1 ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: APROXIMANDO AGENDAS E AGENTES 23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP) 2 PARTICIPAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA A JUVENTUDE: O MODELO DE “JOVEM” DIFUNDIDO PELAS CONFERÊNCIAS DE JUVENTUDE1 Paulo S. C. Neves2 Marcelo Ferreri3 No Brasil contemporâneo, a ação estatal tem sido marcada por duas tendências hegemônicas e complementares, quais sejam: o uso da participação social como critério de legitimidade das políticas públicas e o reconhecimento das identidades de certos grupos sociais considerados como minorias, conferindo-lhes visibilidade pública. Se a primeira dessas tendências tem favorecido a criação e a difusão de mecanismos institucionais que favorecem a participação da população na elaboração e no acompanhamento das políticas públicas (o que nem sempre acontece, é verdade), a segunda tem consolidado (quando não criado) a visibilidade social de certos grupos que aparecem como sujeitos de direitos a partir da redemocratização do país nos anos 1980. Nesse texto, buscaremos explorar as intersecções entre estas duas tendências através da análise das “conferências sobre juventude” no estado de Sergipe nos anos de 2009 e 2011. Com efeito, essas conferências fazem parte de um amplo arsenal participativo que o Estado brasileiro, em suas diversas instâncias, tem posto em funcionamento especialmente após os anos 1990 (orçamento participativo, conselhos de políticas públicas, audiências públicas sobre questões socialmente relevantes, conferências sobre políticas públicas, policiamento comunitário, etc.) com vistas a tornar o Estado mais poroso às demandas da sociedade civil, embora em geral essas demandas sejam sobretudo aquelas dos grupos organizados da sociedade civil. Além disso, essas conferências são o palco de embates pela ressemantização do conceito hegemônico sobre juventude, o qual influencia não apenas o 1 Este texto é fruto de várias pesquisas que os autores tem realizado, individualmente ou em conjunto, sobre a temática da participação social, no caso do primeiro, e das políticas voltadas para jovens no caso do segundo. 2 Prof. do Departamento e do Núcleo de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe. 3 Prof. do Departamento de Psicologia e do Núcleo de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade Federal de Sergipe. 3 alcance e as características das políticas de juventude, como também o modo como os “jovens” compreendem-se a si mesmos. Desse modo, nessa proposta de trabalho, analisaremos os discursos oficiais predominantes na Política Nacional da Juventude (PNJ), com enfoque nas conferências de juventude, buscando apreender a formulação do conceito de “jovem” mobilizado, caracterizado nas formas do protagonismo e do empreendedorismo juvenil. Entendemos esse percurso como favorável a uma apreciação da participação social tal como ela se processa na democracia brasileira. Para isso, faremos, em um primeiro momento, uma breve discussão sobre democracia participativa e participação social no Brasil e, em particular, em Sergipe, para, em um segundo momento, observar a relação entre juventude e participação social, e traçarmos algumas das características das conferências da juventude e as questões que ela, a nosso ver, mobiliza. Participação social e conflitos na ordem democrática Durante o processo de liberalização da vida política do país, a partir do final da década de 1970, criou-se a expectativa de que com o retorno à democracia, os graves problemas de desigualdade e exclusão sociais seriam paulatinamente resolvidos. Imaginava-se que isso se daria graças, sobretudo, à organização das classes populares em movimentos sociais, os quais, pela participação na vida pública, levariam o Estado a dar prioridade ao combate às desigualdades e injustiças sociais. Com efeito, de um certo modo, o processo de redemocratização no Brasil nas últimas décadas do século XX se realizou na base de uma crescente organização da sociedade civil. Os movimentos sociais e as amplas mobilizações populares neste período deram visibilidade a atores sociais que, por conta da repressão dos militares, tinham pouca expressão política anteriormente. A intensa atividade do movimento sindical e dos movimentos de bairros, a organização de um movimento popular no campo e as demandas dos movimentos de cunho identitários (movimentos negro, feminista, indigenista, etc.) são uma demonstração clara da força das demandas democratizantes neste período (Sader, 1988). 4 Tudo isso vai desembocar nas conquistas sociais incorporadas à Constituição de 1988, a qual será por isso cognominada por alguns de “constituição cidadã”. Essa denominação era mais que uma frase de efeito ou um jogo de palavras vazias, tão comuns na política brasileira; ela expressava, na verdade, a expectativa de setores da sociedade em relação a algumas leis aprovadas que visavam ampliar os espaços de participação dos cidadãos nas tomadas de decisões estatais. Os conselhos comunitários criados então foram os mecanismos institucionais vistos como os mais promissores nesta direção. Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas, os Conselhos Tutelares da Infância e da Adolescência, os Conselhos Comunitários de Segurança Pública, os Conselhos de Defesa dos Direitos dos Cidadãos, etc. são exemplos das expectativas criadas por esta lógica. Pretendia-se com isso criar espaços públicos4 que propiciassem o desenvolvimento da cidadania (compreendida como participação política e como usufruto de direitos) da população brasileira como um todo, mudando assim a cultura política tradicional, associada ao clientelismo, personalismo, corrupção, etc. Contudo, os anos 90 do século XX viriam mostrar as dificuldades para se alcançar estes objetivos. Não somente porque muitos dos Conselhos previstos não foram implementados (quer seja por falta de mobilização da sociedade civil, quer seja por resistências de setores do aparato estatal), mas também porque muitos dos que entraram em funcionamento foram esvaziados por forças políticas tradicionais. Talvez seja essa a explicação para a redinamização nos últimos anos do expediente das conferências de políticas públicas por órgãos governamentais. De todo modo, o debate sobre a democracia no século XX fornece um caminho privilegiado para tratar da relação entre as conferências de políticas públicas, a participação social e o próprio regime democrático: o problema do procedimentalismo e sua reformulação pelo questionamento da experiência política na convivência entre diferentes grupos. Esta via de discussão é interessante por indagar acerca do lugar do método no campo da política, problema central do procedimentalismo. Desse modo, se pode perguntar, por exemplo, em que medida realizar conferências significa efetivar uma democracia participativa. 4 Para uma discussão sobre a noção de espaço público, ver Habermas (1984 e 1990); Arendt (1983) e Sennet (1998). 