6. Cap. IV - Portal do Conhecimento

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II PARTE
O PROCESSO EDUCATIVO-FORMATIVO
DOS ALUNOS ADOLESCENTES
NO ENSINO SECUNDÁRIO DE CABO VERDE
O ENQUADRAMENTO TEÓRICO
106
CAPÍTULO QUARTO
AS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS E SEUS AGENTES
NO PROCESSO DA FORMAÇÃO PESSOAL-PROFISSIONAL
EM CABO VERDE
0.
Premissa
O universo foi concebido e projectado pelo seu Criador com as suas leis e regras
condizentes com a sua própria natureza. Todos os seres que a ele pertencem, participam também da mesma natureza normativa e são programados por um conjunto de fenómenos intrínsecos e extrínsecos. Assim afirmou o pedagogista do romanticismo: «Em todas as coisas existe, age e domina uma lei eterna»1. Duma forma especial, podemos considerar o ser humano
como um microcosmo que coagula no seu ser existencial as componentes naturais e espirituais presentes no universo. De facto, somente a pessoa humana tem a consciência dessa
dimensão unitária e indivisível patente no universo. Embora o nosso estudo não enverede por
essa compreensão universal e metafísica dos bens terrestres, há que informar que o ser humano necessita de tudo aquilo que faz parte do universo para que possa existir, crescer, desenvolver-se, viver, definir-se e projectar-se para a sua auto-realização do ponto de vista biológico, intelectual, espiritual, moral e profissional. Essa dimensão natural do homem concorda em
parte com o princípio do JJ. Rousseau que dizia: Tudo é um bem quando sai das mãos do
criador das coisas; mas discorda na dimensão do homem social quando diz: tudo degenera
nas mãos do homem»2. Porque o crescimento integral do ser humano depende, essencialmente, da interacção dos dois factores endógenos e exógenos.
O ser humano, independentemente do seu “status” sócio-religioso, nasce e vive num
contexto comunitário bem definido, do ponto de vista político, cultural e religioso. Todavia,
cada povo tem as suas próprias características raciais e manifestações culturais e crenças diferentes um do outro. Apesar dessa diversidade imanente - também o povo cabo-verdiano tem
uma sua peculiaridade própria – sui generis – é bom que se faça um estudo teórico que explique objectivamente as tarefas das instituições sociais, religiosas e educativas, e os valores
1
2
F. FRöBEL, L’educazione dell’uomo, Firenze, Nuova Italia, 1993, p. 3.
JJ. ROUSSEAU, Emilio o Educazione, Brescia, La Scuola, 1969, p. 7.
107
éticos e religiosos no processo educativo dos adolescentes cabo-verdianos. A civilização de
cada indivíduo, além do seu carácter natural, depende do seu ambiente vital e educativo. Portanto, as instituições educativas, família, escola, igreja e centros de informação, formação e
reeducação, têm como tarefa primária a educação integral e harmoniosa dos indivíduos, especialmente dos que ainda estão em fase evolutiva.
Para que a educação dos adolescentes em Cabo Verde tenha êxito moral, pessoalprofissional e social é importante que todas as instituições educativas ponham em comum as
suas energias na formação qualitativa e quantitativa dos seus agentes (pais, professores, educadores, sacerdotes, pastores e outros) que se ocupam directa ou indirectamente dessa delicada e volúvel camada social que são os estudantes adolescentes, isto é, indivíduos em fase de
crescimento. Se os adolescentes cabo-verdianos forem acompanhados, orientados e educados
a partir duma visão existencial e humanista-cristã ao longo da sua evolução, estarão mais
capacitados para poder desenvolver as suas prerrogativas superando as suas fases críticas com
maturidade e competência. Esta nova perspectiva viria colmatar, em parte, o vazio moral e
espiritual que se tem verificado com o surgimento da nova doutrina marxista-leninista logo
após a Independência de Cabo Verde, a 5 de Julho de 1975. Actualmente, todas as instituições
educativas neste País concordam que a geração pós-Independência está fortemente fragilizada
do ponto de vista psicológico, moral e espiritual. Daí a necessidade de um maior investimento
no campo formativo dos adolescentes para um melhor processo de socialização, isto é, a interiorização dos princípios normativos e valores éticos, religiosos e culturais com maior sentido
de autonomia, liberdade e responsabilidade.
Com a democratização do País, as escolas secundárias de Cabo Verde estão a
desempenhar um papel preponderante na vida dos seus alunos adolescentes. Porém a transformação socio-política, económica, cultural e religiosa que se tem verificada ao longo destes
últimos anos em Cabo Verde leva-nos a pensar num estudo mais sólido e fundamentado sobre
as condições reais dos estudantes-adolescentes que frequentam o Ensino Secundário, afim de
podermos oferecer aos professores e educadores determinados instrumentos que os capacitem
na sua acção educativa para o benefício dos alunos, da escola, da família e da sociedade em
geral. Além disso, o referido estudo pretende demonstrar neste capítulo a importância da educação no processo do desenvolvimento humano, a coesão das instituições educativas como
factor indispensável no crescimento integral do indivíduo e na formação moral pessoalprofissional e social, e o processo da assimilação activa dos valores morais, religiosos e dos
bens culturais por parte dos alunos adolescentes que frequentam as escolas secundárias. Tudo
isso é fundamental para o futuro de um país civilizado e culturalmente democrático e pluralista.
108
1.
A educação e o desenvolvimento do ser humano
Um estudo teórico que põe a tónica no conceito da educação induz-se a reflectir,
necessariamente, à volta do seu sujeito, isto é, o ser humano, cuja natureza é um ser educável.
Por conseguinte, a educação não é um acréscimo, mas uma necessidade existencial para o
desenvolvimento integral da personalidade de cada indivíduo desde o seu nascimento até a
sua morte. Vista como uma exigência e necessidade, ela não acontece de forma mecânica ou
passiva, antes, ela faz parte constitutiva do ser humano quer do ponto de vista informal quer
do ponto de vista formal, no sentido de que está devidamente estruturada e sistematizada
segundo as leis de base do sistema educativo de cada nação.
Além de ser uma necessidade colectiva, a educação é um projectar-se de cada pessoa
em busca do seu próprio aperfeiçoamento e de algo de bom e melhor para si mesma, cujo sentido profundo não se encontra fora da pessoa, mas no seu próprio modo de operar para o seu
bem3. Já no século VI, a.C. o filósofo e pedagogo Sócrates, na sua dialéctica, deixou claro que
a educação é um conhecer-se a si mesmo, um saber encontrar a verdade, o bem que liberta,
dentro da sua própria pessoa ou da sua consciência de ser homem do bem4. Para os educadores, nesse sentido, o saber educativo não deve ser vista, apenas, como uma mera especulação
intelectual, mas, um saber interior que deve determinar a pessoa humana perante a situação
quotidiana da vida. Por isso, dizia F. Fröbel que «ser sábio constitui a máxima aspiração do
homem, antes, é o ponto mais alto que ele pode atingir com a sua autodeterminação»5.
Embora se reconheça, positivamente, na pessoa humana essa potencialidade intrínseca, o processo educativo implica necessariamente o outro pólo extrínseco para que haja uma educação
integral e unitária do indivíduo.
Se por um lado há um conjunto de dispositivos ambientais que facilita a acção educativa do ser humano, por outro, há que ter em conta a capacidade intrínseca do próprio individuo que lhe faculta a assimilação, interacção, adaptação ao seu meio ambiente para satisfazer
as suas reais necessidades de ordem biológica, intelectual, moral e espiritual6. É a partir desse
princípio bipolar e unitário que podemos tentar encontrar uma possível definição do conceito
de educação e ao mesmo tempo encontrar o sentido e o significado profundo de cada elemento material e espiritual presente na sociedade, na natureza das coisas e na humanidade em
3
Cf. G. FLORES D’ARCAIS, Introduzione, in F. FRöBEL, L’educazione dell’Uomo, Firenze, Nuova Italia,
1993, p. XXIII.
4
Cf. O. ADORNO, Sócrates, Lisboa, Edições 70, 1990, p. 35.
5
F. FRöBEL, L’educazione dell’Uomo…, p. 5.
6
Cf. G. FLORES D’ARCAIS, Introduzione in F. FRöBEL, L’educazione dell’Uomo…, p. IX.
109
geral que influenciam todo o agir educativo da pessoa, especialmente, daqueles que se encontram em fase de crescimento.
Antes de tudo, no processo educativo que tende a transformar o indivíduo em fase de
evolução numa pessoa adulta, madura, competente e capaz de satisfazer todas as suas necessidades biológicas, intelectuais e morais, há que distinguir três formas diferentes da educação,
segundo o pensamento de J-J. Rousseau: a educação da natureza, que consiste no desenvolvimento dos órgãos e das suas respectivas faculdades; a educação dos homens que implica
uma melhor utilização deste desenvolvimento; a educação das coisas que tem a ver com a
nossa experiência pessoal em relação aos objectos que nos circundam e manipulamos. O autor
não pretende fazer o uso discriminatório do conceito da educação. Embora não seja possível
uma educação perfeita e absoluta, é da opinião que é possível conseguir uma educação capaz
de unificar, harmoniosamente, os vários aspectos do desenvolvimento da pessoa humana, tornando-a capaz de se adaptar e viver em quaisquer situações7.
Embora a visão de Rousseau sobre a educação social seja negativa, a educação num
sentido lato, é um meio social que se ocupa da vida humana na sua continuidade, tendo em
conta as suas características, os costumes, as instituições, as crenças, as vitórias, as derrotas,
as ocupações, cuja sobrevivência implica uma contínua auto-renovação adaptando-se ao seu
meio ambiente para poder satisfazer as suas diversas necessidades. Na opinião de J. Dewey,
qualquer um dos elementos que constitui um grupo social quer na cidade moderna quer numa
tribo selvagem, nasce imaturo, indefeso, privo de língua, de crenças, de ideais, de normas
sociais. E cada indivíduo, cada unidade, que seja o detentor da experiência da vida do seu
grupo, desaparece a seu tempo. Todavia, a vida do grupo continua8. Perante essa circunstância, pode-se afirmar que a educação é um verdadeiro instrumento social capaz de lutar contra
certas formas do individualismo, egocentrismo, naturalismo, e relativismo de princípios normativos e valores morais e religiosos.
