POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO A PARTIR DA DÉCADA DE 1990: FORMA DE SUPERAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL? AOYAMA, Ana Lucia Ferreira – UEL CZERNISZ, Eliane Cleide da Silva - UEL PERRUDE, Marleide Rodrigues da Silva – UEL Resumo Este artigo visa discutir como as políticas para a educação a partir de encaminhamentos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e outras agências internacionais assumem o papel de apaziguadoras da questão social. O contexto de estudo centra-se no cenário da educação pós década de 1990. A análise foca alguns documentos propostos pelas agências internacionais, com vistas à compreensão de como tais organismos têm orquestrado um discurso em prol da educação como redentora da questão social, dos problemas com origem na exclusão e na violência, em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento como o Brasil. O estudo ancora-se em análise documental, sendo realizada a análise de conteúdo dos textos e fontes selecionadas. Nesta perspectiva, apresentamos dados sobre o discurso produzido por tais agências no que tange a orientações, discursos e ações voltadas às políticas educacionais, com vistas a promover uma educação que forme um homem pacífico, solucionador de problemas contemporâneos e o cidadão necessário à governança democrática. Palavras Chaves: Políticas Públicas, Questão Social, Educação. Introdução Neste trabalho propomos uma discussão sobre como as políticas para a educação a partir de encaminhamentos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e outras agências internacionais assumem o papel de apaziguadoras da questão social. Tomamos por base os argumentos de Netto (2001) que diz: Por “questão social”, no sentido universal do termo, queremos significar o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista. Assim, a “questão social” está fundamentalmente vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho (...) (NETTO, 2001, p. 17, grifos nossos). 1 No cenário brasileiro, a partir de 1990, verificamos que entre as propostas para superação da questão social está a educação. Esta década marca um período importante para análise da história da educação brasileira, já que foi caracterizada como a década da educação. O panorama aqui apresentado é feito com base em análise de alguns documentos propostos pelas agências internacionais, visando compreender como tais organismos têm orquestrado um discurso em prol da educação como redentora da questão social, dos problemas originados na exclusão e na violência, em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento como o Brasil. Trata-se de dados resultantes de uma pesquisa em andamento que busca investigar de que maneira os princípios e as orientações gerais para a educação, propostos para os países membros da UNESCO e expressos em documentos produzidos, publicados e divulgados por essa agência, repercutem nas políticas educacionais públicas no Brasil implantadas a partir dos anos de 1990. O estudo ancora-se em análise documental, dos textos e fontes selecionados enfatizando seus conteúdos. Entendemos a questão com base no que diz Saviani (2004, p. 56): Com efeito, não se trata de considerar as fontes como origem do fenômeno histórico considerado. As fontes estão na origem, constituem o ponto de partida, a base, o ponto de apoio da construção historiográfica que é a reconstrução, no pano do conhecimento do objeto histórico estudado. Assim, as fontes históricas não são a fonte da história, ou seja, não é delas que brota e flui a história. Elas, enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos históricos, são a fonte do nosso conhecimento histórico, isto é, é delas que brota, é nelas que se apóia o conhecimento que produzimos a respeito da história. A partir desse entendimento pretendemos, com base na pesquisa, apresentar dados sobre o discurso produzido por tais agências no que respeita à formação de um consenso que pode ser identificado nas recomendações e orientações, discursos e ações voltadas às políticas educacionais, com vistas a promover uma educação que forme um homem pacífico, solucionador de problemas contemporâneos e o cidadão necessário à governança democrática. 2 Políticas para a educação a partir da década de 1990: contextualizando o cenário No que se refere aos encaminhamentos nacionais, é possível perceber, de acordo com as análises de Shiroma et al (2000), que, por meio dos principais documentos sobre política educacional produzidos entre 1985 e 1995 no Brasil, constata-se que a implementação das políticas de privatização do setor público começara no breve governo do presidente Fernando Collor de Mello. O governo de Itamar Franco, de forma mais lenta que seu antecessor, adota como estratégia chamar alguns segmentos representativos da educação para uma espécie de pacto1 entre governo e sociedade, com o intuito de discutir o Plano Nacional de Educação (PNE). Esse direcionamento para as políticas educacionais por parte do Estado é seguido