5 Nos debates sobre a teoria democrática do início do século passado, responder à legitimidade desse regime através da proposição de arquiteturas procedimentais parecia oferecer solução para sérias críticas dirigidas ao ideal de sociedade democrática do Ocidente. Na visão de Avritzer & Santos (2003), dois pontos de vista marcavam o cerne da crítica ao modelo democrático ocidental daquele período: o liberal-democrata e o da concepção marxista. Sobre o primeiro, a crítica se manifestava, na verdade, como posicionamento contrário ao papel da mobilização social e da ação coletiva na democracia, surgindo assim a defesa do modelo elitista-representativo que terminou supervalorizado nos países europeus no período do pós-guerras. Já o ponto de vista marxista sustentava que o núcleo da soberania deveria repousar na autodeterminação das relações no mundo do trabalho, concebendo a idéia de cidadãos como indivíduos-produtores. Assim a democracia deixaria de funcionar como regime a serviço das classes dominantes, severa crítica que o pensamento de Marx fez emergir contra o ideário democrático desde o século XIX. O confronto entre essas concepções abriu margem para que o problema da relação entre procedimento e forma saltasse para o primeiro plano do debate. Conceber a democracia como forma e não substância, conforme Avritzer & Santos (2003), respondia diretamente à visão marxista, pois se tratava de mostrar que ela não correspondia a um conjunto de valores apenas e a um único modo de organização política, no caso em questão o liberal burguês. Segundo os autores, Hans Kelsen (1881-1973) foi quem formulou claramente essa crítica pela perspectiva procedimentalista. Na visão de Kelsen a legalidade deveria assegurar a legitimidade dos diversos valores encontrados na organização social. Isso faria com que não somente a moral fosse relativa, não mais constituída de valores de uma só classe, mas que fosse também legitimada por métodos ordenadores do sistema democrático. Os procedimentos, portanto, deveriam garantir que cada convicção encontrasse sua forma de exprimir-se, abrindo- se à livre concorrência, ao discurso e à réplica na assembléia, sendo isso o que caracterizaria a democracia (AVRITZER & SANTOS, 2003:44). Esse procedimentalismo, contudo, não afastava o risco da elitização do modelo democrático. Ao contrário, o debate dos métodos servia para mostrar a impossibilidade de um governo pelo povo. Por um lado, a inquietação com as regras do arranjo institucional escamoteava a sustentação da idéia de ignorância das massas, ponto de vista que aparecia, 6 segundo Avritzer & Santos (2003), no pensamento de Joseph Schumpeter (1883-1950); por outro, reforçava a concepção do governo representativo já que os procedimentos deveriam cooperar para a formação de maiorias. Nesse segundo ponto de vista, por sua vez, se destaca a valorização do voto igualitário e a ausência de distinções de classe social, religião, etnia, preocupações que marcavam o pensamento de Norberto Bobbio (19092004), por exemplo. A participação social não aparecia nesse momento do debate, a valorização dos métodos tendia a consolidar o modelo democrático representativo pela formação de maiorias, levando ao centro das preocupações o processo eleitoral e o modo de funcionamento dos partidos políticos. O procedimentalismo consistia, portanto, na primazia das regras de tomada de decisão sobre a valorização da ação coletiva na democracia, preocupação de método que, nessa concepção, seria suficiente para sustentar a forma de constituição dos governos. Essas regras passaram, pouco a pouco, a serem identificadas às regras do processo eleitoral na segunda metade do século XX. A democracia representativa aparecia como modelo de distribuição da opinião dos grupos sociais, distribuição na qual prevaleceria a opinião dos grupos organizados em maiorias partidárias. Como se sabe, essa visão do procedimentalismo reduzia a teoria democrática à eleição das elites sem apresentar justificativas para isso, e não justificava também a exclusão da participação no arranjo político (AVRITZER & SANTOS, 2003:46). Essa visão se manifesta ainda na obra de Robert Dahl (1997), o qual concebia a democracia como uma poliarquia. Contudo, a centralidade no processo eleitoral levava a outros problemas que o procedimentalismo não respondia: o do processo eleitoral como legítima autorização dos eleitos pelos cidadãos e o da representação das diferenças na composição de maiorias. No primeiro problema, o descarte das práticas participativas em favor da representação partidária; no segundo, o problema das minorias que se viam excluídas do processo político pelo próprio sistema democrático. Ora foram justamente esse dois aspectos que contribuíram para alterações sensíveis em alguns arranjos democráticos postos em curso nas últimas décadas do século XX. As minorias e a busca de manifestação de suas exigências foram fundamentais para que ocorressem modificações no âmbito do pensamento democrático. O aparecimento de 7 novas exigências coletivas, que via de regra tomavam a forma de pautas de direitos humanos, pressupunham uma nova sensibilidade social que estaria ligada a exigências diferenciadas. Essas reivindicações das minorias, na visão de Lefort (1983), não esperariam por uma solução global dos conflitos, ou seja, pela tomada do Estado como no ideal revolucionário, mas pretendiam a afirmação de um “poder social”, que valorizaria direitos e que combinaria, ao redor do poder instituído, uma variedade de novos elementos articuladores de reivindicações dispersas. É importante, então, perceber do que seriam capazes essas reivindicações sociais dispersas. Elas conseguiam, na visão de Lefort, concessões notáveis a partir do momento em que forçava o Estado a dar atenção mais detalhada à vida social dos grupos humanos, multiplicando os sentidos da democracia e dos valores de dignidade. Assim, a capacidade política dos direitos humanos residiria em sua disposição para exercer pressão sobre o Estado em favor de suas exigências na vida social (LEFORT, 1983:60-69). Para o autor, o outro nome da política dos direitos humanos foi, então, a política democrática. O que se encontra em questão é a capacidade da democracia em produzir algum tipo de aperfeiçoamento da convivência humana, tendo em vista a possibilidade (ou não) de abertura de espaço para tratamento das exigências das minorias. Conforme apontam Avritzer & Santos, o problema das minorias não abolia o procedimentalismo, mas o articulava ao da forma de vida no modelo democrático. A democracia passa a ser o que os autores designam como “gramática de organização da sociedade e da relação entre Estado e sociedade” (AVRITZER & SANTOS, 2003:50-51). A democracia estrutura, assim, o próprio sentido da experiência política, codificando-a com seus respectivos mecanismos. Quanto às minorias, o que se torna central é o reconhecimento da pluralidade humana e esse reconhecimento pressionaria, por sua vez, pela inovação institucional, cujo ato contínuo seria a busca de um novo desenho democrático. Tratar da relação entre Estado e sociedade, conforme alerta Santos (2010), sob bases conceituais ultrapassadas significa um risco por concebê-la como um dualismo que não encontraria mais correspondentes nas inovações do fim do século XX. Nesse sentido, dentre as inovações fundamentais para a ruptura com modelos hegemônicos da democracia ocidental se encontraria a participação social, reconfiguração fundamental dos termos da relação Estado / Sociedade. 