eutanásia passiva voluntária em doentes terminais

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
EUTANÁSIA PASSIVA VOLUNTÁRIA EM DOENTES TERMINAIS:
direito fundamental à luz da Constituição Federativa do Brasil de 1988
ACADÊMICA: ROSELI APARECIDA TEIXEIRA
São José (SC), maio de 2005
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
EUTANÁSIA PASSIVA VOLUNTÁRIA EM DOENTES TERMINAIS:
direito fundamental à luz da Constituição Federativa do Brasil de 1988
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Bacharel
em Direito, sob orientação da Profa. MSc.
Samantha Buglione.
ACADÊMICA: ROSELI APARECIDA TEIXEIRA
São José (SC), maio de 2005.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
EUTANÁSIA PASSIVA VOLUNTÁRIA EM DOENTES TERMINAIS:
direito fundamental à luz da Constituição Federativa do Brasil de 1988
ROSELI APARECIDA TEIXEIRA
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de
bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI.
São José, 16 de junho de 2005.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Profa. MSc. Samantha Buglione - Orientadora
_______________________________________________________
Prof. Dino Krieger - Membro
_______________________________________________________
Profa. Maria Helena Machado - Membro
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me dado a oportunidade de ter nascido e
aprender muito mais com meus erros durante todos os anos da minha vida.
Agradeço a minha mãe por sempre ter me incentivado a estudar
desde quando criança na escola primária.
Agradeço às minhas filhas Renata e Marcela por simplesmente
existirem e a meu netinho Gustavo por me fazer uma jovem vovó feliz.
Aos meus irmãos: Adair, Altair, Cleusa, Neusely e Altemir que não
poderia deixar de agradecer, pois juntos comigo tiveram uma infância difícil, porém
não menos digna.
Aos amigos que estão sempre do meu lado: Daniella Pizarro, Gisele
Devéns, Fernanda Constantino, Diana e Odi Dutra.
Agradeço a Ana Clara Caldas Fiel por fazer parte da minha
caminhada, pois foi sempre uma grande amiga. (in memoriam)
Agradeço ao professor Edson Pires da Fonseca (UFSC) por sua
dedicação e importante ajuda para a realização deste trabalho, sempre
incentivando e acreditando na minha capacidade.
Também não poderia deixar de agradecer a minha orientadora
professora
Samantha Buglione, pois sem ela eu não teria tido a coragem de
continuar a escrever uma linha sequer.
Agradeço a Ila minha gata siamesa, companheira incansável para as
longas horas de digitação durante as noites.
Agradeço e proclamo saudações aos espíritos iluminados que
sempre estiveram e estão do meu lado, me guiando e abrandando o coração nas
horas difíceis de angústias e tormentos da alma.
Enfim, agradeço a todos que de bom coração torcem por mim ou
simplesmente me aceitam como sou.
“Si no se le concede al individuo el derecho
a una muerte racional, voluntariamente decidida,
la humanidad no podrá llegar a aceptar culturalmente su propia
mortalidad. Y, si no se entiende el sentido de la muerte,
tampoco se entiende el sentido de la vida”
(Ramón Sampedro, 1996)
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................ 8
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 9
1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE EUTANÁSIA..........................................12
1.1EUTANÁSIA: CONCEITO..............................................................................12
1.2 MODALIDADES DA EUTANÁSIA.................................................................14
1.3 ORTOTANÁSIA, DISTANÁSIA E SUICIDIO ASSISTIDO.............................17
1.3.1 Ortotanásia............................................................................................ 17
1.3.2 Distanásia...............................................................................................18
1.3.3 Suicídio assistido..................................................................................18
1.4 OS FUNDAMENTOS PARA A PERMISSÃO DA PRÁTICA DA EUTANÁSIA
– A EXPERIÊNCIA DE DIFERENTES PAÍSES......................................................20
1.4.1 Fundamentos da eutanásia na Holanda: consideração sobre as
justificativas..........................................................................................................20
1.4.2 Fundamentos para a eutanásia na Bélgica.........................................23
1.4.3 Fundamentos para a eutanásia na Austrália.......................................24
1.4.4 Eutanásia na direito penal brasileiro...................................................26
1.4.5 Síntese sobre eutanásia nos diversos países analisados.................29
2 A PRÁTICA DA EUTANÁSIA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS....................30
2.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES.....................................................................30
2.2 DOENTES TERMINAIS E EUTANÁSIA........................................................32
2.3 ANALISANDO OS PONTOS DE CONFLITO................................................35
2.3.1 A vida e o sagrado..................................................................................36
2.3.2 O direito a vida e seu significado..........................................................38
2.3.3 Autonomia...............................................................................................41
2.3.4 Liberdade.................................................................................................43
2.3.4.1 Liberdade interna e externa................................................................44
2.3.5 Dignidade da pessoa humana...............................................................45
3 A COLISÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA PRÁTICA DA
EUTANÁSIA...........................................................................................................51
3.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES.....................................................................51
3.1.1 Distinção entre regra e princípio...........................................................51
3.2 NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS........................54
3.3 A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - UMA ANÁLISE A PARTIR
DE SITUAÇÕES CONCRETAS..............................................................................58
3.3.1 Casos.......................................................................................................58
3.3.2 Análise.....................................................................................................59
3.3.3 Colisão de direitos fundamentais - significado..................................60
3.4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE – ESTRATÉGIA PARA A SOLUÇÃO
DE CONFLITOS.....................................................................................................63
3.4.1 Conceito, origem e finalidade..................................................................63
3.4.2 O princípio da proporcionalidade e a solução de colisões de
direitos......................................................................................................66
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................70
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................73
RESUMO
O presente trabalho partiu do pressuposto de que o doente em estado terminal
tem seu pedido de prática da eutanásia passiva voluntária fundamentada nos
direitos fundamentais constitucionais consagrados pela Constituição Federal de
1988, mais especificamente, no direito de liberdade e autonomia; direitos estes
que nascem a partir do princípio da dignidade humana. O problema em questão é
o conflito entre a sacralidade da vida e o direito de liberdade. Para
pensar esta colisão de direitos trabalha-se com o princípio da proporcionalidade,
na perspectiva de identificar, no caso em tese, o menor dano e a garantia dos
direitos fundamentais.
PALAVRAS-CHAVE:
proporcionalidade.
Eutanásia,
princípios
constitucionais,
princípio
da
INTRODUÇÃO
Utilizou-se neste trabalho o método dedutivo a partir do estudo de
doutrinas na área do direito constitucional, médica, bioética e alguns estudos de
caso.
A prática da eutanásia vem acontecendo desde os primórdios da
humanidade até a atualidade, porém ainda se trata de um assunto polêmico e
controvertido. O instituto da eutanásia sempre que utilizado ou solicitado sua
prática causa debates inflamados por parte dos que são contra e dos que são a
favor, entretanto a nenhuma conclusão unânime se chega para dirimir tais
questões.
A complexidade e controvérsia do tema surgem a partir das
diferentes visões sobre o que venha ser eutanásia, como, quando, porquê e em
quem deve ou pode ser praticada, trazendo consigo a necessidade de maiores
estudos e na área médica, religiosa, ética e jurídica tanto na questão conceitual
quanto de sua aceitação e entendimento. Porém, este trabalho se aterá ao estudo
do tema na seara do direito constitucional.
A pesar de não se tratar de um assunto novo a eutanásia encontrase mais do que atual, recebendo a atenção de muitas pessoas criando discussões
e muitos debates. As inovações tecnológicas e as descobertas na área da
medicina fazem aparecer novos conceitos e opiniões sobre vida e morte.
Casos como o de Terri Schiavo1 nos Estados Unidos da América
causam polêmicas discussões sobre o que é certo ou errado na seara jurídica,
como também sobre o que é digno ou sagrado segundo conceitos religiosos
diversos. Neste caso a polêmica aumenta já que a doente não pôde expressar sua
vontade conscientemente. Ao contrário do caso do espanhol Ramón Sampedro
que depois de ficar 29 anos tetraplégico pede ajuda a amigos para dar fim a sua
vida, pois segundo seus conceitos já não era mais digna de ser vivida possuindo o
1 Mulher norte americana que vivia a 15 anos sendo alimentada por uma sonda, porém já não possuía mais nenhuma forma de recuperação,
pois seu cérebro estava irrevercívelmente danificado.
desejo consciente de não mais viver daquela maneira, colocando em choque
direitos fundamentais como a liberdade, autonomia e o direito à vida.
O enfoque principal deste trabalho é dado às pessoas acometidas de
doenças, terminal ou incurável com consciência e capacidade de decisão, sendo o
pedido
fundamentado
à
luz
dos
direitos
fundamentais
positivados
pela
Constituição Federativa do Brasil de 1988, pois modernamente não se pode mais
entender as normas constitucionais como simples ideal a ser alcançado ou uma
pura expressão dos anseios da sociedade.
As Constituições modernas dão força normativa à conservação do
ordenamento jurídico, pois são elas que vêm marcando e dando maior importância
aos princípios gerais de direito.
Assim,
pergunta-se,
se
a
pessoa
humana
neste
trabalho
compreendida como o sujeito capaz, com discernimento e consciência de si
mesmo e de seu estado físico, tem o direito de pedir ao Estado a prática da
eutanásia passiva voluntária?
Como resposta a esta pergunta se traz a hipótese do conflito de
direitos fundamentais constitucionais, deixando de lado argumentos médicos,
religiosos ou éticos do assunto em questão, não qeu estes não sejam relevantes,
mas este trabalho tem como pressuposto que a pessoa humana possui direitos
inerentes a ela; através da positivação destes direitos pela Constituição Federativa
do Brasil de 1988, o indivíduo pode solicitar ao Estado a prática da eutanásia,
colocando em choque princípios constitucionais individuais como: direito à vida,
dignidade humana, liberdade e autonomia.
Para a solução da colisão entre princípios constitucionais deve-se
levar em consideração as circunstâncias que cercam o caso concreto, para que,
pesados os aspectos específicos da situação, prevaleça o preceito mais
adequado. Diante deste abalo constitucional, será utilizado o princípio da
proporcionalidade também chamado de “princípio da proibição de excesso”, que
faz a ponderação dos direitos em choque buscando a dimensão do “peso” e
“valor” a fim de se verificar qual deles prevalecerá.
No primeiro capítulo se conhece um pouco do instituto da eutanásia
desde a antiguidade, conceitos e modalidades a fim de melhor elucidação das
nominações oferecidas pelas doutrinas, e situar a espécie de eutanásia tratada
neste trabalho.
A complexidade do assunto em questão não se deve somente a sua
polêmica divisão de aceitação ou divergências, mas também a confusão que é
feita quanto a distinção de conceituações de termos como ortotanásia, distanásia
e suicídio assistido. A prática e utilização da eutanásia na Holanda, Bélgica,
Austrália, Uruguai que é o primeiro país latino americano a regulamentar em seu
Código Penal o homicídio piedoso, e a visão do sistema jurídico brasileiro quanto
ao assunto também merecem destaque.
No segundo capítulo algumas considerações acerca dos direitos
fundamentais em questão: direito à vida, dignidade humana e autonomia, a visão
sobre os doentes terminais e a eutanásia, isso é relevante porque este trabalho
parte do pressuposto de que os doentes em fase terminal têm direito de solicitar
ao Estado a prática do instituto alicerçado nos direitos fundamentais individuais,
uma vez a existencia de direitos inerentes ao sujeito.
No terceiro e último capítulo faz-se demonstrar a distinção entre as
espécies do gênero normas constitucionais, ou seja, os princípios e as regras.
Busca-se esclarecer a normatividade dos princípios a fim de poder verificar como
ocorre a colisão no caso concreto e quais os critérios que deverão ser utilizados
para a solução dos conflitos, necessitando colocar em evidência o “meta-princípio
constitucional” isto é, o princípio da proporcionalidade que deverá oferecer a
medida justa para a solução.
1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE EUTANÁSIA
1.1 EUTANÁSIA: CONCEITO E IMPLICAÇÕES
A palavra Eutanásia vem do grego eu (bom) + thanatos (morte),
criado pelo político, filósofo e ensaísta inglês, Francis Bacon, que viveu entre 1561
a 1626, e já dizia que “a função do médico era de curar e aliviar as dores dos
pacientes, buscando o alívio não somente na cura, mas também na obtenção de
uma morte fácil e calma”.(Cf2. OLIVEIRA, 2001, p.2).
Durante o século XIX o termo eutanásia tinha uma interpretação
diferente da atual3, e alguns estudiosos conceituavam-na como a morte em estado
de graça; morte generosa; morte fácil; morte serena; boa morte; crime caritativo;
são todos conceitos utilizados para definir a eutanásia, principalmente no universo
jurídico. (Cf. OLIVEIRA, 2001)
A morte do imperador César Augusto no segundo século, já era
descrita pelo escritor Suetônio como uma morte suave, pois o imperador sempre a
tinha desejado, pra si e para seus familiares uma morte rápida e sem dor e usava
a expressão “euthanasia” para defini-la. Sabe-se que a eutanásia vem sendo
praticada desde a Antigüidade nas mais diversas formas, e em muitos países4
.(Cf. LEPARGNEUR, 2004)
2 As Normas da ABNT permitem as citações indiretas, que é a paráfrase e condensação das idéias de um autor, assim nestes dois casos não
há necessidade de se colocar os números das páginas da obra original. Neste trabalho este tipo de citação aparecerá com sobrenome do
autor fora de parênteses e (data da publicação entre parênteses) ou dentro de parênteses o sobrenome do autor antecedido pela sigla Cf
(conforme) e data da publicação.
1 A concepção atual de eutanásia se difere da antiguidade visto que naquele tempo a prática era com motivo de melhorar, aperfeiçoar a raça,
ou a sociedade em que vivia o doente, demente, incapaz. (Cf. BIZATTO, 2000)
4 Os povos primitivos, como os brâmanes abandonavam ou matavam suas crianças na selva, caso estas apresentassem defeitos ou
parecessem de má índole. Os Celtas sacrificavam seus velhos, os doentes e até os recém-nascidos considerados inúteis à sociedade. Esta
prática devia-se a visão bélica que existia, já que o filho homem tinha obrigações militares com o Estado, ao qual era dado o direito de se
desfazer da criança inaproveitável, e para a família era vergonhoso ter uma prole de incapazes para a guerra. (Cf. GOLDIM, 2003)
Os povos antigos que utilizavam a eutanásia praticavam-na no maior sigilo possível. Sanglé na França propôs a constituição de um tribunal
para que fossem julgados os casos de eutanásia, e que deveria ser formado um por um médico, um psicólogo e um jurista. Deste tribunal
sairiam resultados no sentido de que fossem somente aplicados a eutanásia nos casos de dores insuportáveis, doenças incuráveis, ônus
econômico e malefícios sociais causados por moléstias. (Cf. GOLDIM, 2003)
Já na época de Cleópatra VII, no Egito, foi criada uma espécie de academia a fim de estudar maneiras menos dolorosas de morrer. Esta
discussão prosseguiu ao longo da história da humanidade com a participação de Lutero, Hume, Karl Marx e outros. Em 1895 na Prússia,
Para Roxin (2000, p. 10) eutanásia “entende-se a ajuda que é
prestada a uma pessoa gravemente doente, a seu pedido ou pelo menos em
consideração à sua vontade presumida, no intuito de lhe possibilitar uma morte
compatível com a sua concepção da dignidade humana”.
Em 1934 o Uruguai já incluía em seu Código Penal a possibilidade
da prática da eutanásia. Em 1939 os nazistas utilizavam a eutanásia para eliminar
as pessoas cujas vidas “não mereciam ser vivida”, segundo o Código “Aktion T45“.
Em 1980 o Vaticano divulgou uma Declaração6 sobre eutanásia, aceitando a
possibilidade do duplo efeito [encurtamento da vida como efeito secundário à
utilização de medicamentos ou drogas para diminuição das dores insuportáveis de
pacientes, ou seja, a intenção é diminuir o sofrimento, mas o efeito poderá ser a
morte], e também a não continuação de um tratamento considerado fútil. Estas
possibilidades já haviam sido aceitas pelo Papa Pio XII em 1957. (Cf. GOLDIM,
2003).
Em 1931 na Inglaterra Millard propôs uma legislação sobre a eutanásia,
porém esta não teve sucesso e foi repetida em 1936 e 1969 por outras pessoas sem o devido
sucesso, porém dali originou-se a criação da Voluntary Euthanasia Society7, em Auckland,
Nova Zelândia que se encontra ativa até hoje (Cf. LEPARGNEUR, 2004)
O pastor Charles F. Potter, em 1938 fundou a Euthanasia Society of
América, diante de alguns prolongamentos de vida mundialmente conhecidos como os de
Karen Quilan, Marechal Tito, General Franco e outros. Os ganhadores do Prêmio Nobel de
1974, George Thomson, Linus Pauling e Jacques Monod declararam em uma publicação a
quando da discussão sobre o Plano Nacional de Saúde, foi proposto que o Estado deveria promover os meios para a realização de eutanásia
nas pessoas que se tornassem incompetentes para solicitá-la. (Cf. LANA, 2001)
5 Aktion T4 nome dado para o assassinato sistemático de 100.000 pacientes de doença mental, usado pelos socialistas nacionais alemães.
Recebeu este nome como menção às pessoas que faziam a rota 4 do jardim zoológico de Berlim. Seria uma forma de higienizar a raça
ariana, e era praticada principalmente em crianças. Iniciada por Adolf Hitler em 1 de setembro de 1939.
6
A
Declaração
do
Vaticano
sobre
eutanásia
encontra-se
disponível
no
site:
Catholic
Information
Network (CIN)
http://www.cin.org/vatcong/euthanas.html. Acessado em 12 de dezembro 2004.
7 A Sociedade Voluntária de Euthanasia tem por objetivo uma mudança na lei para permitir pacientes de doenças terminais, ou aqueles cuja
qualidade de vida diminuiu a uma extensão inaceitável o direito a uma morte com dignidade, no momento que escolher. Acredita que este
deve ser o direito do indivíduo em circunstâncias com cuidados definidos e com as proteções máximas, somente se for seu desejo expresso.
