RELATO DE CASO Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 set-out;10(5):446-9 Abordagem fisioterapêutica em paralisia facial após carcinoma adenoide cístico. Relato de caso* Physiotherapeutic approach in facial paralysis following adenoid cystic carcinoma. Case report Héglynn de Souza Franca1, Claudia Puzzoni Volpato2, Sidnei Weber Fernandes2, Nilza Aparecida Almeida de Carvalho3, Diego Galace Freitas4 *Recebido do Setor de Reabilitação da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. São Paulo, SP. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Após busca na literatura, foi observado que a atuação da fisioterapia em indivíduos com paralisia facial (PF) depois de retirada de tumores, não é bem descrita, portanto o objetivo deste estudo foi apresentar os resultados ­obtidos com um programa de reabilitação fisioterapêutica aplicado a uma paciente portadora de PF após a retirada de tumor cístico de adenoide em órbita esquerda. RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 41 anos, diagnosticada com carcinoma adenoide cístico em órbita esquerda, apresentando sinais e sintomas de paralisia do nervo facial. Na avaliação inicial, relatou ter realizado três procedimentos cirúrgicos para ressecção do tumor, retirada do globo ocular esquerdo e parte do osso temporal, porém evoluiu com metástase no sistema linfático e paralisia do nervo facial. Apresentou paralisia e anestesia dos músculos da hemiface esquerda, diminuição da abertura bucal e cicatriz cirúrgica na região lateral esquerda do pescoço estendendo-se a frente do pavilhão auditivo, até o couro cabeludo. Foi então proposto um programa de tratamento fisioterapêutico, com os objetivos de estimular as funções motoras, sensitivas e aumentar a amplitude de movimento (ADM) da abertura bucal. CONCLUSÃO: A abordagem fisioterapêutica associada à ressecção do tumor promoveu melhora clínica quanto à ADM da articulação temporomandibular, sensibilidade da hemiface aco1. Fisioterapeuta Especializanda em Fisioterapia Musculoesquelética pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil 2. Fisioterapeuta Aprimoranda em Fisioterapia Musculoesquelética pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil 3. Fisioterapeuta Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil 4. Fisioterapeuta Supervisor do Curso de Fisioterapia Musculoesquelética da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil Apresentado em 14 de novembro de 2011 Aceito para publicação em 13 de julho de 2012 Endereço para correspondência: Diego Galace de Freitas Rua Dr. Cesário Mota Jr, 112 – Vila Buarque 01221-020 São Paulo, SP. Fone: (11) 7740-5911 E-mail: [email protected] © Sociedade Brasileira de Clínica Médica 446 metida, bem como aumento de força dos músculos supraciliar e orbicular da boca. Descritores: Carcinoma adenoide cístico, Fisioterapia, Paralisia facial. SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: After literature review, we observed that the role of physical therapy in patients with facial paralysis (FP) after tumor removal is not well described; therefore, the objective of this study was to evaluate the results after a physical therapy rehabilitation program applied to a patient with FP following removal of adenoid cystic tumor in the left orbit. CASE REPORT: Female patient, 41 years, diagnosed with adenoid cystic carcinoma in left orbit, with symptoms and signs of facial nerve paralysis. In the first assessment she reported having undergone three surgical procedures for tumor resection, removal of left eyeball and part of the temporal bone, but had metastasis to the lymphatic system, and facial nerve paralysis. She had anesthesia and paralysis of the muscles on the left hemiface, reduced mouth opening, and surgical scar on the left lateral neck extending forward to the ear, up to the scalp. A physical therapy program was proposed with the objective of stimulating motor and sensory functions, and increasing mouth range of motion (ROM). CONCLUSION: Physical therapy approach associated with tumor resection provided clinical improvement of temporomandibular joint ROM, improvement of sensitivity of affected hemiface, as well increased strength of supercilii