxílio/tratamento pelo gênero feminino na rede
pública possa sofrer influência das características históricas, culturais e sociais,
relacionadas a este gênero.
Analisando ainda, na nossa pesquisa, apenas os valores percentuais dos
gêneros em cada grupo pesquisado separadamente, aventamos que a maior busca
do gênero masculino por tratamento no grupo da rede privada de assistência possa
estar vinculada a questões relacionadas ao receio da exposição pública, ao
preconceito masculino com relação a questões de saúde mental onde se agregam
aos preconceitos pessoais os receios de discriminação e estigmas sociais, as
1115
ameaças à posição de figura de referência social para a família e de respeito social
à família – historicamente ao gênero masculino é atribuído o papel de maior
visibilidade social, de autoridade moral e de provedor do grupo familiar, e a ausência
ou impossibilidade de desempenho efetivo do papel fragilizaria a família em
instâncias como a segurança e respeito pela sociedade. Deste modo a procura pelos
serviços privados alicerçar-se-ia, neste contexto, na busca por menor exposição
pública – ambientes sem filas de espera na recepção dos serviços; comparecimento
para consultas apenas no horário agendado; poucos sujeitos na sala de recepção
aguardando o seu próprio horário.
Registros na literatura apontam como as situações civis mais prevalentes
para os pacientes com TOC, a solteira (NIEDERAUER et al., 2007; SADOCK;
SADOCK, 2007b; STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003) e a de separados ou
divorciados (TORRES; LIMA, 2005). Nos grupos avaliados observou-se maior
número de sujeitos solteiros no GCP e no GHP, embora neste em valor próximo ao
de casados; no GCAPS ocorreu maior percentual de casados.
Refletimos que a situação de solteiro possa ser resultante do
acometimento do sujeito em fases precoces, e produtivas e reprodutivas da vida,
dificultando-o ou impedindo-o de manter ou assumir o ônus de uma família; e da
sintomatologia do TOC e de suas repercussões na convivência diária com o sujeito
com o transtorno. Os casamentos ocorrendo em grupos de menor nível econômico
poderiam sugerir uma estratégia de sobrevivência, menor nível de estigmatização ou
conseqüente aceitação de comportamentos “desviantes”. Cabe ressaltar, com base
em dados do IBGE (2008a), a redução histórica na proporção de casamentos entre
solteiros, na sociedade brasileira como um todo, que vem acontecendo nas últimas
décadas
49
.
Aspectos como a situação ocupacional caracterizada por desemprego ou
inatividade econômica (TORRES; LIMA, 2005), em fases produtivas da vida
(SADOCK; SADOCK, 2007b) – repercutindo negativamente na cadeia produtiva
familiar e social – e o fato de residirem com familiares e terem contato diário com
estes (STEKETEE; VAN NOPPEN, 2003), comuns a todos os três grupos
49
O IBGE aponta uma queda de 90,1% para 85,2% na proporção de casamentos entre solteiros no Brasil, respectivamente
aos anos de 1997 para 2006 (IBGE, 2008a).
1116
examinados, apresentam-se em concordância com registros na literatura. Divergiram
de registro (TORRES; LIMA, 2005) que aponta estudo verificando sujeitos morando
sozinhos.
Ponderamos que o acometimento pelo TOC, caracteristicamente em
idade precoce da vida, resultando em prejuízos na progressão escolar pelo
comprometimento no funcionamento estudantil secundário à presença de obsessões
e/ou compulsões, possa implicar em menor qualificação laboral desdobrando-se em
maiores dificuldades de inserção no competitivo mercado de trabalho em
decorrência da baixa qualificação. A sintomatologia do transtorno no sujeito adulto e
os comprometimentos no funcionamento ocupacional, social ou em outras áreas
importantes da vida, conseqüentes ao TOC, podem ter como resultado maior taxa
de desemprego nos sujeitos acometidos, que sem rendimentos passam a demandar
auxílio financeiro de terceiros, dificultando aspectos como, e.g., ter sua própria
residência, constituir família, arcar com suas próprias despesas pessoais.
Entendemos que o maior grau de instrução observado no grupo relativo à rede
privada – com 46,67% dos sujeitos com curso superior completo –, pode ser
conseqüência de maiores possibilidades de investimentos em educação decorrentes
de maior poder aquisitivo neste grupo, e também de início de tratamento mais
precocemente, resultando em possibilidade de menores níveis de comprometimento.
Apesar da avaliação, através da FBIS-BR, do familiar cuidador de que os
gastos financeiros/ano com o sujeito com TOC “nunca” foram pesados ao
orçamento, a observação de que o perfil do sujeito com TOC configurou-se por um
sujeito sem renda financeira – 46,66% dos sujeitos pesquisados – conduz a
especulação de que o gasto médio mensal com o enfermo – superior a 1000,00
reais no GCP e na faixa dos 379,00 a 435,00 reais na rede pública – possa
representar comprometimento na renda do familiar cuidador – destacadamente nos
grupos GCAPS e GHP, onde foi verificada como inferior a dois salários mínimos em
53,33%, em ambos os grupos, dos cuidadores pesquisados –, ou que possa existir
algum tipo de retaguarda da rede social ou dos serviços de saúde mental.
Barroso, Bandeira e Nascimento (2007) encontraram 40,00% de
familiares indicando não se sentirem sobrecarregados financeiramente em oposição
a 34,00% indicando que a sentiam freqüentemente, sempre ou quase sempre.
1117
A existência de associação – p<0,05 – entre os grupos – GCP, GCAPS e
GHP – e a renda mensal dos sujeitos com TOC – TABELA 2 –, e também a dos
familiares – TABELA 6 –, sugere que estes aspectos também mudem em função do
local de atendimento.
A respeito da observação de maiores gastos financeiros pelos usuários da
rede privada entrevistados, entendemos que a busca do sujeito com TOC –
identificado como desempregado e sem renda financeira – por serviços desta rede,
possa determinar maior impacto financeiro às famílias, destacadamente as de menor
renda; contexto adicionalmente agravado com a perda de força produtiva e geradora
de renda resultante do acometimento de sujeito em fase produtiva da vida – adulto
jovem. Segundo Rosa (2003b) o provimento de cuidados a um sujeito com
transtorno mental provoca impacto econômico, mesmo que esporadicamente,
independentemente do sujeito com o transtorno produzir ou não renda para o grupo
familiar.
Refletimos também que aspecto como a demanda de tempo para prestar
auxílio/cuidados ao sujeito com transtorno mental possa resultar em maior impacto
financeiro como resultado da redução ou até da impossibilidade de disponibilidade
de tempo para o desempenho de atividades geradoras diretas de renda por parte do
familiar-cuidador, que identificamos como um adulto em fase de plena capacidade
laboral.
Em acréscimo, a questão dos custos financeiros relacionados ao
tratamento, notoriamente quando realizados na rede privada e/ou quando do uso de
medicações ditas de “primeira linha”, atualmente mais onerosas e menos disponíveis
gratuitamente na rede pública
50
, podem ser contribuintes para o maior impacto
financeiro na família do sujeito com TOC.
Ressaltamos que os sujeitos com o TOC, segundo Ferrão et al. (2007),
podem ser relevante origem de gastos para o sistema público de saúde,
considerando que estes sujeitos utilizam de modo freqüente e mais continuado o
sistema.
