as propagandas de cerveja: uma análise do discurso masculino

Propaganda
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AS PROPAGANDAS DE CERVEJA:
UMA ANÁLISE DO DISCURSO MASCULINO
Ana Paula Ferreira da Silva* - UNIVERSO
Lílian Jordão Pessoa Duarte** - UNIVERSO
0 Considerações Iniciais
Por meio dos recursos técnicos e simbólicos disponíveis, a publicidade contemporânea tem,
cada vez mais, se utilizado de sofisticados elementos para a construção do seu cenário enunciativo.
Tendo em vista que o discurso publicitário constitui-se um discurso de valor persuasivo, de
convencimento, as escolhas lingüísticas e visuais, a composição dos argumentos são de extrema
importância para a obtenção de resultados satisfatórios. Tais escolhas são marcadas pelas condições de
produção do discurso e são ideologicamente determinadas de modo a construírem uma relação de
cumplicidade com o consumidor.
O discurso publicitário utiliza-se, portanto, racionalmente dos elementos que tem à
disposição e cria uma mensagem que, embora tenha como objetivo primordial vender um produto,
destaca um determinado aspecto de uma cultura, evidencia uma determinada ideologia e age, seja
afirmando valores e hábitos já existentes, seja fundando novos hábitos e valores.
Refletindo sobre as questões acima colocadas, analisaremos nesse estudo algumas
publicidades de variadas marcas de cerveja, levando em consideração os aspectos comerciais, culturais
e ideológicos sobre os quais se apóiam. A partir dos elementos lingüísticos e visuais que compõem o
referido discurso propagandístico, serão verificadas as representações sociais do feminino presentes
nesses enunciados, de que maneira tais discursos contribuem para a reprodução de uma ideologia
masculina na sociedade, bem como os valores que os alicerçam.
1 O Discurso Publicitário
É importante lembrar que, antes de tudo, a “publicidade é discurso, linguagem, e portanto
manipula símbolos para fazer a mediação entre objetos e pessoas,” (CARVALHO, 2006, p. 12). Por
isso que as escolhas das marcas lingüísticas e a composição dos argumentos são fundamentais para a
sua eficácia discursiva. Segundo Maingueneau (2008, p. 99), “o poder de persuasão de um discurso
consiste em parte em levar o leitor a se identificar com a movimentação de um corpo investido de
valores socialmente especificados”. A publicidade deseja, portanto, persuadir, associar o produto que
vende a um corpo em movimento, a um estilo de vida; procura incorporar, por meio de sua própria
enunciação, aquilo que ela evoca, criando uma relação de cumplicidade e identificação com o
“receptor”. Lagneau (apud CARVALHO 2006, p. 12) entende que:
Os conceitos de publicidade e informação econômica não se recobrem
exatamente porque o objeto publicitário ultrapassa, de modo característico, a
própria racionalidade econômica. No anúncio e pelo anúncio, o valor
*
Graduanda em Letras pela Universidade Salgado de Oliveira. E-mail: [email protected].
**
Bacharel em Secretariado Executivo pela Universidade Federal de Pernambuco, graduanda em Letras pela
Universidade Salgado de Oliveira. E-mail: [email protected].
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econômico é procurado e dito em filigranas, através da mediação obrigatória
da cultura, isto é, pela manipulação simbólica do sistema de costumes.
Na publicidade contemporânea, a sedução e a persuasão são recursos chave na hora de
convencer o sujeito a consumir um produto em detrimento a outro. Ela atua na subjetividade do
indivíduo de maneira contundente de modo a capturá-lo, a não permitir que ele fique alheio aos seus
apelos. A eficácia do discurso publicitário reside, justamente, na combinação de elementos
persuasivos que agreguem valores sociais ao produto em questão. É por isso que o discurso
publicitário ultrapassa a objetividade econômica de uma transação comercial e procura não apenas
vender um produto, mas uma imagem ou uma maneira de ser e de ter que se vincula a essa compra,
extrapolando assim o plano puramente material.