and orbicular oris muscles. Keywords: Adenoid cystic carcinoma, Facial paralysis, Physical therapy. INTRODUÇÃO A paralisia facial (PF) é uma doença que ocorre pela interrupção do influxo nervoso em qualquer segmento do nervo facial1. O nervo facial, VII par craniano, é responsável pela inervação dos músculos da mímica facial, gustação nos dois terços anteriores da língua e secreção das glândulas salivares, nasais, palatinas e lacrimais1,2. A principal característica apresentada por pacientes com PF é paralisia dos músculos faciais, acompanhada de alterações sensitivas, lacrimais, salivares ou ainda auditivas3. Exercícios terapêuticos da mímica facial associados com estimulação tátil e térmica, eletroterapia e feedback visual tem sido amplamente descritos na literatura como Abordagem fisioterapêutica em paralisia facial após carcinoma adenoide cístico. Relato de caso tratamentos eficazes em pacientes com este tipo de alteração2-4. A PF pode ser classificada como central, quando as alterações de mobilidade incidem apenas nos músculos do terço inferior da hemiface contralateral, ou ainda periférica, quando as alterações acometem toda a hemiface homolateral à lesão nervosa1. Esta doença pode ser causada por diversos fatores tais como: trauma, infecção, iatrogenia, alterações congênitas e vasculares; fatores tóxicos, metabólicos ou idiopáticos; e ainda por neoplasias1,3,5,6. Dentre as neoplasias causadoras de PF, está o carcinoma adenoide cístico (CAC) que se trata de um tumor maligno raro, de crescimento lento, que se desenvolve nas glândulas parótidas, submandibulares, salivares acessórias e lacrimais. Acomete principalmente pessoas entre 50 e 70 anos, tem característica agressiva e grande probabilidade de recidiva e metástases7-9. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi apresentar os resultados obtidos com um programa de reabilitação fisioterapêutica aplicado a uma paciente portadora de PF após a retirada de tumor cístico de adenoide em órbita esquerda. lo de um dia entre eles. As sessões tiveram duração de 30 minutos cada. Os objetivos do tratamento foram estimular as funções motoras e sensitivas, bem como aumentar a amplitude de movimento (ADM) da abertura bucal. Para a estimulação das funções motoras foram utilizados exercícios com tapping nos músculos supraciliar, solicitando que a paciente “aproximasse as sobrancelhas”, músculo frontal com comando de voz para que “elevasse as sobrancelhas”, orbicular dos olhos estimulando a paciente a “fechar os olhos”, depressor do lábio inferior, com o comando para que “abaixasse o lábio inferior” e orbicular da boca e risórios, solicitando que a paciente “sorrisse”, “mostrasse os dentes” e “assoviasse”, sempre a frente de um espelho para que houvesse também um feedback visual (Figuras 2 e 3). RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 41 anos, jornalista, diagnosticada com carcinoma adenoide cístico em órbita esquerda em 1990, compareceu ao Setor de Reabilitação Física da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo apresentando sinais e sintomas de paralisia do nervo facial (Figura 1). Figura 2 – Tapping associado ao “sorriso” e estimulação térmica com gelo. Figura 3 – Tapping associado à “depressão do lábio” inferior. Figura 1 – Expressão facial no primeiro dia de terapia. Na anamnese, relatou que aos 19 anos de idade realizou cirurgia para ressecção do tumor e em 2009 foi necessária outra abordagem cirúrgica para mais uma ressecção, retirada do globo ocular esquerdo e parte do osso temporal esquerdo, não tendo repercussão nervosa. Em abril de 2011, uma nova cirurgia foi realizada para a retirada da massa tumoral no seio cavernoso, porém evoluiu com metástase para o sistema linfático e paralisia do nervo facial. Ao exame físico apresentava paralisia e anestesia dos músculos da hemiface esquerda, abertura bucal diminuída (20 mm), mensurada por meio de um paquímetro, associada à disfunção temporomandibular (DTM) e cicatriz cirúrgica na região lateral esquerda do pescoço estendendo-se a frente do pavilhão auditivo até o couro cabeludo. Segundo Medlicott e Harris10 existem diversas técnicas fisioterapêuticas que podem ser aplicadas no tratamento da DTM, entre