Pois tem como conceito que seja natural esperar quando nosso tempo chega, mas que todos devemos morrer pacificamente com dignidade e
sem sofrimento prolongado. http: //www. aucklandves.orcon.net.nz/ . Acessado em 12 de dezembro 2004.
posição favorável a eutanásia humanitária, pois consideravam que seria uma forma de
alívio para os indivíduos com doenças terminais. (Cf. LANA, 2001)
O instituto da eutanásia diz respeito tanto à moral, a religião, ao
direito, como a ciência médica, e se torna objeto de estudo e discussões a partir
do momento em que se questiona a possibilidade da disponibilidade da vida
humana. Existem muitas controvérsias a respeito de sua utilização, tendo muitos
defensores, como também adversários, o que contribui para a complexidade do
tema. Porém, o tempo faz com que as civilizações se transformem e se adaptem
às novas realidades que se apresentam, e seus indivíduos acolhem estas
transformações culturais e valorativas da melhor maneira que lhes convêm. (Cf.
RODRIGUES, 1993)
No entendimento de Rodrigues (1993), quando as técnicas médicas
estão mais aperfeiçoadas maiores as garantias de diagnóstico preciso e
verdadeiro. Nas sociedades mais desenvolvidas, cujo valor cultural e tecnologia já
estão mais avançadas a eutanásia tende a ser mais bem aceita e melhor
entendida.
Diante do desenvolvimento das sociedades mundiais e da aceitação
dos valores pessoais nas culturas civilizadas fazendo com que os direitos
individuais alcançassem o patamar mais elevado dentro das Constituições, já que
é ali que nascem e daí servindo de alicerce para outros direitos. Procura-se
analisar a eutanásia através de uma visão constitucional moderna onde os direitos
fundamentais possibilitam ao indivíduo exigir abstinência e limitação da tutela do
Estado, como também uma prestação positiva assegurando a ação individual livre
como um direito de defesa e de autonomia pessoal.
1.2 MODALIDADES DA EUTANÁSIA
As diversas doutrinas utilizadas para a construção deste trabalho
demonstram a pequena, mas complicada confusão que existe com relação à
conceituação e nominação da eutanásia. Esta confusão proporciona uma maior
dificuldade na compreensão do tema principalmente entre leigos, pessoas comuns
das sociedades em geral.
A fim de um melhor entendimento sobre como e quem pratica a
eutanásia faz-se a distinção de algumas modalidades de eutanásia mais
conhecidas e utilizadas entre a comunidade científica, jurídica e médica.
Ao longo da história da humanidade a palavra eutanásia recebeu
muitos significados, classificações e modalidades. Pois, dependendo do critério
que se utilize irá ser classificada de diversas formas, porém destaca-se a
classificação geral e mais conhecida conforme segue:
a) Eutanásia ativa – elimina-se a vida do paciente desenganado,
infligindo-lhe drogas letais ou desligando aparelhos de
manutenção das funções cardiorrespiratórias.
b) Eutanásia passiva – nessa modalidade, esgotada as
possibilidades terapêuticas, sem qualquer perspectiva de
cura, deixa-se de prolongar o sofrimento por meios artificiais.
A morte induzida é geralmente, aliviada com a utilização de
sedativos, que alem de reduzirem a dor, torna menos
traumática a angústia do momento final.
c) Eutanásia social – é a eutanásia que vitima os que padecem
de pobreza extrema. Na roda vida da indigência humana, os
hospitais públicos exprimem o retrato da eutanásia social. Em
leitos precários, os doentes necessitados se amontoam à
espera da salvação pela intervenção médica [...] (Oliveira
2001, p. 16)
Quanto ao tipo de ação e consentimento entende Francisconi (2002,
p.1):
Quanto à ação: 1)Eutanásia ativa – o ato deliberado de provocar
a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos.
2)Eutanásia passiva ou indireta – a morte do paciente ocorre,
dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia
uma ação médica ou pela interrupção de uma medida
extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento.
3)Eutanásia de duplo efeito – quando a morte é acelerada como
uma conseqüência indireta das ações médicas que são
executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente
terminal.
Quanto ao consentimento: 1)Eutanásia voluntária – quando a
morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente.
2)Eutanásia involuntária – quando a morte é provocada contra a
vontade do paciente.Eutanásia não voluntária – quando a morte é
provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição
em relação a ela.
Moraes (2002, p. 180) disserta sobre as modalidades ativa e
passiva:
Enquanto a primeira configura o direito subjetivo de exigir de
terceiros, inclusive do próprio Estado, a provocação de morte,
para atenuar sofrimentos (morte doce ou homicídio por piedade),
a segunda é o direito de opor-se ao prolongamento artificial da
própria vida, por meio de artifícios médicos, seja em caso de
doenças incuráveis e terríveis, seja em caso de acidentes
gravíssimos (o chamado direito à morte digna).
Na eutanásia ativa, a morte ocorre quando é atendido o pedido do
paciente, por sua livre e espontânea vontade. O agente8 ministra substância capaz
de provocar a morte instantânea e indolor. Essa forma considera-se o modo de
proceder. (Cf. BIZATTO, 2000)
Na eutanásia passiva, o paciente entra em óbito através da omissão
de uma terapia ou até mesmo da interrupção de uma medida necessária para que
o mantivesse vivo. Deixar de prolongar a vida por meios artificiais pode ser
considerado um tipo de eutanásia, também definido como: ortotanásia ou
paraeutanásia, isto é, não dar mais suporte artificial ao sustento da vida, ou seja,
mesmo que utilizado os meios artificiais não haveria reversão no status da
doença. (Cf. BIZATTO, 2000)
Preocupado com a necessidade de uma regulamentação da matéria, Roxin (2000, p.
12–17) classifica os tipos de eutanásia também as chamando de eutanásia “pura, indireta, passiva,
ativa e eutanásia precoce”.
Analisando a matéria, Bizatto (2000)
tipifica de duas formas,
eutanásia positiva e eutanásia negativa. O primeiro tipo entende-se pelo
planejamento de “terapias” para provocar a morte bem antes de sua verificação
natural, também chamada de “matança piedosa”. Já na eutanásia negativa é a
omissão da cura, a abreviação da agonia pela cessação do tratamento.
Em 1928 na Bahia o professor Ruy Santos classificou a eutanásia
em dois tipos, de acordo com o agente que a executa: eutanásia-homicídio, ou
seja, quando qualquer pessoa, ou até mesmo o médico realiza procedimento para
8 O agente refere-se a qualquer pessoa que pratique a ação, poderá ser o médico , um familiar ou um terceiro qualquer.
acabar com a vida do paciente. Eutanásia-suicídio, quando o proprio doente a
executa, ou seja, o “suicídio assistido” (Cf. GOLDIM, 2003)
Vê-se
que
existem
vários
conceitos
sobre
eutanásia,
isso
dependendo dos autores e dos diversos tipos de consentimentos, porém
necessitamos conhecer um pouco sobre o que é tido como “morrer com
dignidade”, ou “a arte de morrer bem”, conceituando a ortotanásia, distanásia e o
suicídio assistido, a fim de se fazer algumas diferenciações como segue no
próximo item.
1.3 ORTOTANÁSIA, DISTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO
1.3.1 Ortotanásia
Para melhor elucidar as questões sobre conceituação e nominação
utilizadas pelos estudiosos sobre o assunto a distinção entre alguns termos se faz
necessário, pois são pequenos e minuciosos os detalhes que lhes diferem uns dos
outros.
O termo vem do grego orthos (normal) e thanatos (morte), portanto
significa a morte natural em momento oportuno. A ortotanásia consiste em não
aceitar os meios extraordinários e dispendiosos de tratamento em pacientes cuja
doença seja comprovadamente incurável ou irreversível. A manutenção da vida é
interrompida, ou seja, há o desligamento dos aparelhos que suportam
artificialmente a vida do doente, ou deixa-se de administrar-lhe tratamento
terapêutico, cuja permanência seria inútil ao seu quadro clínico. (Cf. PRADO,
2001)
Conforme entendimento de Pessini (2004), o enfermo ameaçado por
uma doença grave ou irreversível pode enfrentar a morte de forma tranqüila, pois
na perspectiva da ortotanásia a morte não é uma doença a curar, mas sim algo
que faz parte da vida, havendo a distinção entre a cura e o cuidar.
Segundo Goldim (2004) a ortotanásia é a atuação normal, é o
procedimento correto frente à morte, pois trata-se da atitude adequada a ser
tomada diante do paciente que esta morrendo. Para o autor a ortotanásia “poderia
ser associada, caso fosse um termo amplamente, adotado aos cuidados paliativos
adequados prestados aos pacientes nos momentos finais de suas vidas”.
Como a ortotanásia é o conceito dado ao procedimento de não
aceitar tratamentos “extraordinários” como: ficar ligado a respiradores artificiais,
sondas de alimentação e outros aparelhos que mantém a vida artificialmente, este
procedimento pode ser considerado ou comparado à eutanásia passiva (eutanásia
a pedido do doente) ou ativa (eutanásia praticada pelo próprio doente).
1.3.2 Distanásia
Palavra derivada do grego dys (mau, anômalo) e thanatos (morte),
consistem na intensificação do tratamento terapêutico, ou seja, é o prolongamento
da morte, ou a morte lenta e com muitos sofrimentos. Na distanásia a intervenção
terapêutica tem por objetivo atrasar o maior tempo possível da morte, e para isto
são utilizados todos os meios de tratamento possíveis mesmo quando já sabe que
não há cura, ignorando assim o sofrimento do paciente. (Cf. PRADO, 2001)
De acordo com Pessini (2000) a distanásia é o ato de prolongar
exageradamente a morte, ou seja, o médico visando salvar a vida de um paciente
terminal, faz com que este passe por grande sofrimento, pois não se trata de
prolongar a vida, mas prolongar o processo de morrer.
A distanásia trata da “morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento”.
Se o significado de distanásia for entendido como prolongamento do sofrimento do
doente, daí ele se opõe ao significado da eutanásia que é utilizado para abreviar
esta situação. Entretanto, se for assumido os seus conteúdos morais, ambas
convergem, pois tanto a eutanásia quanto a distanásia são tidas como sendo
eticamente inadequadas. (Cf. GOLDIM, 2004)
Ao contrário do assunto sobre a prática da eutanásia que é discutido
e mencionado freqüentemente na área da saúde, o termo distanásia é um pouco
desconhecido e menos utilizado (desconhecimento do termo, não da prática em
si), diz Pessini (2000, p. 67) “porém nas Unidades de Terapia Intensiva que são
atualmente conhecidas como ‘catedrais do sofrimento humano’ a distanásia é
freqüentemente mais praticada”.
Podendo citar o caso nacionalmente conhecido do senhor Tancredo
Neves candidato eleito à Presidência da República que depois de internado para
ser operado de diverticulite e mantido por aparelhos durante algum tempo teve
sua morte anunciada no dia 21/04/1985.
1.3.3 Suicídio assistido
O suicídio assistido acontece quando uma pessoa não consegue
concretizar sozinha sua intenção de morrer e recorre a ajuda de outra para tal
intento. O suicídio assistido poder ser de duas formas, ou seja, por um ato
(prescrição de medicação com grandes doses e modo de uso), ou também de
forma passiva, ou seja, do encorajamento ou persuasão, compactuando assim
com a intenção de morrer do indivíduo através da utilização de um agente casual.
(Cf. GOLDIM, 2004)
O suicídio assistido não se aplica a todas as formas de suicido, mas
sim poderia se justificar como uma variante da eutanásia voluntária (quando a
morte ocorre a pedido do doente, porém a ação é de terceiro, ao contrário do
suicídio assistido que o terceiro fornece todas as condições, mas não age no ato
propriamente dito). Não podendo se aplicar de modo algum ao suicídio de
pessoas com problemas socioeconômicos, ou até mesmo com problemas. (Cf.
POHIER, 1998)
O suicídio inscreve-se numa relação continuada entre doente e
médico, os quais tiveram ensejo de conversar demoradamente e
repetidas vezes sobre o assunto, e de verificar juntos que se trata
de um pedido reflectido, lúcido e persiste. Ele é praticado muitas
vezes no domicílio do que numa instituição, e quem nele participa
são mais os clínicos gerais do que os especialistas. Estes
médicos não estão “especializados” no suicídio assistido, do
mesmo modo que o não estão na eutanásia voluntária. (POHIER,
1998, p. 175)
Ribeiro (1998) faz a distinção entre a eutanásia e suicido assistido
quando diz que na eutanásia o médico age ou omite-se da ação, resultando na
morte do paciente. Já no suicídio assistido, a morte não depende diretamente da
ação do agente (médico), pois é da ação do próprio doente, orientado ou auxiliado
por terceiro.
Visto as questões gerais sobre a eutanásia, conceito e implicações
deste instituto, suas diversas modalidades e formas de prática, faz-se imperativo
ter uma visão de como é tratado o tema em alguns países que já legalizaram sua
prática como a Holanda, Bélgica e na Austrália que teve a iniciativa de legalizar tal
instituto, porém não chegou a entrar em vigor a referida lei derrubada pelo
parlamento daquele país.
1.4 OS FUNDAMENTOS PARA A PERMISSÃO DA PRÁTICA DA EUTANÁSIA –
A EXPERIÊNCIA DE DIFERENTES PAÍSES
1.4.1 Fundamentos da eutanásia na Holanda: consideração sobre as
justificativas
A Holanda foi o primeiro país da Europa a legalizar o instituto da
eutanásia e as justificativas são muitas, desde evitar maiores despesas para o
Estado com tratamentos desnecessários em pessoas que não têm mais
possibilidade de cura de suas enfermidades, até alegação e aceitação de que a
pessoa humana maior de 12 anos possui o direito, capacidade e liberdade de
saber quando não mais lhe é possível ou digno viver com dores e sofrimentos
desnecessários. (Cf.GOLDIM, 2004)
A Holanda é o primeiro país a legalizar o instituto da eutanásia e sua
prática vem sendo realizada há algum tempo nos hospitais de diversas formas e
por muitos médicos. Naquele país a eutanásia já deixou de ser criminalizada há
quatro anos podendo ser praticada em pessoas adultas com doenças terminais,
porém ainda não pode ser praticada em crianças menores de 12 anos,
consideradas incapazes, já que para sua prática é necessário que a pessoa tenha
capacidade de expressar sua vontade e tenha discernimento. (Cf. Wüsthof, 2005)
Na Holanda os médicos9 recebem treinamento sobre como praticar a
eutanásia já na faculdade e recebem também um livro da Sociedade Holandesa
Real de Farmacologia, com receitas de venenos que podem ser colocados na
9 O médico holandês Tom Voute revelou que forneceu pílulas fatais para alguns de seus pacientes adolescentes doentes de câncer, estas
revelações surgiram num momento quando as autoridades holandesas colocavam em discussão um projeto de lei para regulamentar a
eutanásia naquele país. A prática da eutanásia por Voute fez aumentar as discussões, pois este não fez o acompanhamento dos pacientes e
não pediu o consentimento dos pais para a aplicação das pílulas. Segundo Gert Eikmans, porta-voz da real Associação de medicina da
Holanda. (Cf. BIZATTO, 2000)
comida ou serem injetáveis, para não serem detectáveis em possíveis autópsias.
(Cf. BIZATTO, 2000)
Desde 1982 mais de 50% dos casos de eutanásia praticados na
Holanda não receberam a pena de 12 anos prevista por aqueles tribunais, lá a
eutanásia é praticada há muitos anos.(Cf. BIZATTO, 2000)
Em 1984 a Suprema Corte Holandesa decidiu que em determinadas
circunstâncias o medico poderia abreviar a vida do paciente mesmo a eutanásia
sendo proibida no Código Penal daquele país. Na Holanda a prática da eutanásia
segue quatro distintas áreas, isto é , a primeira – não tratar o paciente cujo
resultado venha ser morte; a segunda – abreviar a vida do paciente aliviando seu
sofrimento; terceira – eutanásia e suicídio assistido; quarta – abreviação da vida
do paciente sem o seu pedido. (Cf. PESSINI, 2000)
Conforme Pessini (2000), esta distinção por objetivo o maior
esclarecimento ao público das atividades dos médicos, a verificação sobre a ética
e a legislação sobre o assunto. Enfim, a intenção é deixar mais clareza sobre o
que acontece no campo moral e quais os limites entre as ações e as intenções,
sobre as intenções e os efeitos, sobre o que é realizado e o que é dito pelos
médicos, mas principalmente sobre fazer valer a vontade do paciente no processo
decisório médico.
Para os holandeses deixar de tratar, interromper ou simplesmente
não iniciar um tratamento em um paciente sem previsão de cura ou cujo efeito
seja benéfico é considerado normal na medicina profissional. Naquele país
nenhum médico é obrigado a iniciar ou dar continuidade a tratamentos que
prolonguem o processo da morte. (Cf. PESSINI, 2000)
Em 1987 foi editado um texto pelo governo com ajuda médica que
oferecia uma certa legalidade a sua prática, mas ainda mantinha a sua proibição
na teoria.(Cf. BIZATTO, 2000)
Depois de 1991 a eutanásia começou a ser mais freqüentemente
debatida sem restrições naquele país, porém algumas exigências foram feitas
para a sua prática: 1) pedido explícito e voluntário do paciente; 2) o pedido deve
ser avaliado e persistente por algum tempo; 3) o paciente deve ter sofrimento (
não somente sofrimento físico) intoleráveis sem possibilidade de melhora; 4) só o
médico deve praticar a eutanásia; 5) usar a eutanásia como último recurso; 6)
deve ser ouvido um consultor médico com experiência neste campo. (Cf. PESSINI,
2000)
Médicos holandeses sabem de antemão quanto custa cada
tratamento para doença comum, porque estão registrados em diagramas de fácil
consulta e análise para cada caso individual. Os administradores de hospitais
orientam seus médicos em geral, para usarem esses diagramas e assim aplicarem
injeções letais involuntariamente aos pacientes idosos cuja assistência é
considerada “dispendiosa”. Não somente os pacientes idosos são levados a
prática da eutanásia, mas também os doentes terminais de câncer e outras
doenças degenerativas. (Cf. GOLDIM, 2004)
Em 1990 na Holanda ocorreram 11.800 mortes por eutanásia,
suicídio assistido e overdose de morfina, perfazendo uma participação de 9% na
mortalidade do país. Foram feitas 9000 solicitações de eutanásia ativa, mas
somente 2300 foram atendidas10 .
A Câmara de Representantes dos Países Baixos11 em 2002 aprovou
em plenário, mesmo com uma parte de seus participantes sendo contra uma
legislação sobre a “morte assistida”. Esta lei poderá permitir que os menores de
idade também solicitem este procedimento.