no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995–2002). Após a eleição de Fernando H. Cardoso, dá-se início à reforma da administração pública. Luiz Carlos Bresser Pereira assume então o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). Naquele momento é elaborado um documento orientador para a reforma do Estado, cujo fundamento baseia-se na premissa de que o Estado, na forma como estava constituído, representava um entrave ao processo de fortalecimento da economia de mercado. Alguns dos princípios contidos na reforma serão apresentados com o intuito de melhor compreensão e entendimento acerca do papel que o Estado passou a desempenhar com suas ações. O documento base assim expressa: “[...] o paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios da confiança e da descentralização da decisão, exige formas mais flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade” (BRASIL, 1995, p. 23). A tônica desse documento reside na premissa de que é necessário reconstruir o Estado, de forma que não apenas garanta a propriedade e os contratos, mas também exerça seu papel complementar do mercado, tanto na coordenação da economia, quanto na busca da redução das desigualdades sociais. De acordo com o documento orientador: 1 Nesse período, vários municípios aderiram a essa idéia e implementaram, em suas localidades programas que contemplavam as diretrizes então propostas. 3 A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecer-se na função de promotor e regulador desse desenvolvimento. (BRASIL, 1995, p. 12). Seguindo esta nova perspectiva, busca-se o fortalecimento das funções de “regulação” e de “coordenação do Estado”, em especial no nível federal, incentivando-se a crescente descentralização para os níveis estadual e municipal, das funções executivas referentes à prestação de serviços sociais e de infraestrutura. O documento ainda ressalta a necessidade de atenção ao entendimento que se tem a respeito da capacidade de governo do Estado e destaca que o problema do governo reside num dado tipo de administração rígida e ineficiente, empenhada no controle interno, quando, deveria voltar-se para um tipo de administração pública gerencial pautada em outros moldes, conforme abaixo: Considerando-se esta tendência, pretende-se reforçar a governança – a capacidade de governo do Estado – através da transição programada de um tipo de administração pública democrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão. O governo brasileiro não carece de “governabilidade”, ou seja, de poder para governar, dada sua legitimidade democrática e o apoio com que conta na sociedade civil. Enfrenta, entretanto, um problema de governança, na medida em que sua capacidade de implementar as políticas públicas é limitada pela rigidez e ineficiência da máquina administrativa. (BRASIL, 1995, p. 13-14). Montaño (2003) assinala, a partir da discussão e entendimento apresentado por Bresser Pereira, que: [...] por “governabilidade” entende-se a “capacidade política de governar, derivada da relação de legitimidade do Estado e do seu Governo com a sociedade”; mais do que isso, faz alusão à existência de um pacto social e político entre governo e setores sociais, especialmente com representação parlamentar, como para poder aprovar leis. Diferentemente, a “governança” “é a capacidade financeira e administrativa [...] de um governo 4 implementar políticas”, ou seja, de poder realizar suas decisões. (MONTAÑO, 2003, p. 221). Este novo contexto, forçosamente, se insinua no campo educacional e sob diferentes aspectos irá influenciar o entendimento que se tem a respeito da relação entre estado e sociedade. O novo “pacto social” passa a envolver a sociedade no que respeita ao envolvimento em ações no campo educativo e social. Na educação percebemos um alargamento da abrangência da educação, destacada como educação ao longo de toda a vida ou educação permanente. Trata-se de um momento que requer a participação dos atores sociais tanto na formulação quanto na implementação de políticas sociais, as quais buscam uma forma de articulação entre Estado e sociedade civil e, sob diferentes aspectos, têm envolvido Organizações Não-Governamentais (ONGs) e o setor privado. A expressão “educação ao longo de toda a vida”, ou “educação permanente”, está presente no Relatório para a UNESCO elaborado pela Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI (1999), que traz a seguinte definição: [...] às vésperas do século XXI, as missões que cabem à educação e as múltiplas formas que pode revestir fazem com que englobe todos os processos que levem as pessoas, desde a infância até ao fim da vida, a um conhecimento dinâmico do mundo, dos outros e de si mesmas [...]