8 A reconfiguração das relações na democracia que a participação social implica supõe um reordenamento do próprio procedimentalismo. Este último deve passar, segundo Avritzer & Santos, de método de formação dos governos para uma prática social cuja origem repousa na pluralidade das formas de vida da organização social. Portanto, conforme os autores, o procedimentalismo supõe uma “forma de exercício coletivo do poder político” (2003:53), e se conecta com a participação social ao associar processo de livre argumentação com a pluralidade e as diferentes experiências encontradas na vida em sociedade. As exigências das minorias, manifestadas pelos movimentos sociais das décadas finais do século passado, foram fundamentais para estabelecer a relação entre participação social e procedimentalismo. A ação desses movimentos, por exemplo, nos processos de democratização da América do Sul, sedimentaram a participação social como um novo modelo para a democracia. Isso conduziu a uma experimentação de procedimentos inovadores na esfera do Estado que impingiu um patamar inédito de relação com a sociedade, como no caso do controle social na nova diretriz constitucional brasileira. O controle social, conforme aponta Souza (2004), seria uma inovação a ser considerada desde que reformulasse o arranjo tradicional concebido como controle do Estado pela sociedade, através de mecanismos de participação social pela eficácia da ação dos movimentos sociais. A participação implementa uma ultrapassagem do processo eleitoral e do modelo representativo como marcas do regime democrático, estabelecendo uma nova “cultura política democrática” (SOUZA, 2004:192). A democracia participativa pode redefinir a correlação de forças no interior do governo, criando uma outra cidadania que se faria presente nas instâncias de decisão e elaboração de políticas. Não é sem razão, portanto, que Gohn (2009) identifica na democracia participativa o lugar ambíguo que hoje ocupam os movimentos sociais, pois estes se encontram entre os papeis de exercer pressão contra o Estado, ao passo que exercitam um ativismo propositivo próprio das regras institucionalizadas da participação social. É nessa direção que os mecanismos de controle social, os conselhos de políticas públicas e as conferências, apareceriam como métodos de participação que assegurariam a livre expressão das necessidades plurais que esses movimentos enunciam desde o conjunto da sociedade. 9 Entretanto, com todas as inovações procedimentais que a participação social possa provocar, restam ainda os problemas da resistência ao novo modelo e da vulnerabilidade das ações participativas. Sobre o primeiro, Souza (2004) chama a atenção para a pouca credibilidade e autonomia dos mecanismos de controle social, especialmente os conselhos de políticas sociais, para exercer suas funções deliberativas e fiscalizadoras. Segundo a autora, são inúmeros obstáculos que se põem contra a consolidação desses conselhos, mas cabe dar destaque ao problema de alguns setores da política que viram seu poder diminuído e, por essa razão, não reconhecem esses mecanismos participativos como forças legítimas do processo democrático, como o caso de algumas instâncias do Poder Executivo (autoridades municipais, por exemplo). Já em relação à vulnerabilidade, o que se impõe são dificuldades ocorridas mesmo diante da consecução das ações participativas, situação diferente da anterior na qual a participação encontra obstáculos para se efetivar. Avritzer & Santos (2003) elencam alguns casos de processos participativos que, em meio à sua efetivação, não lograram em mudanças mais contundentes no ambiente político. Nesse sentido, os autores destacam que a participação social reivindica um aprofundamento da democracia, um reordenamento que vem desde o ativismo social, pois: “mesmo em situações nas quais existe o aumento da participação, esse aumento, para se tornar emancipatório, necessita se adequar à tentativa de recriação das formas do político” (AVRITZER & SANTOS, 2003:63). Esses questionamentos nos ajudam a entender algumas características das políticas ditas participativas no Estado de Sergipe. Com efeito, algumas pesquisas recentes têm mostrado as dificuldades de funcionamento das instituições participativas nesse Estado. Quer seja com relação ao orçamento participativo (Santos, 2007), aos conselhos de políticas públicas (Neves, 2012), ao policiamento comunitário (Neves, 2007; Passos, 2011), etc há um certo consenso de que a participação ali tem tido um uso meramente instrumental, de legitimação das políticas decididas em outras esferas não participativas. Algo que, como veremos, tem repercussões também nas conferências de juventude. 10 Conferências como mecanismo de participação O papel das conferências no controle social consiste em produzir pautas que ordenem as ações do poder público na atenção às demandas da sociedade. As conferências são, na verdade, uma espécie de espaço público no qual os atores sociais expressam suas necessidades e respectivamente formulam soluções para elas. As soluções, por sua vez, são levadas ao Poder Executivo que as tomaria como base para suas ações. Esses eventos convocam seus participantes para uma vivência coletiva de manifestação e decisão sobre o manifestado, na medida em que, ao longo de sua execução, os conferencistas apresentam argumentos e selecionam seus argumentos para o que será a pauta escolhida. Trata-se, sobretudo, da definição de prioridades a partir de processos eletivos. Como método de operacionalização, as conferências constituem câmaras de votação, grupos de discussão, distribuição de funções (comissões, mesa-diretora, coordenadores de grupo, relatores, etc.) e produzem uma série de documentos. Suas câmaras de votação são organizadas segundo a definição dos votantes, chamados delegados, dirigentes de sessão (a mesa-diretora), convidados e observadores, esses dois últimos em geral participantes sem direito a voto, que tratam dos processos eletivos de pautas e representações dos participantes. Os grupos de discussão, também chamados de grupos de trabalho ou grupos temáticos, realizam uma discussão preliminar das pautas levadas à conferência. Produzem uma primeira etapa de seleção de propostas produzidas e levam à plenária final o resultado de suas decisões. São grupos coordenados e suas decisões registradas por relatoria. Os impasses vividos nesse primeiro momento de seleção de propostas são levados, geralmente, à plenária para que haja alguma arbitragem. O conjunto de documentos que se produz nas conferências confere registro a todos os passos em sua realização. Envolve desde resoluções de convocação, portarias de nomeação de comissões, até material de orientação de