Superando o plano material e adentrando o imaginário coletivo, a mensagem publicitária atua
despertando ilusões e colaborando com as vigas de sustentação de uma determinada ideologia. Alguns
anúncios publicitários são muito sutis e mais perigosos, do ponto de vista ideológico, porque a norma
por eles estabelecida permanece no nível latente “natural”, o que significa que o leitor aceita a norma
como inquestionável, sem submetê-la ao exame consciente da razão. O caráter agressivo da mensagem
fica diluído sob a máscara da sedução impelindo o enunciatário a aceitar como verdades absolutas os
valores transmitidos na mensagem. Segundo Carvalho (2006, p. 13), “a publicidade impõe, nas linhas
e entrelinhas, valores, mitos, ideais e outras elaborações simbólicas, utilizando os recursos próprios da
língua que lhe serve de veículo”. Desse modo, o sujeito, na publicidade, acaba sendo, muitas vezes,
reduzido à primordial e simples condição de consumidor. Aborda-se o ser como meio de chegar ao
ter. Perdendo-se assim a dimensão do ser como sujeito pensante e transformador de sua sociedade.
Para proceder a uma análise crítica do discurso publicitário, não podemos dissociá-lo das
estruturas sociais sobre as quais se apóia, pois de acordo com Carvalho, (2006, p. 17), “o discurso
publicitário é um dos instrumentos de controle social, e para bem realizar essa função, simula
igualitarismo, remove da estrutura de superfície os indicadores de autoridade e poder, substituindo-os
pela linguagem de sedução”.
Para uma melhor compreensão do discurso em questão e sua relação com a sociedade,
recorremos ao modelo tridimensional de análise crítica do discurso proposto por Fairclough (2001, p.
101), no qual um evento discursivo pode ser considerado simultaneamente um texto, uma prática
discursiva e uma prática social. Para o autor, “o discurso é um modo de ação, uma forma em que as
pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de
representação” (FAIRCLOUGH (2001, p. 91).
Assim, como qualquer discurso dentro da sociedade, o discurso publicitário contribui para a
construção dos três aspectos dos efeitos construtivos do discurso sugeridos pelo autor:
a) a construção do que é referido como “identidades sociais” “e ‘posições de sujeito’ para os
‘sujeitos’ sociais e os tipos de ‘eu’”;
b) “a construção de relações sociais entre as pessoas”;
c) “a construção de sistemas de conhecimento e crença”.
Se considerarmos que a língua é reflexo de sua sociedade e é culturalmente determinada e
determinante de práticas discursivas e sociais, consideraremos, assim como Carvalho, que “o texto
publicitário, qualquer que seja a mensagem implícita, é o testemunho de uma sociedade de consumo e
conduz a uma representação da cultura a que pertence, permitindo estabelecer uma relação pessoal
com a realidade particular” (2006, p. 106). Por isso que ao construir um discurso publicitário, o
enunciador leva em conta o seu enunciatário para veicular no texto palavras que contenham valores
capazes de sensibilizar e persuadir o ouvinte/leitor/expectador, a adquirir um determinado produto ou
serviço.
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A manipulação da dimensão sociológica é de extrema importância para que o discurso
publicitário cumpra a sua finalidade. De acordo com Carvalho (2006, p. 17), “a publicidade dá a cada
um a ilusão de que dirigi-se a ele individualmente e, ao mesmo tempo, o faz ter consciência de ser
membro de uma polis.” Sendo assim, o sujeito tem a dupla ilusão de comunhão com o todo e de
incomparável singularidade.
Incluindo o discurso da propaganda na dimensão dos discursos socialmente determinados e
determinantes de estruturas sociais, é possível fazer uma leitura dos seus mecanismos ideológicos
cujos sentidos são manifestações materiais significantes e através das quais descobrimos os
significados culturais.
2 Os Estereótipos de Gênero
Por essa perspectiva de gênero entendem-se as relações sociais baseadas nas diferenças
percebidas entre os sexos. O gênero se torna uma maneira de indicar as construções sociais: a criação
inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. O gênero é, segundo
essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Scott (apud GOMES, 2008 p.
238)
observa que a expressão gênero passou a ser empregada como uma forma
de rejeição ao determinismo biológico implícito nos termos sexo e
diferenças sexuais, situando a discussão no âmbito da organização social da
relação entre os sexos. Nesse sentido, gênero surge historicamente para se
referir às diferenças culturais entre os sexos.
Em outras palavras podemos dizer que o gênero é o discurso das diferenças dos sexos, no qual
a masculinidade é construída em oposição à feminilidade por meio de uma transposição das diferenças
biológicas para o plano da cultura, ocasionando assim diferentes comportamentos sociais entre
homens e mulheres.