. É este continuum educativo, coextensivo à vida e ampliado às dimensões da sociedade, que a Comissão entendeu designar, no presente relatório, pela expressão “educação ao longo de toda a vida”. (UNESCO, 1999, p. 104, grifo do original). Nesse Relatório, a idéia de educação ao longo de toda a vida ou educação permanente, requer o desenvolvimento da educação para além dos espaços tradicionalmente conhecidos como espaços formais de educação. Tal espaço tem servido, na atualidade, para implementar uma política educativa, cujas ações se firmam em propostas voltadas a educação para a paz, conformação de subjetividades mediante um ideário pacifista, o qual tem sido fortalecida pelo discurso humanizador da UNESCO. A UNESCO, criada após a Segunda Guerra Mundial, tem por objetivo contribuir para a manutenção da paz e da segurança dos povos e das nações, por 5 meio da educação, da ciência e da cultura, e tem assumido o papel de agência articuladora, propositiva de diretrizes e de ações para a realização da educação mundializada. A Conferência Mundial de Educação para Todos (UNESCO, 1990) é o evento que marca a redefinição da educação, apontando diretrizes para a educação do século XX. Agências internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Banco Mundial, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), patrocinam eventos internacionais e propõem as diretrizes educacionais para os países da América Latina com o propósito de reduzir o analfabetismo, a violência e a pobreza. A decisão de formular um programa de educação para a paz no hemisfério americano teve sua origem na Conferência Regional sobre medidas de fortalecimento da Confiança da Segurança realizada em Santiago do Chile, em 1995. Na Declaração de Santiago, os Estados membros da OEA (Organização dos Estados Americanos) acordaram a elaboração de “programas de educação para a paz” como uma das medidas de fortalecimento da confiança e segurança. O Relatório2 do “Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos” (OEA) apresenta, como tema de análise, a “Carta da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a qual afirma que esta organização, desde sua criação, projetou sua ação no terreno da “construção da paz”. É o que se pode ver no Relatório citado, [ao] promover uma educação para a paz, os direitos humanos e a democracia, a tolerância e o entendimento internacional”, a UNESCO reconheceu que “a educação constitui o centro de toda a estratégia de consolidação da paz”. Por meio da educação “procede-se da maneira mais ampla possível à introdução de valores, aptidões e conhecimentos que fundamentam o respeito aos direitos humanos e aos princípios democráticos, ao repúdio da violência e o espírito da tolerância, o entendimento e o apreço mútuo entre pessoas, grupos e nações. (OEA, 1999, p. 01.) O referido Relatório indica que o desenvolvimento dos países do hemisfério americano na segunda metade do século XX, condicionado por uma série de 2 Relatório do “Conselho Permanente da Organização da Organização dos Estados Americanos” – Comissão de Segurança Hemisférica. Disponível em: <http://www.oas.org/CSH/portuguese/acomrelatdeacom160.asp> acessado em 25/08/08. 6 fatores, com frequência, põe em perigo “a paz, a democracia, a justiça, a liberdade e até mesmo a soberania”. (OEA, 1999, p.03) Afirma também que há “[...] problemas ancestrais ainda sem solução, como a pobreza. Também foram acrescidos ou intensificados fenômenos tais como o tráfico de drogas, a corrupção, o terrorismo, o crime organizado, a insegurança pública e outros”. (OEA, 1999, p. 03). Firmado nessas bases é que a Organização dos Estados Americanos e outras organizações internacionais, como a UNESCO, iniciaram a elaboração de um “programa de educação para a paz”. Tal programa, na perspectiva apresentada no Relatório acima citado, deve “[...] conceber a educação como um processo de ensino e aprendizagem de valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos conducentes à preservação e à promoção da paz” (OEA, 1999, p.03). Esse programa também deve orientar-se “[...] para o ensino e a aprendizagem de valores e práticas democráticas tanto no nível formal como no não formal”. (OEA, 1999, p.04). Para atingir tais objetivos3, isto é, para construir uma “rede de parcerias, mobilizando a sociedade, aumentando a conscientização e educando para a Cultura da Paz”, a UNESCO se propõe a trabalhar de forma cooperativa com os governos e com o Poder Legislativo e a sociedade civil, Assim, a UNESCO propõe o envolvimento da sociedade civil objetivando a alcançar seus objetivos. No entanto, questionamos a forma como tais programas são pensados e implementados, uma vez que trabalham na perspectiva de ajustar o homem à sociedade posta, promovendo a adaptação. A análise do documento “Dos valores proclamados aos valores vividos” (2001) possibilita a compreensão do predomínio de uma ideologia humanitária subjacente ao teor desse documento o qual colabora para a formação de consensos. A fabricação de um consenso pode ser afirmada pela forma como essas agências apresentam seus documentos e relatórios, tomando como base o apelo a um discurso humanitário que encobre o viés economicista explícito, conforme analisam Evangelista e Shiroma (2004, p. 01): [...] dando lugar a uma face travestida de humanitária por meio da qual