A legalização da prática da eutanásia foi aprovada em 10 de abril de
2001, entrando em vigor no dia 1º de abril de 2002. A nova lei aprovada na
Câmara Baixa e no Senado holandês, torna a morte assistida (eutanásia ativa ou
suicídio assistido) procedimentos legalizados nos Países Baixos, alterando assim
os artigos 293 e 294 da lei criminal holandesa..(Cf. GOLDIM, 2004)
10 Eutanásia na Holanda: Eutanásia ativa – 2300 com consentimento, 1000 sem consentimentos; Suicídio assistido – 400 com
consentimento; Eustanásia por duplo efeito – 3159 com consentimento,
4941 sem consentimento. Dados do Committee Onderzoek
medische praktijk inzake euthanasie – 1990. http://www.embaixada-holanda.org.br
11 Reino dos Países Baixos fazem parte os Países Baixos e as ilhas na região do Caribe: as Antilhas Neerlandesas e Aruba. Com uma
superfície de 41.526 Km² e 15,8 milhões de habitantes em território europeu, os Países Baixos são um país relativamente pequeno. Além de
Países Baixos, no exterior, usa-se freqüentemente a denominação Holanda. Na verdade, Holanda é como se chamam as duas províncias da
costa ocidental, (Holanda do Norte e Holanda do Sul), que desempenharam um papel importante na história do País. Os Países Baixos têm,
contudo 12 províncias. http://www.embaixada-holanda.org.br
A Holanda foi o primeiro país europeu a descriminalizar a prática da
eutanásia, porém a lei somente pode ser aplicada a doentes terminais adultos não
sendo permitida sua prática em crianças menos de 12 anos, pois são
consideradas incapazes de expressar sua vontade, ou seja, não possuem
autonomia. Entretanto a legislação poderá sofrer revisão sendo introduzida
algumas alterações como a interrupção da vida de recém-nascidos com doenças
incuráveis e em estado de sofrimento desesperador. (Cf. Wüsthof, 2005)
A eutanásia neonatal, ou Protocolo de Groningen vem sendo
pensada e avaliada pelo doutor Eduard Verhagen médico pediatra Diretor do
Departamento de Pediatria do Hospital Universitário Groningen na Holanda. Ele
aplicou em um bebê chamado Anna uma dose de calmante e morfina para que
este morresse em companhia de seus familiares, após 4 semanas de seu
nascimento, com síndrome de Down, mal formação do cérebro e coluna vertebral,
que faziam o bebê sentir dores terríveis mesmo tomando os mais poderosos
analgésicos. (Cf. Wüsthof, 2005)
Segundo Wüsthof (2005) o doutor Eduard vem tentando realizar a
idéia do Protocolo de Groningen desde que deixou de realizar a pedido de dos
pais a eutanásia em um bebê que sofria de uma doença epidermólise congênita.
Tratava-se de uma malformação da pele, doença incurável, ao ser tocado a pele
do bebê se “esfoliava” deixando todo seu corpo em carne viva. As feridas e
cicatrizes que se formavam no seu corpo imobilizaram suas articulações em
questão de semanas. O bebê tomava doses elevadas de morfina para passar a
dor, e conseqüentemente iria desenvolver um câncer muito agressivo de pele,
porém veio a falecer aos seis meses de pneumonia.
Assim a eutanásia encontra-se legalizada ou descriminalizada na
Holanda e os argumentos são muitos, desde economia para o Estado
dispensando os tratamentos fúteis em pacientes que não têm mais a possibilidade
de recuperação, como também o argumento de que a pessoa tem o direito de
dizer quando sua vida não é mais útil para ele a para a sociedade podendo optar
por uma morte rápida e tranqüila em busca de sua dignidade como pessoa
humana. E como se pode ver em alguns casos extremos até mesmo de ser
praticada em crianças cuja doença traz martírio, sofrimentos desnecessários, pois
já não se vê a possibilidade de uma vida normal, sem dores ou mesmo da cura.
A seguir pode-se ver a posição da Bélgica quanto à legalização da
eutanásia, os argumentos que justificam sua prática naquele país.
1.4.2 Fundamentos para eutanásia na Bélgica
A Bélgica tornou-se o segundo país a Europa a ter a eutanásia
legalizada, cuja lei entrou em vigor em 22 de setembro de 2002 possuindo uma
característica parecida com a lei holandesa, ou seja, o indivíduo que solicitar a
eutanásia deve ter consciência do que está solicitando e necessariamente deverá
ser uma pessoa capaz e com autonomia sem a influência de terceiros em sua
decisão. (Cf. GOLDIM, 2003)
A lei que legaliza a eutanásia na Bélgica foi aprovada no parlamento
por 86 votos a favor e 51 contra, assim toda vez que uma pessoa adulta que
esteja acometida de uma doença incurável passando por terríveis sofrimentos
psíquicos e físicos poderá solicitar o instituto. Porém, o pedido deverá ser feito por
pessoa maior e capaz, formulado de “maneira voluntária, reflexiva e reiterada”
sem demonstrar qualquer repressão exterior alheia.(Cf. DM12. Madrid, 2002,
tradução nossa)
A norma que autoriza a eutanásia cria um comitê para estabelecer
procedimentos a serem seguidos para o pedido da prática, a fim de verificar se
todos os critérios legais foram cumpridos. Também prevê tal norma que todo
cidadão belga pode ou deve ter um “testamento vital” que valerá pelo prazo de
cinco anos. (Cf. DM. Madrid, 2002, tradução nossa)
Naquele país o principal partido político liberal propôs uma lei para
autorizar também a eutanásia infantil. Proposta pela senadora Jeanine Leduc com
a justificativa de que as crianças sentem e sofrem como os adultos dores
12 Diário Médico é um site Espanhol (Madrid) de formação continuada para médicos que traz as notícias mais atuai, os serviços e a
informações relacionadas com o desenvolvimento e o exercício profissional diário da área da medicina. Todas as notícias e especializações
da medicina são trazidas pelas diversas seções do diário que mostram os avanços da ciência e da saúde.
intoleráveis e para ela nestes casos a eutanásia torna-se necessária. (Cf. Cañas,
2004, tradução nossa)
A lei proposta para a eutanásia infantil na Bélgica não determina
uma idade mínima como ocorre na Holanda, o requisito necessário levado em
conta é a “capacidade de discernimento” do indivíduo. Porém, para que seja
praticada a eutanásia em crianças existe a necessidade da opinião de no mínimo
três médicos que deverão confirmar a enfermidade e o sofrimento pelo qual o
menor está acometido, sem esperança de vida ou cura. Os pais da criança devem
participar de todo o processo, porém a lei não exigiria o consentimento destes,
necessitando somente uma opinião na decisão final a ser tomada. (Cf. Cañas,
2004, tradução nossa)
No próximo item se vê o caso da Austrália que apesar de ter tentado
legalizar a eutanásia teve um retrocesso na lei dentro de seu Congresso.
1.4.3 Fundamentos para eutanásia na Austrália
Em primeiro de julho de 1996, na Austrália o parlamento do território
norte tendo como capital Darwin, aprovou a lei que permitia a eutanásia
voluntária13, reacendendo a discussão sobre a eutanásia, sua validade ou não em
todo o mundo. Esta lei reconheceria o direito de doentes terminais poderem dar
fim à vida com ajuda dos médicos, também seria a primeira a legalizar o suicídio
assistido. A lei que aprovaria a eutanásia na Austrália exigia muito em sua
aplicação, pois deveria haver vários procedimentos a serem seguidos, como se vê
adiante.(Cf. BIZATTO, 2000)
1.Os pacientes de mais de 18 anos, doentes em fase terminal e
vítimas de dores e sofrimentos insuportáveis, têm de colocar-se em
contato com um médico residente no território do Norte.
2.Se esse médico concordar que o paciente reúne os requisitos
necessários, deve obter a aprovação de um especialista na doença que o
candidato à eutanásia sofre e de um psicólogo.
3.Posteriormente o candidato deve passar por um período de
reflexão de sete dias.Se depois desse período o paciente ainda estiver
convencido a morrer; deve esperar ainda 48 horas.
13 Conceito fornecido por Francisconi na pg. 4 deste trabalho.
4.A lei enumera os fármacos que poderão ser administrados por
via oral ou intramuscular. Se o paciente não estiver em condições de
receber o fármaco por seus próprios meios, o médico poderá ajudá-lo.
5.Os fármacos são subministrados em duas fases: primeiro um
barbitúrico que adormece o paciente em poucos segundos, e depois um
relaxante muscular que provoca a morte por asfixia em poucos minutos.
(BIZATTO, 2000, p.328)
A prestação de assistência aos pacientes terminais e a disposição quanto à
solicitação da morte assistida ficou assentada pelo Ato Judicial n° 1214 aprovado pela
assembléia legislativa do território norte da Austrália, via lei n° 1978 de 16 de junho de
1995. Esse ato judicial confirmava o direito do paciente terminal pedir a um médico para
que desse um fim em sua vida por sua própria vontade. Também concedia o direito legal de
prestar tal ajuda, proporcionando a proteção processual contra certos abusos dos
reconhecidos direitos concedidos pelo Ato Judicial. (Cf. BIZATTO, 2000)
Porém, deve-se saber que a lei australiana que aprovava a
prática da eutanásia foi derrubada no Congresso Australiano15 logo depois de sua
aprovação (estilo Câmara dos Comuns da Inglaterra).
Com a finalidade de oferecer maior esclarecimento sobre a
prática da eutanásia em alguns paises do mundo, o professor Goldim (2004)
esclarece que no Uruguai continua a existir a possibilidade do homicídio
compassivo.
A
eutanásia
só
não
é
punida,
tendo
esta
denominação
explicitamente, na Holanda e na Bélgica. Na Colômbia16, no estado do Oregon
(USA) e na Suíça existe a possibilidade de realizar suicídio assistido, que é
diferente da eutanásia.
Vista as questões acerca da eutanásia na Holanda, Bélgica e
Austrália e um breve esclarecimento sobre o assunto em outros países cujas
legislações punem ou não a sua prática, verifica-se que no Brasil, conforme
14
O
documento
pode
ser
encontrado
no
site
:
http://www.aph.gov.au/senate/committee/legcon_ctte/completed_inquiries/1996-
99/euthanasia/report/report.pdf . Senate Legal and Constitutional Legislation Committee. Euthanasia Laws Bill 1996. Acessado em 15 de
outubro de 2004.
15 Informações recebidas através de e-mail enviado em 15 de maio de 2004 pelo professor: José Roberto Goldim MSc, PhD. Rua Ramiro
Barcellos 2350 sala 2227f. Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação.Hospital de Clínicas de Porto Alegre. 90035-003. Porto Alegre/Brasil.
16 A corte colombiana exclui a pena nos casos de prática da eutanásia passiva voluntária, porém somente os que estivem de acordo com os
requisitos e limites impostos pela sentença daquela corte em maio de 1999. Uma das exigências da sentença é que o paciente informado de
tudo que lhe acontece e que seja respeitada sua autonomia, ou seja, que lhe seja mantida a dignidade, cujo suporte foi alicerçado na
solidariedade e altruísmo, “respeito e dignidade entre iguais”. (Cf. Diniz, 2000)
entendimento de Lana (2000), os avanços na área da ética com relação à
eutanásia têm sido bastante cautelosos, e algumas posições de vanguarda
assumidas por profissionais da medicina necessitam ser discutidas, obtendo o
referendo do Poder Judiciário e da própria sociedade, a qual tem respondido com
menor intensidade originada em alguns segmentos populacionais.
1.4.4 Eutanásia no direito penal brasileiro
A legislação penal brasileira prevê que causar a morte por qualquer
motivo a alguém constitui crime, e isto ocorre na maioria dos paises do mundo, e
no Brasil não é diferente, pois entende o legislador que se trata de homicídio.
Porém, com possibilidade de redução da pena em determinadas circunstâncias,
tal redução é possível quando trata de homicídio privilegiado em razão de
relevante valor moral, isto é, a “piedade que aflora ante o sofrimento da vítima”.
(Cf. D’URSO, 2000, p. 4)
No nosso sistema jurídico o legislador não se refere diretamente à
eutanásia, porém criou uma hipótese de “homicídio básico atenuado”, pois tem em
seu artigo 121, § 1° a figura do “homicidium privilegiatum”, ou seja, neste
parágrafo a legislação penal cuida do tema (eutanásia) como homicídio
privilegiado.(Cf. MIRABETE, 1998, p. 642)
O Código Penal brasileiro atribuiu ao magistrado a faculdade de
atenuar a pena diante de um caso concreto, se o crime for cometido por motivo de
relevante valor moral17, concedendo ao agente delituoso a redução de pena de um
sexto a um terço.
Recebe tratamento “benéfico” certo tipo de conduta não obstante
ilícitas, pois estas estão ligadas a sentimentos considerados “não anti-sociais”, por
17 Segundo Vocabulário Jurídico, Moral é palavra derivada do latim “moralis” (que diz respeito aos costumes) “[...] para assinalar o que é
honesto e virtuoso, segundo os ditames da consciência e os princípios de humanidade. A moral, assim, tem âmbito mais amplo que o Direito,
escapando à ação deste muitas de suas regras, impostas aos homens como deveres”. De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico. Rios de
janeiro: Forense, 1999, p. 541.
dizerem respeito à honra18 ou por estarem ligados à liberdade individual19 , bens
jurídicos considerados socialmente relevantes. O homicídio piedoso é exemplo
constante da alegação de motivos no que se refere a crimes privilegiados, quando
o agente é levado, motivado por relevante valor social ou moral. A eutanásia é
reconhecida e considerada como homicídio piedoso, por possuir um caráter de
relevante valor moral. (Cf. MIRABETE, 1998).
A eutanásia caracteriza crime de homicídio no direito brasileiro, pois
se trata de conduta típica, ilícita e culpável. É indiferente para a qualificação
jurídica desta conduta e para a correspondente responsabilidade civil e penal que
o sujeito tenha dado seu consentimento.(Cf. DODGE, 2003)
Menezes (1997, p. 108) a respeito do consentimento disserta, “[...] a
vontade privada20, inclusive do ofendido, não pode ter o valor de apagar a
criminalidade do ato, excluindo a pena. O consentimento não legitima o homicídio,
e inútil é invocá-lo no extermínio das vidas atormentadas”.
O consentimento21 dado pelo paciente não tem valor visto que o ato
de dar fim à vida humana vai contra a moral e as leis jurídicas a sua existência no
interesse público22 ou seja, quando a pessoa renuncia a sua própria vida, a ela
não estará renunciando a vontade da sociedade ou a vontade comum. (Cf.
BIZATTO, 2000)
Maria Helena Diniz (1998, p. 440) entende a eutanásia como:
18
Palavra derivada do latim “honor” [...] indica a própria dignidade de uma pessoa, que vive com honestidade, pautando seu modo de vida
nos ditames da moral. Equivale ao valor moral da pessoa, conseqüente da consideração geral em que é tida [...]. De Plácido e Silva.
Vocabulário jurídico. Rios de janeiro: Forense, 1999, p.400.
19 Do latim libertas, de liber (livre), indicando genericamente a condição de livre ou estado de livre, significa, no conceito jurídico, a faculdade
ou o poder outorgado à pessoa para que possa agir segundo sua própria determinação, respeitadas, no entanto, as regras legais instituídas.
A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se quer, de pensar como se entende, de ir vir a qualquer atividade, tudo
conforme a livre determinação da pessoa, quando não haja regra proibitiva para a prática do ato ou não se instituía princípio restritivo ao
exercício da atividade. De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico. Rios de janeiro: Forense, 1999, p.490.
20 Do latim voluntas (consentimento, vontade, ato de querer), de velle (querer, consentir), genericamente exprime a faculdade de querer, a
manifestação exterior de um desejo, o propósito em fazer alguma coisa, a intenção de proceder desta ou qualquer forma. De Plácido e Silva.
Vocabulário jurídico. Rios de janeiro: Forense, 1999, p. 872.
21
Palavra derivada do latim “consentire” (estar de acordo, concordar)[...] na terminologia jurídica , a acepção de manifestação da
vontade[...]”De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico. Rios de janeiro: Forense, 1999, p. 205.
22 É o que assenta em direito ou fato de proveito coletivo ou geral [...] Adstrito a todos os fatos ou coisas que se entendam de benefício
comum ou que se imponham por uma necessidade de ordem coletiva. De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico. Rios de janeiro: Forense,
1999, p. 443.
Crime de homicídio privilegiado em que a pena de reclusão pode
ser reduzida de um sexto a um terço, por ter sido, o agente,
impelido a fazê-lo, devido a um motivo de relevante valor moral,
pretendendo, ao eliminar o sofrimento ou abreviar a agonia
daquele que não tem nenhuma chance de sobreviver, por ser
portador de doença incurável, dar-lhe uma morte rápida, doce ou
serena. Trata-se do homicídio piedoso, feito a pedido do próprio
doente, sob o império da dor ou da angústia.
No texto ainda não aprovado pelo Congresso Nacional, do
23
Anteprojeto
do Novo Código Penal brasileiro, vêm distinguidos dois tipos de
eutanásia, ou seja, a ativa e a passiva, e também cuida expressamente em seu §
3º do artigo 121, da pena imposta, agora abrandada, de dois a cinco anos de
reclusão O comportamento especificado no artigo 121, parágrafo 3° do
Anteprojeto ainda será considerado criminoso, embora punido com pena menor.
(Cf. SZKLAROWSKY, 2002)
O referido dispositivo descreve os pressupostos e condições que
autorizam o enquadramento do delito. É fundamental que o doente tenha mais de
18 (dezoito) anos, seja imputável e esteja em pleno gozo de suas faculdades,
atrelado à solicitação do mesmo. A doença deverá ser grave de estado
irreversível, ou seja, terminal, e deverá ser diagnosticado pelo médico, que é o
único que poderá atestar o referido estado do doente. No Anteprojeto há a
distinção entre a eutanásia e o homicídio simples, pois há diminuição da pena no
caso daquele crime. (Cf. SZKLAROWSKY, 2002)
Conforme D’urso (2000) mesmo proibindo a conduta de homicídio
existe sua previsão específica dando-lhe a denominação de eutanásia e o delito
23 Texto do Anteprojeto do Novo Código Penal Brasileiro. Art. 1º. A parte especial do código penal (decreto-lei nº. 2.848, de 7 de dezembro
de 1940) passa a vigorar com a seguinte redação:“parte especial título I dos crimes contra a pessoa capítulo Idos crimes contra a vida
homicídio. Art. 121. Matar alguém: pena – reclusão, de seis a vinte anos[...]