discussões, relatórios com resultados de discussões, atas de sessões, listas de presenças, despachos, textos para embasamento dos debates, regimentos, leis e outros documentos que regulam a legalidade dos seus temas. Como ocorrem em diferentes esferas do Estado, começando pelo nível local / municipal, passando pela esfera estadual até chegar à instância nacional, a elaboração e mesmo a 11 circulação desses documentos termina por ser uma parte constitutiva do evento pouco visível ao público, ficando geralmente ao encargo dos órgãos governamentais ou dos conselhos de política pública envolvidos. Contudo, todo esse conjunto procedimental delineado até aqui consiste em um esboço superficial sobre como se executam as conferências. É fundamental o conhecimento empírico desse mecanismo para que se possam tecer considerações sobre a experiência de participação democrática que esse arranjo supostamente produz. O Brasil realiza conferências de políticas sociais desde antes da Constituição Federal de 1988. Algumas delas marcam a história de conquistas políticas de alguns dos setores de políticas públicas, como o caso da 8ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1986. Essa conferência foi mobilizada por movimentos sociais do setor como o da reforma sanitária, que manifestava na época franca oposição ao regime militar. Foi um evento aberto à participação da sociedade - fato inédito nas conferências de saúde e desafiador naquela conjuntura repressiva - que decidiu pela criação de um sistema de saúde pública que garantisse o acesso a toda a população (o serviço público de saúde era voltado apenas aos trabalhadores), integrasse os serviços no campo da saúde, pretendendo alterar a dispersão e fragmentação da prestação de serviços (unidades no campo da saúde, na previdência, no setor privado), e que atendesse de forma integral às necessidades em saúde do conjunto da sociedade. Não é raro na literatura da política de saúde encontrar alguma celebração daquela conferência como marco político para os êxitos obtidos desde então. Outra conferência que possui história no campo das políticas sociais é a dos direitos da criança e do adolescente, cuja primeira foi realizada no ano de 1995. Essas conferências, além de se reivindicarem como instrumento primordial de concentração de força política para a implementação da legislação vigente, no caso o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal 8069 – promulgado em 1990, celebra o fato de contar com a presença de presidentes da República em duas de suas edições (em 2007 e 2012), presenças que contemplariam o valor político dispensado aos mecanismo participativos nos últimos anos. Essas breves menções às conferências devem ser vistas, entretanto, como pequenos indícios de problemas que perpassam sua execução, ao passo que apontam tanto para a inclinação participativa que eles buscam imprimir no modelo democrático brasileiro, quanto para a capacidade de produção de resultados que eles mobilizam. 12 É nesse sentido que o problema do aprofundamento da experiência democrática ganha forma no que tange às conferências. É necessário que se conheça não somente seus mecanismos de funcionamento, bem como as concepções acerca dos atores e das demandas deles que as conferências operacionalizam para dimensionar o que esse procedimento produz enquanto experiência política, enquanto método para o controle social, enquanto reconfiguração da relação entre Estado e sociedade. Juventude e as conferências de juventude O que tem a juventude a oferecer a sociedade moderna? Em pleno curso da Segunda Guerra Mundial, Karl Mannheim analisou grandes problemas políticos postos por aquele conflito, tomando a juventude como via de análise do quadro político europeu a partir da questão assim formulada. Se o conflito era indicativo da necessidade de amplas transformações políticas nos países em guerra, os jovens favoreciam a análise porque estão em posição exterior ao centro de decisões políticas e econômicas nas sociedades humanas, estão na iminência de entrar na ordem social mas ainda se situam perifericamente. Por esta condição social, permitem observar as sociedades como estáticas ou dinâmicas, conforme sua participação nos processos decisórios. Uma sociedade seria estática na medida em que mantivesse os jovens apartados das decisões (MANNHEIM, 1980). Embora saudado como pioneiro no tratamento sociológico da juventude, o feito de Mannheim possui ampla envergadura cultural e política, a juventude tem para esse autor feitio de via de análise do mundo em que vivemos, ela é ferramenta reflexiva que torna possível pensar a sociedade em seus intrincados processos de organização política e institucional. Desse modo, vemos como necessário tomar sua via de indagação para questionar: o que tem a juventude a oferecer sobre a democracia participativa por meio das suas conferências? Dois aspectos vistos no debate sobre a participação social emergem como objeto para uma reflexão a partir da juventude.O primeiro é aquele da participação social voltada para a pluralidade dos modos de vida, processo que, como visto, provém de novas exigências que chegam ao Estado democrático a partir da pressão dos grupos sociais forçando o poder público a contemplar novas pautas políticas. O interesse aqui não é meramente ver os movimentos de juventude como fonte de exigências específicas e novas para o Estado, mas 13 ver como, a partir das pressões que surgem pela chamada “questão jovem” no modelo participativo em curso, reagem poder público e o conjunto da sociedade civil articulado no arranjo institucional das conferências, no que tange ao tratamento da vida juvenil e na afirmação do ideário democrático. A inclinação para a participação social se torna objeto de questionamento. Trata-se, sobretudo, de tomar as conferências de juventude para questionar as capacidades de reinvenção do político, tal como preconizado por Avritzer e Santos anteriormente. O segundo aspecto, que poderia ser visto como concernente à exigência de reinvenção política, diz respeito ao intento do controle social como controle do Estado pela sociedade. No que tange às conferências de um modo geral, o exercício desse controle remete à capacidade de suas decisões inspirar efetivamente as ações do Poder Executivo, dada a natureza propositiva desses eventos (diferente da atribuição propriamente fiscal que possuem os conselhos de política pública). Nesse ponto, as conferências de juventude são interpeladas em sua capacidade de influir na resolutividade dos problemas por elas registrados. Questionar esses aspectos através das conferências de juventude impõe o conhecimento do arranjo político-institucional do qual elas são parte constitutiva. Esta condição leva à abordagem da Política Nacional de Juventude (PNJ), política pública que promove as conferências. A PNJ se apresenta como um novo arranjo institucional destinado a atender as necessidades da juventude, a partir da implementação de mecanismos assistenciais e participativos. Em relação aos mecanismos assistenciais, esta política pública