Partindo duma visão estritamente sociológica e permanecendo naquilo que é objecto
peculiar da educação, E. Durkheim, apesar de ser o homem do seu tempo do ponto de vista
ideológico, político e autoritário, foi um dos que deu uma definição objectiva e sistemática da
«educação como uma acção exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não são
maduras para a vida social. Tem como fim suscitar e desenvolver na criança um determinado
número de condições físicas, intelectuais e morais, que tanto reclamam dela, quer a sociedade
política no seu conjunto, quer o ambiente particular ao qual está especificamente destinado»9.
7
J-J. ROUSSEAU, Emilio o Educazione…, p. 8.
J. DEWEY, Democrazia e educazione, Firenze, Nuova Italia, 1992, p. 2.
9
É. DURKHEIM, La sociologia dell’educazione, Roma, Newton Compton Italiana, 1971, p. 40.
8
110
Comentando essa definição, S. S. Acquaviva disse que formalmente o conceito de
educação torna-se relativo e inovativo, enquanto, para É. Durkheim, o tipo de educação sociológica varia segundo as sociedades; na prática, isso é conservativo, porquanto, na substância,
todo o enquadramento está orientado para o reforço do sistema de ideias sobre as quais se
rege a sociedade que, por sua vez, está orientada modestamente para a sua transformação.
Portanto, mais do que uma definição rigorosa e taxativa, trata-se de uma sistemática socialização da jovem geração10. Certamente, essa forma de conceber a educação deixou marca indelével no espírito de muitos cidadãos dos países que passaram pelo jugo colonial e regime totalitário. Na sociedade cabo-verdiana, o modelo que, antes e pós a Independência Nacional,
orientava e orienta os alunos na sua educação-instrução é “socio-político”11. Isto é, a aprendizagem era e é vista em estreita relação com a oportunidade de um emprego, inserção na vida
social e política do país. Estuda-se em função de um emprego público e não como aquisição
de um conhecimento cultural para o desenvolvimento da própria personalidade enquanto
agente activo e promotor do seu próprio bem-estar como pessoa.
Partindo da definição teórica de educação, proposta pelo Durkheim, constatamos, de
facto, o que está realmente em questão é a ‘peculiaridade’ da educação e não a educação na
sua generalidade. Recuando no tempo e afastando-se da posição kantiana de ver na educação
um certo perfeccionismo dogmático e racionalista, e da posição utilitarista de James Mill, o
qual concebe a educação como um meio útil que serve para ‘fazer do indivíduo um instrumento de felicidade para si mesmo e para os seus semelhantes, quando se sabe que a felicidade é
de índole subjectiva que cada indivíduo aprecia segundo o seu estado de ânimo, Durkheim é
da opinião que o indivíduo, enquanto um ser situado no tempo e condicionado pelo espaço
físico, é interpelado pelas normas menos imperiosas a cumprir certas tarefas condizentes com
as suas atitudes habituais e necessidades biológicas e que são indispensáveis para o seu viver
quotidiano. Com essa posição, o sociólogo não negou que em cada acção educativa não houvesse uma reflexão racional, aliás, que cada acção é sempre o resultado de uma reflexão. Só
que a racionalidade de uma acção não está desvinculada de outras acções do homem como ser
biológico, social e cultural12.
Embora seja possível estabelecer o fim da educação do ser humano no seu todo, uma
definição geral que afirma uma educação ideal, perfeita, válida para todos os homens continua
a ser uma questão pertinente para todos os tempos, desde a antiguidade até hoje, precisamente
porque a educação varia segundo os tempos, lugares, raças e culturas. As cidades gregas e
10
Cf. S. S. ACQUAVIVA, Introduzione, in É. DURKHEIM, La sociologia dell’educazione, Roma, Newton Compton
Italiana, 1971, p. 15.
11
Cf. C. NANNI, Per una pedagogia della scuola, Pro scripto, Roma, UPS/FSE, 2007, p. 24.
12
Cf. É. DURKHEIM, La sociologia dell’educazione…, p. 31.
111
latinas concebiam a educação como um adestramento de homens finalizados aos interesses
colectivos da sociedade. Portanto, o homem era considerado um objecto da sociedade e não
uma pessoa autónoma, livre e responsável nas suas acções e opções como se pretende no tempo actual. A praxis educativa mantinha a sua diversidade, antes, haviam cidades com posturas
completamente diferentes em relação à educação dos seus rapazes. Enquanto a cidade de Atenas visava um modelo de homem ideal cultivando a mente e o espírito dos seus homens, para
sentirem o prazer e o gosto pela beleza e harmonia das coisas, das obras artísticas, da literatura e filosofia pura, a cidade de Roma apostava fortemente em fazer dos seus jovens homens de
acção, que procurassem a glória e honra através do serviço militar, aliás, o ideal do homem
militarista. No período medieval a educação era eminentemente cristã, o modelo do Homem
por excelência é Jesus Cristo, o verdadeiro Deus que se encarnou e fez-Se verdadeiro Homem
para a redenção e salvação da humanidade e da sua história. Na época humanistarenascimental, a educação tomou uma conotação laical e virou-se mais para o mundo das
letras. Para o mundo contemporâneo, moderno e pós moderno, a educação é fortemente marcada pela ciência e pela informática do saber fazer, do ponto de vista tecnológico, económico
e cultural13.
Feito esse enquadramento histórico, tradicional e parcial, é possível perceber a educação como uma componente eminentemente humana e, por conseguinte, não é possível
encaixá-la num esquema definido e acabado. É por causa dessa diversidade e proliferação de
concepções sobre a educação que a humanidade se tornou enriquecida e enriquecedora para as
gerações vindouras. Por isso, a educação exercida por alguém sobre alguém demanda que haja
no seio de cada país ou Estado um sistema educativo flexível, abrangente e normativo que põe
no centro de todo o seu agir a pessoa como um ser-em-relação consigo mesma, com os outros,
com os bens terrestres e com o Ser Supremo. No dizer do sociólogo E. Durkheim, «há em
cada período histórico um modelo normativo da educação, pelo qual não nos podemos destacar sem defrontarmos duras resistências que contêm as veleidades de dissidência»14. É justo
que cada país saiba encontrar no seu próprio tempo histórico um modelo normativo de educação capaz de adequar-se ao seu tempo histórico, cultural e religioso, e que esse modelo figure
como catalizador de ideias, hábitos, costumes, crenças e sirva de ponte e de equilíbrio entre as
gerações que coabitam no mesmo espaço territorial.
Na realidade, a educação da pessoa humana jamais ignoraria os costumes, os hábitos,
as ideias, as crenças religiosas que determinaram os sentimentos, a racionalidade e a vivência
experimentada de muitos povos que nos precederam no tempo e na história, precisamente
13
14
Cf. R. GAL, História da educação, Lisboa, Vega, 1993, p. 35
É. DURKHEIM, La sociologia dell’educazione…, p. 34.
112
porque são produtos de vida comum, que exprimem uma autêntica necessidade colectiva de
uma população nas suas diversas fases de vida. Sempre nessa linha de estudo, o referido autor
afirma que, quando se estuda historicamente a maneira como se desenvolveram os sistemas da
educação, constata-se que tudo isso depende da religião, da organização política, do nível do
desenvolvimento das ciências, das condições industriais, etc. Portanto, não é possível isolar os
sistemas da educação desse conjunto de causas históricas, religiosas, sociais, científicas e
económicas15.
Para além desses factores conaturais que entrelaçam todo o sistema educativo, é evidente que numa sociedade complexa e diversificada não é possível conceber a natureza da
educação de uma forma homogénea, mas, sim, heterogénea. De facto, verifica-se em todas as
sociedades civilizadas do tempo actual uma constante diferenciação de necessidades que exige ao mesmo tempo uma proliferação de especialidades. Mais do que nunca, o sistema educativo nessas sociedades aposta numa educação e formação dos seus adolescentes e jovens
segundo a função que são chamados a desempenhar16. E nos países com pouco recurso material, como é o caso de Cabo Verde, a educação e a formação profissional são factores chaves
para o desenvolvimento sócio-económico e cultural. Daí a necessidade de um investimento
educativo sério e ponderado nos “adolescentes cabo-verdianos” do ponto de vista moral, profissional e social para que sejam autênticos protagonistas e promotores de um desenvolvimento equilibrado, justo e sadio do próprio País.
Por isso, é importante que tenhamos em teoria os aspectos essenciais que caracterizam o conceito de educação dos adolescentes estudantes. E para que se evitem algumas
sobreposições à volta do conceito da educação, J. Maritain distingue três significados diferentes do termo educação: qualquer processo por meio do qual o homem é formado e conduzido
para a sua perfeição (educação no sentido lato); refere-se à obra de formação que os adultos
empreendem em relação à juventude; enfim, trata-se do papel específico das escolas e das
universidades17. Não obstante essa diferenciação do termo, a educação se ocupa do homem no
seu todo biológico, intelectual, cultural e religioso não como meio, mas, sim, como fim que
essa pretende atingir.
Daí a necessidade de compreender a educação como uma acção de equilíbrio que se
interessa pelo desenvolvimento progressivo do indivíduo na sua totalidade e o torna paulatinamente um ser satisfeito enquanto consciente de uma vida vivida física, espiritual e moralmente no seu meio ambiente, segundo as circunstâncias e situações que se apresentam no
15
Cf. É. DURKHEIM, La sociologia dell’educazione…, p. 35.
Cf. É. DURKHEIM, La sociologia dell’educazione…, p. 37.
17
J. MARITAIN, L’Educazione al Bivio, Brescia, La Scuola, 1963, p. 14.
16
113
tempo e no espaço. Então, é possível apresentar uma definição da educação como «um constante e sistémico processo de transmissão de conhecimentos, de sistemas de significado e de
definição dos valores que facilitam e organizam a progressiva formação de atitudes e comportamentos plena e responsavelmente humanos que constituem a pessoa matura»18.
