O trabalho cirúrgico do cotidiano continuou em

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CIRURGIA: “Quem deseja ser cirurgião deve ir para a guerra” – Hipócrates
A cirurgia é tão antiga quanto a própria civilização. Há registros de trepanação de
crânios desde 5.000 a.C. Também se praticava a redução de ossos com imobilização, técnicas
para tratar abscessos, pequenos tumores e problemas dos ouvidos, olhos e dentes.
Os profissionais hindus já praticavam a cataratopiese, e os curandeiros aiurvédicos
foram pioneiros na cirurgia reconstrutora, como a rinoplastia. O corpus hipocrático inclui um
tratado sobre ferimentos, como tratamento de fraturas com redução e imobilização, extração de
pólipos nasais e amígdalas ulceradas. Cauterização a ferro para tratar hemorróidas e a
trepanação. Porém ainda eram preferidas as ervas medicinais para tratar câncer, apendicite,
cálculos internos, etc.
O juramento hipocrático orientava o médico a deixar o trabalho com o bisturi a cargo do
cirurgião, o que fragmentou o trabalho médico, na qual a cirurgia era vista como inferior, como
obra das mãos e não do cérebro.
A medicina islâmica dava maior importância à cirurgia, aperfeiçoando a cauterização
para estancar sangramentos. Assim como entre os cristãos medievais, da escola de Salerno na
Itália, no século XI explicou a arte cirúrgica.
A medicina hipocrática sustentou que a supuração era indispensável à cura de feridas
(“pus louvável”). A idéia contrária foi proposta por dois franceses, Henri de Mondeville e Gui de
Chauliac. Os ferimentos gangrenados exigiam amputação e antes do século XVI era raramente
praticada acima do joelho: os pacientes sangravam até à morte. Os cirurgiões medievais
aprenderam que retirando mais osso e deixando mais tecido mole, permitia cicatrização e um
coto usável com perna de pau ou gancho.
Muitos cirurgiões aprenderam a arte de cortar no exército, com a introdução da pólvora
e balas de chumbo, que produziam ferimentos mais graves e infecções. Na Europa, a cirurgia
era praticada por cirurgiões barbeiros, itinerantes charlatães, tira dentes ambulantes, oculistas
que faziam cataratopiese, litotomistas e especialistas em hérnias.
A partir do século XVI, Amboise Pare foi aprendiz de cirurgião barbeiro que também
prestou serviço militar, suas inovações incluem a ligadura vascular e método para tratar feridas
com ungüento (gema, essência de rosas, terebintina). Richard Wiseman, pai da cirurgia
inglesa, ganhou experiência em guerras, onde praticou muito amputações e trepanação no
campo de batalha e navios.
Antes da introdução da anestesia, em 1840, a cirurgia invasiva tinha um caráter
limitado, e cirurgias sumamente perigosas eram praticadas no auge da emergência, inclusive
as cesarianas. Até a década de 1790, não há registro de uma única cesariana na Grã-Bretanha
em que a mãe tenha sobrevivido.
O trabalho cirúrgico do cotidiano continuou em pequena escala, seguro, mas muito
doloroso.
Os procedimentos consistiam em curativos, arrancar dentes, tratar cancros, feridas
sifilíticas e enfaixar hérnias, sendo o mais freqüente a sangria. Acreditava-se na teoria da
pletora em que febre, apoplexia e dores de cabeça eram causados por acúmulo excessivo de
sangue.
A atividade cirúrgica era considerada uma habilidade manual e não uma ciência liberal
(“arte dos cortadores”). Os cirurgiões não passavam por uma formação acadêmica, mas por
uma formação prática como aprendizes.
Tinham pouco prestígio (“Sr. Serra-ossos”, sanguinário e atrapalhado), sendo um objeto
comum de ridículo nas peças teatrais.
A partir do século XVIII, a cirurgia iniciou uma ascensão.
Dentre os aperfeiçoamentos práticos, foi introduzido por volta de 1700 a cistotomia
lateral (retirada de cálculo de bexiga) por um operador chamado Irmão Jacques.
Daí, outros cirurgiões passaram a usar a sua técnica e a aperfeiçoá-la.
Outras operações foram aprimoradas como amputação de coxa (Jean Louis Petit)
através de um torniquete que controlava o fluxo sangüíneo.
Ao mesmo tempo, a cirurgia militar progrediu, em especial com os cuidados com os
ferimentos a bala.
As habilidades obstétricas também estavam progredindo. Tradicionalmente, o parto era
exclusivo das mulheres: mãe, parentas, amigas e parteira. Porém, a figura da “vovó parteira” foi
substituída pelo cirurgião (sexo masculino) ou accoucher. Os cirurgiões acreditavam no parto
por conta da natureza, assim eram menos intervencionistas do que as parteiras, apesar de
utilizarem instrumentos cirúrgicos como o fórceps obstétrico. Em 1730, o fórceps se
transformou em um instrumento comum.
Ao final do século XVIII uma dama elegante já podia optar por ter o marido presente
durante o trabalho de parto. Além disso, a mãe passou a ser incentivada a amamentar.
A cirurgia, então passou a ter seu status elevado, primeiramente na França.
Em 1731, foi criada a Académie Royale de Chiruugie.
Em 1768, na França, os cirurgiões não eram mais formados como aprendizes, sendo,
agora , a cirurgia considerada uma ciência não mais uma arte manual. Desse modo, os
cirurgiões passaram a competir com os médicos pos status.