50
Os Estados brasileiros possuem políticas próprias de padronização e fornecimento de medicamentos gratuitos, que nem
sempre privilegiam os sujeitos com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (FERRÃO et al., 2007).
1118
Relativamente aos tipos clínicos de TOC, na literatura verificam-se
registros indicando predomínio de quadros com apenas obsessões (TORRES; LIMA,
2005) em inquéritos populacionais, e quadros mistos (SADOCK; SADOCK, 2007b),
notadamente em amostras clínicas (TORRES; LIMA, 2005). O presente estudo
observou freqüência mais elevada dentro do grupo GCP para a forma mista, e no
GHP o tipo com predomínio de obsessões. A avaliação no GCAPS foi prejudicada
pela falta da codificação – CID-10 – em 66,67% dos prontuários observados –
TABELA 3.
A falta de codificação diagnóstica nos prontuários prejudica sobremaneira
estudos epidemiológicos, assim como a avaliação dos sujeitos em tratamento por
novos profissionais e em serviços com grande número de usuários o próprio
atendimento por profissionais diferentes.
A latência para o diagnóstico de 9,78 anos converge com dados na
literatura que indicam período de até 17 anos até a procura e obtenção de
tratamento (TORRESAN et al., 2008; TORRES; LIMA, 2005), sendo explicadas por
desconhecimento acerca da enfermidade e pela manutenção secreta do problema
em razão de temores relacionados ao seu quadro obsessivo – e.g., de que o simples
fato de falar sobre seus medos determine sua concretização; ou de se
contaminarem em serviços de saúde – e/ou pelo receio de preconceitos de que
possam ser vítimas (TORRES; LIMA, 2005).
A abordagem exclusivamente farmacológica do transtorno, verificada nos
três grupos, pode indicar, e.g., desde uma resistência dos pacientes ao uso da
abordagem psicoterápica, até uma dificuldade ao seu acesso em virtude dos custos
financeiros
e
da
carência
profissional
especializada,
como
também
uma
precariedade em ações socioterápicas/educação em saúde.
A existência de associação – p<0,05 – entre os tipos de medicações em
uso pelos sujeitos com TOC e a rede de assistência – TABELA 3 – utilizada, sugere
que o tipo de medicação muda em função do local de atendimento. Indica também a
possibilidade de que a utilização dos ISRS – medicações atualmente indicadas
como “primeira linha” no tratamento (FINEBERG et al., 2007; NUTT; BALLENGER,
2009; SADOCK; SADOCK, 2007b; SADOCK; SADOCK, 2002; VERSIANI, 2001) –
sofra influência do aspecto financeiro – possuem custo relativamente alto para a
1119
população de menor renda –, da disponibilidade de outros fármacos “gratuitamente”
fornecidos pela rede pública a seus usuários e que apesar de não se constituírem no
grupo de “primeira linha” para o tratamento do TOC acabam para ele sendo
utilizado, e do grau de conhecimento acerca do problema e do seu tratamento –
medicações com melhores evidências de resultados, efeitos colaterais dos
fármacos, dentre outros. Aventamos ainda que tal diferença verificada possa sofrer
influência da gravidade dos casos do transtorno – não investigada na presente
pesquisa – sendo que uma maior gravidade poderia explicar um maior uso de
associações medicamentosas; outra limitação da pesquisa foi a não investigação
das dosagens das medicações utilizadas, o que poderia sugerir os níveis de
gravidade e iluminar essa análise.
A presença da depressão como comorbidade neste estudo, encontra
apoio nas evidências da literatura que a destacam como uma das comorbidades
encontradas do transtorno (APA, 1995; CORDIOLI, 2007; SADOCK; SADOCK,
2007b), relacionada a pior prognóstico (PETRIBÚ, 2001) e comprometimentos na
qualidade de vida (NIEDERAUER et al., 2007). Pesquisas têm indicado que grande
número de sujeitos com TOC podem estar sendo tratados apenas para suas
comorbidades (TORRES; LIMA, 2005), o que poderia levar a cronificações dos
estados patológicos associados.
Considerando a carência na literatura de estudos acerca da sobrecarga
familiar em sujeitos com TOC, os dados que usamos para comparação de resultados
referem-se principalmente a estudos de sobrecarga de familiares de pacientes
psiquiátricos – amostras contendo diagnósticos, principalmente, de esquizofrenia,
depressão, transtorno bipolar e quadros demenciais – e de impacto decorrente da
presença de sujeito enfermo na família.
As mulheres destacam-se como as principais cuidadoras (BANDEIRA;
CALZAVARA; CASTRO, 2008; BANDEIRA et al., 2007; BARROSO; BANDEIRA;
NASCIMENTO, 2007; GARRIDO; MENEZES, 2004; LEMOS; GAZZOLA; RAMOS,
2006; LOUKISSA, 1995; ROSA, 2003b; SCAZUFCA; MENEZES; ALMEIDA, 2002)
em estudos que avaliam esta ação em diversas enfermidades, estando implicadas
em maior sobrecarga. No presente estudo o gênero feminino destacou-se como
principal provedor de cuidados. A este gênero, histórica, social e culturalmente,
1120
associa-se a ação de cuidar (ROSA, 2003b). Adicionando-se às ações de
administrar o lar, a família e cuidar de seus integrantes – “saudáveis” –, e às novas
funções adquiridas dentro de um processo de lutas e conquistas pela igualdade
entre gêneros e espaços e respeito social, a situação inesperada, fora do ciclo de
vida aguardado para si e para os membros da família, do surgimento de um sujeito
com transtorno mental em seu meio.
Relacionado à idade média dos cuidadores, verificou-se valores –
TABELA 4 – na margem inferior dos apontados na literatura para cuidadores de
diversas enfermidades, que variaram de 51,40 a 73,2 anos (BANDEIRA;
CALZAVARA; CASTRO, 2008; BANDEIRA et al., 2007; BARROSO; BANDEIRA;
NASCIMENTO, 2007; GARRIDO; MENEZES, 2004; LEMOS; GAZZOLA; RAMOS,
2006; ROSE; MALLINSON; GERSON, 2006; SCAZUFCA; MENEZES; ALMEIDA,
2002).
Considerando o surgimento do TOC em sujeitos relativamente jovens,
depreendemos que o familiar-cuidador identificado como um adulto de idade média
de 46 anos dedicará considerável parte dos seus anos de vida ao provimento de
cuidados ao sujeito com transtorno grave, de evolução geralmente crônica.
Inferimos que o desempenho da função de cuidador e o fato do cuidador
ser exposto prolongadamente à situação de sobrecarga resultante do cuidar, haja
vista a natureza crônica do transtorno, possa vir a afetar a própria saúde mental
deste, podendo – as conseqüências negativas à saúde do cuidador – por sua vez
afetarem os relacionamentos, o cuidado fornecido e o próprio tratamento do
individuo com TOC.