Por mais que se queira especular sobre a educação como acção exercida por alguém
sobre alguém, conceito meramente sociológico, constatamos que, actualmente, a educação
tem outras conotações de carácter antropológico e psicológico. Antes, a educação é o reflexo
profundo da visão que uma determinada sociedade tem sobre o “ser humano”. Uma visão
reduzida e parcial do homem poderia ser um grande atentado à humanidade. De facto, todos
os fenómenos anti-humanidade (guerra, fome, genocídio, terrorismo, fundamentalismo religioso e ideológico, tráfico de estupefacientes), que põem em causa a convivência humana,
social, moral e religiosa, dependem dessa imagem parcial que se têm do ser humano. Para que
se previna a humanidade do caos, é importante que compreenda a pessoa humana como ente
rico, indefinido, inacabado e que está sempre num processo de crescimento. Antes, o ser
humano é dotado de conhecimento ilimitado que avança progressivamente do ponto de vista
espiritual e moral servindo-se do património histórico e cultural que o seu País herda das
gerações passadas19. É a partir dessa visão histórica, aberta e transcendente do ser humano
real, situado, funcional que as instituições educativas e seus agentes estarão em condições de
entrar em sintonia de comunicabilidade com os seus educandos, independentemente da sua
classe social, cultura, ideológica e religiosa20. É através da educação progressiva que os educandos, por sua vez, serão motores de promoção e de renovação da humanidade e da sociedade com novos conhecimentos técnico-científicos e culturais, e com princípios morais e religiosos.
A educação que se pretende para a sociedade cabo-verdiana independente, livre e
democrática, depende essencialmente da concepção da pessoa humana. É a visão que se tem
da pessoa que facilitará uma ampla acção educativa capaz de favorecer o desenvolvimento
integral do indivíduo em qualquer circunstância e situação que se encontre a viver a sua própria humanidade, sendo certo também que a educação é uma acção progressiva que acompanha as etapas e o nível do desenvolvimento humano. Na perspectiva do psicólogo G.J. Craig,
o desenvolvimento humano é uma realidade dinâmica que se efectua em tantos modos e ritmos diversos, através de mudanças contínuas e orientadas para um equilíbrio sempre maior e
mais maduro. Mais concretamente, o desenvolvimento humano é um processamento de
mudanças progressivas e constantes que acompanham a pessoa ao longo de todo o seu arco
18
R. MION, Sociologia dell’educazione – Pro scripto – Roma, UPS-FSE, 2004-2005, p. 16.
J. MARITAIN, L’Educazione al Bivio…, p. 14.
20
Cf. A. ARTO, Psicologia dello sviluppo. I. Fondamenti teorico-applicativi, Roma, Aipre, 2000, p. 31.
19
114
evolutivo – gestação, nascimento, infância, adolescência, juventude, adulto, velhice, morte –
transformando-a quer a nível de estrutura da sua personalidade quer a nível da sua conduta21.
Nessa óptica de conhecimento, a educação exerce um papel relevante no processo do
desenvolvimento do individuo, no sentido de que o desenrolar das diversas etapas não acontece de forma linear, mas com altos e baixos, com momentos críticos ou sensíveis que necessitam de cuidado, atenção, apoio e formação para que o desenvolvimento de uma etapa seja
efectuado com maturidade, competência e se abra a uma nova etapa sem sobressaltos e lacunas profundas, inconscientes ou conscientes. De facto, segundo A. Arto, o processo do desenvolvimento da pessoa humana está estritamente ligado ao processo de aprendizagem que vai
desde a psicomotora até ao nível de maturidade racional e profissional22.
Nesta perspectiva da evolução da personalidade de cada indivíduo, a praxis educativa
é para o ser humano uma busca constante e sistemática de razões significativas contidas em
tudo aquilo que está ao seu alcance para a sua vida presente e futuro. Observando as tendências naturais da aprendizagem através da experiência e da racionalidade por parte do indivíduo, ainda em fase de crescimento, G. Flores d’Arcais segue a mesma lógica de F. Fröbel e
conclui dizendo que «nada deve ser negado, nada deve ser subordinado aprioristicamente a
outro, de modo que a coincidência entre a micro e a macro-história, entre a micro e a macroexperiência, entre o microcosmo que é o homem individual e o macrocosmo que é a humanidade ou o universo no seu todo, é a medida com a qual se cumprem acções educativas23. É
nesse processo sistémico entre o microcosmo e o macrocosmo que o indivíduo desenvolve,
em todas as dimensões, a sua personalidade. Por isso, tem a razão J. Maritain quando diz que
a «educação é uma arte particularmente difícil. Precisamente porque, pela sua própria natureza, ela pertence à esfera da moral e da sabedoria prática. Portanto, a educação é uma arte
moral que dinamiza todos os sujeitos da sociedade e finaliza-os para o bem comum que edifica e aperfeiçoa a humanidade de cada indivíduo24. Nessa mesma linha, L. Macário é da opinião que a educação é um processo em colaboração, através do qual o indivíduo aprende a
arte de ser homem, antes, ela é a escola para a aprendizagem da profissão adulta do viver
humano25. Nessa óptica pode-se concluir que o fim da educação é o desenvolvimento da pessoa humana no seu todo enquanto sujeito maduro, livre e responsável. E para atingir essa
maturidade, é bom que se faça emergir a educação como um recurso natural e indispensável à
21
Cf. G. J. CRAIG, Lo sviluppo umano, Bologna, Il Mulino, 1995, p. 45
Cf. A. ARTO, Psicologia dello sviluppo…, p. 45.
23
G. FLORES D’ARCAIS, Introduzione…, p. XI.
24
J. MARITAIN, L’Educazione al Bivio…, p. 15.
25
L. MACARIO, Imparare a vivere da uomo adulto. Note di metodologia dell’educazione, Roma, Las, 1993, p. 73.
22
115
pessoa humana que se faz no tempo e na história graças à interacção de um conjunto de factores humanos, sociais e ambientais.
1.1 A educação como recurso humano
Entre todos os seres viventes, o ser humano é aquele que nasce mais desprevenido de
todos. Para sobreviver e conservar-se do ponto de vista biológico, intelectual, moral e espiritual deve aprender tudo interagindo com o seu meio ambiente. Partindo deste pressuposto
existencial da vida humana, podemos fazer emergir a educação como recurso natural e indispensável à pessoa humana, enquanto ser inserido num determinado contexto sócio-cultural.
Segundo J. Dewey, o recém-nascido é considerado imaturo que precisa ser educado e orientado conscientemente a assimilar de modo activo os interesses, os objectivos, os costumes, as
ideias, as noções, as habilidades e os hábitos dos adultos maturos e experientes da sociedade
em que se encontra inserido. Por isso, somente a educação é capaz de preencher a distância
que separa os indivíduos imaturos dos adultos maduros no tempo e no espaço de vida social,
mediante a interiorização desse património cultural26.
É paradoxal afirmar que a criação de bens tecnológicos, artísticos, científicos, morais
e religiosos são frutos dessa vinda ao mundo do homem despojado de tudo. É a partir do seu
mundo indefeso e pobre que o ser humano aprende a ser criativo de tudo aquilo que lhe serve
para sobreviver. Todavia, o grande problema que se põe ao mundo hodierno é a perda do controle sobre os próprios bens criados para a satisfação das suas necessidades. É por essa grande
questão de fundo que a educação não contribui somente para a invenção dos bens materiais e
ideológicos para a sobrevivência e convivência humana, como também, deverá contribuir para
a regulação do uso de tais bens para o equilíbrio da humanidade e da sociedade em particular.
A educação como recurso natural, que facilita o indivíduo no ensino e aprendizagem,
deve ser vista numa visão mais profunda da nossa humanidade e não como simples realidade
fechada entre os muros domésticos e escolares. Essa posição é digna de ser tomada em consideração, porque a sociedade actual está confirmando cada vez mais a impotência e ineficiência quer das famílias quer das escolas na educação dos seus filhos e alunos. O problema actual
de Cabo Verde não é tanto a questão do conteúdo informativo e formativo, mas o modo de
comunicar o património cultural. Deve ser realmente uma formação e educação do homem em
profundidade. Como levar os indivíduos imaturos a interiorizar a sua própria humanidade com
realismo e determinação? Nasce uma nova questão: será que os nossos agentes educativos
26
J. DEWEY, Democrazia e educazione…, p. 3.
116
(pais, professores, educadores, sacerdotes, catequistas, animadores sociais, psicólogos e sociólogos) sentem o peso global de tudo aquilo que faz parte da vivência humana, social e religiosa em Cabo Verde? Se quisermos apostar numa educação como recurso natural para o desenvolvimento da pessoa humana, da comunidade e da sociedade, é importante que se saiba pôr
em comum os objectivos, as crenças, as aspirações, os conhecimentos, as vontades e os pensamentos. São valores que exigem de todos a participação emotiva, afectiva, intelectual e
moral para que as necessidades individuais e sociais sejam satisfeitas27. É conveniente que os
indivíduos em fase de evolução assimilem o património cultural e colectivo com os mesmos
sentimentos valorativos dos adultos para que se sintam em perfeita sintonia com os mesmos
na família, na escola e na sociedade em geral.
A convicção e determinação de um adulto maturo do ponto de vista psico-afectivo,
intelectual e moral convencem mais o indivíduo imaturo do que o uso de palavras e histórias
fabuladas. O que está em causa não é tanto a transmissão do conteúdo que se quer ensinar ao
educando, mas a interioridade de quem ensina e educa. O educador é aquele que sabe manifestar com liberdade e responsabilidade o seu verdadeiro modelo interior que determina a sua
vida e orienta a vida dos educandos, como afirma F. Fröbel: «o mais alto e eterno modelo de
vida solicita cada homem a seguir o seu eterno modelo de modo que venha por sua vez a ser
exemplo para si mesmo e para os outros, e cada homem aja por si mesmo segundo a lei eterna
com liberdade, autodeterminação e livre opção»28. Nota-se nessa posição uma ideia clara de
que a educação deve orientar o indivíduo à vida e à sua mais alta aspiração. Isso acontece na
máxima liberdade do indivíduo, se por liberdade entendemos «não a possibilidade de movimentar-se em qualquer direcção, mas sim, a capacidade de proceder para a máxima clareza ou
transparência de si próprio, para consigo mesmo, com a natureza e com Deus»29.