A primeira metade do século XIX trouxe algumas cirurgias novas e ousadas, porém o
âmbito das cirurgias continuou restrito e de sucesso incerto, até surgirem duas inovações
cruciais: a anestesia e a anti-sepsia.
O primeiro gás que se soube ter poderes anestésicos foi o óxido nitroso, mas as
cirurgias eram praticadas em pacientes conscientes.
A inovação revolucionária veio com a extração de um dente com uso de éter, em 1842.
Alguns anos depois um cirurgião londrino amputou a perna enferma de um paciente na altura
da coxa, usando o gás.
Posteriormente o éter foi substituído pelo clorofórmio, que era mais seguro, cujo
primeiro uso foi para alivio das dores do parto, em 1847.
Os anestésicos permitiram a realização de cirurgias sem dor, as quais de outro modo,
seriam insuportáveis.
Entretanto o risco da infecção persistia, o que mantinha os altos níveis de mortalidade
pós-operatória. Reparou-se que a mortalidade em partos realizados por parteiras era menor.
Foi aí que deduziu-se que isto se atribuía aos alunos e equipes médicas saírem diretamente
das salas de post-mortem para as salas de parto disseminando as infecções. Foi instituída a
norma de se lavar as mãos e os instrumentos em solução clorada, entre os trabalhos de
autópsia e a manipulação das pacientes. Isto reduziu as taxas de mortalidade dos partos
realizados por médicos.
Em 1865, fora feito uma experiência com um menino de 11 anos que teve sua perna
esmagada por uma carroça: usou-se compressas de gaze embebidas em óleo de linhaça e
ácido carbólico e manteve curativo por quatro dias. O ferimento cicatrizou perfeitamente , o que
indicou que os germes causam infecção e que a formação de pus não era
uma etapa
inevitável da cicatrização.
Essa conclusão pôde ser posta em prática numa guerra onde o exército alemão
introduziu alguns desses procedimentos para tratar dos feridos.
Em 1890 estava estabelecida a cirurgia anti-séptica, e o acido carbólico foi
posteriormente substituído por anti-sépticos mais radicais. Foram introduzidos a esterilização a
quente e o uso de luvas de borracha. A partir de 1900 outros métodos foram sendo instituídos
como uso de mascaras, aventais cirúrgicos, dentre outros. Assim, cirurgias como mastectomia,
apendicectomia, colecistectomia e operações da próstata foram sendo criadas com sucesso.
As invenções tecnológicas em muito contribuíram para o avanço das cirurgias, a
exemplo da descoberta dos raios X, em 1895 e, por volta de 1900, da invenção do
eletrocardiógrafo, seguida do surgimento do cateterismo.
Em 1950 foi criado o ultra-som, desenvolvido na Suécia e nos Estados Unidos, que se
completa com a invenção, em 1972, da tomografia computadorizada e da tomografia por
emissão de pósitrons, além da ressonância magnética.
A partir dos anos 70 adotou-se o uso dos endoscópios flexíveis, inclusive ligados aos
raios laser. Graças aos microscópios telescópicos, as cirurgias laparoscópicas tornaram-se
muito comuns nos dias atuais.
Assim, com o desenvolvimento destas técnicas de imagem e possibilidade de melhor
monitoramento do funcionamento do corpo, muitas cirurgias desnecessárias e até mesmo
perigosas foram arriscadas, à exemplo, partes enormes de intestino eram retiradas na
constipação comum, milhares de amigdalectomias foram realizadas, bem como as
histerectomias.
A guerra e os acidentes de trânsito contribuiram para o surgimento da cirurgia plástica e
reparadora, desenvolvida por Sir Harold Gillies e Archibald Hector McIndoe.
Como várias cirurgias eram realizadas em caráter emergencial, foram criados os bancos
de sangue e plasma. Com o surgimento dos antibióticos, ampliou-se, ainda mais, o âmbito da
operalidade.
A transição da cirurgia de retirada para a de restauração e reposição teve início com a
possibilidade de administrar as funções cardíaca, respiratória e renal. Um exemplo disso foi o
primeiro implante do marca-passo cardíaco, desenvolvido na Suécia, por Rune Elmqvist. Hoje,
implantes de cristalino, próteses, dentre outros, são práticas rotineiras no mundo cirúrgico.
Os
avanços
mais
drásticos
foram
possibilitados
pela
bomba
oxigenadora
cardiopulmonar, concebida para contornar o coração e manter a circulação artificialmente,
enquanto se realiza uma cirurgia com o coração parado.
Os transplantes podem ser considerados os exemplos mais fascinantes de cirurgia de
reposição. Nesses casos, o maior problema era o da rejeição, mas com o uso de drogas
imunossupressoras eficazes, essa reação natural do corpo acaba se minimizando. Com as
dificuldades superadas, ao longo dos anos 60, os transplantes de coração viraram rotina, bem
como os de rim, fígado e pulmões, e ainda, os transplantes múltiplos de órgãos que, por sua
vez, enfrentam diversas dificuldades éticas e jurídicas.
Nesse mesmo sentido, questões sociais e morais foram levantadas sobre a tecnologia
reprodutora desde o primeiro bebê de proveta em 1978 e, ainda, sobre a cirurgia praticada para
a mudança de sexo.
A cirurgia se revolucionou nos últimos 150 anos e parece não ter fronteiras. Ao que tudo
indica, o século XXI ultrapassará rapidamente a cirurgia de reposição, aprofundando-se nos
campos da cirurgia transformadora e em outras formas de cirurgia eletiva.
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