elas a mobilização articular, exercícios, eletroterapia, educação do paciente, biofeedback e relaxamento. Foi então proposto um programa de tratamento fisioterapêutico de 15 sessões, sendo três atendimentos por semana, com interva- Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 set-out;10(5):446-9 Ainda com o objetivo de melhorar as funções motoras, após ter recuperado a função sensitiva, a partir da nona sessão, foi utilizado estimulação elétrica funcional (FES), de baixa frequência, com largura de pulso = 280 µs, tempo = 15 minutos, frequência = 50Hz e intensidade conforme tolerada pela paciente, antes de atingir o limiar de dor. Dois eletrodos foram posicionados na região do músculo frontal e outros dois nos músculos levantador do lábio superior e da asa do nariz, zigomático maior, bucinador e risório (Figura 4). Figura 4 – Estimulação elétrica funcional. 447 Franca HS, Volpato CP, Fernandes SW e col. Para readquirir a função sensitiva foi realizada estimulação sensorial com diferentes texturas como gelo, lixas, esponjas, algodão, toalhas, escova de diferentes tipos de cerdas, onde a paciente deveria identificar o objeto apenas pelo estímulo realizado, com os olhos fechados. Após ter identificado o objeto, tendo acertado ou não, este lhe era apresentado para que ela correlacionasse o objeto com o estímulo oferecido (Figura 5). encontrava-se recuperada em toda a face. Quanto à força muscular, após a 5ª semana a paciente apresentava maior simetria facial (Figura 7) e na 7ª sessão apresentou força muscular grau 3 nos músculos orbicular da boca e supraciliar. Figura 7 – Melhora da simetria facial após 5 semanas de tratamento. Figura 5 – Estimulação sensorial com esponja. Com o objetivo de aumentar a ADM de abertura bucal, foram efetuadas mobilizações da articulação temporomandibular (ATM) bilateralmente, de forma intraoral, bem como liberação da musculatura da boca (bucinador, risório, orbicular da boca, levantador e depressor do ângulo da boca e depressor do lábio inferior). Essas mobilizações e liberações miofasciais para ganho de ADM se fazem necessárias, pois a DTM é uma desordem que envolve aspectos intra e extra-articulares na ATM11. As mobilizações foram realizadas com o polegar do terapeuta sobre os molares da paciente, onde este aplicava movimentos combinados para as direções ântero-posterior e crânio-caudal (Figura 6). Figura 6 – Mobilização da articulação temporomandibular. Foram realizadas três séries de um minuto para cada direção. Logo após a mobilização era solicitado à paciente que abrisse a boca com a língua no palato por seis vezes. Sabendo da grande relação entre DTM e queixas álgicas na região cervical, foi aplicada também a estabilização nessa região, solicitando que a paciente realizasse o movimento de flexão da cervical com pequena ADM, de forma que ocorresse o movimento de “leve sim” com a cabeça12. Como resultados, após três sessões a abertura bucal aumentou de 20 mm para 25 mm, na 5ª sessão era de 28 mm e ao final do tratamento apresentava-se com 33 mm. Na 4ª sessão de atendimento, paciente referiu parestesia em quadrante inferior da hemiface esquerda, enquanto na 8ª sessão relatou sensação térmica na região lateral do nariz. Na 10ª sessão a parestesia se estendeu por toda a cicatriz e na 15ª a sensibilidade 448 DISCUSSÃO Estudos demonstram que exercícios miofuncionais, acompanhados de feedback visual por meio de um espelho, são eficazes na melhora da força e, consequentemente, na simetria facial em pacientes com PF, o que corrobora os resultados obtidos neste estudo2,3. Em estudo9 obteve-se bons resultados em um caso de DTM associada à PF, após a utilização de placa miorrelaxante, fonoterapia e fisioterapia9, e de acordo com uma revisão sistemática10 publicada, as mobilizações articulares isoladas ou combinadas com exercícios ativos podem ser efetivas em curto prazo no ganho de amplitude da abertura bucal em sujeitos com DTM. A cinesioterapia, bem como a eletroestimulação são estratégias bem definidas na literatura para o tratamento da paralisia do nervo facial periférico. Fato que corrobora os resultados encontrados no presente estudo13,14. Apesar da paciente do presente estudo não apresentar a