Numa sociedade virada para o mundo da informática, a educação como recurso natural deveria servir para humanizar as relações humanas que se estão deteriorando, e incentivar
maior consenso entre as pessoas maturas para que possam construir grupos sociais como
suportes catalizadores de valores que servem para a formação moral, profissional e social dos
alunos das escolas secundárias de Cabo Verde. Para que isso possa acontecer é preciso que
haja um maior sentido de comunicação recíproca, isto é, uma visão de vida alargada no seio
dos pais e professores. Precisamente, porque a comunicação implica participação daquilo que
o outro pensa e sente, modificando a própria atitude em profundidade a fim de poder fazer
uma nova experiência de vida no tempo presente30. Portanto, a comunicação como atitude de
27
Cf. J. DEWEY, Democrazia e educazione…, p. 5
F. FRöBEL, L’educazione dell’Uomo…, p. 12.
29
Cf. G. FLORES D’ARCAIS, Introduzione…, p. XXXIV.
30
Cf. J. DEWEY, Democrazia e educazione…, p. 6.
28
117
reciprocidade é fundamental no processo educativo, enquanto dilata quer o mundo fenomenal
o educador quer do educando.
A educação como recurso natural do homem inserido no seu contexto de vida familiar e social não só abre às perspectivas do conhecimento das coisas e situações do mundo
passado, do tempo presente e perspectiva o plano para o futuro como, também, leva cada
indivíduo a ter consciência da sua própria realidade existencial. Sempre na linha da definição
da educação como acção exercida, é importante que o indivíduo conheça em si mesmo uma
ambivalência do seu ser uno, indistinto e inseparável, isto é, como um ser individual que
engloba todo o seu psiquismo e as experiências pessoais que fazem parte da sua personalidade, e um ser social que, também, engloba sistemas de ideias, de sentimentos, hábitos e que
exprimem o grupo, do qual o indivíduo faz parte31.
Partindo dessas realidades intrínsecas (personalidade-sociabilidade) que constituem o
ser humano na sua totalidade, faremos uma abordagem interactiva dos factores que estão em
jogo no processo do desenvolvimento humano e que são fundamentais para a compreensão
das diversas intervenções das instituições educativas e dos seus agentes.
1.2 Os factores do desenvolvimento humano na aprendizagem
Partindo daquilo que, anteriormente, descrevemos ao definir o conceito do desenvolvimento humano para um melhor enquadramento da educação, falta-nos enquadrar o processar desse desenvolvimento para que o estudo sobre as tarefas das instituições educativas e a
interiorização dos valores éticos e religiosos no processo educativo dos adolescentes caboverdianos atinja o seu devido objectivo que é a formação e orientação sócio-pedagógica na
área da formação moral, profissional e social dos estudantes do Ensino Secundário. Embora o
contexto geográfico, sócio-político e cultural e a forma como se procede a humanização, a
civilização e a socialização seja diversos, o princípio que rege toda a transformação do ponto
de vista teórico é idêntico. Por conseguinte, o quadro teórico que vai ser apresentado neste
parágrafo tem toda a validade para a realidade cabo-verdiana, tendo em consideração que a
sua cultura é prevalentemente ocidentalizada, não obstante a sua miscigenação.
Embora se saiba que o modo de proceder do desenvolvimento humano é algo de
muito individual, cada indivíduo é o que é, e há na sua estrutura psico-física algo que muda processo contínuo e gradual que vai de acordo com a ideia de mudanças quantitativas - e algo
que permanece - processo descontínuo que consiste em mudanças de natureza qualitativa,
31
Cf. É. DURKHEIM, La sociologia dell’educazione…, p. 41
118
para que ele possa alcançar a sua maturidade. Por isso, quando se faz qualquer abordagem
sobre o desenvolvimento humano para especificar ou explicar um determinado acto quer
humano que implica vontade e racionalidade, quer do homem que implica inconsciência e
instinto, os psicólogos são unânimes em afirmar que entra em jogo um conjunto de factores
endógenos (processos biológicos e hereditários) e factores exógenos (processos ambientais e
culturais). A importância desses factores consiste, essencialmente, na sua recíproca interactividade que determina um comportamento específico. É bom que essa interacção seja sublinhada, dizendo que ela tem os seus ritmos acelerados e menos acelerados segundo as fases e
as idades do desenvolvimento de cada indivíduo. As fases desse processo evolutivo estão
devidamente intercaladas entre si de modo que cada estádio do desenvolvimento revele uma
história peculiar do próprio indivíduo, e permita compreender o seu nível de maturidade e
competência.
Sempre nesta perspectiva, em qualquer estudo sobre os problemas evolutivos, é fundamental que se tenha em consideração os modelos (comportamental-social, cognitivo, psicanalítico) que englobam todo o itinerário vital de uma pessoa. Segundo A. Arto, cada modelo
oferece elementos para colher aspectos diferentes da pessoa; contudo, para que se possa ter
uma mentalidade evolutiva digna de respeito pelas diversidades, como também, pela unificação do homem em evolução, e para que se evite dicotomia ou fragmentação, é preciso integrar
os aspectos factoriais analisados separadamente, unificando as diversas componentes e esferas
da personalidade numa concepção global e integrada da pessoa no seu desenvolvimento32. No
campo educativo e formativo, o mesmo autor é também da ideia de que os educadores devem
saber compreender em profundidade os factores que se entrelaçam para determinar um comportamento do indivíduo em fase evolutiva. Isso vai exigir de todos os agentes educativos
atenção e cuidado para que haja harmonia e integração funcional e produtiva, porque são
essas condições que constituem o estímulo adequado para o crescimento e o desenvolvimento
de todos os seres humanos33.
A compreensão dos factores que interagem no processo do desenvolvimento do ser
humano pressupõe necessariamente uma reflexão baseada sobre as principais teorias que se
interessam da pessoa humana nos seus diversos parâmetros: comportamental, cognitivo, psico-afectivo. Portanto, o estudo de qualquer comportamento humano e de qualquer prática
educativa supõe eventualmente o ponto de vista de cada teoria. Mas, a compreensão da pessoa
na sua globalidade deve partir de uma justa avaliação baseada em todas as esferas que com-
32
33
A. ARTO, Psicologia dello sviluppo. I. Fondamenti teorico-applicativi…, p. 46.
Idem., p. 52.
119
põem a personalidade de cada indivíduo, tendo em conta as seguintes teorias: aprendizagem
social, cognitiva, psicanalítica ou psicologia do profundo.
Antes de tudo, a conjectura comportamental – teoria da aprendizagem social – considera o ser humano como um organismo flexível, fácil de ser modelado e com uma capacidade
ilimitada para aprender. Nesta perspectiva a mudança evolutiva não provém do interior do
indivíduo, mas é o ambiente que lhe impõe, modela e plasma. Neste caso, o desenvolvimento
consiste numa progressiva modelação das respostas do indivíduo por parte do ambiente, no
qual se encontra inserido. Nesse sentido, J. B. Watson encara a aprendizagem como resultado
de um processo de condicionamento segundo o qual determinadas reacções são associadas a
determinados estímulos, e considera que todas as formas de comportamento podem ser aprendidas34. Fala então de uma psicologia de aprendizagem e não de uma psicologia do desenvolvimento. Entretanto, D. Kuhn reconhece o papel da inteligência do indivíduo, antes, a estruturação activa da experiência, critica e refuta os mecanismos explicativos que fazem provir o
desenvolvimento cognitivo da progressiva reestruturação da inteligência, concebida como
uma actividade individual desligada do contexto social e da influência que este poderia exercer. Os indivíduos desenvolvem-se num contexto social constituído por outros indivíduos, a
interdependência entre os processos cognitivos e sociais deve, por isso, ser reconhecida e tornar-se objecto de pesquisa35.
Nessa direcção psicológica, pode-se individualizar outras posições como é o caso do
comportamentismo radical de B. F. Skinner, o qual defende que o desenvolvimento não é
outra coisa a não ser uma longa sequência de experiência de aprendizagem. As crianças
desenvolvem-se do mesmo modo, simplesmente porque se encontram a viver experiências de
aprendizagem semelhantes. A aprendizagem é regulada por dois processos fundamentais:
condicionamento clássico e condicionamento operante36. E a corrente moderada inspira-se na
teoria da aprendizagem social. O propulsionador dessa teoria, A. Bandura, é da opinião que a
aprendizagem pode derivar, também, da observação, sem que haja um determinado reforço.
Portanto, a aprendizagem, por observação, explica o porquê de muitos comportamentos que as
crianças aprendem observando as pessoas com as quais se relacionam ou por meio das imagens televisivas. Essa visão distancia da posição radical da aprendizagem automática, colocando numa posição humanista que põe atenção na pessoa em questão, isto é, tudo aquilo que
uma criança aprende é porque foi influenciada pelos aspectos do comportamento que ela
34
J. TAVARES et ali., Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, Coimbra, Almedina,1999, p. 92.
D. KUHN, Lo sviluppo cognitivo, in M. H. BORNSTEIN – M. E. LAMB, Lo sviluppo percettivo, cognitivo,
linguistico, Milano, Cortina, 1992, p. 160-161.
36
L. CAMAIONI – P. DI BLASIO, Psicologia dello sviluppo, Bologna, Il Mulino, 2002, p. 13.
35
120
observa e presta atenção e tem a capacidade de interpretá-los e recordá-los37. Por conseguinte,
esse autor está convencido que existem reforços intrínsecos que derivam mais do interior do
indivíduo que do ambiente exterior.
Na perspectiva de demonstrar a importância do desenvolvimento humano no processo da aprendizagem, uma outra posição merece consideração. Trata-se da teoria cognitiva que
estuda a personalidade e tenta compreendê-la em profundidade, considerando a pessoa como
protagonista e medianeira do seu próprio acto e interpretando, racionalmente, a interacção
entre os factores externos (estímulos) e factores internos (reacções). Portanto, é uma teoria
que coloca a centralidade da pessoa como um ser activo, dinâmico, espontâneo e capaz de
realizar as suas próprias potencialidades internas. O pai da teoria cognitiva, J. Piaget, fez notar
nessa abordagem o princípio de equilíbrio. Segundo ele, a criança constitui gradualmente a
compreensão de si mesma, dos outros e do mundo externo, através dum contínuo intercâmbio
com o ambiente. Afastando-se quer do inatismo quer do empirismo, J. Piaget concluiu dizendo que qualquer resultado ou aquisição dessa interacção é fruto de uma acomodação mútua
entre o indivíduo e o ambiente que o rodeia38. Portanto, a aprendizagem é um processo natural
e progressivo de exploração, descoberta e reorganização mental, que o indivíduo faz em si e
que o leva à busca de equilíbrio interior da própria personalidade.