A verificação de que a idade do cuidador difere estatisticamente entre os
grupos investigados, leva-nos a refletir que os cuidadores de sujeitos com TOC em
tratamento na rede pública, destacadamente no GCAPS, possam ser instados a
prover essa função mais precocemente em decorrência de uma falha nos serviços
em prover auxílio na tarefa de cuidar e/ou de uma falha na instrumentalização do
familiar-cuidador para a realização da função – aspectos que deveriam ser
prioritários nos novos dispositivos assistenciais – e/ou de uma rede de suporte social
deficiente. Em decorrência desta precocidade mais repercussões na vida do familiarcuidador poderão ocorrer, e.g., abandono de projetos pessoais como os estudos.
1121
Os resultados encontrados convergiram com estudos que apontam
cuidadores casados (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007; GARRIDO;
MENEZES, 2004), residindo com o familiar adoecido (BARROSO; BANDEIRA;
NASCIMENTO, 2007; GARRIDO; MENEZES, 2004; LEMOS; GAZZOLA; RAMOS,
2006; SCAZUFCA; MENEZES; ALMEIDA, 2002), apresentando freqüência diária de
contato com o enfermo (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007), e com
relação ao parentesco sendo pais (BANDEIRA; CALZAVARA; CASTRO, 2008;
BANDEIRA et al., 2007; BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007; ROSE;
MALLINSON; GERSON, 2006) ou cônjuge do enfermo (GARRIDO; MENEZES,
2004; LOUKISSA, 1995). Loukissa (1995) observou a existência de maior
experiência de sobrecarga quando o membro adoentado residia na mesma casa que
a família.
A figura da mãe destaca-se como a principal provedora de cuidados e
assistência (ROSA, 2003b), característica também evidenciada neste estudo,
reforçando-se os aspectos históricos e culturais que relacionam o cuidar à figura
feminina, ratificando a mãe como ícone do cuidar. A mulher além de ter internalizada
a função de mãe ao longo do seu desenvolvimento fisiológico, psicológico e social,
sofre pressões sociais para assumir o papel de cuidadora, mesmo à custa do
comprometimento de sua individualidade. Conjecturamos que as mães assumem a
função sem grandes possibilidades de escolha, elaborando o papel como
responsabilidade para com “o seu fruto”, ou como determinação divina, ou como
expressão de poder no grupo familiar; manifestando desde sentimentos de
descontentamento com a situação até sentimentos de prazer/satisfação pelas
conquistas porventura obtidas com o enfermo e dentro do grupo familiar.
Relativamente ao fato de residência conjuntamente, o sujeito com o
transtorno mental e seus familiares, ponderamos que possa ser resultado de uma
não efetivação de independência plena do sujeito com o transtorno mental
decorrente do surgimento deste transtorno em fase precoce da vida, às vezes
inviabilizando alguns aspectos da vida da pessoa acometida, como, e.g., os avanços
escolares plenos, os relacionamentos afetivos – conjugais – e a vida laboral; e/ou
resultado de uma estratégia de sobrevivência financeira, e/ou estratégia de cuidados
– permitindo maior possibilidade de suporte/auxílio/cuidados mais constantes pelo
cuidador, identificado na pesquisa como a mãe. A convivência com o familiar
1122
enfermo produzindo maior contato diário com o mesmo sugere a maior possibilidade
da ocorrência de acomodação aos sintomas do paciente – com os desdobramentos
daí decorrentes com relação à enfermidade –, às vezes de hostilizações, e podem
contribuir para o desenvolvimento de maiores graus de sobrecarga ao familiar
cuidador.
Divergências dos resultados deste estudo foram verificadas com
pesquisas que indicam o ensino fundamental incompleto como mais freqüente
(BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007). Constatamos melhores níveis de
escolaridade em relação a essas pesquisas, e sugerimos que a presença de
maiores níveis de escolaridade em cuidadores da rede privada, na nossa pesquisa –
TABELA 6 –, possa ser o reflexo de uma melhor condição econômica viabilizando
maior tempo de escolaridade, ou talvez de uma melhor rede de suporte familiar e
social possibilitando maior disponibilidade de tempo para os estudos.
Interessante destacar que, diversamente à questão relacionada à
presença de transtorno mental na família, o gênero feminino vem tendo destaque
com relação à escolaridade, apresentando notadamente em áreas urbanas do Brasil
em média um ano a mais de estudo que os homens; sendo no Estado do Piauí a
diferença de quase dois anos a mais
51
(IBGE, 2008a).
A situação ocupacional de desemprego e exercício de atividades do lar
(GARRIDO; MENEZES, 2004) encontrou-se apenas no grupo GHP e em valores
percentuais iguais à situação de empregado dentro do mesmo grupo. Nos demais
grupos – GCP e GCAPS – a distribuição percentual da situação ocupacional indicou
sujeitos empregados – TABELA 6.
A maior demanda financeira resultante da adição de gastos oriundos do
tratamento para o sujeito com TOC e da perda da contribuição financeira
conseqüente ao afastamento laboral do sujeito acometido pelo transtorno grave,
demandam maior necessidade de geração de renda pelos outros familiares, tendo o
cuidador que muitas vezes assumir além do papel de provimento de auxílio e
cuidados o papel de provedor econômico, resultando em maior sobrecarga a este
que sendo destacadamente do gênero feminino costumeiramente acresce mais
51
Através da PNAD de 2007 o IBGE revela que no Piauí a média dos anos de estudos em sujeitos, residentes em áreas
urbanas, de 10 ou mais anos de idade, é de 6,3 anos para os homens e 8,1 anos para as mulheres (IBGE, 2008a).
1123
estes dois encargos à tarefa de administração do lar e cuidado da família. Cabe
ressaltar o caráter discriminador do mercado de trabalho, com o gênero feminino
recebendo salários inferiores ao masculino mesmo quando desempenhando a
mesma função, acarretando ainda mais as dificuldades financeiras ao grupo familiar
destacadamente em famílias monoparentais femininas.
Observamos divergências com pesquisas que indicam a existência de
cuidados a outros enfermos (BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007),
presença de queixas de problemas pessoais de saúde pelos cuidadores
(BARROSO; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2007), e gasto de tempo no cuidar a partir
de 08h/dia (GARRIDO; MENEZES, 2004; LEMOS; GAZZOLA; RAMOS, 2006).
O aspecto do cuidar de um familiar adoecido, com transtorno mental ou
não, como característica constituinte da cultura brasileira (BARROSO; BANDEIRA;
NASCIMENTO, 2007), pode constituir-se numa razão para a consideração do
familiar/cuidador, em nossa pesquisa, de não ter gasto de tempo com o
auxílio/cuidado ou de declarar gasto mínimo de tempo – menos de duas horas/dia –
TABELA 5. Conjecturamos ainda que a crença de desígnio divino e a caridade,
elaboradas como mecanismos de enfrentamento (MACHADO; FREITAS; JORGE,
2007) do cuidador, em uma população predominantemente católica, e também,
dentro da lógica da reciprocidade do dar e receber (SARTI, 1996), que a elaboração
do provimento de cuidados como uma retribuição a cuidados recebidos ou como
investimento para que quando o cuidador necessitar também possa ser merecedor
de recebê-los, possam ser vinculados a uma não consideração de gasto de tempo
com o cuidar.
Relativamente ao sujeito com TOC, ponderamos que a declaração
familiar de não gastar ou de gasto mínimo temporal no auxílio/cuidado possa
decorrer também de aspectos como o fato daqueles estarem em tratamento
especializado
e
sem
menção
de
comprometimentos
que
demandassem
auxílio/cuidados ou a presença de familiar às consultas, além da possível não
revelação de seu diagnóstico verdadeiro ao familiar – dados esses não investigados
objetivamente, e que são assuntos para investigações futuras –, principalmente na
vigência de quadros mais brandos.