Homicídio privilegiado: § 2º. Diminui-se a pena de um sexto a um terço, se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Eutanásia: § 3º. Se o autor do crime é
cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a
pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado
terminal, devidamente diagnosticados: pena – reclusão, de dois a cinco anos. Exclusão de ilicitude: § 4º. Não constitui crime deixar de manter
a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja
consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. Art. 2º. Esta lei entra
em vigor seis meses após sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Publicado no Diário Oficial da União I, de 25 de março de
1998.
tem cominado pena menor. Considerado crime pela Comissão de Reforma do
Código Penal, verifica-se a distinção feita quando o enfoque é a ortotanásia, a
qual pretende afastar do campo penal. Na realidade o legislador faz a distinção
entre eutanásia e ortotanásia, isto é, eutanásia ativa e a eutanásia passiva, ou
ainda, distinção entre distanásia e ortotanásia.
A eutanásia prevista no Anteprojeto do Novo Código Penal, não
consiste na retirada da vida do paciente pelo médico pura e simplesmente, nem
em qualquer conduta omissa do médico, mas na denominada ortotanásia, ou seja,
omissão do prolongamento da vida artificial desnecessária.
1.4.5 Síntese sobre eutanásia nos diversos países analisados
Nota-se que nos países onde a eutanásia já se encontra legalizada
ou despenalizada existem regras a serem seguidas e que sempre aquele instituto
só
poderá
ser
praticado
em
pessoas
cuja
doença
seja
terminal
ou
irremediavelmente sem cura, cujo sofrimento seja insuportável, seja ele
psicológico ou físico.
Havendo algumas diferenciações entre os países citados com
relação a prática em menores, como na Bélgica que aceita a eutanásia em
qualquer criança sem a distinção de idade, porém diante de pressupostos como a
avaliação de mais de dois médicos e a participação dos pais.
Na Holanda a eutanásia em pacientes terminais já vinha sendo
pratica muito antes de sua lei ser legalizada, porém após sua aprovação a prática
daquele instituto já segue regras mais definidas cujo propósito é proteger os
doentes.
Na Austrália houve uma pequena e fracassada tentativa de legalizar
a eutanásia, porém a sociedade através de seus congressistas não aceitou a idéia
desaprovando a lei que daria a possibilidade de pedido por parte dos doentes
terminais daquele país.
No Brasil ainda não é possível a eutanásia, porém como se vê o
Anteprojeto do novo Código Penal, quando de sua homologação permitirá diante
de alguns requisitos a prática da eutanásia conforme o texto descrito para a
aprovação no Congresso Nacional.
Percebe-se que cada país com suas devidas particularidades
concebem e desenvolvem a idéia da prática da eutanásia conforme sua cultura e
seus valores.
2 A PRÁTICA DA EUTANÁSIA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
2.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES
Ao longo dos tempos muitas foram as razões dadas para a prática
da eutanásia e de muitas formas foram utilizadas, razões e formas que deixaram
marcas na humanidade como no caso do nazismo de Hitler ou nas atitudes do
médico americano Jack Kevorkian24 conhecido por “doutor morte” .
Falar sobra à prática da eutanásia não é simples, ao contrário é
muito delicado por tratar-se de um instituto25 complexo e polêmico no qual ainda
vem atrelado a idéia de crime ou qualquer outra atitude egoística o qual
impulsionam debates sobre ética, religião, legislação e valores pessoais em geral.
Neste trabalho se faz enfoque direto aos direitos fundamentais do
homem, que a partir das Constituições modernas ganhou lugar de destaque e
serve para direcionar e posicionar qualquer outro direito. Reconhecido e positivado
elevou à categoria de norma os valores e anseios da pessoa humana.
Seguindo os pensamentos de Miranda (2000, p. 7,) os direitos
fundamentais são entendidos como “posições jurídicas activas” das pessoas
consideradas institucional ou individualmente, e devem estar consolidados em
uma Constituição, seja ela material ou formal26.
Entende Sarlet (2003, p.84) que qualquer definição conceitual não
conseguiria abranger os direitos fundamentais, pois haveria um “certo grau de
dissociação
da
realidade
de
cada
ordem
constitucional
individualmente
considerada”. Então a definição só seria abrangente e satisfatória quando se
referisse a uma ordem “constitucional concreta”, pois acontece que o que pode ser
fundamental para um Estado pode não ser em para outro.
Entretanto Sarlet (2003) afirma que existem categorias de direitos
fundamentais que são “universais e consensuais” como, o valor da vida, a
24 Jack Kevorkian é médico americano e que ficou famoso por ajudar mais de 130 pessoas no suicídio. Utilizando um aparelho controlado
pelo próprio paciente, que dá uma injeção de coquetel de um medicamento letal ou o fluxo de monóxido de carbono. (Cf. Sabbatini, 2001)
25 Instituto - significa na área jurídica um “conjunto de regras e princípios jurídicos que regem certas entidades ou certas situações de direito”.
De Plácido e Silva, 1999.
26 Ver conceituação de Constituição formal e material em SARLET, Ingo F. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 82
liberdade, a igualdade e a dignidade humana. Porém, estes direitos fundamentais
devem ser contextualizados conforme a realidade sócio-cultural concreta de cada
Estado e levar em consideração o seu grau de valoração dentro da sociedade.
Peña de Moraes (2000, p. 24) diz que direito fundamental deve ser
conceituado como “direção ou posição jurídica subjetiva asseguradora de uma
esfera de ação própria e livre, impondo abstinência ou limitação à atividade estatal
ou privada, ou determinante da possibilidade decorrente de sua titularidade de
exigir prestações positivas do Estado”.
O direito fundamental como um “todo” é complexo, porém é
“apreendível”, pois “está composto por elementos com estrutura definida”, ou seja,
o Estado e o cidadão ocupam suas posições e entre elas existem relações claras
e definidas, as chamadas “relações de precisão de meio/fim e de ponderação”.
(ALEXY, 1993, p. 245, tradução nossa)
Os direitos fundamentais não possuem somente a função de
servirem como direitos subjetivos de defesa da pessoa humana contra as ações
do poder do Estado, mas também se constitui em decisões dos valores de
natureza jurídico-objetiva da Constituição Federal, com eficácia sobre todo o
ordenamento jurídico, oferecendo direções para a interpretação de todos os
poderes. (Cf. ALEXY, 1993)
A primeira função dos direitos fundamentais - sobretudo dos
direitos, liberdades e garantias – é a defesa da pessoa humana e
da sua dignidade perante os poderes do Estado (e de outros
esquemas políticos coactivos). (CANOTILHO, 2002, p. 407)
Observa-se que os direitos fundamentais são direitos subjetivos
individuais, antes de haver uma distinção, há, porém uma troca de perspectiva,
pois tudo que os direitos fundamentais concedem a pessoa em termos de
autonomia e de ação eles objetivamente retiram do Estado. (Cf. SARLET, 2003)
Tal argumento oferece a possibilidade de pedido de eutanásia por
doentes em fase terminal diante da tutela do Estado, através do sistema de
proteção dos direitos fundamentais no moderno entendimento constitucional
apresentado pela outorga da Constituição Federativa do Brasil de 1988 que
passou a reconhecer e dar mais força aos direitos individuais dentro do sistema
jurídico.
2.2 DOENTES TERMINAIS E EUTANÁSIA
Tão complexo quanto conceituar eutanásia é conceituar “doente
terminal”, porém para que este trabalho possa ser desenvolvido e compreendido
ao longo de sua leitura é necessário que se faça aqui um esforço no sentido de
eleger alguns elementos ou critérios para definir “doente terminal”.
Oferecer uma definição de doente terminal é no mínimo arriscada e
complexa diante dos avanços e inovações tanto na área tecnológica quanto nas
descobertas científicas, porém, pode-se considerar paciente terminal o indivíduo
que durante a evolução de uma doença, não responda às medidas terapêuticas
conhecidas e aplicadas nele a fim de cura, ou seja, uma pessoa cuja doença é
irreversível ou sem possibilidade de recuperação mesmo depois de se ter utilizado
todas as terapias disponíveis. (Cf. FRANÇA, 2000)
Dentro da comunidade médica, como também na sociedade em geral,
paciente terminal é aquele que sofre de uma doença neoplásica27 ou de uma doença
degenerativa fora das possibilidades terapêuticas. Porém os desenvolvimentos tecnológicos
têm influenciado essas definições. (Cf. MOHR; KETTLER, 1997)
A eutanásia é o adiantamento do fator morte, seja por qualquer meio
disponível utilizado para encurtar a vida dolorosa do indivíduo que quer livremente morrer,
mas já não consegue realizar sua vontade por não dispor de condições físicas. (Cf.
GOLDIM, 2004)
Os que defendem a prática da eutanásia ativa apontam para a necessidade de
se respeitar à liberdade de escolha do indivíduo que sofre, pois é ele autônomo e
competente para decidir quando pôr fim em sua vida. Além de argumentar que a eutanásia
se reveste de um sentido humanitário, propiciando que se livre o doente de sofrimentos
insuportáveis, terminando uma vida considerada dignidade, não havendo mais nenhum
sentido para ser vivida. (Cf. GOLDIM, 2004)
27 Referente a qualquer tipo de tumor, maligno ou benigno. FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2001
O atendimento a pessoas perto do final de vida representa uma situação
de dificuldade para a maioria dos médicos, apesar do fato da morte ser um evento
esperado e verdadeiro para os seres vivos. Sabendo dos problemas clínicos relacionados
ao bom atendimento do doente, no sentido de evitar ao máximo os desconfortos e
sofrimentos que são próprios das doenças que provocam direta ou indiretamente a morte
dos pacientes, doenças consideradas terminais, uma série de questões morais
significativas influenciam e surgem neste contexto de final de vida. (Cf. GOLDIM, 2004)
Modernamente nas inúmeras Unidades de Terapia Intensiva, várias
funções do corpo humano podem ser mantidas por equipamentos mecânicos, pois
eles agem para prolongar a vida do doente. Pacientes que se encontram em
estado crítico são ligados a equipamentos eletrônicos, tubos que entram e saem
de diversos orifícios corpo, inclusive da pele. (Cf. SABBATINI, 1996)
Os equipamentos de sustentação da vida trabalham incessante e
continuamente com telas e monitores, com seus ruídos sincronizados com as
batidas do coração. Entretanto, quando o doente encontra-se consciente, sente-se
vigiado e também violado em sua intimidade, tanto anatômica quanto fisiológica. O
indivíduo está controlado por aparelhos e sente-se desprotegido diante de um
amontoado de aparelhos tecnológico. As máquinas que o sustentam já fazem
parte dele, não é mais um ser humano autônomo e livre. (Cf. SABBATINI, 1996)
Na atualidade a ciência alcançou um ponto que torna praticamente
impossível determinar o tempo pelo qual se pode manter tecnicamente a vida de
uma pessoa cujos órgãos já faliram. Essa situação recebe o nome de distanásia,
isto é, o prolongamento da vida, ou também chamado pelos médicos de
tratamento fútil, pois já não agem para a cura do paciente, conforme expõe
Sabbatini (1996, p. 2):
[...] Para esses pacientes, capturados e presos na emaranhada
teia de contradições e dilemas da tecnologia e da ética, a
dignidade da vida se escoa aos poucos. Os custos explodem [...]
e não se expressam em cura ou alta. A morte inevitável em
praticamente 100% dos casos é apenas retardada, a um custo
altíssimo, financeiro, moral, psicológico e médico, para todos os
envolvidos.
No confronto com a morte os doentes terminais passam por diversas
reações ao saberem de seus prognósticos, e segundo a psiquiatra suíça Elisabeth
Kubler-Ross eles enfrentam cinco fases, como sendo uma preparação para a fase
final: a fase da negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Na primeira fase
o doente se recusa a aceitar sua condição. Na segunda, o doente se ressente dos
que têm saúde, da família e dos médicos. Na terceira fase, é onde ele tenta
prolongar o inevitável (morte). Na quarta, ele já reconhece seu destino, vai morrer.
Então nesta ultima fase o doente tenta resolver suas pendências e prepara-se
para morrer em paz e com dignidade. (Cf. DORNELLAS, 2000)
A aceitação da morte do paciente deve ser confrontada com a
possibilidade técnica terapêutica a ser utilizada. Tendo em vista a qualidade de
vida no caso de uma eventual sobrevivência, deve o médico ter maturidade para
pesar a escolha mais adequada. (Cf. BOSSAERT, 1998)
Continuar o tratamento de pacientes terminais envolve não somente
os médicos, mas também a família e o próprio paciente, que possuem diferentes
percepções e interpretações do que está ocorrendo. A decisão médica final deve
diferenciar os procedimentos a serem executados, pois poderão levar ao
prolongamento da vida de indivíduos que somente sofrerão até o momento da
morte sem outro objetivo, quais seja a cura. (Cf. SLOMKA, 1992)
Segundo Bizatto (2000) o ser humano administra sua vida da
maneira que melhor lhe convier, pois é herdeiro e dono dela. Então, se não quer
sentir dores, mesmo que isto lhe custe abreviar sua vida, deve ter o direito de
fazê-lo.
A eutanásia visa abreviar a vida de quem está irremediavelmente
condenado por uma doença que lhe causa um sofrimento insuportável, entretanto, o
consentimento do enfermo é essencial. Deve ser necessário que fique claro não bastar
28,
que a doença seja incurável e dolorosa
e que tão pouco o sentimento de piedade de
quem pratica o ato diante do sofrimento alheio esteja presente. Faz-se importante que o
doente consinta, e peça, querendo morrer, para que tenhamos a eutanásia. Uma pessoa
28 A dor não se trata apenas de dor física, mas também a dor psicológica segundo os valores de cada pessoa. Em alguns casos o doente
não sofre com dores físicas, como no caso de Ramón Sampedro que sofria por achar que sua vida não era mais digna segundo seus
conceitos e valores. Não conseguia mais viver em um corpo que não lhe possibilitasse a autonomia e liberdade que tanto lhe eram valiosas,
pois definir a dor é difícil ou quase impossível visto tratar-se de um sentimento (físico, psicológico,ideológico, etc.) um tanto subjetivo.
que se encontra em estado de coma vegetativo não pode comunicar-se, portanto, a
maioria dos médicos argumenta no sentido de que caso ocorra o desligamento dos
aparelhos que a mantêm viva, não seria um caso de eutanásia.(Cf. SILVA, 2004)
Dodge (2003, p. 2) disserta sobre o consentimento conforme se vê a
seguir:
A indisponibilidade do corpo humano deve considerar,
sobretudo, que a vida é o bem jurídico de mais alto valor,
inalienável e intransferível, que exige dever geral de abstenção,
de não lesar e não perturbar, oponível a todos. Nesse sentido, o
consentimento do sujeito de direito tem validade limitada em sua
expressão, conteúdo e extensão. Assim, só é válido o
consentimento obtido sem vícios na manifestação da vontade,
decorrentes de coação, fraude, dolo ou simulação. O sujeito deve
estar esclarecido de todas as circunstâncias e fatos de
determinada situação jurídica, para que possa validamente
manifestar-se. Deve ter capacidade de compreender os fatos,
discernir e manifestar-se de modo livre e espontâneo.
Continuar ou não a viver deve ser conseqüência do direito e da
liberdade que o homem possui, já que subjetivamente ele tem o poder de decidir
as situações que o cercam da melhor maneira que lhe convier, pois a “liberdade
individual é algo sagrado, desde que usada de maneira a não ferir os direitos
alheios”. (Cf. BIZATTO, 2000, p. 39)
2.3 ANALISANDO OS PONTOS DE CONFLITOS
Como se pode observar a complexidade da eutanásia está no fato
de tratar diretamente de categorias como morte, vida, saúde e liberdade,
categorias estas que no direito moderno estão convertidos em direitos.
Promovendo assim, conflitos de ordem jurídica, sendo assim dessa forma
necessário compor o significado destes conflitos e pensar estratégias para sua
resolução.
Por ser um sistema aberto de princípios a Constituição Federal29
possibilita a existência de conflitos entre vários direitos que a estruturam como
também entre outros princípios constitucionais gerais e especiais, pois a
Constituição Federal tem caráter de estabelecer compromisso entre vários “atores
sociais” os quais possuem idéias, interesses e aspirações diferentes que se
chocam ou se contradizem. (Cf. CANOTILHO, 2002)
Neste entendimento faz-se uma breve exposição sobre princípios
fundamentais individuais como o direito à vida, autonomia, liberdade e dignidade
humana os quais entram em choque diante de um pedido de eutanásia. O porquê
da visão sagrada da vida e o que isto pesa quando se fala em terminar a vida
humana, ou abrevia o sofrimento de um indivíduo mesmo quando este seja
portador de uma doença terminal e não queira mais viver uma vida sem dignidade
segundo seus valores.
2.3.1 A vida e o sagrado
Quando entra em discussão o “domínio” da vida ou o adiantamento
do fator morte de um ser humano, entra também em discussão a quem pertence à
vida ou quem pode tirá-la, pois, mesmo diante das várias culturas existentes e
crenças religiosas diferentes ou até mesmo no ateísmo existem diferentes
posições ideológicas a serem estudadas e entendidas.
Para Dworkin (2003) a vida humana terminada prematuramente nos
faz ter uma idéia de “maldade”, mesmo quando esta atitude não represente nada e
nem interfira na vida de outra pessoa. Isto geralmente acontece quando se trata
de suicídio e de eutanásia, fica-se imaginando que algo terrível acontece quando o
indivíduo tira a própria vida, ou até mesmo quando ele pede pra que outro a tire.
Sem se levar em conta que estaria esta pessoa satisfazendo um desejo pessoal
seu, isto é, um direito fundamental.
O autor (2003) afirma que a vida tem um “valor intrínsico”, “subjetivo”
e “instrumental”, ou seja, tem valor instrumental quando em avaliação uma vida
29 Quando não estiver explícito como Constituição Federativa do Brasil de 1988 é porque estou me referindo a Constituição de uma forma
generalizada, ou seja, a Constituição Federal referida naquele momento poderá ser qualquer Constituição Federal de qualquer país.
humana serve aos interesses de outras pessoas, exemplo, a vida de pintores ou
compositores famosos. Tem valor subjetivo quando avaliado para a própria
pessoa, exemplo, o quanto ela gosta de viver, qual o valor da vida pra ela, ou seja,
um valor pessoal. E intrínsico quando lhe é dado valor pela idéia de ser valiosa em
si mesma.