pretende executar programas e projetos que gerem impactos decisivos nas busca de solucionar problemas sociais da juventude. Quanto aos mecanismos participativos, estabelece formas de inserção participativa para jovens em instâncias decisórias de políticas. Ela recorre ao chamado protagonismo da juventude, um dos quesitos a receber investimento político governamental e supranacional nas últimas décadas. Tal empreendimento pretende-se inovador por dar ao jovem um lugar assegurado na formulação de políticas públicas. Esta política pública é uma medida governamental iniciada por volta de 2004 que pretende beneficiar os jovens com políticas de atenção às suas demandas específicas, estabelecendo diretrizes para programas especiais. Essa política têm como base governamental de ações a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), órgão ligado à Secretaria 14 Geral da Presidência da República. A SNJ possui o papel de integrar programas e ações do governo voltadas para os jovens, buscando se tornar referência da população jovem no Governo Federal. A Secretaria é, sobretudo, o braço (do) executivo no que tange às decisões tomadas nos diferentes foros políticos da PNJ. O conjunto institucional da política para a juventude se completa com as instâncias de participação política: os conselhos de juventude e as conferências de juventude. Os conselhos de juventude têm como instância máxima o Conselho Nacional de Juventude, implantado em 2005, que tem como finalidade formular e propor diretrizes de ação governamental voltada para a juventude, na forma de política pública, além de fomentar estudos e pesquisas sobre a realidade socioeconômica juvenil. Possui participação do governo, de organizações e de personalidades identificadas com a juventude e com ações políticas para a juventude. É composto por 60 membros, sendo 20 do governo federal, oriundos de ministérios que desenvolvem programas e ações voltadas para a juventude, e 40 da sociedade civil, oriundos de entidades, movimentos sociais, redes de jovens e organizações não-governamentais que trabalham com segmentos juvenis. O conselho de juventude tem como desafio se tornar espaço de diálogo entre sociedade civil, governo e juventude, atuando como órgão consultivo de assessoramento ao governo em medidas que produzam reconhecimento de direitos e capacidades dos jovens, especialmente através de sua participação cidadã (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007). Conforme prevê a política, devem ser instalados conselhos nas esferas estaduais e municipais; no momento deste texto, ainda não é realidade a instalação dos conselhos nas esferas estaduais e municipais em grande parte do país. As conferências de juventude compõem um sistema participativo e integrado de reuniões propositivas de políticas. O sistema conferência tem a Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude como instância máxima que aponta as prioridades de ações e programas a serem desenvolvidos pelo poder público em âmbito nacional. Essa conferência é precedida por conferências estaduais, territoriais, municipais e reuniões livres, assegurando a participação plural dos jovens em toda essas etapas. A Conferência Nacional deve ser realizada de dois em dois anos, com o caráter de envolver o jovem interessado nas temáticas em pauta para também travar um diálogo que gere alternativas para enfrentar os desafios da vida juvenil. Assim, como definição das conferências, a partir de sua etapa final, propõe-se: 15 A Conferência Nacional de Políticas Públicas de Juventude é um espaço de diálogo entre o poder público e a sociedade sobre os desafios do segmento juvenil e quais alternativas devem ser tomadas pelos governos para respondê-los. Realizada de dois em dois anos, ela é um processo no qual jovens e interessados na temática de todo o Brasil se reúnem para discutir a situação das pessoas que compõem esta faixa etária e apontar quais são as prioridades de ações e programas a serem desenvolvidos pelo poder público (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007). Na esteira do procedimentalismo, é importante apontar a metodologia proposta para o sistema das conferências da juventude, aspecto cujo cuidado parece ser imprescindível para a efetividade da participação política do jovem. A metodologia das conferências pressupõe, conforme suas diretrizes, um exercício de nivelamento de informações (propiciando comunicação e interação necessárias às discussões), a utilização de técnicas de discussão coletiva (proporcionando aproximação e envolvimento até dos iniciantes em processos participativos) e consonância entre realidade de vida, cultura jovem e multiplicidade dos movimentos juvenis. Para isso, a proposta metodológica visa gerar espaços de sensibilização em âmbitos municipais, estaduais e nacional calcados em uma dimensão lúdica e garantir comprometimento com a conferência. O produto final esperado é a identificação de problemas (nessa metodologia, chamados “desafios”) e a formulação de possíveis e objetivas soluções. Este é o desenho esperado para as plenárias de jovens. Em torno das conferências, vários aspectos se põem em questão. Um aspecto fundamental para sua consecução foi o incentivo à “democracia participativa” proveniente de forças institucionais exteriores, melhor dizendo, a pressão de instâncias supranacionais desde fins do século passado. A entrada da questão da juventude nas relações internacionais se deu por meio do sistema das Nações Unidas e da cooperação internacional: o ano de 1985 foi declarado Ano Internacional da Juventude pela Organização das Nações Unidas (ONU). O que fez com que os dez anos seguintes a essa medida fossem dedicados à geração de um sistema de monitoramento da situação do jovem, cuja faixa etária se encontraria entre 15 e 24 anos. Em 1996, o sistema ONU lançou mão de um programa mundial para a juventude que incentiva ações calcadas no empoderamento do jovem, assunto que passou a ocupar os encontros mundiais sobre juventude, como os Fóruns Mundiais da Juventude ocorridos em Viena 1996 e em Lisboa 1998 (IULIANELLI, 2003). No âmbito da cooperação 16 internacional entre nações, a repercussão do empoderamento juvenil tomou a forma de empréstimos financeiros para empreendimentos educacionais que adquirissem sentido de combate à pobreza. Os países ligados à Organização Ibero-americana de Juventude (OIJ), órgão criado em 1992, viram-se envolvidos em ações políticas de atenção à juventude baseadas nessa mesma linha de pensamento. No que tange às conferências, há o desejo de tocar a veia politizada da juventude brasileira. Busca-se assim fazer emergir um novo ativismo jovem através do discurso da participação nas decisões que lhes concernem no âmbito social, falar de seus problemas, estar presente nos espaços de decisão e poder, etc. Nessa percepção, a função das políticas da juventude seria, dentre outras, dar voz aos jovens (sobretudo das classes populares) para lutar pela redução das desigualdades sociais. Nesta perspectiva, um dos grandes dilemas que se coloca é o de pensar o