Nessa mesma óptica, verificamos que J.S. Bruner é da opinião que a aprendizagem é
um processo activo do sujeito que aprende, organiza e guarda a informação recebida. Antes,
segundo ele, o conhecimento adquire-se, quando o indivíduo está em condições de levantar
problemas, criar expectativas, levantar e verificar as hipóteses e descobrir novos horizontes do
saber39. Perante esse processamento, D. Ausubel contradiz dizendo que seria mais fácil aprender se a informação for estruturada de forma sequencial e lógica e se for significativa para a
sua retenção40. Portanto, a aprendizagem deve ser feita por recepção e não por descoberta
como pretendia Bruner.
Uma terceira conjectura no processo do desenvolvimento humano que se deve ter
presente no processo de aprendizagem é a teoria psicanalítica ou psicologia do profundo,
através da qual se tenta fazer uma análise da personalidade no que se refere às tendências psico-afectivas e o seu mundo inconsciente. É uma teoria que, também, considera o indivíduo
como um organismo simbólico, capaz de atribuir significados a si mesmo e ao mundo. É
37
Cf. A. BANDURA, Teoría del aprendizaje social, Madrid, Espasa-Calpe, 1982.
J. PIAGET, Lo sviluppo mentale del bambino e altri studi di psicologia, Torino, Piccola Biblioteca Einaudi,
1967, p. 12.
39
Cf. J. S. BRUNER, The process of education, New York, Vintage Books, 1963.
40
Cf. D. P. AUSUBEL, et ali., Educational psychology: a cognitive view, New York., Holt, Rinehart and Winston,
38
1978.
121
importante sublinhar o papel do indivíduo come um ser activo capaz de responder aos estímulos que provêm do ambiente em modos diferentes. Além de ser consciente dos seus comportamentos e situações, é um ser que tem uma história pessoal, um passado e uma vida profunda, subconsciente e inconsciente que influenciam o seu comportamento, o seu mundo cognitivo e afectivo e, por conseguinte, a sua forma de aprender. Daí, a importância dessa teoria que
tenta reconstruir a história pessoal dos indivíduos procurando os anexos significativos para
um justo e são equilíbrio psico-afectivo e psicossocial41.
Para além de outras abordagens aproximativas que poderão ser tomadas em consideração ao longo desse estudo, é bom que se diga que as três teorias tentaram apresentar cada
um o seu aspecto preferencial em relação à pessoa. Segundo A. Arto, quando se estuda qualquer acção humana é indispensável o uso da cada uma das teorias à luz da complementaridade
e não de exclusividade É graças à integração dos diversos contributos que nos podemos aproximar e compreender com mais exactidão a complexidade da pessoa humana42.
As teorias apresentadas não excluem outros modelos teóricos no processo educativo
do indivíduo. Certo é que o desenvolvimento humano e o processo de ensino-aprendizagem
do indivíduo são condições estruturantes da personalidade do ser humano. É importante que
os agentes educativos saibam interagir com os seus educandos, a fim de conseguir ajudá-los a
compreender um conjunto de factores que contribuem para a integração harmoniosa da sua
personalidade mediante o processo educativo.
Fig. 1: A dinâmica de interacção dos factores no processo do desenvolvimento e
ensino e aprendizagem do educando-aluno
Família
Sociedade
Outros
Objectivos
Desenvolvimento
Aprendizagem
Escola
41
42
Turma
Educador
Educando
Tarefas
P. BLOS, L’adolescenza in una prospectiva psicoanalitica, Milano, Angeli, 1971, p. 245.
A. ARTO, Psicologia dello sviluppo. I. Fondamenti teorico-applicativi…, p. 143.
122
Nessa dinâmica é preciso perspectivar a essência da interacção que pode existir entre
a estrutura intrínseca do sujeito a educar e a estrutura extrínseca das tarefas a serem utilizadas
nas acções educativas. Precisamente porque é nesse processo interactivo que acontece a educação do ser humano, que pressupõe o desenvolvimento e a aprendizagem, passando pela
interacção de vários factores principais: educando, objectivos, educador, tarefas, escola, família, sociedade e outros intervenientes43 (cf. Fig. 1).
As teorias acima apresentadas são os pressupostos fundamentais que nos permitirão
compreender toda a problemática à volta da formação moral, profissional e social dos alunos
que frequentam o Ensino Secundário de Cabo Verde. Entretanto, é a partir dessa constatação
que vamos fazer uma abordagem da pessoa humana como um ser que se faz através da educação e da formação.
1.3 A pessoa humana faz-se através da educação
Em todo o processo do desenvolvimento humano, a educação é indispensável para
que o indivíduo se defina como pessoa humana, isto é, um ser em relação consigo mesma,
com os outros, com o mundo e com o Transcendente. Na perspectiva educacional, a pessoa
nasce na educação como um ser indefinido, inacabado e aberto. Por isso, F. Fröbel afirma
que:
«O homem, com tudo, e no homem a humanidade, deve ser considerado como uma manifestação exterior, não como um fenómeno já acabado, completamente, transformado, não como coisa
imóvel, estável, mas sempre e continuamente em transformação e crescimento, eternamente viva,
sempre em movimento em qualquer etapa do seu desenvolvimento e de perfeição para a meta que está
no infinito e no eterno»44.
É essa visão existencial e transcendental da pessoa humana que nos leva a perceber
o verdadeiro sentido da educação como um processo dinâmico e humanizante que acompanha
o indivíduo até ao fim da sua existência terrena como um ser educável. Embora tenhamos
insistido na educação como um factor social, uma acção exercida por alguém sobre alguém,
justamente, porque o indivíduo nasce e vive dentro dum contexto sócio-cultural, a nossa perspectiva encara esse processo de forma mais humanista possível, no sentido de que a educação
ajuda a geração em crescimento a ser adulta, capaz de viver ou sobreviver, segundo a própria
43
44
Cf. J. TAVARES et al., Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem…, p. 134.
F. FRöBEL, L’educazione dell’Uomo…, p. 16.
123
colocação humana. Daí a necessidade de colocar a pessoa no centro do acto educativo tendo
em consideração quer o aspecto material da educação, isto é, os conteúdos baseados na verdade e nos valores que fazem parte do património cultural, quer no seu aspecto formal, no sentido de que forma as capacidades, as atitudes, as habilidades e consciência crítica do sujeito
educando45.
O facto de colocar a pessoa do educando no centro do acto educativo não dispensa
um intermediário – o educador – experiente quer no campo teórico quer no campo prático
para uma efectiva e racional orientação e formação moral, profissional e social do educando.
Sabe-se que o educando é um ser imaturo com possibilidade de crescer e tornar-se um ser
adulto, por conseguinte, o educador deve olhar para esse seu ser imaturo no seu mundo interior e não como um simples fenómeno que se apresenta à sua frente. Nessa óptica, J. Dewey é
da opinião que as crianças são dotadas maravilhosamente de capacidade de garantir a atenção
cooperativa dos outros, que os outros estejam maravilhosamente atentos às suas necessidades46. Antes, o educando é o protagonista do seu agir educativo, porquanto vai à busca do
sentido, do significado e da compreensão de tudo aquilo que o rodeia e, para que, a sua expectativa possa realizar-se sem sobressaltos, necessita de um orientador que saiba ter em conta o
seu modo de pensar, a sua sensibilidade e a sua maneira de perceber as coisas reais da sociedade, as situações do mundo e as problemáticas condizentes ao seu estado de desenvolvimento natural e espiritual.
A necessidade de um orientador ou educador pressupõe uma eficaz interacção educativa deste com o educando, sobretudo no modo de propor os contributos educativos. Na linha
de M. Pellerey, esses contributos devem centralizar-se sobre a pessoa do educando e devem
ser compreensíveis e realizáveis. Para que se evite uma reacção despropositada e atitudes de
indiferença e de insatisfação, o educando deve compreender o significado desses contributos e
perceber que são ofertas que vêm ao encontro das suas expectativas e que são atingíveis e
realizáveis. Desse modo surgirão relações interpessoais e significativas que vão facilitar todo
o processo educativo entre o educador e educando. É nesse tipo de relação que o educador
ajuda o educando, comunicando-lhe os conteúdos no respeito da sua dignidade enquanto pessoa, e das suas exigências de crescimento para autonomia47. Nessa linha pedagógica, o educador é aquele que abre o horizonte moral, profissional e social do indivíduo em crescimento,
deixando-o crescer na sua racionalidade e sensibilidade perante um mundo que oferece uma
ampla possibilidade de opções e oportunidades de viver com competência, liberdade e responsabilidade.
45
Cf. C. NANNI, Educazione e pedagogia in una cultura che cambia, Roma, Las, 1992, p. 86.
Cf. J. DEWEY, Democrazia e educazione…, p. 49.
47
Cf. M. PELLEREY, Educare. Manuale di pedagogia come scienza pratico-progettuale, Roma, Las, 1999, p. 211.
46
124
É através duma orientação objectiva, racional e social que o indivíduo se adapta com
flexibilidade às diversas situações que a vida lhe apresenta. Na verdade, a educação torna uma
pessoa flexível ao longo do seu crescimento. Segundo J. Dewey, o modo de adaptar-se com
flexibilidade demonstra claramente a habilidade que o indivíduo tem para aprender através da
experiência. E vai um pouco mais longe, dizendo que o indivíduo tem a capacidade de obter
da experiência algo que o serve para lutar contra as dificuldades que, eventualmente, possam
acontecer sucessivamente. Isso significa que o indivíduo é capaz de transformar as acções a
partir dos resultados obtidos através das experiências precedentes, e mais, é capaz de desenvolver as disposições necessárias para novos empreendimentos pessoais e sociais48. Assim, o
educando fica habilitado a fazer uma correcta interpretação e saber discernir o que é bom do
que não é, para o seu desenvolvimento humano e espiritual.