Dworkin (2003, p. 102) chama atenção para a distinção entre o “valor
incremental” que é “aquilo de que queremos mais, pouco nos importando o quanto
já tenhamos”; e o valor dado ao que já existe.
Para o referido autor (2003, p. 103) algumas coisas possuem os dois
valores, intrínsico e instrumental. Porém a vida humana é tratada como inviolável
e sagrada, afirmando que a distinção entre o “incrementalmente valioso” e o
sagrado, é que este é considerado “intrinsicamente valioso” (porque existe),
considerado inviolável “pelo que representa ou incorpora. Uma coisa é sagrada ou
inviolável quando sua destruição deliberada desonra o que deve ser honrado”.
Ainda na esteira de Dworkin (2003), existem dois processos para se
distinguir o que se torna sagrado para as pessoas ou culturas. O primeiro
processo é o de associação ou designação, já o segundo processo é através de
sua história, ou seja “o modo como veio a existir.
Tanto a arte quanto às espécies são exemplos de coisas
invioláveis para nós não por associação, mas em virtude de sua
história, do modo como vieram a existir. Vemos o processo
evolutivo através do qual as espécies se desenvolveram como se
contribuíssem,
de
alguma
maneira,
para
que
nos
envergonhássemos do que fazemos quando provocamos sua
extinção. (DWORKIN, 2003, p. 105)
Neste entendimento (DWORKIN, 2003), esclarece que para a
maioria das pessoas o processo evolutivo é criação de Deus, e a extinção de
qualquer espécie é a destruição de sua obra, sendo assim, a preocupação com a
vida não é uma questão de justiça, mas sim um sentimento de que a vida humana
tem importância sagrada e respeitar a natureza é respeitar a Deus30. Entretanto,
parece que existem “graus do sagrado”,distinção de uma obra mais valiosa que
30 Fazemos aqui referência ao Estado Laico, aquele que não é ou não está baseado em princípios religiosos. O Estado não pode optar por
uma religião à fim de permitir restrições às atitudes ou autonomia de seus cidadãos.
outra, e que a inviolabilidade é seletiva, pois nem tudo que é produzido pelo
homem é sagrado, a arte é inviolável a riqueza não; como também nem todas as
coisas que levam longo processo natural .
Como seria de se esperar, nossas seleções são configuradas por
nossas necessidades e as refletem, e, de maneira recíproca,
configuram e são configuradas por outras opiniões que temos[...]
A reciprocidade entre nossa admiração sobre os processos e
nossa admiração pelo produto é complexa, e para a maioria das
pessoas seu resultado não é um único princípio geral do qual
fluem todas as suas conclusões sobre o inviolável, mas uma
complexa rede de sentimentos e intuições. (DWORKIN, 2003, p.
109)
Percebe-se que a vida humana recebe um valor sagrado pela
maioria das pessoas, entendendo assim que uma “obra” de Deus não pode ser
sacrificada a “bel prazer” de nossa vontade, ou seja, a pessoa não tem domínio
sobre sua própria vida, segundo esta visão sagrada.
Todos os argumentos favoráveis ou contrários ao “valor sagrado” da
vida são passíveis de contestações, por isto não cabem aqui todas essas
questões. Entretanto se faz necessário saber se uma pessoa, sujeita a
sofrimentos insuportáveis provenientes de uma doença terminal tem ou não o
direito de escolher como terminar sua vida, de acordo com seus princípios e
valores.
2.3.2 O direito à vida e seu (s) significado (s)
No entender de Pessini (2000), existem dois tipos de discursos
éticos no campo da “ética da vida”, ou seja, o discurso parenético e o discurso
científico. O discurso parenético permite falar sobre a “sacralidade da vida” e o
científico da “qualidade de vida”, como se vê:
O discurso parenético exorta para algo que já é conhecido e
intelectualmente claro. Pressupõe um acordo básico entre os que
falam e discutem sobre a questão. Não busca justificar ou explicar
um conteúdo, mas visa à eficácia de sua concretização. É,
sobretudo enfatizar a responsabilidade pessoal e a ação coerente,
antes que a coerência lógica do discurso. (PESSINI, 2000, p. 270)
No discurso parenético a vida é considerada como sendo uma
propriedade de Deus, sendo assim o homem pode somente administrá-la, pois é
considerado um valor absoluto que só a Deus pertence, e o ser humano não
possui nenhum direito sobre sua vida ou sobre a vida alheia. Assim seu princípio
fundamental é a inviolabilidade da vida, e as concessões só podem ser feitas por
Deus. (Cf. PESSINI, 2000)
Já no que diz respeito ao discurso científico há a necessidade de
explicar e justificar a vida, repensando continuamente seus conteúdos e
afirmações à luz das conquistas e experiências humanas. Nesse discurso a vida
fica a disposição daqueles que a recebem, pois se trata de um “dom recebido” e
deve ser valorizado qualitativamente. Seu princípio fundamental é o “valor
qualitativo da vida”. (Cf. PESSINI, 2000)
Segundo Pessini (2000) atualmente existem dois discursos que
pretendem defender a vida em sua integridade: a pró-vida, que defende a
sacralidade da vida (propriedade de Deus), e a pró-escolha, que defende a
qualidade de vida.
O processo de secularização levou a uma dessacralização da
vida. A formulação da inviolabilidade da vida alude a uma visão
sagrada, em que a vida é vista como propriedade de Deus e o
homem como seu mero administrador. (PESSINI, 2000, p. 271)
No entender Pessini (2000) essa tese mostra um conceito pequeno
de Deus, e demonstra uma visão mesquinha do ser humano. Diz que o homem é
o protagonista da vida e não deve ser visto como mero administrador dela.
O moderno pensamento teológico defende que o próprio Deus
delega o governo da vida à autodeterminação do ser humano e
isso não fere e muito menos se traduz numa afronta a sua
soberania. Dispor da vida e intervir nela não fere o senhorio de
Deus, se essa ação não for arbitrária. A perspectiva é
responsabilizar o ser humano de uma maneira mais forte diante
da qualidade da vida. (PESSINI, 2000, p. 271)
O direito à vida é reconhecido e assegurado pela Constituição
Federativa do Brasil de 1988 como direito básico e primeiro, pois se trata de um
direito fundamental. O direito à vida é direito inviolável, e seu asseguramento é
imposto devido a constituir um pré-requisito para a existência de todos os demais
direitos.
Em seu artigo 5º a Constituição Federativa do Brasil de 1988 assim
expõe:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade.
A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais, a
nossa Constituição Federativa do Brasil de 1988 realçou o valor da moral
individual, tornando-a um bem indenizável (art. 5º - V e X)31. A moral individual
sintetiza a honra da pessoa, seu bom nome, a boa fama, a reputação que
integram a vida humana como dimensão imaterial. (Cf. SILVA, 2000)
O Estado Democrático brasileiro confere a qualquer indivíduo que
vive dentro de seu território o direito à vida, pois concebe a vida como sendo um
direito humano fundamental, como não deixou de conferir o direito à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade. No âmbito constitucional brasileiro, a
vida, configura-se um princípio que deve ser observado e conferido a todos sem
distinção. (Cf. DINIZ, 2001)
“O direito à vida é essencial ao ser humano, condicionando os
demais direitos da personalidade, pois significa integridade existencial e constitui
objeto de direito personalíssimo”. (DINIZ, 2001, p. 22-23)
Fabriz (2003, p. 269) expõe:
O direito à vida revela-se a partir de duas concepções,
determinando que a sua proteção deve atender o direito individual
de estar vivo e o direito das pessoas, em comunidade, de ter uma
vida digna quanto à subsistência.
31 Artigo 5º da Constituição Federal 1988. Inciso V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por
dano material, moral ou a imagem. Inciso X – São indenizáveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito de indenização ao dano material ou moral decorrente de sua violação. BRASIL.Constituição Federal de 1988.
Percebe-se que no que diz respeito aos direitos individuais, o
conteúdo valorativo do direito é muito importante, já que interfere justamente no
aceite da existência do direito natural, ou seja, de um direito inerente à pessoa
humana:
Todas as consagrações constitucionais dos direitos individuais
supõem à existência de alguns direitos básicos da pessoa
humana, os quais pairam inclusive, acima do Estado, porquanto
este tem como um de seus fins principais a garantia desses
direitos.[...], portanto, o valor da pessoa humana antecede que o
próprio direito positivo condiciona-o e dá-lhe razão de existir.
(GRECO FILHO, 1989, p.8 )
Esse direito individual é regido pelos princípios constitucionais da
inviolabilidade e irrenunciabilidade, então quer dizer que, o direito à vida, não pode
ser desrespeitado, sob pena de responsabilização criminal, nem tampouco pode o
indivíduo renunciar esse direito e almejar a morte. Ao Estado cabe assegurar o
direito à vida, e este não consiste apenas em manter-se vivo, mas que o indivíduo
tenha uma vida digna quanto a sua subsistência, e que possa desfrutar deste
direito em toda a sua plenitude. (Cf. MORAES, 2002)
Utilizando as palavras de Fabriz (2003, p.267) “Direito à vida significa
integridade existencial; constitui objeto de direito personalíssimo”.
Entende o referido autor que o direito à vida merece e exige a tutela
do Estado por tratar-se de um direito superior, e neste posicionamento de
superioridade fundamental “obriga os poderes públicos”.
Neste entendimento vê-se que o homem tem direito à vida, e não a
qualquer vida, mas sim a uma vida digna assegurada pelo Estado, e que a
dignidade segue segundo seus valores pessoais e individuais, possibilidade
reconhecida pela Constituição Federativa do Brasil de 1988 através dos direitos
fundamentais. Além disto, a vida não é um direito absoluto como se verifica diante
da legitima defesa (art. 25 do CP), no estado de necessidade (art.24 do CP) e no
aborto (art. 128 do CP).
2.3.3 Autonomia
O constitucionalismo moderno tem levado em conta a individualidade
da pessoa humana, concebendo esta como o principal e verdadeiro detentor dos
direitos fundamentais, e não poderia deixar de ser já que a Constituição
Federativa do Brasil de 1988 tem como princípio maior a dignidade da pessoa
humana, ou seja, a aglomeração de vários direitos individuais, a fim de que se
possa reger a própria vida conforme os valores pessoais.
E esta autonomia que é dada pela Constituição Federativa do Brasil
de 1988 à pessoa humana possibilita às suas escolhas e opiniões diante de seus
interesses individuais.
Neste sentido segue-se na esteira de Dworkin (2003) que concebe a
autonomia individual como alicerce para a tomada de decisões particulares sobre
o que fazer da própria vida quando a atitude a ser tomada não parece ser
entendida e aceita pela sociedade ou pelo Estado.
Toda pessoa adulta que for dotada de competência tem direito a
tomar suas próprias decisões ou atitudes importantes para sua vida, então esta
pessoa possui o direito à autonomia32 , a liberdade. (Cf. DWORKIN, 2003)
Segundo Dworkin (2003) deve-se sempre reconhecer e respeitar o
direito à autonomia das pessoas, mesmo quando acreditamos que ela tenha uma
péssima decisão ou tomado uma atitude errada. Para o referido autor (2003, p.
318) a “autonomia exige que permitamos que uma pessoa tenha o controle de sua
própria vida, mesmo quando se comporta de um modo que, para ela própria, não
estaria de modo algum de acordo com seus interesses”.
32 Derivado do grego auto (próprio) e nomos (regra, lei), significa autodeterminação ou seja, o poder da pessoa humana em tomar suas
decisões, seja nas que afetem sua vida ou sua saúde, sua integridade físico-psíquica e também suas relações sociais. (Cf. FORTES, 1998).
Neste sentido parece que o objetivo da autonomia não é proteger o
“bem estar” da pessoa, mas sim exigir que outros respeitem suas decisões,
mesmo que estas sejam diferentes de nosso modo de agir ou pensar. (Cf.
DWORKIN, 2003)
Dworkin (2003, p. 319) diz que o objetivo da autonomia dá ênfase a
integridade do agente capaz que faz a escolha, sendo assim “o valor da
autonomia deriva da capacidade que protege, a capacidade de alguém expressar
seu caráter – valores, compromissos, convicções e interesses críticos e
experiências – na vida que leva”.
(DWORKIN, 2003, p. 319), “Permitir que cada um conduza sua
própria vida, em vez de se deixar conduzir ao longo desta, de modo que cada qual
possa ser, na medida em que um esquema de direitos possa tornar isso possível,
aquilo que fez de si próprio”.
Segundo o autor (2003), reconhecer a autonomia é reconhecer que
cada pessoa é responsável por sua própria vida, podendo ela viver de acordo com
suas convicções e personalidade. Admitindo assim que de modo certo ou errado
cada um possui uma vida e modos distintos de viver.
Neste contexto se aceita a idéia de que uma pessoa possa preferir a
morte ao invés da amputação de um membro, por exemplo, porém desde que este
indivíduo tenha informado previamente o seu desejo, pois só assim seus direitos
seriam reconhecidos de acordo com seus valores e seu modo de vida. (Cf.
DWORKIN, 2003)
A autonomia estimula e protege a capacidade geral das pessoas
de conduzir suas vidas de acordo com uma percepção individual
de seu próprio caráter, uma percepção do que é importante para
elas. Talvez o principal valor dessa capacidade só se concretize
quando uma vida realmente manifestar uma integridade e uma
autenticidade absolutas. Mas o direito à autonomia protege e
estimula essa capacidade em qualquer circunstância, permitindo
que as pessoas que a têm decidam em que medida, e de que
maneira, procurarão concretizar esse objetivo. (Cf. DWORKIN,
2003, p. 320)
O ser humano de acordo com seus valores pessoais, expectativas,
necessidades e crenças, possui a capacidade de decidir o que é “bom”, ou o que é
seu “bem estar”. É considerada “pessoa autônoma” aquela que possui a liberdade
de pensar livre de coações internas e externas, assim podendo escolher entre as
diversas alternativas que lhe apresentem. (Cf. FORTES, 1998).
A autonomia individual não é total, pois exige perante as relações
sociais um grau de controle e restrições à ação individual. Porém, apesar de todos
os limites impostos, o ser humano pode se mover dentro de uma margem própria
de decisões e ações.(GOLDIM, 2003)
Diante de tais argumentos é certo que o indivíduo, pessoa humana,
ser racional, possui dentro da perspectiva jurídica moderna uma autonomia que a
faz poder agir livremente conforme seus valores, ideais e necessidades desde que
obedeça ao limite imposto tanto pela legislação quanto por seus princípios
pessoais que o farão evitar a invasão da liberdade alheia tanto individual quanto
coletiva.
2.3.4 Liberdade
Falar sobre liberdade no direito constitucional é falar dos direitos
fundamentais, ou melhor, dos direitos individuais os quais exigem respeito e
proteção do indivíduo diante do Estado e dos demais poderes. (Cf. MIRANDA,
2000)
Para Canotilho (1995, p. 519) “os direitos civis depois de separados
dos direitos políticos passaram a ser designados também por liberdades
individuais”. São as liberdades que preservam às pessoas uma área de atuação
contra a intervenção estatal; e a liberdade individual reúne todos os direitos e
poderes assegurados à pessoa humana seguindo e respeitando as restrições
impostas em lei.
As
liberdades
individuais
englobam
segundo
a
Constituição
Federativa do Brasil de 1988 a liberdade de associação, de locomoção, de
pensamento, religiosa, de reunião, de profissão e muitas outras descritas no texto
constitucional (Cf. MIRANDA, 2000)
A liberdade individual trata de um direito, isto é, uma manifestação
da personalidade humana em sua existência subjetiva ou nas situações reais de
relação com a sociedade ou mesmo com os indivíduos que a compõem. (Cf.
PINHO, 1997)
Percebe-se que com a evolução da raça humana e das sociedades
mais civilizadas o conteúdo da liberdade se amplia, se fortalece e se estende à
medida que a atividade humana se expande de acordo com as necessidades que
vão se apresentando. (Cf. SILVA 2002).
2.3.4.1 Liberdade interna e externa
Para ser autônomo é necessário ter liberdade, e é com base nessa
liberdade que o indivíduo vai fazer suas escolhas e decidir suas ações dentro do
contexto que apresentar o desenrolar de sua vida. A prática da eutanásia ativa
requer a liberdade individual, pois a escolha do indivíduo se faz presente e deve
ser respeitada.
Segundo (SILVA, 2002), a liberdade interna também chamada de
liberdade subjetiva, liberdade de indiferença ou livre-arbítrio, pode ser chamada
também de liberdade do querer, ou seja, diz que diante de duas possibilidades
opostas a decisão do indivíduo deve prevalecer. É o poder de escolha diante de
alternativas contrárias, porém o indivíduo deve ter o conhecimento objetivo e
correto de ambas as possibilidades. Depois de feita a escolha deve-se verificar a
possibilidade de se poder atuar nela, daí entra a necessidade da liberdade
externa.
A liberdade externa ou subjetiva é o querer individual se expandindo
externamente, implicando no afastamento de coações ou obstáculos. E o poder de
fazer tudo o que se quiser. Entretanto deve haver um limite, pois caso contrário,
pode implicar no esmagamento dos fracos pelos fortes, inexistindo assim a
liberdade dos mais fracos. (Cf. SILVA, 2002)
Em nome dessa autonomia, da liberdade ou dignidade da pessoa
humana é que alguns países adotam a prática da eutanásia. Estes países dão
direito ao doente incurável de dizer "chega de sofrimento".A decisão, logicamente,
abre caminho a infindáveis discussões filosóficas, religiosas, morais e jurídicas. O
que não pode ser discutido é o fato de que o homem tem direito de viver bem, com
autonomia, liberdade. (Cf. SILVA, 2002)
Bizatto (2000), entende que todo ser humano deve administrar sua
vida de acordo com o seu entendimento, pois é dono dela. Sendo assim, tem o
direito de acabar com sua dores e martírios mesmo que tenha de abreviar sua
vida.
Diz (BIZATTO, 2000, p. 39): “Se o homem tem o poder subjetivo de
decidir as situações que o cercam da maneira que melhor aprouver,
conseqüentemente deve ter o direito e a liberdade de decidir se continua ou não
vivendo [...] pela eutanásia, o indivíduo decide por si aquilo que a ciência médica
não pode decidir por ele”.