jovem como sujeito para uma nova condição. Isso significa reconhecimento da importância da juventude na política como elemento fundamental para inovações no mundo em que vivemos, ao mesmo tempo que se torna apenas uma nova lógica institucional, de caráter participativo, para responsabilização do jovem por sua vulnerável condição? Ou temos aqui um espaço para novas experiências políticas como as que se esperam pela participação social, que põem em marcha uma leitura crítica do projeto democrático? É inegável a força que o discurso politizado do jovem adquiriu ao longo da história (a década de 1960 ainda continua como símbolo mais vigoroso dessa força) e esse discurso possui interesse para as práticas de governo. Mas essa feição tem seu outro lado da moeda. A juventude como figura de revolução e de esperança de mudanças é, paradoxalmente, uma das faces do seu suposto caráter ativista, que, na medida em que tenciona a política instituída, levanta outro tipo de suspeita outorgada ao grupo social: a de desviante. Por sua condição paradoxal de esperança e desvio, a juventude se torna um importante elemento analítico das práticas políticas e dos modos de governo. A juventude é desafiante já no próprio ato de defini-la em seus termos, na medida em que falar em juventude é movimentar-se em um campo ambíguo de conceituação. Para Diógenes (2009), ela representa o segmento que mais se define por suas práticas, por suas formas diversas de atuação e de experimentação do que mesmo por conceituações e referenciais fixos. A 17 juventude é uma invenção moderna, sendo tecida em um terreno de constantes transformações (DIÓGENES, 2009). Nesse ponto, chamar a juventude para uma experiência participativa em política social com a estrutura institucional altamente regrada, como no caso da PNJ, significa por em curso no campo das políticas públicas um poderoso disparador analítico capaz de fazer evidenciar conflitos (entre práticas instituídas politicamente e inovações provenientes da experiência política juvenil) que se tecem no projeto democrático. Dos conflitos que podemos apontar nessas linhas, ganham destaque aqueles que dizem respeito a duas concepções tidas como inovadoras levadas a cabo pela PNJ e, portanto, pelas conferências: o protagonismo e o empreendedorismo juvenil. Através dessas formulações da juventude, vemos alguns dos conflitos que perpassam a democracia participativa. Protagonismo e empreendedorismo juvenil pelos procedimentos das conferências Atenta ao problema da concepção de juventude que põe em relevo pela participação social, a Política Nacional de Juventude não só descreve como se mostra sensível a uma realidade juvenil que se mostra plural e complexa: Quando olhamos para a juventude, vemos um mosaico. Os jovens brasileiros são de diversas raças e classes sociais. Pensam e agem de maneiras variadas. E estão por todo o país: na cidade, no campo, nas florestas, nas beiras dos rios, nas aldeias e nos quilombos. É preciso considerar essa rica diversidade. Não se trata aqui, portanto, de estereótipos. Nos noticiários, os jovens (geralmente dos setores populares) aparecem como desordeiros e violentos. Nas propagandas, aparecem como personagens bonitos, saudáveis, alegres e despreocupados, que se oferecem como modelos de consumo e de um estilo de vida ao qual poucos têm acesso. Nem a juventude perigosa das sensacionalistas manchetes policiais, nem a juventude consumista e alienada dos anúncios de tevê: é sobre a juventude real, complexa, diversa e numerosa que estamos falando. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007b). A partir desse entendimento sobre a juventude, nota-se um discurso consistente, ao mesmo tempo em que pretensioso quanto ao desafio de ajustar política pública e cultura jovem. Se existe um hiato instransponível historicamente constituído entre os fazeres do poder público e dos jovens, a saída, ao que tudo indica, é forjar modelos de jovens que se 18 encaixem nas investidas institucionais e, dessa forma, correspondam às expectativas tanto no âmbito assistencial das políticas quanto no participativo. É nesse aspecto que o que a PNJ diz sobre o protagonismo, e seu correlato no processo de reestruturação produtiva mundo do trabalho, o empreendedorismo, são cruciais para a análise dos conflitos dos jovens e o tratamento político deles. Cabe observar como se fazem presentes na curta porém significativa histórias das conferências de juventude da PNJ. Embora sua periodicidade preveja intervalos de dois anos, as duas conferências realizadas ocorreram nos anos de 2008 e 2011. A primeira Conferência Nacional da Juventude teve como temas: “Juventude: Democracia, Participação e Desenvolvimento Nacional de Juventude” e “Desafios e Prioridades para as Políticas Públicas de Juventude”. A conferência foi divida em diversos grupos temáticos tais como: cidade, cultura, diversidade, drogas, família, liberdades democráticas, meio ambiente, mídia, política, sexualidade, tempo livre, trabalho, e educação. Esse evento demandou uma preparação de oito meses, segundo consta em seus relatórios oficiais. Nesse período foram realizados 840 conferências municipais e regionais em todos os estados brasileiros e Distrito Federal. Também foram promovidas 690 conferências livres. A I Conferência Nacional ocorreu em Brasília, entre 27 e 30 de abril de 2008, constatando um número estimado de 2.500 participantes. Em Sergipe, os debates ocorridos na I Conferência Estadual de Juventude, a qual definiu desafios e soluções a serem apresentadas na Conferência Nacional, deram-se de acordo com as modalidades dos grupos temáticos propostos pela comissão organizadora nacional. De acordo com o Relatório Final da conferência, no seu primeiro dia de realização (28-03-2008) foram credenciados 536 participantes, entre delegados e ouvintes. A etapa municipal em 2008 englobou uma série de eventos que se definiam em: PréConferência; Conferências ou Reuniões Livres; Municipal Eletiva e Municipal Preparatória. As conferências/reuniões livres podiam ser organizadas por quem tivesse interesse – organização estatal ou membros da sociedade civil. Segundo os documentos fornecidos pela Secretaria do Estado do Trabalho, da Juventude e da Promoção da Igualdade Social, 13 (treze) municípios sergipanos participaram da realização de conferências e/ou reuniões livres. Os locais de realização das conferências foram diversos: instituições de ensino, sendo na maioria dos casos escolas municipais de ensino fundamental; auditórios de órgãos públicos e 19 de entidades de parceria público/privada. Além disso, os tipos de entidades que coordenaram as conferências foram: grêmios escolares, secretaria e diretorias de partidos políticos, ONGs e associações (GOMES, 2011). Já a segunda Conferência Nacional foi realizada em 2011 entre os dias 09 a 12 de dezembro e contou com 1350 delegados eleitos e 2200 participantes. O seu tema foi “Juventude, Desenvolvimento e Efetivação de Direitos. Conquistar direitos, desenvolver o Brasil”. Teve como objetivo geral contribuir para a construção e