A pessoa humana faz-se através da educação, no sentido de que essa se ocupa não só
de conteúdos materiais, mas também e sobretudo do homem em todas as suas dimensões, corporeidade, espiritualidade, moralidade, religiosidade, profissionalidade. Todas estas dimensões comprovam que a pessoa humana é um ser rico que possui, intrinsecamente, a inteligência e a vontade de definir-se como tal. Na linha do pensamento J. Maritain, o que de facto
engrandece e enobrece a pessoa humana é a sua capacidade de conhecer o universo e amar os
seus semelhantes. Conhecimento e amor são duas faculdades que só se encontram no homem
enquanto ser racional. Baseando-se no princípio filosófico aristotélico, acabou por reconhecer
que na carne e nos ossos do homem existe uma alma que é espírito, o qual, vale mais do que
universo físico no seu todo. E conclui dizendo que é o espírito a raiz da personalidade49. Daí a
importância da educação ajudar a pessoa humana a conhecer-se e conhecer os outros e o universo como fonte de subsistência, e a necessidade de uma educação ao amor e para o amor
como capacidade de preservar e continuar o processo da criação do mundo e da humanidade.
Essa forma de encarar a educação induz a pensar o educando como sujeito inserido
no seu ambiente colectivo, onde nenhum sector institucional (escola, família, igreja etc.) pode
considerar-se, individualmente, como o único instrumento da sua formação. Isso está bem
presente no pensamento de E. Mounier que dizia que a criança é um sujeito e não uma res
societatis, uma res famíliae ou uma res ecclesiae. É nesse sentido que a educação não considera o indivíduo como objecto que pertence à sociedade, à família, à igreja, mas sujeito inserido nesse contexto natural para a sua formação50. Portanto, as instituições educativas e seus
agentes formam um contexto colectivo e interactivo para a educação da pessoa humana na sua
48
Cf. J. DEWEY, Democrazia e educazione…, p. 50.
Cf. J. MARITAIN, L’Educazione al Bivio…, p. 20-21.
50
Cf. E. MOUNIER, Il personalismo, Roma, AVE, 1987, p. 160.
49
125
unidade e integridade do ponto de vista biológico, intelectual, psico-afectivo, cultural, social e
religioso.
1.4 A educação em vista das necessidades humanas
O estudo sobre o desenvolvimento humano faz ver como é importante a satisfação
das “necessidades” por parte do indivíduo que se encontra nesse processo de crescimento. De
facto, o ser humano necessita de tudo para a sua subsistência e sobrevivência humana, moral e
espiritual. É por essa razão que um enquadramento teórico sobre as necessidades humanas
tem sentido, e merece um justo equilíbrio para que o indivíduo consiga desenvolver-se harmoniosamente em todas as suas dimensões. Sabemos que a necessidade humana é uma condição que implica um estudo aprofundado do ponto de vista sociológico e antropológico, filosófico, psicológico, económico, por isso, preferimos enquadrá-las numa perspectiva eminentemente formativa tendo em consideração algumas referências para uma melhor compreensão
das condições dos estudantes adolescentes do Ensino Secundário de Cabo Verde.
a) Necessidades do ponto de vista filosófico: Se partirmos da concepção filosófica,
nota-se que os filósofos gregos (Epicureus, Estóicos, Cínicos) apresentam o ser humano como
alguém que sente interiormente a necessidade de busca da felicidade através do prazer, evitando tudo aquilo que faz sofrer. Nesse sentido a sabedoria filosófica é vista como um bem
que o homem deve procurar. Segundo essas correntes filosóficas, o homem para alcançar o
bem (sabedoria - paz e felicidade de mente) deve controlar os seus desejos egoísticos buscando a simplicidade e tranquilidade de vida que regula a atitude comportamental em consonância com a ordem estabelecida no universo. Portanto, o homem ideal é aquele que sente menos
a necessidade dos bens exteriores, e se dedica a encontrar a tranquilidade e a paz de mente e
de espírito que o corpo, os bens materiais, as actividades físicas, os prazeres fisiológicos não
lhe podem oferecer51. Nessa perspectiva o indivíduo que se afasta das preocupações externas,
dos desejos e das necessidades incontroláveis sente-se menos vulnerável às frustrações e ao
sofrimento. O que pode constar nessa perspectiva é o discernimento entre as necessidades
verdadeiras e naturais e as necessidades falsas e artificiais.
À volta dessa concepção, prevalece na sociedade moderna e pós-moderna uma orientação utilitarista que pensa o homem unicamente sustentado pela lógica egoísta do cálculo do
51
L. RODRIGUES, Introdução à filosofia, Lisboa, Plátano, 1999, p. 35.
126
prazer e sofrimento, pelo seu interesse e pelas escolhas de suas preferências52. Isso deriva das
concepções de novas doutrinas filosóficas do iluminismo dos séculos XVII e XVIII que, rejeitando a filosofia platónica, aristotélica e escolástica, tentaram colocar a base do seu pensamento materialista recorrendo à filosofia epicurista e procurando realçar o aspecto naturalístico do comportamento humano que aponta para a satisfação das próprias necessidades. Nessa
óptica, o sociólogo francês E. B. De Condillac faz distinção entre as necessidades naturais,
que fazem parte da natureza corpórea do homem (sono, alimento, vestuário, habitação etc.) e
artificiais que derivam dos hábitos e costumes. E, para explicar o emergir das necessidades
artificiais, compara as necessidades dos animais com as dos homens: enquanto os animais têm
poucas necessidades e contraem somente um pequeno número de hábitos, os homens acumulam necessidades de vária ordem53. Portanto, as necessidades artificiais criam sempre novas
necessidades distanciando-se sempre mais das necessidades naturais até que o indivíduo desabroche na ostentação e na opulência.
Nessa perspectiva utilitarista de conceber as necessidades como busca de prazer e de
fugir ao sofrimento, emerge o interesse do indivíduo que deve ser controlado pelos outros.
Essa ideia está presente no pensamento filosófico de F. Hegel, o qual considera o indivíduo
como um conjunto de necessidades e mistura de necessidades naturais e do arbítrio (Estado) à
busca de satisfação. Portanto, Hegel parte do princípio que o indivíduo, enquanto portador da
necessidade natural, não está em condições de poder satisfazê-la senão com o apoio dos
outros. Essa necessidade dos outros cria a sociedade civil (família e as classes sociais) critério
basilar do Estado (necessidade universal). Assim, o autor cria o conceito de “necessidade
social”, fazendo convergir as necessidades naturais do indivíduo, a sociedade civil que reúne
os interesses das classes sociais e o Estado que os controla e organiza54. Embora reconheça
essa dinâmica entrelaçada entre o indivíduo e o Estado, a liberdade individual de agir e procurar a satisfação das próprias necessidades naturais e espirituais permanece como um direito
alienável.
Perante uma sociedade marcada pelo capitalismo, a ideia de necessidades humanas
tomou uma outra configuração. O exponente crítico dessa conjuntura social, K. Marx, partiu
do princípio que o homem é um ser rico de necessidades e que, infelizmente, se sente despojado não somente dos bens necessários para a sua sobrevivência, mas, também, um alienado e
incapaz de perceber as suas autênticas necessidades. Nesse caso, o conceito de alienação refe52
Cf. B. CATTARINUSSI, Altruismo e società. Aspetti e problemi del comportamento prosociale, Milano, Franco
Angeli, 1991, p.13.
53
Cf. E. B. DE CONDILLAC, Trattato sugli animali, in “Opere di Etienne Bonnot de Condillac”, Torino, Utet,
1976, pp. 633-634.
54
Cf. F. HEGEL, Lineamenti di filosofia del diritto, Bari, Laterza, 1972, p.165.
127
re ao processo estruturante do capitalismo, pelo qual, o homem é privo da sua riqueza humana
em benefício daquela material55. Entretanto, Marx aponta outros conceitos que descrevem o
sentido das necessidades humanas: naturais para a subsistência e sobrevivência da pessoa;
necessidades necessárias ou sociais que surgiram ao longo da história (elementos culturais,
morais, costumes) e que determinaram a vida normal dos homens pertencentes a uma determinada sociedade; necessidades radicais que são consideradas como um dever de superar o
capitalismo mediante a luta de classes56. Não obstante esse leque de necessidades, o desenvolvimento económico, tecnológico e cultural continua a criar novas necessidades, incentivando a divisão entre as classes sociais, entre os países e continentes.
b) Necessidades segundo a concepção económica: Daí a emergência de algumas
considerações sobre as necessidades humanas do ponto de vista económico. A concepção
económica das necessidades baseia-se essencialmente no consumo e da produção. No que se
refere à necessidade de consumo é importante sublinhar a potencialidade e a difusão da economia a nível internacional. Se por um lado, facilita o acesso de produtos para todos os povos,
doutro lado, nem todos têm o poder de compra por causa do desemprego, de qualificação profissional, de doenças. Parece um paradoxo, mas, no contexto social do tempo actual é um facto real: o desenvolvimento económico contribui para fomentar novas categorias de pobres e
nova marginalização e exclusão social de muitos, especialmente, da nova geração. Ainda nessa perspectiva económica, pode-se verificar as necessidades em relação à produção. O homem
produz os meios de subsistências para satisfazer as suas próprias necessidades. Na visão
interpretativa do sistema capitalista, o fim da produção é o lucro, e a satisfação das necessidades é considerada, apenas, um meio57.
Não obstante esses pressupostos, perante um determinado produto, o sujeito é livre
de julgar a própria necessidade e a conveniência valorativa que tem para si. Nesse caso, se
pode considerar as necessidades como motivações que empurram o indivíduo para a busca
daquilo que lhe serve para a sua satisfação58. A escolha de produto para a satisfação de uma
necessidade implica que o indivíduo tenha a consciência não só da sua utilidade, como também, aquilo que representa como um valor e para o seu bem. Isso pressupõe que o indivíduo
tenha uma formação de carácter, para poder efectuar uma escolha livre e racional sem refugiar-se no sentimentalismo ou num puro gosto sensual. No que tange aos estudantes adolescentes, é aconselhável que a satisfação das suas necessidades sejam orientadas e reguladas
pelas instituições educativas, políticas e religiosas. Essa colaboração contribuirá para que os
55
Cf. A. HELLER, La teoria dei bisogni in Marx, Milano, Feltrinelli, 1980, p. 41.
Idem., pp. 81,87, 97.
57
Idem., p. 38.
58
Cf. H. BROCHIER, Besoins économiques, in “Encyclopaedia Universalis”, Paris, Éditeur Paris, 1985, p. 533.