2.3.5 Dignidade da pessoa humana
Torna-se difícil conceituar o termo dignidade humana, pois este
conceito remonta de reflexões filosóficas e individuais para cada ser humano,
concebida como uma ordem ontológica. Modernamente vem se operando uma
variação semântica da palavra, passando de “dignidade da pessoa” (ontológica),
para ”qualidade de vida”, como observa Montero (2000 p. 465):
A dignidade passa a ser uma noção muito difusa, eminentemente
subjetiva e relativa. Subjetiva, porque cada um seria o único juiz
de sua própria dignidade; relativa, no sentido de que a qualidade
de vida é um conceito de geometria variável, suscetível de adotar
uma infinidade de graus e de medir-se pelo parâmetro de critérios
diversos.
Canotilho (2002) entende que uma Constituição que se encontra
baseada no princípio da dignidade humana tem o indivíduo dono, administrador de
si próprio e de sua vida de acordo com sua vontade e projeto espiritual.
O autor (2002, p. 225) diz que a história das “aniquilações” humanas
fez com que as Constituições reconhecessem o “homo noumenon”, isto é “o
indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República”, sendo
assim, é a organização política que serve ao homem e não o contrário.
O princípio da dignidade da pessoa humana dá a possibilidade de se
conferir a um indivíduo à capacidade de adquirir direitos e deveres. Pode-se
observar que na atualidade existe uma tendência de que os ordenamentos
jurídicos reconheçam o ser humano como sendo o centro e o destino do direito.
Sarlet (2003, p. 102) entende que “não há como negar que os
direitos à vida, bem como os direitos de liberdade e de igualdade correspondem
diretamente às exigências mais elementares da dignidade da pessoa humana”.
Todas as pessoas possuem a mesma dignidade ontológica, ela é
intangível e inviolável, pelo simples fato de se pertencer ao gênero humano, não
precisando de apoio de qualquer circunstância especial. É a vida humana que
fundamenta a dignidade e não a dignidade que fundamenta a vida humana, sendo
assim a dignidade deve ser reconhecida a todo o homem pelo simples fato de ele
existir. (Cf. MONTERO, 2000)
Arce citado por Nobre Júnior (2000, p. 475) diz que decorrem do
princípio da dignidade da pessoa humana algumas conseqüências importantes
como, “a igualdade de direitos enquanto pessoa; garantia da autonomia e
independência, proibindo coações ao seu desenvolvimento e evitando atuação
para a sua degradação, proteção aos direitos inalienáveis do homem; não admitir
meios para o desenvolvimento como pessoa e impor à sua vida condições
subumanas”.Observa que a tutela constitucional protege o indivíduo não somente
das violações imposta pelo Estado, como também dos particulares.
O princípio da dignidade da pessoa humana, descrito no artigo 1°.
da Constituição Federativa do Brasil de 1988 faz demonstrar a sua importância no
sentido de composição de uma norma com a função de legitimar a ordem estatal
proposta. Todas as ações do Estado devem estar fundamentadas na busca de
viabilizar os direitos básicos dos indivíduos que fazem parte da sociedade,
preservando a dignidade existente ou criando mecanismos para o seu exercício.
(Cf. JACOBI, 2004)
A Constituição Federativa do Brasil de 1988 reconheceu que o
indivíduo é o objetivo principal da ordem jurídica, e que o princípio da dignidade
humana traduz o repúdio constitucional às práticas imputáveis ao poder público e
aos particulares, cujo objetivo seja expor o ser humano em desigualdade perante
aos demais, tratando-o como objeto ou coisa, ou até mesmo privando-o das
condições necessárias a sua manutenção. (Cf. NOBRE JÚNIOR, 2000)
No dizer de Moraes (2002 p. 129):
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral
inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na
autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que
traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais
pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas
excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos
direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a
necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto
seres humanos.
Como se vê, a Constituição Federativa do Brasil de 1988 assegura a
dignidade da pessoa humana, ou seja, no Direito Constitucional a pessoa tem uma
dignidade própria, constituindo um valor em si mesmo, isto afirmando que tal
direito não poderá ser sacrificado em benefício de qualquer interesse coletivo:
O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da
dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma ampla
concepção. Primeiramente, prevê um direito individual positivo,
seja em relação com o próprio estado, seja em relação aos
demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro
dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios
semelhantes[...] a concepção dessa noção de dever fundamental
reúne-se a três princípios do direito romano: o honestere vivere (
viver honestamente), alterum non laedere
( não prejudique
ninguém) e sum de cuique tribuere ( dê a cada um o que é
devido)". ( MORAES, 2002 p. 129)
Nesse argumento:
Se "a vida é um direito" garantido pelo Estado, esse direito é
inviolável, embora não "inviolado". Se eu digo que é inviolável (a
correspondência, a intimidade, a residência, o sigilo profissional) ,ipso
facto, estou querendo dizer que se trata de rol de bens jurídicos dotados de
inviolabilidade [...] o "Direito à vida" é o primeiro dos direitos
invioláveis, assegurados pela Constituição. "Direito à vida" é a expressão
que tem, no mínimo, dois sentidos: (a) o "Direito a continuar vivo,
embora se esteja com saúde", e (b) "O direito de subsistência"; o primeiro
ligado uma segurança física da pessoa humana, quando a agentes
humanos ou não, que possam ameaçar-lhe a existência; o segundo ligado
ao “Direito de prover a própria existência, mediante trabalho honesto [...].
(CRETELLA JÚNIOR ,2000, p.203)”.
Repita-se, pois, que a dignidade da pessoa humana encontra abrigo
constitucional configurando-se como um dos fundamentos no qual a República
Federativa do Brasil assenta-se. Destarte, o constituinte visou proporcionar às
pessoas uma vida digna, evitando algumas situações tais:
[...] humilhações tão comuns no dia-a-dia de nosso País. Este foi
sem dúvida, um acerto do constituinte, pois coloca a pessoa
humana como fim último de nossa sociedade e não como simples
meio para alcançar certos objetivos, como por exemplo, o
econômico. (BASTOS, 1990, p.148)
Correto então afirmar que a dignidade da pessoa humana não se
trata somente de uma mera disposição legal, mas sim uma imposição, que nos
planos Federal, Estadual e Municipal, devem ter uma atuação impositiva para a
sua implantação e asseguramento. A dignidade humana não carece da
possibilidade de algum tipo de condição, sendo que tal categoria levanta
exigências éticas, por que o ser humano é pessoa e dessa forma, única e
insubstituível.
Tem-se então a dignidade como um dos princípios norteadores da
Constituição Federativa do Brasil de 1988 o que constitui uma norma jurídicopositiva dotada de status constitucional formal e material e inequivocadamente
carregado de eficácia, conforme entendimento de Jose Afonso da Silva (2000 p.
109):
[...] um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os
direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida,
concebido como referência constitucional unificadora de todos os
direitos fundamentais [observam Gomes, Canotilho e Moreira], o
conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma
densificação valorativa que tenha em conta o seu o seu amplo
sentido normativo-constitucional não uma qualquer idéia
apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da
dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais,
esquecendo-as nos casos dos direitos sociais, ou invoca-la para
construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a
quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí
decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a
todos uma existência digna (art. 270), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o
desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da
cidadania (art. 250), etc, não como meros enunciados formais,
mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade
da pessoa humana.
Modernamente existe uma tendência do direito em se ”reaproximar
da dimensão valorativa do fenômeno jurídico”. (PITHAN, 2004, p. 57), têm papel
fundamental os princípios jurídicos segundo o entendimento da dignidade humana
como norma constitucional central de todo ordenamento jurídico.
A dignidade humana vista como princípio ético-jurídico tem
contribuído sobremaneira para o tratamento jurídico dos
problemas bioéticos[...] O processo de morrer faz parte da vida
humana, que como tal deve ser vivida com dignidade. Se a morte
é parte da vida e o direito à vida implica uma garantia de uma vida
com dignidade, parece possível argumentar pela existência de um
direito à morte digna. (PITHAN, 2004, p. 58)
Neste entendimento Farias (1996, p. 54) argumenta:
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre
um relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte
jurídico-positiva dos direitos fundamentais. Aquele princípio é o
valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos
fundamentais. Destarte, o extenso rol de direitos e garantias
fundamentais consagrados no título II da Constituição Federal de
1988 traduz uma especificação e densificação do princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Em
suma os direitos fundamentais são uma primeira e importante
concretização desse último princípio, quer se trate dos direitos e
deveres individuais e coletivos (art. 5º), dos direitos sociais ( arts.
6º a 11) ou dos direitos políticos ( arts. 14 a 17).
O status33 que ocupa um princípio não deriva somente da
classificação que lhe dá o legislador, mas, da sua própria estrutura normativa.
Considerados “alicerces ou pedestais” do sistema jurídico constitucional, os
princípios receberam a importância devida no atual entendimento jurídico, pois
para a maioria dos estudiosos os princípios devem ser tratados como direito.
33 A palavra status aqui significa: posição, local que ocupa.
Os princípios são direitos, então nada mais correto do que buscá-los
como sustentação de um desejo individual, um pedido de prestação positiva por
parte do Estado em favor do indivíduo que se encontra doente terminal e não quer
mais receber tratamento ou ter sua vida sustentada artificialmente.
A autonomia, a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana
recebem guarida e têm positivação na Constituição Federativa do Brasil de 1988
para que o indivíduo possa através destes conflitar com o Estado a tutela do
direito à vida.
Esser citado por Bonavides (2001, p. 243) diz que o princípio ”é parte
jurídica e dogmática do sistema de normas, é ponto de partida que se abre ao
desdobramento judicial de um problema”.
Parece claro que para se fundamentar a prática da eutanásia ativa é
necessário salientar a capacidade da pessoa humana como detentora de direitos
fundamentais individuais, direitos estes conferidos pela dignidade humana que
vem pressupondo outros direitos como a liberdade, autonomia e o direito à vida.
Assim, visto os direitos fundamentais que servirão de base para a
sustentação do pedido de eutanásia por parte de um doente em fase terminal, se
verá a distinção entre princípios e regras, fundamentando a normatividade destes
princípios constitucionais dentro do ordenamento jurídico, pois quando se trata da
estrutura das normas de direitos fundamentais, a distinção teórico-estruturante
mais importante é aquela que trata da distinção entre essas duas espécies de
normas. (Cf. CANOTILHO, 2002)
No próximo capítulo ainda se verá a colisão de direitos fundamentais
diante da prática da eutanásia, o relato de casos como do espanhol Ramón
Sampedro e Debbie e o uso do princípio da proporcionalidade para a solução da
colisão de direitos.
3 A COLISÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NA PRÁTICA DA
EUTANÁSIA
3.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES
Alexy (1993) entende que quando dois princípios entram em colisão,
um proibindo e outro permitindo algo, um deles deve ceder ante a prevalência do
outro, porém aquele que não prevalece não se torna inválido, pois poderá ser
utilizado em outro caso quando necessário, já que a dimensão dos princípios é de
peso e não de validez, pois só podem colidir princípios válidos.
Por serem considerados “mandatos de otimização” alicerces da
Constituição, sejam eles implícitos ou explícitos, os princípios (diferentemente das
regras que existem na dimensão da validade), quando em caso concreto
prevalecem por sua maior importância ou peso naquela situação específica. Isto é
a colisão se dá quando numa determinada situação fática/ jurídica houver duas ou
mais normas de direitos fundamentais consideradas individualmente.
Alexy (1993, p. 91, tradução nossa) disserta, “tomados em si
mesmos, os princípios conduzem a uma contradição” (exemplo: direito à vida
versus dignidade humana)
3.1.1 Distinção entre regras e princípios
Para que se possa entender o que são os princípios e qual seu
posicionamento dentro do ordenamento jurídico constitucional, necessitamos fazer
a distinção entre eles e as regras, já que essa distinção constitui elemento básico
não só da dogmática dos direitos de liberdade e igualdade, mas também dos
direitos de proteção, organização, procedimentos e prestações. Constitui “o marco
de uma teoria normativo-material dos direitos fundamentais, além de um ponto de
partida a fim de responder questionamentos sobre as possibilidades e limites da
racionalidade dentro dos direitos fundamentais”. (ALEXY, 1993, p. 81, tradução
nossa)
Dworkin (2002 p.39) diz que “a diferença entre princípios e regras
jurídicas é de natureza lógica”. As regras se aplicam na maneira do tudo-ou-nada,
ou seja, diante de um fato a regra é válida devendo ser aceita a resposta que ela
ofereceu, ou poderá ser inválida quando não tenha contribuído ou servido para a
decisão.
Já os princípios possuem dimensão de importância que os diferem
das regras, vejamos:
Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a
dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se
intercruzam [...] aquele que vai resolver o conflito tem de levar em
conta a força relativa de cada um. (DWORKIN, 200..p. 42)
Segundo entendimento de Dworkin (2002), as regras não possuem a
mesma dimensão dos princípios, elas podem ser consideradas funcionalmente
importantes ou sem importância, isto é, uma regra pode ser mais importante do
que outra, mas na questão de regulação de comportamentos e no caso de
desempenhar um maior papel, porém uma não pode ser mais importante do que a
outra enquanto parte integrante do mesmo sistema de regras.
Então, quando duas regras entram em conflitos somente uma delas
pode ser válida, levando em consideração a anterioridade da promulgação, o grau
de superioridade, a mais específica ou por outros requisitos. (Cf. DWORKIN,
2002)
O conceito de norma abrange os princípios e as regras jurídicas,
porque estes são espécies do gênero norma. Os princípios são os valores
fundamentais de uma questão jurídica, e são extraídos do ordenamento jurídico,
pois para muitos, os princípios são normas que exigem a realização de algo, da
melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas, e
sendo assim o princípio tem força de norma. (Cf. CANOTILHO, 1995)
Para Bayler (2000) é devido ao grau de indeterminação e vaguidade
que
os
princípios
exigem
mediação
concreta
do
operador
do
direito,
diferentemente das regras que possuem aplicação direta. Também devido à
posição hierárquica no sistema de fontes do direito, os princípios são normas de
natureza fundamental dentro do ordenamento jurídico, recebendo assim, um
caráter de fundamentalidade.
Os princípios possuem idéia de direito em que são base
juridicamente vinculante à idéia de justiça.Os princípios são a razão das normas
jurídicas, assim desempenhando uma função normogenética fundamentante. (Cf.
BAYLER, 2000)
Os princípios são multifuncionais já que permitem denotar a razão da lei de uma
disposição, assim desempenhando uma função argumentativa ou revelando normas que não são
expressas em enunciados legislativos, possibilitando aos juristas a complementação, integração e
desenvolvimento do direito. Os princípios possuem qualidades de verdadeiras normas distintas das
regras jurídicas, que são outra categoria de norma. Esta diferença qualitativa verifica-se através da
compatibilidade dos vários graus de concretização dos princípios, pois estes são normas jurídicas
impositivas, consoante os condicionalismos jurídicos e fáticos. (Cf. CANOTILHO, 1995)
Já as regras são normas que impõem, proíbem ou permitem
imperativamente uma exigência.Os princípios convivem em conflitos, pois é de sua
natureza, eles permitem o balanceamento dos interesses e valores, conforme o seu
peso de acordo com a importância, no caso concreto, dos outros princípios que
vierem a conflitar. Se uma regra tem validade deve ser cumprida exatamente
como sua prescrição manda. Por conterem apenas exigências ou standarts34,
quando houver conflito entre princípios estes podem ser objeto de ponderação e
harmonia, suscitando problemas de validade e peso. Seria insustentável a
validade simultânea de regras contraditórias (antinomia) já que estas contêm
comando normativo definitivo, e colocam apenas questões de validade. (Cf.
CANOTILHO, 1995)
Conforme Bonavides (2001) as regras descrevem uma situação
jurídica, vinculam fatos hipotéticos específicos, e que preenchidos os requisitos
por ela descritos, exigem, proíbem ou permitem algo definitivo. Os princípios se
diferem por dar tendência a uma expressão de valor ou uma diretriz, mas sem
descrever uma situação jurídica, nem se reportar a um fato particular, exigindo,
entretanto, a realização de algo, da melhor maneira possível, observadas as
possibilidades factuais e jurídicas. Mas possui um grande grau de abstração e
34 A palavra standarts significa: modelo.
com isto se irradiam por diferentes partes do sistema, informando a compreensão
das regras, e dando harmonia ao sistema normativo.
Porém, os princípios expressam relevância maior que as regras,
apontando desta forma a razão fundamental de ser das coisas jurídicas, e
evidenciam por si só seus preceitos, (BONAVIDES, 2001), vejamos:
[...] não há distinção entre princípios e normas, os princípios são
dotados de normatividade, as normas compreendem regras e
princípios, a distinção relevante não é, como nos primórdios da
doutrina, entre princípios e normas, mas entre regras e princípios,
sendo as normas o gênero, e as regras e os princípios a espécie.
Daqui já se caminha para o passo final da incursão teórica: a
demonstração do reconhecimento da superioridade e hegemonia
dos princípios na pirâmide normativa; supremacia que não é
unicamente formal, mas sobre tudo material, e apenas possível na
medida em que os princípios são compreendidos e equiparados e
até mesmo confundidos com os valores, sendo, na ordem
constitucional dos ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta
da normatividade que fundamenta a organização do poder.
(BONAVIDES, 2001, p. 259)
As regras tanto podem ser encontradas na Constituição Federal
quanto nas legislações infraconstitucionais, ao contrário dos princípios que se
originam exclusivamente do plano constitucional. As soluções pragmáticas se
operam por meio de regras, otimizadas pelos princípios que constituem em juízos
fundamentais ou como verdades, servindo de garantia ou alicerce de certeza a um
conjunto de juízos ordenadores num sistema jurídico.(Cf. ARAÚJO, 2002)
Identificados os princípios e as regras como tipos particulares de
padrões distintos e verificados que estão por toda à parte do sistema jurídico
observa-se que os princípios constitucionais são “mandatos de otimização” e que
são normas cuja característica proporciona a possibilidade de choque em caso
concreto, e que podem prevalecer uns sobre os outros sem perder sua validade,
como se poderá verificar mais adiante neste trabalho.
Também se faz necessário demonstrar a normatividade dos
princípios constitucionais, já que estes são normas e encontram-se positivados no
corpo do texto da Constituição Federativa do Brasil de 1988.