maioria dos sintomas característicos de DTM, como cefaleia, limitação de movimento, dor muscular e articular, zumbido e estalido10,11, possuía importante diminuição da abertura bucal, o que dificultava sua alimentação e até mesmo a higienização. Após a intervenção fisioterapêutica esta limitação foi diminuída, o que demonstra que as mobilizações da ATM são de grande valia para o tratamento deste tipo de alteração. Ao iniciar o tratamento, a paciente possuía hipoestesia em toda hemiface esquerda. No decorrer das sessões, com a melhora do quadro, a sensação de parestesia adquirida tornou-­ se desconfortável, principalmente em relação à sensibilidade térmica, sendo assim, a recuperação da sensibilidade normal em toda a face foi uma resposta de extrema relevância ao tratamento proposto. O número de sessões realizadas para o tratamento da paciente em questão foi um fator limitante do estudo devido à paciente não residir no estado onde o tratamento foi realizado, necessitando voltar às atividades laborais durante o período de intervenção. A literatura aponta períodos de até um ano para se obter recuperação completa, porém, com sinais de melhora após 20 dias1,3. Este fator justifica os resultados encontrados no presente estudo, em que a paciente, com apenas 15 sessões de atendimento, já apresentou um início de melhora clínica. Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 set-out;10(5):446-9 Abordagem fisioterapêutica em paralisia facial após carcinoma adenoide cístico. Relato de caso CONCLUSÃO Os resultados alcançados por meio da abordagem fisioterapêutica foram melhora clínica quanto à ADM da ATM, sensibilidade da hemiface acometida, bem como a força dos músculos supraciliar e orbicular da boca. REFERÊNCIAS 1. Santos APN, Ganda AMF, Campos MIC. Correlação entre paralisia facial e desordem temporomandibular: caso clínico. Rev Odontol UNESP. 2009;38(2):123-7. 2. Carien HG, Beurskens PT, Heymans PG. Physiotherapy in patients with facial nerve paresis: description of outcomes. Am J Otolaryngol. 2004;25(6):394-400. 3. Tessitore A, Paschoal JR, Pfeilsticker LN. Avaliação de um protocolo da reabilitação orofacial na paralisia facial periférica. Rev CEFAC. 2009;11(3):432-40. 4. Coulson SE, Adams RD, O’Dwyer NJ, et al. Physiotherapy rehabilitation of the smile after long-term facial nerve palsy using video self-modeling and implementation intentions. Otolaryngology– Head and Neck Surgery. 2006;134(1):48-55. 5. Freitas KCS, Gómez MVG. Grau de percepção e incômodo quanto à condição facial em indivíduos com paralisia facial periférica na fase de seqüelas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(2):113-8. Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2012 set-out;10(5):446-9 6. Danner JC. Facial nerve paralysis. Otolaryngol Clin N Am. 2008;41:619-32. 7. Alves ATNN, Soares FD, Silva Junior A, et al. Carcinoma adenóide cístico: revisão da literatura e relato de caso clínico. J Bras Patol Med Lab. 2004;40(6):421-4. 8. Palmeiro MR, Figueiredo MAZ, Cherubini K, et al. Carcinoma adenóide cístico – Relato de caso. Revista Odonto Ciência. 2005;20(50):388-92. 9. Amorim RFB, Silva LYC, Freitas RA. Evolução clínica agressiva de carcinoma adenóide cístico sólido. Rev Bras Patol Oral. 2003;2(2):17-20. 10. Medlicott MS, Harris SR. A systematic review of the effectiveness of exercise, manual therapy, electrotherapy, relaxation training, and biofeedback in the management of temporomandibular disorder. Phys Ther. 2006;86(7):955-73. 11. Reneker J, Paz J, Petrosino C, et al. Diagnostic accuracy of clinical tests and signs of temporomandibular joint disorders: a systematic review of the literature. J Orthop Sports Phys Ther. 2011;41(6):408-16. 12. O’leary S, Falla D, Elliott JM, et al. Muscle dysfunction in cervical spine pain: implications for assessment and management. J Orthop Sports Phys Ther. 2009;39(5):324-33. 13. Beurskeens CHG, Heymans PG. Positive effects of mime therapy on sequelae of facial paralysis: stiffness, lip mobility, and social and physical aspects of facial disability. Otol Neurotol. 2003;24(4):677-81. 14. Quinn R, Cramp F. The efficacy of electrotherapy for Bell’s palsy: a systematic review. Phys Ther. 2003;8(3):151-64. 449