56
128
adolescentes tenham a consciência moral daquilo que é bom e útil para o seu crescimento
humano, profissional e social, e que os poderá ajudar a criar uma hierarquia de valores normativos segundo as suas convicções, e lhes permite comportar-se segundo normas socialmente
partilhadas, recusando a ingerência despropositada de publicidades veiculadas pelos mass
media.
c) Necessidades do ponto de vista sociológico: Para fazermos algumas considerações
sobre as necessidades do ponto de vista sociológico, precisamos de ter presente, antes de tudo,
as concepções funcionantes das necessidades. O exponente dessa corrente de pensamento é B.
Malinowski, o qual faz referência a um “organismo humano” ou “societário” caracterizado
como um complexo de variáveis que partem do nível biológico até ao nível psicológico, social
e cultural. Nesse sentido, a cultura deve satisfazer o sistema biológico das necessidades, e as
manifestações culturais são finalizadas a satisfazer as necessidades corporais59. Portanto, as
instituições sociais e educativas representam para a sociedade e para o indivíduo, em particular, uma resposta capaz de satisfazer as necessidades segundo as representações dos “serviços
sociais”60: família, alimentação, habitação, vestuário, saúde, educação, emprego etc. São
necessidades sociais objectivas e materiais em função da sobrevivência humana.
Segundo P. H. Chombart De Lauwe, as necessidades sociológicas podem ser encaradas em duas perspectivas: necessidades objectivas que englobam os serviços sociais acima
apontados; e necessidades subjectivas (desejos) condizentes com o estado interior do indivíduo que aspira, anseia e tende para um objecto concreto ou uma posição social. Portanto, as
necessidades que implicam aspiração, significam, segundo este autor, o desejo activado pelas
imagens e representações e modelos presentes numa cultura, tornando-se, assim, uma necessidade61. É importante que os estudantes adolescentes sejam orientados nas suas necessidadesaspirações para que possam realizar no futuro os seus projectos de vida pessoal, profissional,
social e religiosa. Precisamente, porque são necessidades que mais tarde tornar-se-ão opções
fundamentais para a realização da própria existência humana e para a sua integração e inserção social.
d) Necessidades na perspectiva psicológica: Além das necessidades fundamentais e
sociais realçadas, apresentaremos algumas considerações teóricas sobre as necessidades do
ponto de vista psicológico. Sabe-se que há várias teorias (comportamental, cognitiva e psicanalítica) que se ocupam dessa condição humana, precisamente porque o ser humano sente a
necessidade existencial de auto-realização pessoal, profissional e social. Antes de tudo, a cor59
Cf. B. MALINOWSKI, Teoria scientifica della cultura e altri saggi, Milano, Feltrinelli, 1971, p. 177.
Cf. P. DONATI, L’integrazione dei servizi sociali e sanitari nell’ottica dei bisogni di salute per la loro
rilevazione e soddisfazione, in “Rivista di Servizio Sociale”, n. 3, 21 (1989), p. 8.
61
Cf. P. H. CHOMBART DE LAUWE, Pour une sociologie des aspirations, Paris, Denoel/Gonthier, 1971, p. 28
60
129
rente comportamental – teoria reactiva – considera as necessidades, apenas, do ponto de vista
fisiológico, fruto do seu estado natural, e que impelem o indivíduo para a busca da própria
satisfação. Portanto o indivíduo reage mediante estimulação que recebe do ambiente exterior
ou de forças psico-fisiológicas impessoais62. Nessa óptica, os elementos para a sobrevivência
do indivíduo são percebidos como uma “necessidade primária”. Isso explica, em parte, as
acções e os comportamentos que o indivíduo realiza para a sua subsistência, mas não as motivações que derivam da existência humana63.
A psicologia do profundo – teoria psicanalítica – encara as necessidades como instinto impulsão, desejo de origem inconsciente. E as correntes cognitivas concentram-se à volta da intencionalidade das necessidades orientadas pelas influências que os processos cognitivos exercem sobre a motivação64. Nessas duas últimas concepções verifica-se que o indivíduo
é considerado agente activo e orientado pelas forças intrínsecas que provêm do conhecimento
de um fim que se deve perseguir para se realizar os seus intentos ou as necessidades65. As
duas teorias pressupõem que o ser humano sente a necessidade – secundária – de realizar-se
como pessoa através de outras necessidades (afectivas, espirituais, estéticas, artísticas, transcendentais) que vão para além da simples satisfação natural da sobrevivência.
Na perspectiva humanística, acentuamos, antes de tudo, a posição de A. Maslow, o
qual fez emergir as necessidades fundamentais que orientam o indivíduo na estruturação da
sua personalidade: necessidades de segurança, de pertença, de afecto, de estima e de autorealização66. Em segundo lugar, a posição de E. Fromm, o qual apresenta as necessidades
existenciais que estão estritamente entrelaçados com as necessidades de amor, de religiosidade, de criatividade cultural, de identidade, de pertença social, de admiração e orientação67.
Para além dessas necessidades, é fácil deduzir outras que estão relacionadas com a predisposição de carácter do indivíduo e induzidas pelas ideologias, crenças e consumismo da sociedade pós-moderna.
As apreciações sintéticas à volta das diversas correntes que abordam as necessidades
humanas, poderão reforçar as análises sobre as condições dos estudantes adolescentes caboverdianos e as posições sobre a necessidade de formação moral, profissional e social nas escolas secundárias de Cabo Verde. Sendo a adolescência uma fase delicada e complexa da formação humana, há que zelar por uma educação que tenha em conta todas as suas necessida62
A. RONCO, Introduzione alla psicologia. 1. Psicologia dinâmica, Roma Las, 1991, p. 27.
Cf. C. L. HULL, I principi del comportamento. Introduzione alla teoria del comportamento, Roma, Armando,
1978, p.18.
64
G. PETRACCHI, Motivazione e insegnamento, Brescia, La scuola, 1990, p. 31.
65
Cf. A. RONCO, Introduzione alla psicologia…, p. 27.
66
Cf. A. MASLOW, Motivazione e personalità, Roma, Armando, 1974, p. 99.
67
Cf. E. FROMM, Psicanalisi della società contemporanea, Milano, Edizioni di Comunità, 1981, p. 36.
63
130
des, servindo-se de todos os contributos úteis, positivos e flexíveis para a sua formação pessoal, profissional e social.
Concluindo, podemos afirmar que, para a educação da sua personalidade, os estudantes adolescentes necessitam de desenvolver a sua sociabilidade e a sua identidade psicossocial
mediante a participação activa na sociedade e em relação com os outros (pais, professores,
grupos de pares e adultos, em geral); necessitam de figuras significativas (pais, pessoamodelo) para reforçar a sua segurança e apoio; necessitam de compreensão e de aceitação por
parte da parte da família, da escola e da sociedade em geral; necessitam de autonomia, em
relação aos pais, para se afirmarem na sua identidade pessoal e que, no entanto, se manifesta
nesse duplo sentido: distanciamento-aproximação – como critério de referência; necessitam
de situar-se no seu próprio ambiente e ser criativos e conhecedores de novas possibilidades e
situações que se lhes apresentam nessa fase de crescimento; necessitam de valores significativos que dão sentido e significado ao seu modo coerente de viver e de estar com os outros;
necessitam da moral para a orientação das suas atitudes comportamentais; enfim, necessitam
de desenvolver a sua dimensão psico-afectiva vivendo no amor, desenvolvendo a sua sexualidade em vista de um projecto de vida. São necessidades fundamentais que exigem da escola e
da família um acompanhamento educativo e progressivo para que os adolescentes possam
atingir a sua plena maturidade.
2.
A socialização na escola secundária e na cultura autóctone
Ao longo do parágrafo anterior foi realçada a importância da educação e do desenvolvimento humano, tendo em consideração factores que entram em jogo no processo de
aprendizagem e as necessidades fundamentais dos estudantes adolescentes. De facto, para que
o indivíduo possa satisfazer as suas necessidades e desenvolver-se do ponto de vista biológico, intelectual, espiritual e moral, é preciso que haja a interacção entre os dois grupos de factores indispensáveis: endógenos, cuja propriedade condiz com a própria constituição biofísica
e hereditária do indivíduo; exógenos que englobam tudo aquilo que provém do meio ambiente
e é assimilado pelo indivíduo. A partir dessa constatação interactiva pode-se apresentar a
escola como um factor externo e indispensável para o desenvolvimento intelectual, moral e
social do ser humano e o processo de socialização na cultura cabo-verdiana. E mais, a escola é
um factor sistémico enquanto instituição deliberada socialmente, se por instituições entendemos um conjunto de «modelos universais de comportamento dotados de normas, que caracterizam um sistema de regras à volta dos quais se constitui um determinado grupo social. É um
131
conjunto de esquemas de comportamentos que permite ao indivíduo atingir os fins sociais,
satisfazer as suas necessidades e preservar determinados valores que são fundamentais para a
sociedade»68.
Embora o estudo tenha como objectivo primário o enquadramento das escolas secundárias dentro dum sistema educativo estruturado e organizado do ponto de vista jurídico,
metodológico e didáctico, para uma melhor compreensão das condições reais dos alunos adolescentes cabo-verdianos, importa dizer que o conceito de ‘escola’ num processo de humanização, socialização e civilização abrange, certamente, uma perspectiva mais ampla. Isso, também, porque a escola ocupa-se da pessoa humana na sua globalidade. Num sentido mais
abrangente, F. Fröbel defende que a escola é um esforço de fazer conhecer justamente aos
indivíduos em fase evolutiva a essência e a vida íntima das coisas, de si mesmos, e ensinarlhes a conhecer as relações internas entre as coisas, relacionar-lhes com o homem, com a base
vivente de todas as coisas e com Deus. Portanto, a escola demonstra as direcções, as relações
e as conexões das coisas entre elas, de modo a elevar o indivíduo a uma maior generalização
das coisas e a uma espiritualidade mais profunda e pessoal. Por isso, o autor é da opinião que
a criança deve deixar as considerações sobre as coisas exteriores e superficiais para entrar em
contacto com considerações mais interiores que a levem ao conhecimento e à consciência, e a
transformam num aluno, e a escola naquilo que deveria ser, uma verdadeira escola69. Parece
que o autor quis, a priori, realçar a importância da humanização e da socialização no seu mais
profundo e natural relacionamento com o mundo que se quer aprender e assimilar ao longo da
existência terrena de cada pessoa humana, independentemente duma estrutura préestabelecida que é a escola.