1124
Os sujeitos desta pesquisa informaram não receberem auxílio ou
orientações no cuidado a um familiar com TOC; diferentemente do verificado em
estudo sobre o impacto em cuidadores de idosos com demência (GARRIDO;
MENEZES, 2004). A necessidade da orientação, da instrumentalização e do apoio
ao cuidador justifica-se pela possibilidade de maximização da ação de cuidar,
tornando estes agentes capazes de fazê-lo por mais tempo, e pela prevenção de
conseqüências negativas à saúde destes cuidadores (WHO, 2002), assim como
também pelo potencial recurso ativo no auxílio ao tratamento, e como estratégia
para preservar sua autonomia.
As famílias figuram nos documentos oficiais do Ministério da Saúde como
parceiras do CAPS. Supõe-se assim, nos novos dispositivos assistenciais, uma
abordagem variada dos diferentes grupos familiares através de ações individuais e
grupais, de natureza assistencial, sócio-educativa e recreativa, tendo por lócus o
próprio serviço de saúde mental ou o domicílio. Não obstante seja contemplada uma
variedade de abordagens com o grupo familiar no âmbito dos CAPS, a família
parece despontar mais como sujeito passivo, a ser consumidora da assistência,
como “paciente”, do que como sujeito pró-ativo. A condição de provedora de cuidado
aparentemente desaparece do cenário, ainda que subjacente à condição de
consumidora da assistência possa estar implícito o sofrimento gerado pelas
sobrecargas. Todavia, parece estar em curso uma construção das possibilidades
dos lugares e papéis das famílias no contexto de mudança do modelo assistencial,
fato que consideramos que podemos vislumbrar também através da constatação de
menores graus de sobrecarga, verificados na presente pesquisa, no grupo relativo
ao CAPS em relação ao grupo relativo ao ambulatório do hospital psiquiátrico.
Posto que desenhado genericamente, o lugar da família está contemplado
na política em curso, diferente do modelo anterior que a inviabilizava e quando era
destacada figurava no binômio vilã-vítimia – como agente etiológico na emergência
do transtorno mental ou como vítima deste e do comportamento de seu portador.
Mas, as sobrecargas das famílias e sobretudo dos cuidadores familiares ainda
ensejam maiores investimentos na realidade brasileira e principalmente no contexto
piauiense.
1125
Investigando a existência de sobrecarga em familiar cuidador de sujeitos
com TOC, através da análise dos resultados obtidos com a aplicação da FBIS-BR,
constatamos a existência de sobrecarga nos sujeitos indicados como cuidadores.
Estudos brasileiros, destacadamente como os de Garrido e Menezes (2004),
Sazufca, Menezes e Almeida (2002) e Barroso, Bandeira e Nascimento (2007), e
investigações internacionais como, e.g., a de Loukissa (1995), indicam presença de
sobrecarga em familiares de pacientes psiquiátricos.
O sujeito com TOC, ao perceber a existência dos sintomas, que a
princípio
comumente
lhe
são
desconhecidos
enquanto
constituintes
de
características diagnósticas de um transtorno mental específico, inicia processo de
progressivo sofrimento ao qual é adicionado o temor de compartilhar os mesmos,
por receio de ser interpretado como louco, ser estigmatizado, segregado,
discriminado, ou de que seu quadro possa causar sofrimento aos sujeitos
representativos em sua vida – pais, esposo, esposa, irmãos, filhos, dentre outros –,
ou ainda por medo de que tais condutas acabem por determinar que seus temores
obsessivos se concretizem – pensamento mágico. A preservação da crítica do
sujeito acerca da sua situação é agravante do quadro e determinante de intenso
sofrimento.
Esta etapa é caracterizada por questionamentos, dúvidas e reflexões
alicerçadas e/ou reforçadas em suas representações acerca do adoecer e de
transtornos mentais, como: “o que me acontece?”, “estou ficando louco?”, “estou
perdendo o juízo?”, “por que não consigo afastar/controlar este pensamentos?”, “por
que ocorre comigo?”, “o que terei feito para merecer este castigo?”,...
Inicia então processo angustiante de busca, permeado por seus temores
e receios, de explicações nas representações sociais de seu meio acerca dos
transtornos e nas pesquisas que efetua, e.g., na internet, em revistas e em livros; em
“indagações pela tangente”, através da procura por profissionais de outras
especialidades com queixas secundárias mas com intuito de discretamente obter
informações sobre as queixas primárias não reveladas; em confissões religiosas,
onde a segurança do sigilo de confissão o protegeria de risco da exposição pública
do seu problema; dentre outras. Quando não são obtidas respostas satisfatórias,
inicia um ciclo de mais ansiedade, mais dúvidas, mais receios, mais ansiedade.
1126
Nesse contexto, a presença de pensamentos obsessivos com conteúdo
relacionado ao medo de enlouquecer, medo de ser interpretado erroneamente,
dentre outros, agrava ainda mais o sofrimento do sujeito acometido.
As compulsões surgem como uma forma de alívio para tais sofrimentos
originados pela presença das obsessões. Todavia tendem progressivamente, com o
agravamento das obsessões, a tornarem-se insuficientes no seu papel, ficando cada
vez mais elaboradas e consumindo cada vez mais tempo em sua realização, na
busca de continuarem mantendo sua tarefa de aliviar o sofrimento. Podem ainda
acabar por envolver terceiros – familiares e outras pessoas da casa – em sua
execução ou auxílio à sua realização, desencadeando processo de perpetuação de
sua existência através do reforço obtido pela assistência prestada pelas pessoas
próximas – cujo objetivo, por parte destes que prestam a assistência, tende a ser
simplesmente o de tentar reduzir o sofrimento no enfermo ou reduzir-lhe prejuízos e
comprometimentos; sem a consciência que tal auxílio pode cristalizar o quadro do
transtorno mental.
Esta participação familiar muitas vezes conseqüente de um processo de
acomodação aos sintomas do enfermo pode resultar em sobrecarga ao cuidador que
têm suas expectativas com relação ao familiar-enfermo frustradas – quebram-se as
expectativas de autonomia plena do sujeito, de saúde “perfeita” no sujeito jovem, de
fonte presente ou futura de apoio pessoal –, seus próprios projetos pessoais
prejudicados, colocados em segundo plano, além de ter que assumir novas
demandas resultantes do desempenho do papel de prestador de auxílios e cuidados
ao enfermo, muitas vezes somando-se esta nova atividade aos papéis que já
desempenha.
Observando-se a totalidade do universo pesquisado, verifica-se no
presente estudo maior grau de sobrecarga objetiva na subescala – FBIS-BR –
relativa à freqüência da assistência na vida cotidiana, e com relação à sobrecarga
subjetiva maior grau no tocante às preocupações com o sujeito com TOC – TABELA
7.
Embora o familiar-cuidador tenha informado considerável freqüência em
realizar, lembrar ou ajudar o sujeito com TOC em atividades cotidianas,
1127
caracterizadas pelo maior grau nas subescalas objetivas, revelaram pouco incômodo
pela prestação destas assistências.
