Geofísica Nuclear Introdução A radioatividade foi descoberta no resultado de um experimento feito por Henri Bequerel em 1876. Acidentalmente, Bequerel deixou amostras de sulfato de urânio e de potássio, enroladas em papel grosso e próximas a chapas de filme fotográfico em uma sala escura. Ao revelar os filmes verificou que estes pareciam ter sido expostos à luz, mesmo sem ter entrado em contato com ela. A gravação da imagem no filme foi atribuída a raios invisíveis emitidos pelo urânio. A emissão de radiação ficou conhecida como radioatividade, e os elementos que manifestam este fenômeno são os radionuclídeos. Nas geociências, o uso das técnicas nucleares possibilita a identificação de elementos radioativos presentes nos minerais e em rochas. Além dessa finalidade, a radioatividade também é usada para: Fornecer informações sobre litoestratigrafia; Identificação de sistemas geradores de calor e de anomalias hidrotermais, em busca de jazidas minerais com potencialidade de exploração; Estudo do equilíbrio químico de águas; Perfilagem de poços; Geocronologia. As técnicas existentes são várias e seu emprego varia de acordo com a finalidade da pesquisa. As radiações e têm penetração limitada em rochas e minerais, por isso, técnicas que envolvem esses tipos de radiação são utilizadas na análise de amostras em laboratório, sob condições especiais. Em contrapartida, a radiação pode ser usada tanto em levantamentos aéreos como em pesquisas terrestres. Em trabalhos de aerogama espectrometria deve-se tomar o cuidado de a altura de vôo não ultrapassar 200 metros, pois, acima dessa altitude a radiação é atenuada de tal forma pela atmosfera não sendo possível obter resultados satisfatórios. Estrutura atômica O núcleo atômico é composto por prótons (partículas carregadas positivamente) e nêutrons (partículas eletricamente neutras). A força eletrostática faz com que os prótons se repulsem (afastem), porém uma força ainda mais forte faz com que o núcleo permaneça coeso (unido). Esta força nuclear age nas interações próton-próton, nêutron-nêutron e próton-nêutron, mas apenas é efetiva em distâncias menores que 3 x 10-15 m, enquanto a força de repulsão pode agir até mesmo em distâncias superiores ao tamanho do núcleo. Supondo que o núcleo de um determinado elemento químico possua um número Z de prótons e seja cercado pela mesma quantidade de elétrons (partículas de carga negativa), então o átomo é considerado eletricamente neutro, Z é dito seu número atômico e define a posição do elemento na tabela periódica. O número de nêutrons é representado por N, enquanto A representa o número de massa (número de nêutrons somado com o número de prótons). Átomos de um mesmo elemento que possuam número de nêutrons diferentes são chamados de isótopos. O urânio, por exemplo, possui 92 prótons mas pode ter 142, 143 ou 146 nêutrons. Os diferentes isótopos são identificados pelo número de massa, no caso do urânio: 232U, 235U e 238U. Como a força de repulsão age sobre todos os pares de prótons no núcleo e a força nuclear forte apenas nas proximidades de prótons e nêutrons, para manter a estabilidade do núcleo, os elementos que possuem número atômico maior que 20, também possuem excesso de nêutrons, isto é, N > Z. Entretanto, os elementos com Z>=83 são instáveis e sofrem um tipo de transformação espontânea, separando-se através de decaimento radioativo, emitindo partículas elementares e radiação. Entre as partículas elementares conhecidas, as mais importantes são os raios (radiação de partículas carregadas pesadas), (radiação de partículas carregadas – elétrons livres) e (radiação sem carga). Uma partícula é composta por 2 prótons e 2 nêutrons (um núcleo de hélio) que foram arrancados (tirado) da vizinhança de seus elétrons. A partícula é um elétron que foi expulso pelo núcleo. Algumas reações emitem uma energia adicional em forma de radiação de curto comprimento de onda, os raios . Decaimento radioativo Um tipo comum de decaimento radioativo ocorre quando um nêutron (n0) no núcleo de um átomo, espontaneamente se transforma em um próton (p+) e uma partícula . A partícula é ejetada