A hierarquização supostamente natural construída por esse sistema dicotômico dos gêneros,
atribui ao feminino um lugar secundário e inferior. Na esfera social e no contexto histórico, ao longo
do tempo, a mulher ocupa espaços e lugares diferentes do homem e continua sendo vista ora como um
ser doméstico, ora como um objeto sexual. Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu , a dominação do
homem sobre a mulher é exercida por meio de uma violência simbólica:
Também sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e
vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante
daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível,
invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias
públicas simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais
precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última
instância, do sentimento. (BOURDIEU, apud OLIVEIRA, 2006, p. 92).
O autor descreve a violência simbólica como um ato sutil, compartilhado inconscientemente
entre dominador e dominado, ocultando assim relações de poder que alcançam não apenas as relações
entre os gêneros, mas, toda uma estrutura social.
3 Análise do Corpus
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Para compor o corpus desta pesquisa, foram selecionadas quatro publicidades de cerveja de
diferentes marcas – Malta, Antarctica, D’ávila e Schin - com objetivo de verificar o modo como esses
discursos atuam na sociedade e quais efeitos produzem sobre os indivíduos. À luz da Análise Crítica
do Discurso, será verificado de que maneira os elementos lingüísticos e visuais que compõem esse
enunciado propagandístico contribuem para a legitimação de uma dominação masculina na sociedade.
Vejamos a propaganda da cerveja Malta:
Figura 1: Cerveja Malta Fonte: (Malta, 2008)
Na publicidade acima percebe-se o uso de verbos no imperativo, muito comuns em textos
publicitários, e que, segundo Carvalho (2006, p.45), representam uma ordem ou convite à ação. Os
enunciados verbais – Abre uma! E Leve! quando associados à cerveja reforçam esse convite à compra
e ao consumo do produto. Porém, quando associados à imagem de uma mulher insinuando-se, com
seios, barriga e pernas à mostra, sugerem que a mulher também é um produto a ser levado e a ser
consumido.
Por meio de um discurso aparentemente despretensioso, porém de forte sujeição sexual da
mulher, o anúncio objetiva além de seduzir o seu público alvo, reforçar um estereótipo feminino
valorizado socialmente. A mulher é reduzida a isca para o anseio masculino.
Vejamos agora o anúncio publicitário da cerveja Antarctica.
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Figura 2: Cerveja Antarctica Fonte: (Indiegesto, 2009)
Nessa publicidade, o uso da sigla B.O.A. - Bebedores Oficias de Antártica - nos remete ao
adjetivo “boa”. Essa escolha não foi aleatória tendo em vista que em nossa sociedade esse vocábulo
está fortemente carregado de valores ideológicos. De acordo com Carvalho (2006, p. 103), “há
palavras quase neutras e outras bastante marcadas pelos usos sociais”. Para a autora, são inúmeras as
“palavras que focalizam e cristalizam uma certa carga cultural diferenciada”.
A escolha da sigla associada ao adjetivo vem qualificar o produto e ao mesmo tempo a mulher.
Essa qualificação possui uma forte carga semântica que, segundo Rios (2001, p.130), significa
“mulher bonita e de físico provocante”, evidenciando, assim, o conceito popular e configurando uma
ambigüidade lexical. De acordo com Koch (apud CARVALHO, 2006, p.47) “Há palavras que,
colocadas estrategicamente no texto, trazem consigo uma poderosa carga de implícitos”.
Como vemos, a palavra desempenha papel fundamental na publicidade. É através dela que os
anúncios são veiculados e produzem o efeito esperado, vender uma determinada marca, um
determinado produto por meio de seu poder persuasivo. Segundo Carvalho:
o vocabulário faz a ponte entre o mundo da linguagem e o mundo objetivo,
(...) constituindo sempre em um portador apropriado de significações e
valores e cargas novas que a realidade gera e a palavra transmite. (...) A
palavra deixa de ser meramente informativa, e é escolhida em função de sua
força persuasiva, clara ou dissimulada. (CARVALHO, 2006, p.100)
É importante ressaltar que as palavras por si só não conseguem exprimir coisas, elas
despertam a consciência que temos delas, transmitem sentimentos transportando ao pensamento do
indivíduo um cunho coletivo, social (CARVALHO, 2006, p. 22). É nessa concepção que a publicidade
se apóia para criar, recriar, transmitir e instaurar uma prática discursiva e social.
O enunciado junte-se à B.O.A. quando associado à imagem da mulher e à cerveja institui uma
ambigüidade: juntar-se a qual “boa”? A mulher ou ao clube dos Bebedores Oficiais de Antarctica?