No aspecto da supervisão aos comportamentos problemáticos do
paciente, percebe-se que embora o cuidador apresente menor freqüência em sua
realização, este aspecto apresentou relativamente maior incômodo ao familiar
cuidador.
Maiores graus de sobrecarga, comparando-se os três grupos pesquisados
– p<0,05 –, nos familiares cuidadores dos sujeitos com TOC foram evidenciados no
grupo do ambulatório do hospital psiquiátrico na análise dos graus de sobrecarga
das subescalas objetiva e subjetiva e dos graus de sobrecarga global objetiva e
subjetiva – TABELA 9.
Conjecturamos que fatores como, e.g., condições financeiras da família,
nível de conhecimento sobre o transtorno, gravidade do transtorno mental, graus de
acomodação dos cuidadores aos sintomas obsessivo-compulsivos, níveis de
hostilização e criticismo ao sujeito acometido com o TOC, tratamento instituído,
abordagem assistencial do serviço, rede de suporte social, freqüência de contato do
cuidador com o sujeito com o transtorno, possam estar relacionados aos maiores
graus observados no grupo.
Na avaliação de itens das subescalas – quando na evidência de
significância estatística – em apenas uma ocasião o GHP não apresentou o maior
grau de sobrecarga – item “transporte” da subescala “A” objetiva, relativo à
freqüência com que o familiar ajudou a levar o paciente a algum lugar, verificando-se
maior grau no GCAPS – TABELA 10. E no item relativo à freqüência de atrasos,
faltas ou cancelamento de compromissos pelos familiares, secundários ao cuidar do
sujeito com TOC – subescala “D” objetiva –, o GHP apresentou o mesmo grau de
sobrecarga do GCAPS, superiores ao do GCP – TABELA 12.
Os itens da subescala “assistência na vida cotidiana” objetiva,
caracterizados pela freqüência de auxílio direto ou lembrança: higiene e cuidados
pessoais, administração de medicamentos, ocupação do tempo e consultas médicas
e atividades de tratamento, apresentaram maior grau de sobrecarga – p<0,05 – no
1128
grupo GHP; enquanto o maior grau no item transporte – p<0,05 – ocorreu no
GCAPS – TABELA 10.
Sugerimos que o maior grau de sobrecarga verificado possa ser resultado
de um possível maior grau de acomodação familiar aos sintomas, e/ou de uma
possível maior gravidade do transtorno nos sujeitos do GHP resultando em maiores
comprometimentos no funcionamento pessoal dos sujeitos com TOC.
Ponderamos no observado com relação ao CAPS, que o fato deste ser o
único serviço de atenção à saúde mental na cidade em que foi escolhido para a
coleta de dados do grupo, e ainda que presta atendimento a sujeitos de outras
localidades, possa ter influenciado o resultado pela distância do serviço às
residências dos usuários. Inferimos ainda que a ausência de um serviço de
transporte público coletivo na cidade também possa ter influenciado o grau de
sobrecarga.
Na subescala “supervisão de comportamentos problemáticos” objetiva,
apenas o item “tentativa ou ameaça de suicídio” apresentou significância – p<0,05 –,
com maior grau de sobrecarga no GHP – TABELA 11.
Refletimos que maiores níveis de gravidade do TOC possam estar
presentes nos sujeitos do GHP, talvez em decorrência de aspectos como, e.g.,
maior demora para buscar tratamento, abordagem terapêutica insatisfatória e
características do TOC – resistência e refratariedade aos tratamentos disponíveis.
Com relação ao impacto nas rotinas diárias do familiar cuidador, apenas
os itens “atraso ou ausência a compromissos” e “alterações das atividades sociais e
lazer” apresentaram diferenças nos três grupos – p<0,05 –; no primeiro item o maior
grau de sobrecarga foi igualmente no GCAPS e no GHP; e no segundo no GHP –
TABELA 12.
Consideramos que uma rede de suporte social e familiar deficitária ou
inexistente possa ser responsável pelo maior grau de sobrecarga nestes itens, e
que, além disto, aspectos como a gravidade do transtorno, o nível de
comprometimento e a abordagem terapêutica instituída, possam também influenciar
nas rotinas diárias do cuidador.
1129
A investigação dos graus de sobrecarga na esfera subjetiva – FBIS-BR –
indicou diferenças – p<0,05 –, nas subescalas “A” e “E”, no grupo do hospital
psiquiátrico. O mesmo sendo verificado com relação ao grau de sobrecarga global
subjetiva, também maior no GHP – TABELA 9. Indicando que os cuidadores deste
grupo sentem-se, percebem-se, mais sobrecarregados, mais incomodados, com
relação ao fato de prestarem assistência, e mais preocupados com o sujeito com o
TOC – seu presente e seu futuro.
Essa sobrecarga subjetiva talvez possa ser conseqüência de fatores
como, e.g., o grau de acomodação familiar, a gravidade do transtorno mental, a
modalidade do tratamento aplicado e as condições de vida – moradia, acesso à
educação, situação financeira. Assim como a falta de percepção positiva acerca do
futuro, e a concentração do cuidar recaindo sobre uma única pessoa.
Conjecturamos que os sentimentos relacionados à percepção de que
investimentos temporais e emocionais consideráveis não impliquem em retorno na
forma de mais autonomia/independência do sujeito com o transtorno, possam levar à
exaustão do cuidado com a intensificação de sentimentos de impotência no
cuidador.
Na dimensão relativa à subescala “A” subjetiva, apenas o item referente
ao grau de incômodo ao auxiliar, lembrar ou ajudar o enfermo a realizar tarefas de
casa apresentou diferença entre os grupos – p<0,05 –, com maior grau de
sobrecarga no grupo GHP – TABELA 13.
Especulamos que talvez como resultado direto do TOC, conduzindo o
sujeito à perda de tempo com as obsessões, prejudicando a disponibilidade temporal
para a realização de tarefas cotidianas. No GHP, a interferência das compulsões
não bastaria como explicação, haja vista a ocorrência de maior freqüência no grupo
de quadros com predominância de obsessões.
O item da subescala “B” subjetiva – tentativa ou ameaça de suicídio –
apresentou diferença p<0,05; indicando maior grau de sobrecarga no grupo GHP –
TABELA 14.
Sugerimos que este aspecto possa decorrer de uma possível maior
gravidade do TOC nos sujeitos deste grupo, e/ou de uma possível menor
1130
investigação e abordagem do assunto pelos profissionais nos sujeitos com o
transtorno. As tentativas de suicídio, consideravelmente elevadas no TOC
(TORRES; LIMA, 2005), assim como as ameaças e comentários do sujeito com o
transtorno acerca de suicidar, apresentaram elevados graus de sobrecarga em
familiar-cuidador, investigada através da FBIS-BR, tanto relativamente à freqüência
com que este teve de evitar ou impedir tentativas, ameaças ou comentários acerca
de suicidar, como referente ao grau de incômodo gerado pelas tentativas, ameaças
ou comentários referentes ao assunto; ressaltando-se assim a necessidade de
inclusão em protocolo de consultas da investigação de ideações e planejamentos
suicidas no individuo com o TOC, como também da sua investigação em familiares,
na busca constante de reduzir prevalências no sujeito com o transtorno mental e
conseqüências nos familiares.