3.2 NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Se os princípios se encontram no texto constitucional (explícitos e
implícitos) é certo que possuem normatividade, pois dotados de abstração e
generalidade dão explicação para certas normas, conferindo-lhes validade e
perfeição, criando a unidade do sistema jurídico e condicionado o trabalho de
interpretação dessas normas.
Assim sendo é necessário se falar sobre essa normatividade para
melhor compreender a questão da colisão e da solução dos conflitos.
Sabe-se que alto da pirâmide jurídica como decorrência da
superioridade
hierárquica
da
Constituição
Federal
estão
as
normas
constitucionais. Dessa supremacia, resulta que os princípios constitucionais
constituem normas superiores que adquirem neles próprios seu fundamento de
validade (peso). Mesmo sendo normas dentro das normas, afirmam-se como
fontes de produção de outras normas jurídicas. (Cf. ROCHA, 1994)
Nesta pirâmide jurídica se encontram no topo os princípios
constitucionais incluindo as normas de direito fundamental, como disserta Guerra
Filho (2002, p. 397)
No patamar mais elevado da pirâmide [...] encontra-se, como é
fácil perceber, as determinações de nossa Constituição de 1988.
No cume dessa pirâmide, então, temos um princípio que
representa – para utilizar a expressão consagrada por
Loewenstein – a decisão política fundamental, tomada pelo povo
brasileiro, que levou à reunião de seus representantes em
Assembléia Nacional Constituinte e à ruptura com a ordem
constitucional anterior.
A decisão política que constitui o maior princípio enunciado pela
Constituição Federativa do Brasil de 1988 é o “princípio do Estado Democrático”
que tem como função à manutenção e expressão da unidade política da
sociedade organizada sob a égide estatal, e tal princípio já vem enunciado em seu
preâmbulo.(Cf. GUERRA FILHO, 2002)
A superioridade normativa dos princípios implica a necessidade de
que todos os atos estejam em conformidade com a Constituição Federal. E
caracterizando os princípios, se observa que eles têm normatividade, porquanto
são normas, têm perceptividade, portanto, ordenam, proíbem, permitem, enfim,
servem à regulação de condutas. Possuem maior amplitude, seja em face de seu
maior grau de generalidade, seja em função de sua maior indeterminação,
possuindo também maior abstratividade. (Cf. ROCHA, 1994)
Torna-se cada vez mais evidente a importância dos princípios para o
ordenamento jurídico e, sobretudo a importância desses no “corpo das
Constituições”, como escreve Bonavides:
[...] a função e presença no corpo das Constituições
contemporâneas, onde aparecem como os pontos axiológicos de
mais alto destaque e prestígio com que fundamentar na
Hermenêutica dos Tribunais a legitimidade dos preceitos da
ordem constitucional. (BONAVIDES, 2001, p. 260)
Os princípios terminam irradiando-se ou projetando-se sobre outras
normas, têm textura aberta e por isso não regulam de forma conclusiva ou plena
todas as situações, permitindo, também, sua expansão para casos novos, que o
sistema fechado de regras não poderia abranger. Possuem ainda versatilidade,
sendo os seus conteúdos modificáveis dependendo das exigências políticas,
sociais e jurídicas. (Cf. ROCHA, 1994)
Crisafulli citado por Bonavides (2001, p.244-245) comparando os
princípios com as normas assinala que “os princípios estão para as normas
particulares como o mais está para o menos“. Para ele os princípios têm dupla
eficácia; entende que princípios são todas normas jurídicas consideradas como
determinantes
de
outras
que
lhe
são
subordinadas,
desenvolvendo
e
especificando preceitos mais particulares. Diz que um princípio seja expresso ou
implícito
num
ordenamento,
constitui
norma,
aplicável
como
regra
de
determinados comportamentos públicos ou privados. Os princípios não são
simples diretrizes teóricas, pois, se o fossem a norma seria estabelecida pelo juiz
e não simplesmente aplicada por ele ao caso específico.
Outras características também podem ser apontadas e deve-se
referenciar que o fato de ostentarem uma formulação mais aberta, com maior
generalidade e mais amplo nível de indeterminação, não significa que seja o seu
sentido impreciso e que não possa o princípio ter aplicabilidade. Por esses
aspectos, possuem níveis distintos de realização, concretização e densidade,
sujeitos às circunstâncias de fato e de direito. Os princípios constitucionais
apresentam características próprias que os distinguem das demais normas
constitucionais. (Cf. ROCHA 1994)
Assevera Bonavides (2001 p. 260):
As regras vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere
se exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores
fundamentais, governam a Constituição, o regímen, a ordem
jurídica. Não apenas lei, mas o Direito em toda a sua extensão,
substancialidade, plenitude e abrangência.
Os princípios possuem importância no estudo do direito por serem
pensamentos básicos35, pois estão elevadas as mais altas posições do
ordenamento jurídico, servindo de base e alicerce para sua formação:
[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a
intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por
nome sistema jurídico positivo. (MELLO, 1996, p. 545)
Os princípios expressam não somente uma natureza jurídica, mas
também opções políticas36, a eleição de valores sociais e éticos de uma sociedade
através de sua aceitação. Os princípios constitucionais formam o “mandamento
nuclear” do sistema jurídico, servindo de base para a formação e manutenção
deste. Assim, se entende que os princípios dão compreensão às normas e servem
para compor-lhes entendimento e aplicação exata. O conhecimento dos princípios
35 Aqui a idéia de pensamentos básicos dos princípios vêm da concretização dos valores da sociedade. Estes valores servem de critérios e
dão corpo e compreensão às normas constitucionais fundamentais, são os valores ideológicos que trazem a harmonia ao sistema jurídico.
36 Esta opção política aqui referida não se trata de opção política partidária, mas sim a idéia de público, de interesse coletivo, pensamentos
comuns.
faz maior e melhor entendimento do ordenamento jurídico e na aplicação das
normas, as quais conceituam-se como preceitos de direito, e impõem padrões de
comportamento e modelo do “dever ser”. (Cf. ROCHA, 1994)
Esclarece Silva (1999, p.815) dizendo, ”Nem sempre os princípios se
inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base ao direito, são tidos como
preceitos fundamentais para a prática do direito e proteção aos direitos”.
Vê-se que os princípios constitucionais representam senão os
princípios gerais do direito ao darem estes o passo decisivo de sua caminhada
normativa que inaugura nos
Códigos
e acaba nas
Constituições. (Cf.
BONAVIDES, 2001)
Bonavides (2001, p.243), afirma que “depois de acalmados os
debates acerca da normatividade dos princípios que lhes é inerente, a teoria dos
princípios converteu-se no coração das Constituições”.
Os princípios constitucionais se inserem em uma categoria especial
de normas devido ao excesso de generalidade, sem perder sua validade de
normatividade que já lhes foi outorgado pela doutrina dominante na atualidade.
Sem
tentar
esgotar
o
assunto
a
respeito
dos
princípios
constitucionais, nem tão pouco conseguir classificá-los definitivamente, adiante se
demonstra como e porque ocorre a colisão entre direitos fundamentais dentro do
ordenamento jurídico constitucional e quais poderão ser os critérios utilizados para
a solução dos conflitos.
Sendo
os
direitos
fundamentais
heterogêneos
de
conteúdo
geralmente aberto e variável, os quais se revelam somente nos casos em concreto
nas relações entre si e destes com outros valores constitucionais, isto é, “posições
jurídicas subjetivas fundamentais prima facie”, não é difícil haver uma colisão,
“choque de direitos fundamentais” ou choque com outros bens jurídicos
constitucionalmente tutelados. (Cf. FARIAS, 1996)
No próximo item veremos dois casos verídicos de eutanásia e como
se dá a colisão dos direitos fundamentais nestes casos.
3.3 A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – UMA ANÁLISE A PARTIR DE
SITUAÇÕES CONCRETAS
3.3.1 Casos
A) Ramón Sampedro
O espanhol Ramón Sampedro ficou tetraplégico aos 26 anos depois
de um mergulho no mar quando bateu com a cabeça numa pedra. Desde então
vinha solicitando a justiça de seu país o direito de morrer, pois não mais suportava
viver numa cama necessitando da ajuda de outras pessoas para satisfazer
qualquer de suas necessidades. Ele permaneceu tetraplégico durante 29 anos, e
sua luta na justiça durou por cinco longos anos. A justiça espanhola não lhe
concedeu o direito de praticar a eutanásia ativa voluntária por considerar crime de
homicídio. Porém, com auxilio de seus amigos e da família Ramón planejou sua
morte sem que a justiça pudesse incriminar qualquer de um deles que o ajudasse.
Ramón foi encontrado morto no dia 15 de janeiro de 1998 por um de seus
amigos.O exame de necropsia indicava ingestão de cianureto. Entretanto, Ramón
deixou gravado em vídeo os últimos momentos de sua vida, onde se vê que deu
fim ao seu sofrimento podendo realizar sua vontade. Na fita de vídeo ficava
evidente que foi Ramón quem tomou a atitude de tomar o veneno, pois seus
amigos apenas colocaram o copo com canudo ao alcance de sua boca para que
ele pudesse sugar o conteúdo fatal. (Cf. GOLDIM, 2004)
B) Caso Debbie
Com 20 anos de idade a jovem Debbie era uma doente terminal de
câncer no ovário e seu organismo não respondia ao tratamento de quimioterapia e
recebia somente tratamento de suporte. Internada em um hospital privado norteamericano, não suportando mais as dores que lhe afligiam o corpo e o espírito
numa noite chamou o médico ginecologista residente de plantão e pediu para que
terminasse com o seu sofrimento. Ela estava acompanhada pela mãe quando o
médico chegou e a qual em nada interferiu.
Há dois dias que não conseguia comer ou dormir. Estava com 34 kg
e com vômitos freqüentes. A doente disse ao médico apenas a seguinte frase:
"terminemos com isto". O médico foi até a sala de enfermagem e preparou 20mg
de morfina. Voltou ao quarto e disse às duas mulheres que iria dar uma injeção
que possibilitaria a Debbie descansar e dizer adeus. A paciente nada disse, nem
sua mãe. Em 4 minutos a paciente morreu. (Cf. GOLDIM, 2004)
3.3.2 Análise
No caso de Ramón Sampedro e de Debbie, entraram em choque o
direito à vida tutelado pelo Estado, a autonomia individual e a dignidade humana.
Três direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federativa do Brasil de
1988 e que diante da realidade conflitual haveria a necessidade do uso da
ponderação do balanceamento dos valores em questão. Pois, viver é um direito
garantido pela Constituição e não uma obrigação que deva ser imposta pelo
Estado, pois a Constituição Federativa do Brasil de 1988 tem como princípio
fundamental primeiro à dignidade da pessoa humana de onde derivam todos os
outros direitos entre eles a autonomia e a liberdade individual que exigem do
Estado respeito e obrigação.
Dois casos distintos, porém que trazem a questão do choque de
direitos. Aqui não se entrou na questão do consentimento ou se o doente era
terminal ou não, somente à possibilidade de colisão de direitos fundamentais.
3.3.3 Colisão de direitos fundamentais - significado
Entre a normas constitucionais não existe hierarquia, já que o sistema jurídico é um
“todo harmônico”, assim sendo, é “aparente” o conflito entre elas. Somente no plano fático é que
ocorreria a incidência de normas constitucionais sobre um dado caso, isto é, numa situação concreta
de pedido de eutanásia ao Estado, o indivíduo titular de direitos fundamentais como: direito à vida,
dignidade humana e autonomia, estaria colocando estes três princípios em colisão, gerando assim
uma colisão “real”. (Cf. STEINMETZ, 2001)
Quando em caso concreto houver choque de normas da mesma
hierarquia, sendo ambas válidas, a decisão normativa deverá obedecer ao
imperativo da “otimização” e “harmonização” dos direitos que elas conferem ao
titular, porém sendo observados os postulados da “unidade da Constituição e da
concordância pátria”. (Cf. STEINMETZ, 2001, p. 140)
Quando a Constituição Federal protege dois bens ou valores que
entraram em contradição no caso concreto haverá a colisão (de princípios) ou
conflito (de regras). (Cf. STEINMETZ, 2001)
No âmbito da atividade estatal surge a necessidade de saber quais
os critérios a serem empregados em caso de colisão de direitos fundamentais no
caso concreto.(Cf. ARAÚJO, 2002)
Segundo Farias (1996) sempre que a Constituição Federal der a
possibilidade da lei ordinária restringir direitos, a colisão de direitos fundamentais ficará ao
encargo do legislador, isto quando houver reserva de lei verificada na Constituição Federal
para um dos direitos em choque, pois assim poderá haver a compressão de um dos direitos
sujeito à reserva de lei.
Alexy (1993) diz que as normas jurídicas possuem características de
princípios e que aquelas outorgam os direitos fundamentais.
No caso de colisão de direitos fundamentais surge a necessidade de
“regras metodológicas” a fim de que o intérprete do direito possa receber auxilio
necessário na tarefa de eliminar tal problema (Cf. CANOTILHO, 1995)
O autor (1995) entende que ao aplicador do direito caberia
determinar o âmbito de proteção, ou seja, determinar quais as “situações de fato”
que estariam protegidas pela norma constitucional, assim podendo verificar se
ocorreu uma verdadeira colisão de direitos, ou se houve somente uma colisão
aparente37 .
Ainda na esteira de Canotilho (1995), no caso de uma autêntica colisão de direitos
fundamentais o aplicador do direito deverá utilizar o critério de ponderação dos bens jurídicos
colidentes a fim de resolver o conflito evitando maiores sacrifícios dos direitos em questão. Deve
ele guiar-se por alguns princípios fornecidos pela Constituição Federal: princípio da unidade da
37 Exemplificando um caso de colisão aparente: não há colisão entre a liberdade de expressão e a honra em caso de calúnia, difamação e
injúria, já que a liberdade de expressão não protege direito à difamação, nem calúnia e injúria. (Cf. FARIAS, 1996, p. 97)
Constituição
38,
39
princípio da concordância prática e o princípio da proporcionalidade cujos maiores
detalhes se darão no próximo item deste trabalho.
Diante da possibilidade de choque entre princípios Canotilho (1995)
disserta:
[...] o fato de a constituição constituir um sistema aberto de
princípios insinua já que podem existir fenômenos de tensão entre
os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios
constitucionais gerais e especiais (CANOTILHO, 1995, p. 190)
Devido às características de generalidade e vaguidade dos
princípios, pensar em colisão entre eles, no sentido de colisão direta, não torna a
tarefa fácil, principalmente pelo fato de que os intérpretes ou o legislador não
estarem autorizados a interpretarem seus conteúdos livremente, conforme
Canotilho (1995 p.192):
[...] os princípios não permitem opção livres aos órgãos ou
agentes concretizadores da constituição, permitem, sim,
projecções ou irradiações normativas com um certo grau de
discricionariedade, mas sempre limitadas pela juridicidade
objectiva dos princípios.
Steinmetz (2001, p. 63) afirma que os direitos fundamentais não são
absolutos e ilimitáveis por isso tendem a colidir:
[...] os direitos colidem porque não estão dados de uma vez por
todas; não se esgotam no plano da interpretação in abstrato. As
normas de direito fundamental se mostram abertas e móveis
quando de sua realização ou concretização na vida social. Daí a
ocorrência de colisões.
Onde há um catálogo de direitos
fundamentais constitucionalizados, há colisão in concreto.
Disserta Alexy (1999) citado por Steinmetz (2001, p. 66), sobre a
colisão dos direitos fundamentais e os difere em colisão de direitos fundamentais
em sentido estrito e em sentido amplo40. A colisão de direitos fundamentais em
sentido estrito ocorre quando o titular de um direito fundamental o exerce e em
38 Este princípio procura contemplar a Constituição como “um todo”, um sistema jurídico que tenta compatibilizar preceitos discrepantes. (Cf.
FARIAS, 1996, p. 98)
39 De acordo com este princípio os direitos fundamentais e valores constitucionais deverão estar em harmonia “no caso sub examine”, por
meio de ponderação a fim de preservar e realizar ao máximo os bens e direitos constitucionais protegidos. (Cf. FARIAS, 1996, p. 98)
40 Trata-se da colisão dos direitos individuais fundamentais e bens coletivos constitucionalmente protegidos. (Alexy citado por Steinmetz,
2001, p. 66). Também tratada como colisão vertical, ou seja, indivíduo/particular versus Estado/comunidade.
conseqüência deste exercício gera conseqüências negativas sobre o direito
fundamental de outro titular de direitos fundamentais. Essa colisão pode se
manifestar de forma a colidir direitos fundamentais idênticos ou diferentes.
A colisão de direitos fundamental torna-se de difícil solução já que
são direitos expressos por normas constitucionais com hierarquia e força
vinculativa idêntica conforme afirma Steinmetz (2001 p. 69):
Na colisão não se trata pura e simplesmente sacrificar um dos
direitos ou um dos bens em jogo. [...] a solução da colisão é
impensável com a mera subsunção a normas ou com a estrita
aplicação dos cânones clássicos de interpretação constitucional
[...]
Na colisão de direitos fundamentais e na procura da solução de
conflitos entre eles requer não somente a utilização de postulados específicos da
interpretação constitucional, como também requer a aplicação do princípio da
proporcionalidade..(Cf. STEINMETZ, 2001)
Quando houver uma colisão autêntica de direitos fundamentais o
intérprete do direito realizará entre os bens ou direitos uma ponderação, melhor
dizendo, fará o balanceamento desses valores envolvidos, assim através do
sacrifício mínimo dos direitos em jogo tentará resolver a colisão.
E para que seja feito este balanceamento dos direitos fundamentais41
(sem reserva de lei) envolvidos no caso concreto há a necessidade do uso do
princípio da proporcionalidade, já que os princípios atuam na dimensão do peso.
Diante da necessidade de saber mais sobre os critérios para a
solução de conflitos entre direitos fundamentais (princípios da mesma hierarquia),
no próximo item se faz considerações acerca do princípio da proporcionalidade,
sua origem, função e aplicação diante da colisão de princípios quando em caso
concreto, visto que o choque só poderá ocorrer entre princípios válidos e assim
verificado o método de ponderação oferecido pelo referido princípio.
41 Eliminação de colisões entre direitos fundamentais não sujeitos a reserva de lei, ou seja, direitos fundamentais que a Constituição
Federal de 1988 não fez previsão da possibilidade de intervenção legislativa, isto é, no caso de colisão destes direitos fundamentais a
solução se daria por conta dos tribunais e juízes.