a política educacional ocuparia o lugar de solução dos 3 A respeito dessa discussão, ver DISKIN, Lia. Paz, como se faz? Semeando cultura de paz nas escola. (2002) 7 problemas humanos mais candentes, em especial o problema da sobrevivência na sociedade atual. Enfatizam-se conceitos como justiça, equidade, coesão social, inclusão, empowerment, oportunidade e segurança, todos articulados pela idéia de que o que faz sobreviver uma sociedade são os laços de “solidariedade” que se vão construindo entre os indivíduos. A ênfase em uma face humanitária pode ser traduzida pela forma como essas agências propõem uma política revestida de bons sentimentos, o que dificulta a crítica a tais encaminhamentos, proposições e orientações. Entendemos que esta é uma forma de envolver, pelos valores e bons sentimentos, a sociedade civil apelando-se ao financiamento, à proposição e ao desenvolvimento de ações educativas de cunho formal e não-formal, e ao mesmo tempo promovendo-se parcerias com os diferentes setores da sociedade a fim de que estes assumam parte da responsabilidade do Estado, no que respeita à proposição de políticas públicas para a educação. Considerações sobre as formas de superação da questão social na perspectiva da formação de consensos Conforme as análises de Fitoussi e Rosanvallon (1997), no livro “A nova era das desigualdades”, a questão social é vista por uma perspectiva que combina três grandes perversões da política moderna: a confusão da política com os bons sentimentos, o gosto pela política-espetáculo e a simplificação dos problemas. Com referência à confusão da política com os bons sentimentos - os argumentos sobre desigualdade e pobreza se assentam sobre um consenso acerca desse diagnóstico, que denuncia as diversas formas assumidas pela injustiça social. Conforme esse diagnóstico, os bons sentimentos que balizam essa constatação não são respaldados por um consenso a sobre os meios e investimentos para a superação da situação denunciada. O gosto pela políticaespetáculo leva à compreensão de que “Tudo sucede como se o essencial fosse proclamar a própria generosidade e dar mostras de boa vontade”. (FITOUSSI; ROSANVALLON, 1997, p. 10). No que se refere à simplificação dos problemas, há um deslocamento do foco da problematização da desigualdade. Esses dados convergem para a discussão de Coraggio (1996) que mencionou a existência de um “ajuste com rosto humano” como bandeira de agências internacionais e da 8 UNICEF. Esses elementos nos ajudam a compreender como se tem dado a construção de alguns consensos, em especial os que respeitam á elaboração de políticas sociais. O conjunto de idéias, com viés humanitário, como já destacamos acima, são disseminados em meio a um contexto que está marcado pela miséria, pela pobreza e pela exclusão social, razão pelo qual a grande maioria da população brasileira sofre na carne os efeitos da busca pelo desenvolvimento econômico. Estudos de Soares (2003) Campos (2003) Evangelista e Shiroma (2004), Oliveira & Duarte (2005), sobre a questão das desigualdades sociais e da pobreza, evidenciam que tal debate ganha destaque na atual conjuntura política, pois se empenha em aliviar a pobreza. Afirma Soares (2003, p. 11). “O conservadorismo no social expressa retorno à naturalização da desigualdade social ou à aceitação da existência do ‘fenômeno’ da pobreza como inevitável”. Soares (2003) destaca ainda que o tema pobreza é recorrente na maioria dos relatórios dos organismos internacionais – do Banco Mundial, passando pelo FMI, até instituições das Nações Unidas, como a CEPAL, o PNUD a OIT, entre outras. Ao analisar os inúmeros diagnósticos elaborados pelos organismos internacionais, a autora destaca que as agências reportam os males sociais não só à incompetência de cada país na execução das reformas propostas, mas também à fragilidade política, marcada pela corrupção. Os programas que são propostos e apresentados, segundo Soares (2003), são avaliados como inovações e práticas que devem ser realizadas com a convocação da comunidade para participar, procedimentos no qual o local é posto como o espaço para a resolução dos problemas das pessoas, famílias e comunidades. Isso, porém, acaba apenas aliviando a situação; trata-se de ações imediatas cujos resultados não têm “compensado” perdas e danos dos mais pobres, como nem chegam perto das suas verdadeiras causas, diz a autora. Verifica-se que, mais uma vez e dentro de uma nova e velha lógica (neo) liberal, a pessoa, enquanto indivíduo é responsabilizada pela sua condição. A criação de políticas para o desenvolvimento dos indivíduos não exclui a responsabilidade social de cada um pelo aproveitamento, ou não, das possibilidades que lhe são oferecidas (NETTO, 2007). Essa relação se estende aos países, tornando-se cada um responsável para resolver sua condição de pobreza, como destaca Soares (2003). 