Na subescala “E” subjetiva, apenas o item relativo às preocupações com
as condições de moradia atual do enfermo apresentou significância (p<0,05),
revelando maior grau de sobrecarga no GHP – TABELA 15. Possivelmente como
decorrência de menor condição financeira, no referido grupo.
Avaliando comparativamente os três grupos pesquisados, supomos então
que a constatação de maiores graus de sobrecarga nos grupos da rede pública
possa sofrer influência do nível de instrução tanto dos cuidadores como dos
enfermos, comparativamente menores que o dos elementos da rede privada, e
também do tipo de fármaco em uso pelo sujeito com TOC – no GCP verificamos
maiores valores percentuais de sujeitos em uso de ISRS, medicações de “primeira
linha” para o tratamento farmacológico. A presença de associação – p<0,05 – entre
os grupos – GCP, GCAPS e GHP – e o grau de instrução do sujeito com TOC e
também do familiar cuidador, e a associação entre os grupos e o tipo de medicação
em uso pelo enfermo, sugerem que estes aspectos mudem em função do local de
atendimento (TABELAS 2, 3, 6). Refletimos ainda a possibilidade das características
históricas da forma de atendimento ambulatorial hospitalar influenciar a presença
dos maiores graus de sobrecarga em familiares cuidadores.
Embora os instrumentos utilizados não sejam destinados diretamente à
avaliação de serviços, ventilamos que a característica histórica de atendimento
ambulatorial voltado para a medicalização, em detrimento de abordagens
1131
socioterápicas e educativas; a falha no envolvimento do familiar – também capaz
tanto de identificar recaídas, agravamento de quadro, tratamento irregular, como
auxiliar em suas prevenções – como recurso no arsenal do tratamento; a falha em
percebê-lo como sujeito demandante de auxílio e de instrumentalização no
provimento de cuidado/auxílio ao portador de transtorno mental, e também – o
próprio familiar – carente de cuidados; possam ser fatores relacionados à
determinação de maior sobrecarga em familiares dos usuários da rede pública
investigada nesta pesquisa. Além destes, aventamos que outros fatores como as
características relativas à insuficiência de profissionais na área de psicologia, serviço
social e enfermagem, no quadro de recursos humanos da rede pública implicando
em atendimentos mais breves, pela enorme demanda por consultas
52, 53
, e a
carência de trabalho articulado em rede – com sistema de referência e contrareferência adequadamente implantado e em ação – com outros serviços; também
possam ser fatores relacionados à maior sobrecarga em familiares dos usuários da
rede pública investigada.
Destacamos que as variáveis: parentesco, fato de residir com o sujeito
com o TOC e a freqüência do contato com este; constituem-se fatores de confusão
na análise dos graus de sobrecarga global nos três grupos investigados, com base
em resultados de análise multivariada realizada.
Refletimos que os graus de sobrecarga observados nos diferentes grupos
investigados possam ser resultantes da influência gravidade do TOC nos pacientes
entrevistados e não simplesmente do local em que é realizado o tratamento,
constituindo-se a ausência da investigação da gravidade dos pacientes em uma
limitação existente no presente estudo.
52
Calculou-se, com base em informações do Setor de Arquivo Médico – SAME – do ambulatório do hospital psiquiátrico, que
no ano de 2009 foram efetuadas no referido ambulatório, média de 3242,50 atendimentos/mês dentre todos os profissionais de
nível superior que prestam atendimento no serviço; com média de 2438,08 consultas com médicos-psiquiatra/mês – 75,19% do
total de atendimentos realizados no serviço.
53
Segundo informações do CAPS, no ano de 2009, calculou-se média de 235,25 atendimentos/mês realizados pelos
profissionais: médico-psiquiatra e psicólogo, sem discriminações de atendimentos por estes grupos profissionais.
1132
6 CONCLUSÕES
O TOC resultou em sobrecarga, objetiva e subjetiva, na totalidade dos
familiares identificados como “cuidador” investigados no presente estudo.
O perfil do sujeito com TOC caracteriza-se por sujeitos de ambos os
gêneros, com idade média de 36,00 anos, católico, desempregado, sem renda, que
reside com o(a) esposo(a) e filhos, com uma latência para o diagnóstico – do
surgimento dos primeiros sintomas ao diagnóstico – de 9,78 anos, e em
farmacoterapia. Observando-se os grupos investigados, verificaram-se maiores
valores percentuais na rede pública para os aspectos do nível de escolaridade
menor, sujeitos tendo como chefe de família o cônjuge, e encontrando-se em
tratamento há menos de um ano. Na rede privada identifica-se como sendo o chefe
da família, em tratamento há mais de dois anos, e em uso de medicações inibidoras
da recaptação de serotonina – ISRS.
Com relação ao familiar cuidador, o perfil identificado foi o de uma mulher,
geralmente a mãe do enfermo, com idade média de 46,04 anos de idade, casada,
católica, que reside com o sujeito com TOC, com quem tem contato diário, sem
queixas de sintomas secundários ao cuidar e sem receber ajuda/informações no
cuidado/auxílio do enfermo. Observando-se os grupos avaliados, verificaram-se
maiores valores percentuais na rede pública, para as características de possuírem o
ensino médio completo e terem renda mensal inferior a dois salários mínimo. Nos
grupos do ambulatório do hospital-psiquiátrico e da clínica privada indicaram não
considerar que gastem tempo com o cuidar diário do familiar enfermo.
Prestar assistência na vida cotidiana – dentro da dimensão objetiva – e
preocupações com o sujeito com TOC – na dimensão subjetiva –, caracterizou-se
pelos maiores graus de sobrecarga na totalidade dos familiares cuidadores.
Maiores graus de sobrecarga nos familiares cuidadores dos sujeitos com
TOC foram evidenciados no grupo do ambulatório do hospital psiquiátrico,
comparativamente aos grupos da clínica privada e do CAPS.
1133
Não foi possível estabelecer relações entre características individuais –
do sujeito com TOC e do familiar cuidador – e a existência e o tipo de sobrecarga,
haja vista que em todos os sujeitos pesquisados houve pontuação indicativa de
sobrecarga.
Elevados
graus
relativos
de
sobrecarga
verificados
indicam
a
necessidade de investimentos em informação – enfermidade, cuidados – pelos
serviços
e
profissionais,
envolvimento
orientado/supervisionado
de
familiares/cuidadores nos tratamentos, além de justificarem a investigação rotineira
de graus de sobrecarga nos familiares e de conseqüências do cuidar, buscando
promover a saúde tanto do enfermo como do familiar-cuidador e da família, com
todos os seus desdobramentos – gastos, qualidade de vida, relacionamentos, dentre
outros –, além do aprimoramento dos serviços de saúde.
Destacamos dentre as indicações para estudos futuros, a avaliação em
sujeitos com TOC “nunca tratados” e em diferentes estágios de tratamento, o uso de
escalas que investiguem a gravidade dos transtornos – para avaliar este aspecto
como fator de confusão na análise da sobrecarga –, a influência do suporte social,
estudos sobre o nível de reserva dos sujeitos com TOC em relação a
compartilhamento de problema com familiares, e estudos de sobrecarga em outras
enfermidades, com uso de instrumentos adaptados e validados permitindo
comparabilidade entre pesquisas.