fortalecimento da PNJ. Sem desconsiderar a importância da Conferência de 2011 para a consolidação da política para jovens e das conferências de juventude, as questões acerca do protagonismo e do empreendedorismo juvenil a abordar aparecem, entretanto, na massa documental das orientações para a realização das conferências de 2008, mais precisamente nos chamados cadernos temáticos. O caderno temático é um documento que contém várias informações, depoimentos e questões relativas a um tema proposto pela Política Nacional de Juventude (PNJ) para o sistema das conferências de 2008. Ao todo, foram catorze cadernos com os seguintes títulos: trabalho; sexualidade; tempo livre; participação (política); cidade e territórios; cultura; diversidade; drogas; cidadania GLBTs; família; mídia e comunicação; educação; meio ambiente e, liberdade e direitos democráticos. O caderno temático é, portanto, um procedimento de apuro metodológico do fazer das conferências de jovens. Em todos os cadernos há uma sessão intitulada “E eu com isso?”, e na maioria dessa seção nos diferentes cadernos há sempre uma pergunta chamando o jovem a dar sua opinião sobre o que o Estado pode fazer com relação ao o assunto tratado no respectivo caderno. Eis algumas: Como os governos devem tratar a questão das drogas? (Caderno Temático Drogas) Se você fosse um governante o que você faria para melhorar a educação no Brasil? (Caderno Temático Educação) Como você avalia o acesso dos jovens ao serviço público de saúde? (Caderno Temático Sexualidade) 20 Como o poder público pode enfrentar todas as formas de discriminação e promover a valorização doa diversidade? (Caderno Temático Diversidade) O que é que o poder público pode fazer para que as diversas manifestações culturais estejam mais presentes na vida dos jovens, tanto no acesso quanto no meio de produzi-la? (Caderno Temático Cultura) Essa consulta através do texto por parte do Estado pode ser entendida como uma forma procedimental de pressão social sobre os jovens, sobre o que deve ser feito para promover melhorias acerca de cada assunto específico. Porém, essa consulta pelo poder público nos leva constatar o refinamento procedimental no que tange à sensibilização para participar do processo, na medida em que ela manifesta uma espécie de ajustamento à atitude juvenil de recusa às questões políticas. O Estado faz uso do distanciamento peculiar do jovem em relação à política institucionalizada para justamente por essa via convocá-lo. É um chamado ao protagonismo juvenil na medida que provoca o leitor em sua condição de potencial participante, pela própria atitude do leitor, possível autor de propostas a ser legitimada pelo processo das conferências. Por outro lado, a consulta leva a arguir até que ponto essas sugestões feitas pelos jovens vão chegar de fato a ter alguma relevância nas decisões que a eles dizem respeito? Para Iulianelli (2003) o empoderamento dos jovens conforme o protagonismo juvenil, confere cada vez mais poder aos atores como também os faz assumir o poder dessas ações. Podemos, então, considerar com o autor que essas medidas de empoderamento trazem consigo sérios riscos político-sociais, na medida que a juventude passaria a ser responsabilizada pelas ações parceiras com o poder público; nos países empobrecidos, por exemplo, passariam a responder pelo governo de sua própria pobreza. Esse processo também se arrisca sobre a outra forma de empoderamento de jovens que circula pelas conferências: o empreendedorismo jovem. Segundo Iulianelli (2003), nos anos 1980, questões referentes aos jovens passaram a ser encaradas em uma ótica diferenciada da perspectiva policial, discutindo fundamentalmente a questão dos direitos e, sobretudo, o direito à educação. Conforme 21 mencionado anteriormente, a ação da cooperação internacional no fim do século passado se empenhava no financiamento de ações no campo da educação, almejando tratar dos problemas da juventude a partir do incremento na escolaridade, na preparação profissional. Nos últimos anos, contudo, essa via de intervenção foi modificada pelo investimento em inserção no mercado de trabalho concomitante à escolarização. Ao nosso entendimento, a PNJ parece incorporar essa discussão sobre a educação interligada à inserção no mercado de trabalho. No Caderno Temático Trabalho o discurso da PNJ destina muita importância ao empreendedorismo juvenil, relacionado às iniciativas de profissionalização e geração de rendas: “se antes a preocupação era ‘colocar’ o jovem na escola, hoje ela persiste acompanhada da dúvida: ‘o que o jovem vai fazer ao sair da escola?’” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007b). No documento “Diretrizes e perspectivas”, se caracteriza o “ser jovem” como: [...] um estado de espírito, uma dádiva, um dom de um momento passageiro da vida que não deveria passar, por ser o mais interessante e vibrante; é ser empreendedor, expressar força, ter ânimo, se aventurar, ser espontâneo, ter uma boa apresentação física, ser viril, se divertir acima de tudo, priorizando o bem viver em detrimento das responsabilidades mesquinhas da vida. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007, grifo nosso). No Documento Base da I Conferência Nacional de Juventude, lemos: Nos dias de hoje, não se trata mais de estudar antes como forma de se preparar para conseguir um emprego depois. O banco da escola está ao lado da cadeira do escritório: é preciso criar condições para que os jovens possam se dedicar à sua formação educacional de modo integrado à sua inserção e permanência no mundo produtivo. (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007b). É importante ressaltarmos a ênfase dada a favor do empreendedorismo juvenil, mesmo quando este se encontra agregado a outros dispositivos sociais, tais como melhores condições de renda, moradia e assistência médica, conforme se vê na política nacional de juventude – haja vista que o empreendedorismo parece ser a forma própria do protagonismo juvenil ambicionado nesta política como saída para os conflitos da condição jovem. Nesse sentido, o jovem empreendedor, que tem como pré-requisito ser 22 supostamente bem qualificado pelo currículo escolar, viril em suas iniciativas, se encontraria nivelado ao jovem protagonista de decisões políticas nos espaços participativos da PNJ. Os usos da participação nas Conferências da Juventude em Sergipe As conferências da Juventude em Sergipe foram momentos em que se vislumbraram alguns dos diferentes papéis que a participação têm assumido no cenário da sociedade brasileira atual. Como vimos, por trás do debate sobre a necessidade, ou não, da participação na vida pública, encontram-se visões diferenciadas sobre a democracia e sobre o papel da sociedade civil no controle da ação estatal. Ora, justamente por isso, nada mais instigante do que perceber in lócus, através de um trabalho de campo quase etnográfico, como esse debate se materializa nas práticas dos atores sociais. Assim, a partir da experiência das duas últimas conferências da juventude que acompanhamos em Sergipe, pode-se