9 Aponta-se assim para o retorno à primazia do individualismo sustentado pelo velho liberalismo, agora ressignificado sob a tônica do neoliberalismo, mas que continua mantendo seus princípios conservadores, como aponta Frigotto (2002). Nessa ordem burguesa, como destaca Netto (2007, p. 36), a condição do sujeito é de sua responsabilidade; “[...] tanto o êxito como o fracasso social são creditados ao sujeito individual tomado enquanto mônada social” perdendo-se todas as possibilidades de ações coletivas. O impacto dessas intenções na escola básica é visualizado pela formação para o trabalho num sentido adaptativo. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio trazem como base princípios valorativos que se inter-relacionam com os pilares da educação do futuro descritos no Relatório Delors, que visam à formação da cidadania moderna. Há nesse sentido um incentivo ao desenvolvimento de competências subjetivas, entendidas como facilitadoras de um convívio mais harmônico num contexto onde prevalece o individualismo, a competitividade, o consumo e o mercado, como parâmetros para as relações sociais. Ressaltamos aqui que não desconsideramos a necessidade da convivência social pautada pelo respeito, pela solidariedade e pelo reconhecimento do outro, como pessoa humana. O que queremos é chamar a atenção para o fato de que as propostas defendidas com base em valores solidários e pacificadores são conflitantes com a competitividade e com o individualismo que se desenvolvem e permeiam o atual contexto capitalista. O homem, sob esta nova concepção é negado como ser histórico, como produto das relações sociais; sua história é, assim, destituída de análises. Um indivíduo, mergulhado no imediato, no instantâneo, sem memória e sem história, age sem proibições, desobrigado de tudo e de todos, e pensa independente do real, construindo o conhecimento por si mesmo, pautado apenas nas suas experiências empíricas, sensíveis, imediatas e pragmáticas. (PERRUDE, 2004). De acordo com o que foi exposto, podemos afirmar que a questão social foi-se deslocando e que o viés humanitário passa a mascarar ou encobrir os conflitos gerados pela contradição do próprio capitalismo. As políticas educativas passam a ser orientadas com base num consenso que busca desenvolver uma formação pacifista e humanizadora. A resposta para os problemas sociais, nesta perspectiva, ganha status individual. A resolução dos problemas dar-se-ia com a 10 instalação de uma visão de mundo que vislumbra uma educação voltada para a paz, tendo, na sociedade civil, seus protagonistas. Nela os sujeitos participam na resolução de problemas que são, nesta perspectiva, destacados como de sua responsabilidade. Há a valorização da igualdade e da inclusão de segmentos marginalizados e excluídos da população, desconectada de ações efetivas. Diante desse contexto, a educação, seja ela formal ou não-formal, tem papel primordial, na visão de tais agências, pois busca formar o cidadão e trabalhador necessário à competitividade: adaptado, flexível e pacífico. No caso da criação de demandas para a educação não-formal, podemos afirmar, com base nos estudos realizados, que agências como a UNESCO e o UNICEF vêm, cada vez mais, investindo em programas dessa natureza. Nesse sentido, podemos afirmar que as políticas sociais são pensadas, como é possível perceber, a partir de ações compensatórias para atender as necessidades imediatas postas pelo capitalismo. A apresentação desses elementos traz implícita a idéia de que a construção de políticas educativas e sociais se dará com êxito quando Estado, mercado e sociedade civil, objetivando ações comuns e viabilizadas pelas parcerias, trabalharem de forma mais aproximada. É possível constatar, por meio dessa breve análise que as discussões giram em torno dos princípios e orientações propostos pelos organismos internacionais para criação de um consenso em torno dos objetivos e metas de tais agências para a educação. Concluindo, podemos dizer que compreendemos como os organismos internacionais vêm desenvolvendo suas proposições e recomendações, assentadas apenas em questões pontuais e naquilo que podemos considerar como consequências dos problemas. Isto posto, inferimos que passa a ser naturalizada uma visão de mundo e a existir um grande consenso em torno das questões sociais e, mais propriamente, da desigualdade, da exclusão e da violência, as quais, de acordo com nossos estudos, não serão superadas apenas com a educação. 11 Referências Bibliográficas BRASIL. Presidência da República. MARE. Câmara de reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho. Brasília, 1995. CEPAL/UNESCO. Educação e conhecimento: eixo da transformação produtiva com eqüidade. Brasília: IPEA/CEPAL/INEP, 1995. CORAGGIO, José Luís. Desenvolvimento humano e educação. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo freire, 1996. DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. 2 ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF; MEC: UNESCO, 1999. DUARTE, Adriana, OLIVEIRA, Dalila Andrade. Política educacional como política social: uma nova regulação da pobreza. 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