Recomendamos, baseados nos resultados verificados neste estudo,
investimentos mais incisivos em ações de promoção e educação em saúde tanto
para os sujeitos com TOC como para os familiares cuidadores, visando redução de
conseqüências
negativas
para
ambos,
aperfeiçoamento
de
intervenções
terapêuticas, desenvolvimento e aprimoramento de conhecimentos na comunidade
acerca do transtorno mental, assim como da capacidade crítica dos usuários dos
serviços, redução de estigmas e preconceitos no sujeito, na família e na sociedade –
favorecendo também a busca de tratamento por aqueles que necessitam, e que
desconheçam o problema ou temam revelá-lo.
Recomendamos aos sujeitos com TOC a procura por auxílio precoce, sem
receios ou preconceitos a respeito do seu estado, da Psiquiatria e de tratamentos
em saúde mental; buscando discutir com seus profissionais assistentes acerca de
1134
seu problema,
suas dúvidas e
temores,
consciente de seus
direitos
e
responsabilidades relacionadas ao seu tratamento.
Recomendamos aos cuidadores de sujeitos com TOC que busquem
efetivamente os serviços de assistência, procurem esclarecer suas dúvidas com os
profissionais, solicitem sua instrumentalização para o provimento de cuidados,
participem efetivamente do tratamento do seu familiar com transtorno mental,
procurem participar do cotidiano dos serviços, auxiliando no seu aperfeiçoamento,
com críticas e sugestões positivas.
Sugerimos aos profissionais da área de saúde, mental ou não, que
investiguem ativamente a existência de TOC em todos os sujeitos atendidos,
observando as dificuldades singulares aos mesmos, assim como atentem para
riscos de suicídio; que convidem os familiares a participar de algumas consultas –
com a anuência do sujeito com o transtorno mental –; que estimulem os familiares a
comentar sobre as dificuldades do membro com o transtorno e também sobre as
suas próprias dificuldades resultantes da existência e do provimento de
cuidados/auxílios a um sujeito com TOC. Para tanto sugerimos a realização amiúde
de treinamentos na área de saúde mental com ênfase no TOC, e destaque para a
questão do cuidador e da família como um todo. Recomendamos ainda que estes
profissionais investiguem também a existência de sintomas psiquiátricos e
psicológicos em cuidadores, buscando identificar situações potenciais e reais de
transtornos mentais nestes, como resultado do desempenho desta função, ou não, e
com essas informações prestar atendimento preventivo e/ou tratamento adequado
aos sujeitos que necessitem, além de com as informações obterem subsídios para o
aperfeiçoamento do tratamento dos sujeitos com TOC.
Recomendamos aos serviços de atendimento em saúde mental a
incorporação mais efetiva dos familiares-cuidadores como parceiros, estimulando-os
a participar
produtivamente
dos
serviços e
ativamente
no
tratamento
e
acompanhamento de seus entes com transtornos mentais. Sugerimos a realização
periódica de avaliação de satisfação de familiares, com intuito de verificar
dificuldades percebidas ou vivenciadas por estes na vivência com os serviços,
através da utilização de instrumentos validados que permitam a comparabilidade
entre serviços e assim possam também servir como recurso de avaliação para o
1135
desenvolvimento e aperfeiçoamento de Políticas Públicas específicas. Indicamos
também o trabalho com a comunidade, estimulando e desenvolvendo uma
adequada rede social de suporte.
Recomendamos aos gestores a implantação de mais serviços de
atendimento em saúde mental, dentro do processo de Reforma do modelo de
assistência em Psiquiatria vigente; a supervisão constante dos serviços existentes,
no relativo à observância mais efetiva às Políticas Públicas em Saúde Mental
existentes, especificamente com relação à família; o aprimoramento dos serviços já
implantados; a inclusão de medicações específicas para o TOC nos programas de
medicamentos gratuitos dos governos locais. Sugerimos também a criação de
oficinas de geração de renda para os usuários dos serviços como recurso
terapêutico e de reinserção social e inclusão no mercado de trabalho, e a criação de
programas de inserção laboral para os cuidadores como estratégia de auxílio na
geração de renda para o grupo familiar e como mecanismo para estimular o
desenvolvimento da divisão da tarefa de cuidar pelo cuidador principal.
Indicamos o desenvolvimento urgente da rede de atenção à saúde mental
nos locais ainda inexistentes e a manutenção e aprimoramento nos onde já foram
iniciados, destacando a participação dos serviços de educação dentro da rede,
propiciando a disseminação de conhecimentos na comunidade com todos os
desdobramentos positivos daí oriundos, e possibilitando a continuidade do
desenvolvimento escolar dos sujeitos com transtorno mental e de seus familiares.
Sugerimos o aperfeiçoamento e a criação de sistemas de informação em
saúde mental, com registros fidedignos e atualizados, que envolvam toda a rede;
possibilitando a consolidação desta, que permitam liberdade de deslocamento ao
usuário dos serviços, que propiciem banco de informações para pesquisas e que
sirvam de instrumentos aos gestores para a avaliação, administração e
desenvolvimento de novos serviços e novas Políticas de Saúde.
Recomendamos a observância mais efetiva às Políticas Públicas em
Saúde Mental vigentes por todos os envolvidos no processo, assim como a
avaliação continuada das mesmas; envolvendo cada vez mais os sujeitos com
transtorno mental, os seus familiares, os trabalhadores do setor, a comunidade e o
universo
acadêmico,
através
de
seus
representantes
organizados,
no
1136
aperfeiçoamento ou elaboração das Políticas voltadas aos sujeitos com transtornos
mentais, pautadas nos seus direitos legalmente constituídos, e de Políticas dirigidas
especificamente para os familiares – observando suas reais necessidades e a sua
importância para o processo de Reforma, para a saúde mental do sujeito com
transtorno mental e da família.
1137
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1148
APÊNDICES
1149
149
APÊNDICE A – Formulário A (para o indivíduo com TOC).
Universidade Federal do Piauí.
Centro de Ciências da Saúde.
Mestrado em Ciências e Saúde.
Data: _____/______/_____.
FORMULÁRIO A: PERFIL INDIVÍDUO-TOC
Nome:__________________________________________________________
AA) Gênero:
1. (
) Masculino
2. (
AB) Idade: _______ anos.
AC) Estado civil:
1. (
) solteiro(a).
2. (
) casado(a) /amasiado(a).
3. (
) separado(a) /divorciado(a).
4. (
) viúvo(a).
9. (
) outros.
AD) Procedência:
1. (
) Teresina-PI.
2. (
) outras cidades do Piauí.
3. (
) outros Estados.
AE) Grau de instrução:
1. (
) analfabeto(a).
2. (
) alfabetizado(a).
3. (
) ensino fundamental incompleto.
4. (
) ensino fundamental completo.
5. (
) ensino médio incompleto.
6. (
) ensino médio completo.
7. (
) curso superior incompleto.
8. (
) curso superior completo.
AF) Religião:
1. (
) Católica.
2. (
) Evangélica.
3. (
) Espírita.
4. (
) Ateu/não segue religião.
9. (
) Outras.
) Feminino
1150
150
AG) Ocupação:
1. (
) Desempregado(a) / do lar.
