Mortalidade indígena supera média em 70%

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Mortalidade supera média em 70% de
áreas indígenas no MS
FLÁVIA MARREIRO, da Folha de S.Paulo.
A saúde da criança indígena no Brasil tem um ranking surpreendente e
grave: Mato Grosso do Sul --onde 11 crianças morreram este ano por
desnutrição --aparece apenas em 15º lugar, listados os índices de
mortalidade infantil registrados em 2004.
Entre cerca de 12 mil xavante, a mortalidade infantil em 2004
alcançou 133 mortes por mil nascidos vivos --índice 22% maior que
2003 e 5,5 vezes maior que a média nacional. Foram 36 bebês mortos
em 2004.
Além da causa mais chocante das mortes, a fome, os dados jogam luz
sobre o atendimento de saúde de 434 mil índios espalhados nas
aldeias do país 29% dessa população tem até 9 anos.
"Não é só na mortalidade que há este abismo entre os indicadores da
população geral e os indígenas. É educação, no acesso a tudo", diz o
pediatra Renato Yamamoto, que coordenou a publicação de um
manual sobre a criança indígena, parceria da Sociedade Brasileira de
Pediatria e a Funasa.
As razões para o abismo são apontadas por médicos e antropólogos:
além do acesso à terra e conflitos ligados à questão, há problemas na
política de saúde.
Não se pode falar de padrão de atendimento na saúde indígena. O
serviço avaliado como satisfatório no Parque do Xingu (MT), onde a
mortalidade infantil foi de 36,5, não se repete no distrito Vale do
Javari (AM), onde o índice é 85 e nove crianças morreram por
desnutrição em 2004. No geral, os resultados, díspares de um ano
para o outro em cada área, são fruto da situação de cada povo
(epidemias, conflitos) no período e das turbulências do modelo
administrativo de saúde.
Preparo para o trabalho
Um dos nós do sistema é a mão-de-obra. A Funasa não tem
instrumental suficiente para supervisar todas as entidades
conveniadas. Não tem como garantir, portanto, que todos os
profissionais em campo saibam lidar com o público nem que tenham
um mínimo de permanência na função.
As duas condições são essenciais para o sucesso do atendimento tanto
das crianças como da população em geral, diz o médico Douglas
Rodrigues, coordenador do Projeto Xingu, da Universidade Federal de
São Paulo, há 40 anos na área. Para ele, o argumento de que a cultura
de cada etnia dificulta o trabalho, como foi dito no caso de MS, é
falacioso.
"É uma inversão. Tem de estabelecer um diálogo intercultural. Aqui no
Xingu, não só não atrapalha [a medicina tradicional], como ajuda. Um
dia apliquei um soro em uma criança enquanto o pajé rezava do lado.
Os médicos têm de ter conhecimento mínimo de outros sistemas de
cura, de antropologia", diz Rodrigues.
O antropólogo Gilberto Azanha, que trabalha na região do distrito do
Vale do Javari, também alerta para as especificidadades do trabalho.
"Há sim barreiras culturais. Os índios tem uma teoria do corpo. A
Funasa diz coisas de cima para baixo. "Micróbio é micróbio". Para eles,
não. É uma noção complicadíssima, abstrata."
Mas para o chefe do Dsei Xavante, Paulo Félix, as dificuldades culturais
ajudam a explicar o mau resultado do distrito. "Temos vários
problemas com isso. Há pouco espaço entre as gestações, o que
interrompe a amamentação, há hierarquia alimentar [adultos comem
primeiro], há resistência aos profissionais", diz. Admite, porém, que a
rotatividade de pessoal é grande e que a capacitação resume-se a um
seminário.
Edson Beiriz, administrador-executivo da Funai na região, cobra
trabalho integração da Funasa. "Não tem como impor uma visão de
mundo. Esse tipo de problema [de relacionamento com os índios] não
ocorre com a Funai."
Dieta e emergência
A ação em Dourados, no MS, onde a política de emergência da Funasa,
do Ministério do Desenvolvimento Social e da Funai tem sido a
distribuição de cestas básicas, também sofre críticas. Para Douglas
Rodrigues as cestas podem ter efeito limitado também quanto à
questão nutricional: "A dieta dos guarani é monótona, mas
balanceada. Tiro pelos povos do Xingu. É mandioca, peixe e três ou
quatros tipos de frutas. Quando se substitui por arroz, macarrão,
desbalanceia".
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