avançar a hipótese de que dentre os diversos usos da participação pelos atores sociais, três ocupam lugar de destaque. Um primeiro seria o de legitimação ritualística da ação do Estado e de grupos sociais envolvidos com a aplicação de políticas públicas (conselheiros tutelares, representantes de ONG’s, etc). Com efeito, os mecanismos participativos conferem uma aura de democracia tanto às instituições governamentais quanto aos membros da sociedade civil envolvidos nesses dispositivos, o que lhes carreiam uma certa legitimidade e visibilidade pública frente à sociedade. Esse uso político da participação explica certamente porque no Brasil contemporâneo a adoção de mecanismos participativos tornou-se uma “quase obrigação”. Não apenas porque alguns deles são previstos na constituição federal, mas sobretudo porque, como no caso das conferências, em que não há obrigatoriedade legal de sua efetivação, a participação tornou-se uma importante fonte de legitimidade política e social. Pouco importa aqui se a participação foi efetiva ou manipulada (alguns delegados das conferências analisadas confessaram ter sido mobilizados por políticos à frente de prefeituras sob a ameaça de perda do emprego em caso de não comparecimento), se ela expressa uma mobilização na sociedade civil ou se é a expressão da capacidade das elites de se apropriarem do discurso participativo, o que importa é o uso social desse discurso. 23 Uma segunda dimensão da participação foi a de enunciação de demandas sociais por setores da sociedade civil e de estratégias de ação por parte dos representantes dos órgãos governamentais. Não à toa, durante as conferências em foco, a estratégia do governo federal foi a de explicitar nos textos base que estruturaram toda a discussão ao longo das conferências, a visão de jovem que se pretende desenvolver nas políticas públicas voltadas para esse grupo. Da mesma forma, alguns segmentos sociais vão buscar explicitar no espaço público criado pelas conferências suas reivindicações específicas, como foi o caso dos jovens ligados ao movimento LGBT, por exemplo. Por fim, uma terceira faceta da participação que apareceu nessas conferências foi a de mecanismo de avaliação e de elaboração de políticas públicas, o que levou diversos atores, representando tanto instâncias governamentais quanto da sociedade civil, a concentrar seus esforços na proposição de medidas específicas a serem adotadas pelas várias instâncias estatais. Com toda a certeza, é essa dimensão aquela que, paradoxalmente, dá legitimidade às práticas participativas e, ao mesmo tempo, mais difícil é a percepção da sua efetividade prática. A guisa de conclusão Recém criada no âmbito das políticas sociais, a Conferência Nacional de Juventude lançou uma contundente provocação à prática das conferências quando de sua apresentação procedimental em 2008; dizia seu texto: “apesar da rica vivência proporcionada pela participação política, que gera resultados na sociedade civil, as conferências ainda materializam pouco as resoluções que aprovam” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007). Tal manifestação apontou para problemas que, aos olhos dos organizadores daquele evento, parecia marcar as conferências: “que não sejam carta de intenções nem lista de demandas” pouco factíveis politicamente (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2007). Vê-se que a própria realização das conferências torna-se oportunidade de questionamento da potencialidade da participação política. Do que se pode perceber até o presente momento, nota-se uma clara vontade governamental de mobilizar setores da juventude em torno da idéia do “jovem empreendedor e ativo”, capaz de buscar por si mesmo os meios de sua existência e de participar ativamente da vida da cidade. Até que ponto essa “política” tem rendido frutos 24 não é nossa intenção dizer nem temos como avaliar nesse momento. Contudo, algo que aparece dos primeiros resultados sobre as diversas etapas das conferências de jovens no estado de Sergipe é que, ao menos por enquanto, os produtos das conferências (suas propostas) são submetidos a todas as vicissitudes da política para não permanecerem como letra morta. Não apenas porque as conferências são organizadas de modo a evitar o aparecimento conflitos e a “não sair do controle” das diretrizes e eixos temáticos e programáticos elaborados ao nível do Governo Federal, como também porque a participação dos jovens nesses eventos dá-se de forma tutelada pelo controle de procedimentos operado por grupos políticos que participaram da organização dos eventos. Assim, por exemplo, durante a realização de uma das conferências estaduais de juventude, a etapa final de eleição dos delegados que seriam enviados para a conferência nacional foi suspensa sob a alegação “em off” de que haveria muita confusão, seria melhor realizar posteriormente, sob a responsabilidade de um conselho estadual. Da mesma forma, em uma das discussões de um dos grupos temáticos, a proposta de um jovem de que o governo deveria ser responsável pela oferta de emprego para todos os jovens foi rapidamente descartada pela mesa sob a alegação de ser essa proposta irrealizável. Deste modo, o que parece estar ocorrendo nas conferências sobre juventude em Sergipe é a dificuldade em por em execução o empoderamento de setores da juventude a partir da própria participação. Ou seja, a própria participação fica sob suspeita nesse caso. Essa mesma dificuldade tem sido também observada com relação a outras conferências de políticas públicas que pudemos observar durante nosso trabalho de campo recente. O que nos leva a repensar essas questões sob o prisma do dilema democrático com o qual iniciamos nossa reflexão nesse texto. Resta questionar em que medida as conferências respondem ao apelo mobilizado pelas novas exigências que os grupos sociais dirigem ao Estado na democracia participativa; se serão as conferências os instrumentos mesmos de uma reinvenção das práticas políticas almejadas pela nova gramática democrática. Ou se, o que tememos, serão as conferências o mero ajuste necessário, frente à pluralidade dos modos de existências dos grupos minoritários, pretendido pelo elitismo, revigorado agora pela participação social na democracia. 25 Referências Bibliográficas: ARENDT, Hannah. Condition de l’homme moderne. Paris, Calman-Levy, 1983(1961). AVRITZER, L. & SANTOS B. S. Introdução: para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura Souza. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 2ª ed.: Rio de Janeiro: Civilização Brasiliense, 2003. BAQUERO, Marcello (org.). Desafios da Democratização na América Latina. Debates sobre cultura política. Porto Alegre: UFRGS, 1999. CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE. Texto Base da 2° Conferência Nacional de Juventude: Conquistar direitos, desenvolver o Brasil. Brasília: CONJUVE, 2011. Disponível em www.juventude.gov.br, acessado em 10/01/2012. DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo:EDUSP, 1997. DIÓGENES, G. 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