junto com outra partícula elementar, um antineutrino () que não tem carga elétrica nem massa. A reação é a seguinte: n0 => p+ + + Costuma-se dar ao núcleo que decai o nome de pai e ao núcleo resultado do decaimento o nome de filho. É impossível precisar qual núcleo irá decair espontaneamente, porém, pode-se estimar a probabilidade de decaimento por segundo de um elemento, que recebe o nome de taxa de decaimento. O número de desintegrações por segundo é chamado de atividade. A atividade de uma de um radioisótopo é definida como a razão de decaimento: (1) (2) Onde N é o número de núcleos radioativos no instante t, N0 é o número inicial de núcleos radioativos e é a constante de decaimento, que varia para cada isótopo. A unidade de uma desintegração por segundo é o bequerel (Bq). Tendo inicialmente 1000 núcleos de um dado elemento, e a probabilidade de haver um decaimento por segundo é de 1 para 10, ou 0.1. No primeiro segundo, 10% dos núcleos pais decaem espontaneamente, assim, o número de núcleos pais é reduzido para 900. No próximo segundo o número de núcleos pais será de 810, no seguinte 729, e assim por diante. O número de núcleos pais vai decrescendo ao longo do tempo, mas, a princípio, nunca chega a zero, após um longo tempo começa a tender assintoticamente a esse valor. A curva do decaimento pode então, ser descrita por uma exponencial. Se a taxa de decaimento for igual a , então em curto intervalo de tempo dt, a probabilidade de um determinado núcleo decair é dt; se tivermos P núcleos pais, o número que decai em um intervalo dt é P( dt). A variação dP devido ao decaimento em um intervalo de tempo dt é: (3) (4) cuja solução é: (5) A equação acima descreve o decaimento exponencial dos nuclídeos pais, a partir de um número inicial P0. Enquanto o número de nuclídeos pais diminui, o número D de nuclídeos filhos aumenta, sendo que D é a diferença entre P e P0. (6) O número inicial de nuclídeos pais é desconhecido, uma amostra de rocha contém apenas a quantidade restante P e a quantidade D de filhos produzidos. Dessa forma, substituindo P0 na equação anterior: (7) A descrição experimental do decaimento radioativo feita por Lorde Rutherford e Frederick Soddy em 1902 foi baseada em observações do tempo necessário para que a atividade de materiais radioativos caia pela metade. Este tempo é chamado de meiavida, na primeira meia-vida o número de nuclídeos pais cai para a metade, na segunda para um quarto, na terceira para um oitavo, e assim por diante. O número de nuclídeos filhos aumenta em igual proporção, então, a soma de nuclídeos pais restantes com o número de filhos, resulta no número inicial P 0, de nuclídeos pais. Fazendo P/P0 = ½ na equação 5, tem-se: Figura 1 – Decaimento exponencial do número de nuclídeos pais, e correspondente crescimento no número de nuclídeos filhos. É conhecida a taxa de decaimento de mais de 1700 isótopos. Alguns deles são produzidos por explosões nucleares e têm vida tão curta que duram apenas frações de segundo; outros são produzidos na colisão entre raios cósmicos e átomos nas camadas mais externas da atmosfera, estes têm duração de vida de minutos a dias; muitos isótopos de ocorrência natural têm tempo de meia-vida de milhares, milhões ou até bilhões de anos, podendo ser usados para determinar a idade de eventos geológicos. Tabela tempo de meia-vida dos principais isótopos Técnicas de Datação Em pesquisas de geocronologia, a radioatividade tornou-se uma das ferramentas mais importantes devido à confiabilidade nos resultados de datação de processos geológicos e no cálculo da idade da Terra e do sistema solar. Carbono radioativo Constantemente radiação cósmica atinge a Terra, a colisão entre as partículas dessa radiação e os átomos de oxigênio e nitrogênio presentes na atmosfera terrestre produz nêutrons de alta energia. Por sua vez, os nêutrons colidem com os núcleos de nitrogênio, transformando-os em 14C, um isótopo do carbono. O 14C emite uma partícula , decaindo para 14 14 N, com meia-vida de 5730 anos. Dessa forma, a produção de novo C é balanceada pelo decaimento, preservando o equilíbrio natural. No método do