Mais uma vez, mulher e cerveja confundem-se parecendo ser um só objeto de consumo.
Essa ambigüidade entre a imagem da mulher e o produto a ser vendido também se materializa
na construção da publicidade da cerveja D’avila:
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Figura 3: Cerveja D’ávila Fonte: (Blogspot)
O tom apelativo do referido anúncio só vem a reforçar tudo aquilo que já foi dito
anteriormente. Temos a imagem de uma mulher insinuando um strepetese com o short e a blusa já
desabotoados e, ao lado, a imagem da cerveja. O enunciado “Você bem acompanhado!” associado às
imagens apresentadas estabelece uma ambigüidade entre a mulher e a cerveja, ambas a serem
consumidas.
Em uma sociedade androcêntrica como a nossa e marcada pela dominação masculina não é de
se estranhar que a mulher, muitas vezes, seja reduzida a mera condição de objeto sexual, como se pode
verificar no anúncio acima. De acordo com Gomes (2008, p. 240), por ser sutil, essa dominação “é
incorporada pelos sujeitos sem que a percebam. Comumente essa faceta da violência não só é aceitável
como também pode ser vista como natural”. Essa “naturalidade” é o aspecto mais perigoso desse tipo
de violência, pois as pessoas não só a aceitam, como também a reproduzem sem submetê-la a um
exame crítico da razão.
Desse modo, o anúncio publicitário em questão, além de estimular o consumo da cerveja,
coloca em destaque, por meio de uma propaganda apelativa e carregada de valores falocêntricos, esse
aspecto cultural de reificação da mulher tão presente em nossa sociedade dominada por ideologias
masculinas.
Vejamos o anúncio a seguir:
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Figura 4: Cerveja Schin Fonte: (Estadão, 2008)
Percebemos nessa publicidade que o slogan “Para bom bebedor meia palavra basta” nos
remete a um provérbio bastante conhecido – “Para um bom entendedor meia palavra basta”. Esse
fenômeno, segundo Maingueneau, denomina-se captação. “Captar um texto significa imitá-lo,
tomando a mesma direção que ele” (2008, p. 173). Essa polifonia construída por meio da enunciação
proverbial é muito comum nos discursos publicitários. Para o autor, o produtor do texto, ao utilizar
provérbios em anúncios propagandísticos, delega ao co-enunciador a missão de estabelecer a relação
de sentido entre o slogan e o dito popular. (2008, p. 171).
O enunciado proverbial presente na referida propaganda, primeiramente, relaciona-se ao uso
abreviado da palavra Schincariol, nome da indústria de produz a cerveja. A utilização de apenas uma
sílaba – Schin – para nomear o produto em questão, constitui uma estratégia que tem por objetivo
facilitar a memorização da marca pelo público consumidor. Mas é importante observar também que o
mesmo slogan estabelece uma relação com a palavra “tesão”, que se encontra incompleta e em
destaque na propaganda. Segundo Rios (2001, p. 517), tesão significa estado ou qualidade de teso;
rijeza; embate violento; ímpeto; excitação, desejo sexual; pessoa que inspira esse desejo; coisa muito
boa, excitante ou interessante. Apesar de o vocábulo não estar totalmente explícito, é fácil recuperá-lo
por meio da imagem de uma mulher que se apresenta de biquíni e insinua retirar a peça inferior da
roupa. Ao mesmo tempo em que se institui uma ordem ao consumo da cerveja – Peça Schin - constróise uma mensagem subliminar em que a cerveja e a mulher encontram-se em um mesmo plano de
consumo e sugere que ambas despertam tesão.
Embora a idéia primeira seja de que a publicidade deseja apenas vender um produto, nesse
caso, cerveja, nas entrelinhas, como se viu no anúncio em questão, a mensagem é outra. Carvalho
explica que “a tarefa da mensagem publicitária é informar as características dos produtos, e essa
função objetiva é, aparentemente, primordial. Deve-se considerar, contudo, que a linguagem passa da
informação à persuasão clara, e depois à persuasão subliminar” (2006, p. 107).