2. (
) Empregado(a) com carteira assinada.
3. (
) Aposentado(a).
4. (
) Autônomo(a).
5. (
) recebendo benefício. Tipo? _______________________________
9. (
) Outras.
AH) Qual o valor da sua renda mensal (quanto ganha por mês)?
1. (
) < 01 salário mínimo.
2. (
) 01 a 02 salários mínimos.
3. (
) 2,1 a 3 salários mínimos.
4. (
) 3,1 a 4 salários mínimos.
5. (
) mais de 04 salários mínimos.
6. (
) não tem renda.
AI) Com quem o(a) senhor(a) mora?
1. (
) sozinho(a).
2. (
) com os pais e irmãos (se houverem).
3. (
) com os pais, irmãos (se houverem) e outros parentes.
4. (
) com a mãe e irmãos (se houverem).
5. (
) com o pai e irmãos (se houverem).
6. (
) com os irmãos.
7. (
) com o(a) esposo(a) e os filhos (se houverem).
9. (
) outros.
AJ) Quem é o chefe da família?
1. (
) o próprio indivíduo.
2. (
) o pai.
3. (
) a mãe.
4. (
) irmãos.
5. (
) esposo(a).
9. (
) outros. Quem? _______________________.
AK) Há quanto tempo o(a) senhor(a) encontra-se em tratamento para a doença atual?
1. (
) < 01 ano.
2. (
) 01≤ e <02 anos.
3. (
) 02≤ e <04 anos.
4. (
) 04≤e <08anos.
5. (
) 08≤e <16anos.
6. (
) ≥16anos.
1151
151
AL) Que tipo de tratamento é realizado?
1. (
) Farmacológico.
2. (
) Psicoterápico.
3. (
) Ambos.
AM) Qual a medicação usada (no caso de tratamento farmacológico)?
1. (
) ISRS.
2. (
) Outros antidepressivos.
3. (
) Antipsicóticos.
4. (
) Benzodiazepínicos.
9. (
) Outros.
AN) Qual a sua idade quando o(a) senhor(a) apresentou o problema (primeiros sintomas)?
_____________anos.
AO) Qual a sua idade quando o(a) senhor(a) recebeu o diagnóstico?
_____________anos.
AP) O(A) senhor (a) encontra-se em tratamento para outra doença?
1. (
) Sim.
2. (
) Não.
Qual? ________________________________________________________
AQ) CID-10: __________________
1152
152
APÊNDICE B – Formulário B (para o familiar do indivíduo com TOC).
Universidade Federal do Piauí.
Centro de Ciências da Saúde.
Mestrado em Ciências e Saúde.
Data: _____/______/_____.
FORMULÁRIO (B): PERFIL CUIDADOR
Nome:__________________________________________________________
BA) O(A) senhor(a) encontra-se em tratamento para alguma doença mental?
1(
) Sim.
Qual? ______________ __________________________________________
2. (
) Não. (passar para BC)
BB) A sua doença começou após a doença do(a) Sr. (ª) NOME (paciente)?
1. (
) Sim.
2. (
) Não.
BC) O senhor (a) cuida de outro doente além do(a) Sr. (ª) NOME (paciente)?
1. (
) Sim.
2. (
) Não.
BD) Gênero:
1. (
) Masculino
2. (
BE) Idade: _______ anos.
BF) Grau de instrução:
1. (
) analfabeto(a).
2. (
) alfabetizado(a).
3. (
) ensino fundamental incompleto.
4. (
) ensino fundamental completo.
5. (
) ensino médio incompleto.
6. (
) ensino médio completo.
7. (
) curso superior incompleto.
8. (
) curso superior completo.
BG) Procedência:
1. (
) Teresina-PI.
2. (
) outras cidades do Piauí.
3. (
) outros Estados.
) Feminino
1153
153
BH) Estado civil:
1. (
) solteiro(a).
2. (
) casado(a).
3. (
) separado(a) /divorciado(a).
4. (
) viúvo(a).
9. (
) outros.
BI) Religião:
1. (
) Católica.
2. (
) Evangélica.
3. (
) Espírita.
4. (
) Ateu/não segue religião.
9. (
) Outras.
BJ) Ocupação:
1. (
) Desempregado(a) / do lar.
2. (
) Empregado(a) com carteira assinada.
3. (
) Aposentado(a).
4. (
) Autônomo(a).
5. (
) recebendo benefício. Tipo? _______________________________
9. (
) Outras.
BK) Qual o valor da sua renda mensal (quanto o senhor ganha por mês)?
1. (
) < 01 salário mínimo.
2. (
) 01 a 02 salários mínimos.
3. (
) 2,1 a 3 salários mínimos.
4. (
) 3,1 a 4 salários mínimos.
5. (
) mais de 04 salários mínimos.
6. (
) não tem renda.
BL) Parentesco (com o paciente):
1. (
) Pais.
2. (
) Avós.
3. (
) Irmãos.
4. (
) Cônjuge.
5. (
) Outro parentesco.
9. (
) Outros (amigo, vizinho,...).
( )
( )
BM) Há quanto tempo o(a) Sr. ª é cuidador(a) do(a) Sr. ª NOME (paciente)? ________________
BN) Qual o comportamento/ritual do(a) Sr. (ª) NOME (paciente) que mais lhe incomoda?
1154
154
____________________________________________________________________________
BO) Sente algum sintoma físico, resultado do cuidar do(a) Sr. (ª) NOME (paciente)?
1. (
) Sim.
2. (
) Não.
Qual (o principal)?______________________________________________
BP) O(A) Sr.(ª) reside com o(a) Sr.(ª) NOME (paciente)?
1. (
) Sim.
2. (
) Não.
BQ) Qual a freqüência de contato com o(a) Sr. (ª) NOME (paciente)?
1. (
) Diário.
2. (
) Semanal.
3. (
) Mensal.
4. (
) Menos que 01 vez/mês.
BR) Quanto tempo o(a) Sr.(ª) gasta diariamente no cuidado/auxílio do(a) Sr. (ª) NOME (paciente)?
1. (
) < 02 horas.
2. (
) 02 a 06 horas.
3. (
) 06 a 12 horas.
4. (
) 24 horas (o dia todo).
5. (
) Não considera que gaste tempo.
BS) O(A) Sr.(ª) recebe alguma ajuda/orientação no cuidado/auxílio do(a) Sr. (ª) NOME (paciente)?
1. (
) Sim, de outros familiares.
2. (
) Sim, de amigos.
3. (
) Sim, do serviço de saúde (médicos, enfermeiras, auxiliares,...).
4. (
) Não.
1155
ANEXOS
1156
ANEXO A – Escala de avaliação da sobrecarga dos familiares (FBIS-BR).
1157
166
ANEXO B – Módulo Depressão (MINI-core): autorizado para reprodução nesta
dissertação.
167
1158
ANEXO C – Autorização para reprodução do módulo “Episódio Depressivo Maior” do
MINI nesta dissertação.
168
1159
ANEXO D – Certificado de treinamento obrigatório para utilização do MINI.
169
1160
ANEXO E – Certificado de treinamento oficial para utilização do MINI.
170
1161
ANEXO F – Autorização: Comitê de Ética em Pesquisa.
171
1162
ANEXO G – Autorização: Comitê de Ética em Pesquisa.
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