Restauração de Pinturas Murais A Capela Sistina – parte VI Por Alessandra Ferrari Com o fim dos trabalhos de restauração da decoração do séc. XV, foram concluídas as intervenções na decoração da Capela Sistina. A restauração completa, iniciada em 1979 foi concluída em dezembro de 1999 e que previu uma última fase (1995-1999) referente às paredes laterais com as histórias de Moisés e Histórias da Vida de Cristo. O mestre Maurizio De Lucca e o professor Arnold Nesselrath, respectivamente restaurador chefe e diretor do departamento de Arte bizantina dos Museus Vaticanos e responsáveis da restauração, deram a seguinte entrevista à Ilaria Miarelli Mariani (Tradução de Alessadra Ferrari) Quais foram as diferenças na intervenção em relação às pinturas a fresco tardias de Michelangelo? Maurizio De Lucca: Estamos em dois séculos técnicos diferentes. O séc. XV dá fundo a todos os recursos oferecidos por uma pintura mural que parte de um afresco mas depois se desenvolve. Aqui estamos cheio de ouro, podemos identificar acabamentos a meio-fresco e os últimos golpes dados ainda com cola. Últimos golpes significa uma pequena pluma, um lírio feitos com cola. Michelangelo, no séc.XVI, teve que pôr a prova, sobre-tudo o conceito de pintura a fresco feito em uma jornada de que fala Vasari. No séc. XV, tudo isso é totalmente percebido. O objetivo era aquele de atingir uma representação com qualquer meio, não tinha disputa de quem fosse melhor. Foi possível individuar as diferentes mãos (pintores) em cada parte da pintura? Arnold Nesselrath: As pinturas afresco são fruto de uma colaboração entre pintores individuais. Existem muitas diferenças, por exemplo, no emprego do cartão na parte de Perugino e daquele de Botticelli é diametralmente oposto: Aquele de Perugino é muito cuidadoso e preciso enquanto talvez não existe nenhum cartão inteiro de Botticelli. Se vêem as individualidades de cada pintor, mas é claro que existe uma uniformidade em todo o ciclo. Por exemplo, precisa decidir que Moisés e Cristo sejam sempre reconhecíveis pela mesma roupa, isto é, significa usar as mesmas cores e da mesma maneira. Devem ter sido feitos uma série de acordos no que tange às técnicas. O Signorelli chega quase a quebrar esta homogeneidade conferindo às roupas de Moisés uma lapela vermelha ausente nos outros quadros. O quadro com a passagem do Mar Vermelho, até agora atribuído a Cosimo Rosselli, vêm agora atribuído a Biagio di Antonio. AN: Que a passagem pelo Mar Vermelho não fosse de Cosimo Rosselli, já havia sido notado por Berenson. Shearman o atribuiu a Ghirlandaio, até porque o nome de Rosselli não era sustentável. Deste nosso grupo de trabalho saíram propostas que são de todo novas, como por exemplo a presença de Biagio di Antonio na Ultima Ceia que esteve sempre hipotizada e já havia sido citado o nome de Signorelli para a Entrega das Chaves. Mas quando se está todo o dia em frente às pinturas, especialmente para os restauradores, fica fácil notar uma série de diferenças, de heterogeneidade. Aquilo que fizemos além de tudo, foi a colheita completa da literatura artística pertinente às pinturas, coisa nem sempre realizada até então. Em que é constituída a intervenção de restauro nas pinturas? MDL: Do ponto de vista estrutural as pinturas eram perfeitas. Não tivemos que fazer nem mesmo uma injeção, pois a campanha de consolidação realizada nos anos 70, na qual eu mesmo participei, orientado por Maurizio Cupelloni, rendeu ótimos frutos. A atual intervenção constitui a primeira e verdadeira restauração focada na recuperação da cromia original, que hoje se percebe nas pinturas de Michelangelo. A superfície apresentava uma camada de poeira incoerente, abaixo da qual existia uma mais coerente isso, devido a cada vez que eram acrescidos os “reavivantes” usados nos séculos passados pela manutenção. A técnica assim articulada das pinturas originais, que apresenta cores mais ou menos carbonatadas, exigiu uma técnica de limpeza ainda mais complexa, feita por pequenas porções e construída côr por côr. Alguns foram limpos com soluções através o uso de papel japonês, em outros casos através pincéis macios, ou com pequenos rolos de borracha. Nos pontos vizinhos às janelas onde maiores foram os problemas de impregnação, existiam alguns acúmulos de sais que haviam induzido o pessoal da manutenção a passar as substâncias “reavivantes” para tirar o efeito esbranquecedor. A camada pictórica se apresentava de qualquer modo em ótima condição, com exceção feita em alguns danos inevitáveis ligados ao uso. Mas as vezes os danos induzidos produziram interessantes contribuições, como aconteceu na Cantoria. NA: A Cantoria foi repintada no fim do séc XVIII sob Papa Pio VI com uma forte cor que não pertencia ao contexto do séc. XV que existia em toda a capela. Uma vez removida, a decoração sistina apareceu, obviamente muito corroída. Os belíssimos ornamentos da parte superior mostram a qualidade dos decoradores daquela época, que deviam pertencer aos mesmos ateliers. Com as primeiras janelas de limpeza na parte inferior, a situação aparecia dramática. Mas com a limpeza realizada foi possível ler uma série de grafites que com a ajuda de um jovem musicólogo, Klaus Pietschmann, identificamos como assinaturas dos músicos e cantores da Capela Sistina. Ao lado dos nomes aparece também uma data: assinar a Cantoria devia portanto, representar uma espécie de rito de iniciação. Entre os tantos nomes marcados, foi encontrada a assinatura de Josquin Desprez, único autografo conhecido do grande músico. Se tratava então mais de uma restauração da música que da arte, até porque, encontramos também algumas partituras de músicas. As assinaturas foram deixadas: decidimos escolher um conceito para a restituição da Cantoria que seja esteticamente aceitável e que ao mesmo tempo conserve, também uma leitura imediata destes documentos únicos no campo da música. (continua na próxima edição) Profa. Alessandra Ferrari, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie de São Paulo, Profa. Univesitária, Conservadora e Restauradora de Bens Móveis e Imóveis.