3.4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - ESTRATÉGIA PARA SOLUÇÃO
DE CONFLITOS
3.4.1 Conceito, origem e finalidade
O
principio
da
proporcionalidade
serve
de
instrumento
de
ponderação (peso) dos direitos fundamentais, tendo como objetivo a manutenção
da dignidade humana, em casos de colisão de princípios válidos, em um caso
concreto, a qual encontra-se protegida pela Constituição Federativa do Brasil de
1988.
Este princípio também chamado de “princípio da proibição de
excesso”, teve sua elevação a princípio constitucional, pois, alguns autores
entendem que ele está diretamente ligado com os direitos fundamentais, enquanto
outros dizem ser ele derivado do “princípio do estado de direito”. (Cf.
CANOTILHO, 1995)
“Princípio ordenador do direito” (GUERRA FILHO, 2001, p. 64) é o
princípio da proporcionalidade reconhecido no § 2º do artigo 5º da Constituição
Federativa do Brasil de 1988, já citado anteriormente, e que para o autor
“corresponderia a um direito ou garantia fundamental”, já que se torna necessário
para o aperfeiçoamento do sistema de proteção da Constituição Federal,
assegurando assim a liberdade, a vida e a segurança da pessoa humana.
Para Camargo (2002) o princípio da proporcionalidade se origina42
no direito norte-americano cuja denominação é de “princípio da razoabilidade” e
tem como função proteger o indivíduo contra os atos arbitrários do poder estatal,
preservando os direitos fundamentais da pessoa. Porém, é com o direito alemão
que o princípio da proporcionalidade ganha maior importância e racionalidade. É
42 A origem do princípio da proporcionalidade torna-se uma tanto indefinida, pois existem diversas correntes quanto a sua origem entre os
autores. Alguns autores como Guerras Filho (2001) dizem que o principio da proporcionalidade tem sua origem no direito germânico, outros
entendem que ele se originou do direito norte-americano, ou já mesmo que veio da Grécia antiga, muitas vezes com conotações diversas
umas das outras e até utilizado como sinônimo da razoabilidade. Porém essas divergências não afetam em nada este trabalho, já que não se
pretende aqui fazer um estudo sobre sua origem, mas sim entender sua função e utilização, pelo interprete do direito quando da colisão de
direitos fundamentais num determinado caso em concreto.
dessa racionalidade que provêm os critérios de adequação e da necessidade os
quais atribui maior grau de certeza definindo a sua justa medida.
Neste entendimento:
O princípio da proporcionalidade dizia primitivamente respeito ao
problema da limitação do poder executivo, sendo considerado
como medida para as restrições administrativas da liberdade
individual. É com este sentido que a teoria do estado o considera,
já no séc. XVIII, como máxima superpositiva, e que lê foi
introduzido, no séc. XIX, no direito administrativo, como princípio
geral do direito de polícia.(CANOTILHO, 1995, p. 266)
Para Scholler (1999) citado por Teixeira (2005, p. 134), o princípio da
proporcionalidade vem se evoluindo na Alemanha desde o século XIX, onde se
desenvolveu das normas para conter o poder de polícia e impor limites ao Estado.
Tendo sua origem no Estado de Direito.
Por
sua
vez
Teixeira
(2005)
entende
que
o
princípio
da
proporcionalidade se deriva do princípio da dignidade humana, o qual está
consagrado pela Constituição Federativa do Brasil de 1988, princípio este de onde
se derivam todos os demais direitos e no qual a Constituição Federal se assenta.
Neste entendimento Ávila (1999) diz que no Brasil, o princípio da
proporcionalidade surgiu conforme a estrutura dos direitos e garantias individuais
se apresentou dentro da Constituição Federativa do Brasil de 1988, como segue:
[...] a instituição simultânea de direitos e garantias individuais e de
finalidades públicas e normas de competência, como faz a
Constituição de 1988, implica o dever de ponderação, cuja
medida só é obtida mediante a obediência à proporcionalidade.
(ÁVILA, 1999, p. 151-179)
Confirme-se que a maioria dos doutrinadores pátrios reconhece que
foi a partir do advento da Constituição Federativa do Brasil de 1988,
especialmente na cláusula do devido processo legal, localizada no artigo 5°, Inciso
LIV,
que
o
Supremo
Tribunal
Federal
identificou
o
principio
da
proporcionalidade.(Cf. BARROS, 2000)
Entretanto, alguns doutrinadores brasileiros ainda concebem o
princípio da proporcionalidade como procedente do Estado Democrático de
Direito, ou como uma derivação da constitucionalização dos direitos fundamentais
e seus mecanismos de proteção, devido as mudanças trazidas pela Constituição
Federativa do Brasil de 1988 ao eleger a dignidade humana como princípio
fundamental do Estado nacional em seu artigo 1°. (Cf. BARROS, 2000)
Deve-se também ao aumento do rol dos direitos fundamentais e
outorga de eficácia imediata conforme o parágrafo 1° do artigo 5° , e no parágrafo
2° do mesmo artigo assegurou a expectativa de expansão do rol desses direitos,
garantindo-lhes eternidade e proteção no artigo 60°, parágrafo 4°, inciso IV e
artigo 5°, inciso II, como também ampliou o princípio da proteção judiciária (artigo
5°, inciso XXXV). (Cf. BARROS, 2000)
[...] a comprovação da existência do princípio da
proporcionalidade pode-se dar de várias formas, sem que um
argumento invalide o outro. Nesse ponto pretende-se apenas
afirmar que a concretização dos direitos fundamentais está atada
ao princípio da proporcionalidade, em razão do caráter
principiológico das normas que os contemplam. (BARROS, 2000,
p. 156)
No mesmo entendimento Guerra Filho (2001, p. 62) diz que para o
Estado Democrático de Direito possa funcionar perfeitamente é necessário o
reconhecimento e o uso do princípio da proporcionalidade, ou como é chamado na
Alemanha “mandamento da proibição de excesso”.
O autor (2001, p. 63) esclarece que não há uma previsão expressa
na
Constituição
Federativa
do
Brasil
de
1988
sobre
o
princípio
da
proporcionalidade, no entanto, implicitamente traz em seu texto no artigo 5º, §§ 1º
e 2º 43 enunciado que demonstra “a essência e destinação” do princípio em tela,
pois este possui a mesma essência da Constituição e sua função não é diferente,
já que ambos pretendem “desempenhar o papel que lhe está reservado na ordem
jurídica de um Estado de Direito Democrático”.
Nobre Júnior (2000) citado por Teixeira (2005) diz que o princípio da
proporcionalidade repudia as práticas dos poderes públicos e dos indivíduos que
expõem a pessoa humana em posição desigual perante seus semelhantes. Faz
43 §§1º e 2º do artigo 5º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata; Os Direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 2003, 382 p.
repudia também às atitudes que possam fazer com que o ser humano se sinta
como objeto ao invés de tratá-lo como pessoa que é, ou que este seja privado de
alguma forma das necessidades à manutenção de sua vida.
A teoria constitucional moderna categoriza os princípios como
espécies de normas que possuem coercitividade oferecendo força
e importância ao seu conteúdo, assim, nesse sentido destaca-se
o princípio da proporcionalidade. (CAMARGO, 2002, p. 384)
O princípio da proporcionalidade abarca duas funções distintas,
quais sejam, salvaguardar os direitos fundamentais contra a limitação que o
Estado impõem a esses direitos. E também funciona como critério para a solução
de conflitos de direitos fundamentais, agindo através de juízos comparativos de
ponderação e balanceamento dos interesses envolvidos no caso concreto. (Cf.
ROLIM, 2002)
O referido princípio possui a relevante função de atuar como critério
para a solução de conflitos de direitos fundamentais, utilizando juízos
comparativos de ponderação (peso) dos interesses envolvidos em caso concreto,
como se verifica no próximo item.
3.4.2 O princípio da proporcionalidade na solução de colisões de direitos
Sob a forma de princípios encontram-se consagrados na Constituição Federativa do
Brasil de 1988 os direitos fundamentais. Os princípios não prevêem hipóteses de realização
determinadas, são comandos de otimização, pois permitem relativização, ou seja, não são absolutos
e por traduzirem valores e não hipóteses concretas, eles habitualmente colidem.(Cf. CAMARGO,
2002)
A “relativização da incidência dos princípios em colisão” faz com que um
prevaleça sobre o outro conforme a necessidade do caso concreto, exigindo assim o suporte do
princípio da proporcionalidade, que é reconhecido como um “metaprincípio”, pois serve para
orientar a aplicação de outros princípios, permitindo assim a convivência divergente destes. (Cf.
CAMARGO, 2002, p. 384)
O princípio da proporcionalidade visa, praticamente, garantir a justa
medida de aplicação dos direitos ou princípios que venham a incidir
sobre o mesmo caso concreto. Fundamentalmente, um princípio de
igualdade, com o qual consideramos as diferentes proporções (ou peso)
dos valores que orientam a decisão a ser tomada.
Nesse entendimento Bonavides (2001, p. 237)
Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no
princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de
interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos
fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o princípio
é indubitavelmente apropriado.
Dentro da Constituição Federal o princípio da proporcionalidade se
destaca e possui como função primeira a hierarquização dos princípios que forem
utilizados e que estejam em conflito no caso concreto. (Cf. GUERRA FILHO, 2002)
O princípio da proporcionalidade vem sendo adotado nas mais
recentes decisões dos tribunais brasileiros, e diferentemente do que ocorria, agora
possui alguns critérios para sua utilização, ou seja, são destacados os critérios da
adequação e da necessidade. Sendo a adequação utilizada para conferir o ajuste
legal dos meios utilizados, e o critério da necessidade verifica os limites da
proibição do excesso. (Cf. CAMARGO, 2002)
Alexy (1999) citado por Camargo (2002, p. 387), fala de uma
“ponderação estrito senso” cujo argumento é maior, e a maior instância de
controle da decisão a ser tomada seria o diálogo apresentado, ou seja, os
fundamentos justificadores de uma intervenção deverão ser maiores quanto mais
intensa for a intervenção em específico direito fundamental.
No caso de um pedido de prática da eutanásia onde entram em
choque os direitos fundamentais: direito à vida versus dignidade humana versus
autonomia, e liberdade prevalecerão os direitos que melhor e maior argumento
tiverem, levando em consideração a manutenção daqueles direitos individuais. A
intervenção deverá se justificar pelo direito fundamental de maior “peso” e
“importância” para o indivíduo no caso em concreto44, pois estarão ali postos em
44 Como exemplo de caso de eutanásia cujo peso ou importância dos valores (direitos fundamentais) que prevaleceriam sobre outros
direitos, o espanhol Ramón Sampedro que diante de seu pedido para a Corte colocou em colisão a dignidade humana, a autonomia e a
liberdade versus o direito à vida tutelado pelo Estado. Para Sampedro não havia mais dignidade em sua vida segundo seus conceitos e
valores, e conseqüentemente como dono e administrador de sua própria vida tinha ele o direito de dar fim, pois estava consciente de seu
estado e não mais queria viver daquela forma após anos de sofrimentos.
jogo os seus valores individuais garantidos pelos princípios constitucionais, em
face do Estado que buscará proteger o direito à vida cuja tutela lhe é conferida
pela Constituição Federativa do Brasil de 1988.
A colisão entre princípios constitucionais não é solucionada pela
invalidação de um deles, nem, pela introdução de uma cláusula de exceção (como
seria no caso das regras) em um dos princípios. Alexy (1993, p. 92) entende que
se tomado às circunstâncias do caso (em concreto) se estabelece entre os
princípios uma relação de precedência condicionada, ou seja, determinam-se às
condições sob as quais um princípio constitucional precede ao outro. Caso haja
modificação nas condições, a questão da precedência pode ser resolvida de
maneira inversa, sem invalidar qualquer princípio.
Será nesses fundamentos justificadores da prevalência de um
determinado princípio em favor de outro princípio o qual venha a colidir com ele,
que se encontra o ponto crucial do postulado do princípio da proporcionalidade.
Os argumentos para a prevalência de um direito sobre o outro deverão levar em
consideração os valores, a liberdade, autonomia e a dignidade do paciente, já que
esta é subjetiva se considerada particularmente, como também seu desejo e
capacidade de decisão embasados na consciência de seu estado físico e
psicológico.
Como no exemplo da sentença colombiana45 no caso de pedido de
eutanásia por parte do paciente, tal solicitação deve levar em consideração o
respeito à vontade do paciente, a autonomia individual e a manutenção de sua
dignidade.
Não bastasse a valoração dos princípios constitucionais individuais
face aos coletivos, ainda deve reconhecer que a o direito à vida não é absoluto,
não deixando assim de se verificar a “sacralidade“ da vida, mas sim que a vida
não é “intocável”, pois diante da colisão de princípios fundamentais, o que deve
prevalecer são aqueles princípios cujos argumentos estão baseados na dignidade
humana e na solidariedade.
45 Argumento extraído do texto: DINIZ, Débora. A despenalização da eutanásia passiva: o caso colombiano. SérieAnis, 2000.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No leito de um hospital encontra-se o indivíduo ligado a aparelhos
que auxiliam sua respiração e através de uma sonda é alimentado. Ele está ali
inerte, impotente, fechado em sua dor e mantido vivo mecanicamente, tem
abrandando seu sofrimento com medicamentos sem os quais sofreria dores
dilacerantes, porém ainda lúcido e ciente de seu estado. Para ele, seus dias e
noites são longos e sem prazer, sem beleza, sem futuro, sem dignidade. Sabe que
não há mais volta, sofre em seu físico e em seu psicológico, pois não quer
continuar daquela maneira, decidiu por ter uma morte digna já que a vida não lhe
é mais possível.
Ele quer acabar com o sofrimento que lhe foi impingido pela doença
já em fase terminal. Pede a seu médico que desligue os aparelhos, que lhe
remova a sonda de alimentação, pois sabe que como ser humano que é possui
direitos e que a Constituição Federal lhe garante a autonomia e liberdade de
escolha, direitos que se derivam do princípio da dignidade humana, princípio maior
garantido pelo texto constitucional pátrio, porém, está impedido. Mas, haveria um
fundamento jurídico para impedir a prática da eutanásia?
O Estado que possuiu a tutela do direito à vida entende que a
pessoa não pode dar fim a ela no momento em que achar que esta já não está
mais de acordo com seus valores e necessidades individuais, quando não é mais
digna de ser vivida, quando já não é mais “vivida”, pois está sendo mantida por
meios artificiais e encontra-se desprovida de escolhas, vontades, manifestações
individuais.
Debater questões sobre eutanásia é difícil de uma maneira em geral,
defendê-las torna-se quase que uma afronta ao direito à vida para o entendimento
de muitas pessoas. Entretanto, aqui não se defendeu a prática da eutanásia pura
e simples, defendeu-se o direito do pedido da eutanásia passiva voluntária, ou
seja, o pedido de um paciente que se encontra em fase terminal, porém
consciente e informado de sua situação.
Trata-se de tema complexo e que carrega sentimentos diversos
influenciados por questões éticas, médicas, religiosas, culturais e também
jurídicas. Questões estas que influenciam na opinião dos médicos, do dever ou
não de manter um paciente terminal ligado a uma máquina mesmo sabendo que já
não tem mais possibilidade de cura, ou quanto às questões sobre a santidade da
vida, permitindo assim que o homem possa tirar aquilo que não lhe pertence
segundo a maioria das religiões, pois acreditam que a vida pertence somente a
Deus e só ele pode tirá-la, também levam às questões jurídicas cíveis e penais,
como nos problemas de transplantes com tráfico de órgãos, ou às questões de
herança, partilha etc, tudo isto influencia de uma certa forma o debate sobre a
eutanásia.
Em alguns países a prática da eutanásia já se encontra legalizada ou
despenalizada, paises como Holanda, Bélgica, Colômbia e Uruguai já permitem
este modelo de eutanásia.
No Brasil, a partir de uma interpretação sistemática da norma é
possível encontrar, na Constituição Federativa de 1988, um suporte para o pedido
de eutanásia passiva voluntária tendo como pressuposto para este pedido a
manutenção da dignidade da pessoa humana em face da autoridade do Estado
que possui a tutela do direito à vida. Isto porque, para a concretização da
dignidade humana, implica na garantia da liberdade de escolha, inclusive sobre
dispor da própria vida, quando um indivíduo, capaz e esclarecido de sua condição,
que se encontre acometido de uma doença terminal ou incurável queiram pedir a
prática da eutanásia encontra fundamento para este pedido nos direitos
fundamentais individuais consagrados na Constituição Federativa do Brasil de
1988, diante da visão constitucional moderna, possibilitando juridicamente esse
pedido.
Mas como compreender a existência de tal garantia? a questão é
que os direitos fundamentais, liberdade, autonomia, dignidade humana e o direito
à vida, que diante de um caso concreto de pedido de prática da eutanásia entrarão
em choque, pois os princípios possuem a mesma hierarquia, havendo
necessidade de se fazer à ponderação desses direitos e para isso se utilizará o
princípio da proporcionalidade que levará em conta o peso, valor dos direitos que
se encontram em choque.
Os direitos individuais decorrem do princípio da dignidade humana
cujos preceitos encontram-se nos valores morais das sociedades e valores esses
que se expressam através da autonomia individual, a liberdade e outros direitos
individuais.
A vida apesar de ser considerada sagrada não deixa de ser
inviolável quando necessário se fizer o reconhecimento da dignidade da pessoa
cujos valores estão em conflito com o Estado.
No direito constitucional moderno chamado por muitos doutrinadores
de pós-positivismo, os princípios ou direitos fundamentais ganharam maior
destaque no sistema jurídico, assim possibilitando serem acionados quando
necessários na defesa do indivíduo.
A visão constitucional moderna oportuniza um pedido de eutanásia
obrigando o Estado a uma prestação positiva em face do indivíduo, conferindo a
este direito negado anteriormente pela legislação.
Com a consagração da Constituição Federativa do Brasil de 1988 os
direitos fundamentais individuais decorrentes da dignidade da pessoa humana
possibilitaram a verificação de que o direito à vida não é absoluto e que diante de
um choque com outros princípios como a autonomia ou liberdade haverá de ter
uma justa medida para a solução desta colisão, e assim o princípio da
proporcionalidade deverá ser utilizado para que o indivíduo tenha o menor prejuízo
possível de seus direitos envolvidos.
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