Um elemento comum aos quatro anúncios publicitários analisados é a presença da figura
feminina. Todas as propagandas trazem imagens de mulheres em corpos malhados, bronzeados e com
poucas roupas, evidenciando especialmente os seios e a barriga. Desse modo, a publicidade torna-se
uma espécie de vitrine não apenas para a exposição da cerveja, como também para a exposição do
corpo feminino. Exposição essa, que privilegia as representações de mulheres que refletem os padrões
estabelecidos e partilhados socialmente. As publicidades aqui analisadas constroem e disseminam a
imagem de uma mulher sexualmente desejável que corresponde àquilo que todo os homens devem
aspirar e possuir e àquilo que toda mulher deve tornar-se para obter uma valorização social.
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Considerações Finais
A análise dos elementos lingüísticos e visuais aqui apresentada nos ajuda a perceber que as
representações sociais expostas pelas propagandas de cerveja colaboram para uma legitimação da
dominação masculina em nossa sociedade. Por meio da exploração da imagem feminina, esses
anúncios reiteram valores dominantes e tradicionais sobre as mulheres construindo aquilo que
Bourdieu chama de violência simbólica de gênero. Nesse sentido, a mulher é percebida com um mero
objeto de desejo e uma fonte de prazer. É bastante claro o discurso de reforço ao protótipo de beleza
feminina - mulher magra, jovem e de seios volumosos.
O discurso publicitário de cerveja está fortemente arraigado às estruturas sociais. Por isso que
Fairclough (2001, p. 93) afirma que “a constituição discursiva da sociedade não emana de um livre
jogo de idéias nas cabeças das pessoas, mas de uma pratica social que está firmemente enraizada em
estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas”. Desse modo, não só as escolhas
visuais, como também, as escolhas lingüísticas operadas pelo produtor do texto são de extrema
importância na construção do discurso publicitário, pois têm como objetivo “orientar o interlocutor na
construção de sentido” (Koch, 2004). Entenda-se aqui, construção de sentido como uma forma de
“integrar o receptor à sociedade de consumo” (CARVALHO, 2006, p. 18).
As publicidades de cerveja, em sua maioria, incitam a sensualidade, sexualizando a cerveja,
atribuindo a ela valores socialmente reconhecidos como femininos. Isso se dá porque por si só a
cerveja não constrói no imaginário coletivo um poder de venda, sendo necessário, portanto, associá-la
a outros valores, nesse caso à mulher. Assim, a propaganda supera o plano meramente material e
adentra o imaginário coletivo transformando-se em objeto de desejo e consumo. O que se observa é
que embora o produto em questão seja destinado ao público em geral, homens e mulheres, a maneira
como a propaganda é construída leva a entender que se destina apenas ao público masculino.
Desse modo, o discurso publicitário de cerveja reproduz uma ideologia masculina, de forte
apelo sexual e de manutenção de um estereótipo utilitário e estigmatizado da mulher em função do
prazer masculino. Nos anúncios em questão, a figura feminina não é a consumidora, nem a
espectadora. A imagem do seu corpo é um recurso de marketing utilizado para vender o produto. As
escolhas lingüísticas são extremamente ambíguas e carregadas ideologicamente de valores eróticos, o
que provoca no “receptor” uma ambigüidade entre a mulher e a cerveja, ambas a serem consumidas.
Referências
CARVALHO, Nelly. Publicidade a linguagem da sedução. São Paulo: Ática, 2006.
DIAS, Dermival Ribeiro. Mini dicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo: DCL, 2001.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: UNB, 2001.
GOMES, Romeu. (2008). A Dimensão Simbólica da Violência de Gênero: uma discussão introdutória.
Athenea Digital, 14, 237-243. Disponível em:
<http://psicologiasocial.uab.es/athenea/index.php/atheneaDigital/article/view/520>. Acesso em 15 jan
2009.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à lingüística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2008.
OLIVEIRA, Cristiane Mandânelo de. Brincando de Desconsertar o Masculino: Um Olhar Sobre a
Produção para Crianças de Ana Maria Machado. 2006. 125 P. Dissertação (Mestrado em Literatura
Brasileira) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
<http://www.malta.com.br/> (último acesso em 25/09/2009)
<http://4.bp.blogspot.com/_O2Zw5qsalc/SBcWfMPGyBI/AAAAAAAAARY/nPPAuKUHCiQ/s320/c
erveja_davila_2.jpg> (último acesso em 10/08/2008)
<http://indiegesto.zip.net/images/julianapaes.jpg> (último acesso em 11/10/2008)
<http://blog.estadao.com.br/blog/media/cerveja.jpg> (último acesso em 11/10/2008)
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