carbono radioativo, a quantidade restante de nuclídeos P é obtida medindo-se a atual taxa de atividade das partículas-, que é proporcional ao número de P. Este resultado é comparado ao valor inicial de nuclídeos pais, P0, assim, o tempo passado desde o início do decaimento é calculado pela equação 5 (usando 14C = 1.21 x 10-4 anos-1). O método do 14 C é bastante usado para datar eventos da época Holoceno, ou seja, mais de 10000 anos atrás. Também bastante utilizado para datar objetos arqueológicos pré-históricos. Rubídio – Estrôncio (Rb-Sr) O rubídio radioativo (87Rb) decai, pela emissão de uma partícula-, para estrôncio radiogênico (87Sr). A equação 7 assume que quantidade de isótopos filhos é criada apenas pelo decaimento dos isótopos pais, porém, comumente há na amostra uma quantidade inicial de isótopos filhos desconhecida. Dessa forma, a quantidade medida é a soma da concentração inicial com a fração derivada do decaimento. Para normalizar as concentrações de isótopos pais e filhos, é utilizado o estrôncio não radiogênico ( 86Sr). Plotando 87Sr/86Sr x 87Rb/86Sr, após várias medidas da amostra, obtém-se uma linha reta, chamada isócrona, o ponto em que a reta intercepta o eixo das ordenadas representa a quantidade inicial de isótopos filhos, então: (9) Em que é a constante de decaimento e m é o coeficiente angular da reta. Figura 2 – Exemplo de isócrona do método Rb-Sr (amostra de gnaisse Uivak, Labrador, Canadá). O coeficiente angular aponta uma idade de 3622 +/- 0.0072 Ga para a amostra do gnaisse. Devido a seu longo tempo de meia-vida, este método é bastante utilizado para datar as rochas mais antigas, meteoritos e amostras lunares. Pode ser aplicado na amostra de rocha inteira ou nos minerais separados dela. Potássio – Argônio (K-Ar) É a técnica de datação mais utilizada. O potássio (K) é comum em rochas e minerais, enquanto o isótopo filho argônio (Ar) é um gás inerte que não se combina com outros elementos. O 40K decai de duas maneiras: a) Por emissão de uma partícula-, transformando-se em 40Ca20; b) Por captura eletrônica, passando a 40Ar18. O método funciona bem em rochas ígneas que não tenham passado por aquecimento desde sua formação, pois uma fase de aquecimento faria com que o 40 Ar escapasse facilmente na rocha fundida, zerando o relógio de acumulação. Este é um fator que limita a utilidade da técnica. A idade da rocha é obtida através da equação: (10) Argônio – Argônio (Ar-Ar) Para solucionar algumas incertezas apresentadas no método K-Ar devido a uma possível fase de aquecimento que a amostra tenha sofrido, uma alternativa à técnica é usar a razão isotópica 40 Ar/39Ar. Para tanto, é necessário converter o 39 K presente na rocha em 39Ar, o que é obtido irradiando-se a amostra com nêutrons, em um reator. Ao bombardear os núcleos de 39K com nêutrons, apenas uma parte desses núcleos passará a 39 Ar, para conhecer esta quantidade, uma amostra de controle, com idade conhecida é irradiada ao mesmo tempo. Observando as variações nas razões isotópicas sabe-se a porcentagem de potássio convertido em argônio. A idade da rocha é dada, então, pela expressão 11: (11) Nessa equação, J é uma constante obtida da amostra de controle. Urânio – Chumbo (U-Pb) O urânio decai através de uma série de elementos filhos intermediários até estabilizar-se, sendo o chumbo o último produto do decaimento. O decaimento do em 206Pb, e do 235U em 207Pb, pode ser simplificado da seguinte maneira: (12) (13) 238 U A curva concórdia é um gráfico que se obtém ao plotar a razão a razão 206 Pb/238U contra 207 Pb/235U. Todos os pontos dessa curva satizfazem as equações de decaimento (12 e 13) no mesmo instante de tempo t. O chumbo é um elemento volátil que escapa facilmente dos minerais, essa perda na quantidade de chumbo é visualizada por pontos que se colocam fora da curva concórdia, estes pontos unidos fazem a chamada reta discórdia. O ponto de intersecção entre as duas curvas, indicado na figura pela letra A, representa a idade original da rocha, enquanto o ponto E indica o início da perda de chumbo na amostra. Figura 3 – Diagrama concórdia - discórdia hipotético.