Certo é que a instituição escolar, detentora de recursos humanos, materiais e ambientais, poderá tornar os indivíduos, em fase evolutiva, seres hábeis e capazes de exercerem as
suas faculdades segundo as suas potencialidades, dando respostas às necessidades pessoais e
às da sociedade, comunidade e humanidade em geral. O que se deve privilegiar no seio dessa
instituição não é tanto o aspecto quantitativo da formação e da educação do indivíduo, mas a
relevância qualitativa que tudo isso terá na sua vida e na vivência moral, profissional, cultural
e social de todos os cidadãos. No que diz respeito ao nosso contexto social, verificamos que a
escola de Cabo Verde aposta, sensivelmente, mais numa instrução de massa do que numa
educação e formação personalizadas; preocupa-se mais com a instrução (dimensão intelectual
e cultural) do que com o aspecto profissional e moral dos alunos.
68
69
R. MION, Sociologia dell’educazione…, p. 74.
F. FRöBEL, L’educazione dell’Uomo…, pp. 105-106.
132
Entretanto, ninguém nega que a par daquilo que se ensina como conhecimento real
das coisas é, sempre, possível educar o indivíduo a conhecer-se em profundidade, a conhecer
o seu meio ambiente e o seu património cultural. É importante que os educadores, professores
e pais tenham presente, no exercício das suas tarefas educativas, alguns princípios basilares
que levam os seus educandos e filhos a um conhecimento global das coisas como forma de
uma auto-educação. Educar-se através daquilo que se aprende é mesmo uma arte do saber, do
agir e do fazer. Isso é viável, se todos os educadores souberem colocar os seus educandos
numa atitude de abertura à dimensão transcendental das coisas que se aprende na vida presente. Assim, o G. Flores d’Arcais explica afirmando que o saber é possível, se se souber colher
nas coisas aquilo que as transcende; o agir é um trespassar contínuo da intencionalidade
mediata aos actos imediatos sem que isso seja exaustivo; o fazer é, certamente, construção,
antes, acto criativo por excelência de realidades que se põem por si mesmas como símbolo de
outra realidade que, se por um lado procede para o infinito, doutro lado se adequa e se plasma
de forma absoluta num todo70. Esses princípios confirmam que as tarefas educativas implementadas nas escolas, nas famílias ou noutros espaços educativos não estão finalizadas a si
mesmas, mas servem para alargar o campo fenoménico e perceptivo dos educandos em relação ao transcendente, ao mundo e a si mesmo.
O ser humano apresenta-se à sociedade como um ser activo e criativo. Isso demonstra que possui disposições conaturais e flexíveis para assimilar activa e criticamente tudo
aquilo que lhe vem proposto através da escola e demais instituições, como recurso para o seu
desenvolvimento biológico, intelectual, moral e espiritual. Por isso, as escolas e seus agentes
devem reconhecer, a priori, que no interior dos alunos existem essas disposições que lhes
permitem assimilar os conteúdos necessários para o desabrochamento equilibrado e harmonizado de todas as dimensões da sua personalidade. Mediante este reconhecimento a educação
formal determina o papel educativo da escola como instituição credível e eficaz que alarga,
melhora e incentiva o campo da experiência consciente dos alunos71.
No período colonial em Cabo Verde havia poucas escolas públicas, e o número dos
analfabetos era elevadíssimo. Por isso, uma educação formal (escolar), organizada e sistematizada do ponto de vista didáctico e metodológico não era acessível a todos os ilhéus dispersos
no território nacional, mas apenas a um número limitado de pessoas que se encontrava nos
centros mais populosos das ilhas. Entretanto, a educação informal praticada nas famílias, nos
grupos, nas associações e nas vizinhanças era bastante eficaz e mantinha um estreito relacionamento de proximidade entre os adultos e os indivíduos em fase de evolução. Nessa época,
70
71
G. FLORES D’ARCAIS, Introduzione…, p. XVII.
Cf. J. DEWEY, Democrazia e educazione…, p. 7.
133
os jovens estavam mais propensos a aprender um arte-ofício com os adultos, a assimilar os
valores éticos e religiosos com mais espontaneidade e receptividade. Independentemente da
sua eficiência ou não, a educação tradicional ou informal (extra escolar) é útil para qualquer
grupo ou sociedade. De facto, os indivíduos devem aprender a maior parte das noções básicas
para a sua sobrevivência e convivência humana e social fora da instituição escolar.
Com o progresso da escolarização e transformação socio-económica e cultural do
País, a educação formal em Cabo Verde tornou-se mais eficaz e eficiente, e contribuiu, num
certo sentido, para o distanciamento entre os adultos e jovens em termos de conhecimentos
culturais e técnicos. No momento actual, além das crianças, adolescentes e jovens, uma parte
da população adulta (professores, funcionários, operários) frequentam os liceus, institutos de
estudos superiores da educação, da tecnologia, da contabilidade e outros, para a actualização
dos seus conhecimentos e como forma de ascender aos graus de promoção e carreira profissional. Pelo facto que há um baixo nível de recursos materiais, a educação formal (instrução
escolar) prevalece na nossa sociedade actual, porque é a única forma de poder transmitir a
todos a possibilidade de um melhor desenvolvimento sócio-cultural72, de abrir novas perspectivas de vida profissional, empreendimentos sociais, económicos, políticos e religiosos, e
garantir à jovem geração um emprego, uma melhor inserção e integração social num futuro
próximo.
Posto isso, podemos fazer agora um enquadramento da escola como agência de
socialização e transmissão cultural da nova geração. De facto, a geração que abrange a faixa
etária dos 3 aos 25 anos de idade passa um tempo significativo sob a orientação da instituição
escolar: Pré-Escolar (dos 3 aos 5 anos), Ensino Básico Integrado (dos 6 aos 12 anos), Escola
Secundária (dos 13 aos 19), Instituto Superior, Universidade (dos 20 aos 25 anos). Para além
do tempo, há outros aspectos não menos significativos que tornam a escola uma instituição
social relevante. Antes de tudo, aparece o investimento monetário por parte do Estado caboverdiano no ensino, na construção e na manutenção das estruturas educativas; em segundo
lugar, é o número significativo dos recursos humanos que implicam, por sua vez, um investimento na formação dos professores, gestores didácticos e administrativos. No caso da escola
secundária, isso demonstra, claramente, que é uma agência que, para além da sua estrutura
organizativa e pedagógica, está vocacionada para a implementação da socialização, da transmissão cultural e do desenvolvimento dos cidadãos. Devido à sua função, ela deve assumir
uma boa parte de responsabilidade em matéria educacional e cultural do País.
72
Cf. S. BRINT, Scuola e società, Bologna, Il Mulino, 1999, p. 12.
134
2.1 A estrutura do Ensino Secundário
A escola secundária de Cabo Verde possui uma organização estrutural que a torna
um organismo potente no seio dessa sociedade em via do desenvolvimento e da transformação. Enquanto faz parte do Sistema Educativo apresenta um conjunto de organizações que são
indispensáveis para o seu funcionamento, quer do ponto de vista pedagógico e didáctico quer
do ponto de vista direccional e administrativo. E para nos situarmos dentro dum contexto
sociológico, é justo que se dê uma definição plausível sobre a organização como «um subsistema social que se diferencia, pelo facto que a maior parte das suas estruturas, isto é, as redes
de relações estáveis entre as diversas posições que a constituem, são concebidas, realizadas e
renovadas racionalmente com o intuito de prosseguir um objectivo determinado»73. Para
qualquer instituição sistémica, as organizações são instrumentos indispensáveis que facilitam
a viabilidade de todas as tarefas e, de modo particular, a educativa, como é o caso de uma
escola secundária.
Do ponto de vista estrutural e organizativo, a escola secundária de Cabo Verde apresenta-se com uma certa eficiência, mas, em termos de assimilação cultural (conteúdos, valores
éticos, regras) nota-se um certo enfraquecimento. E para que o sistema escolar seja funcionante, é preciso que haja equilíbrio entre estes dois pólos estruturantes e se aposte na formação
permanente e actualizada dos professores e na intervenção dos dirigentes apostando mais nas
relações face à face74 de modo que todo o pessoal mude de atitudes e assimile tudo aquilo que
a escola oferece para a sua formação integral.
Permanecendo no contexto cabo-verdiano, observamos que as escolas, mais concretamente, as escolas secundárias são selectivas. Como já foi mencionado no Capítulo III, o
Ensino Secundário abarca um período de 6 anos e divide-se em três ciclos quer para a Via
Geral quer para a Via técnica (cf. I Parte, Cap. 3 – 3.2.2, Reforma curricular do Ensino
Secundário). O III Ciclo de cada Via divide-se segundo as áreas (cf. Fig. 2). Entre o II Ciclo e
o III Ciclo o Sistema Educativo prevê uma fase de formação complementar e profissional. Se
esse serviço formativo fosse organizado e materializado poderia vir ao encontro de muitos
alunos que não têm acesso ao Ensino Superior e não conseguem superar o Ensino Secundário.
Dessa forma muitos aprenderiam uma profissão ou uma arte do “saber fazer”.
73
R. MION, Sociologia dell’educazione…, p. 110.
Cf. K. E. WEICK, The concept of loose coupling: An assessment. Organizational theory Dialougue, citado por
T. J. SERGIOVANNI, Dirigere la scuola, comunità che apprende, Roma, Las, 2002, p. 65.
74
135
Fig. 2: Estrutura orgânica do Ensino Secundário de Cabo Verde75
7º Ano
Iº CICLO
Tronco Comum
8º Ano
IIº CICLO
Via Geral
Via Técnica
9º e 10º
9º e 10º
Formação Complementar
de profissionalização
IIIº CICLO
Via Geral
11º e 12º: Áreas: ciência e tecnologia; económico-social;
humanística; artes
Via Técnica
11º e 12º: Áreas: ciência e tecnologia; económico-social
Sem entrarmos nos pormenores (curriculares) que já foram devidamente apontados
na I Parte deste estudo, podemos fazer algumas considerações mais pertinentes. No que se
refere à língua utilizada como canal de comunicação, embora haja uma vontade política de
oficializar a língua nacional, “crioulo”, a língua oficial é o “português”, o qual predomina em
todos os estabelecimentos do Ensino em Cabo Verde. Pelo facto de pertencermos a um País
que se declara “laico”, não é permitido o ensino de moral e religião. Com a democratização
do País e a reforma do ensino em Cabo Verde, foi implementada uma nova disciplina “Formação Pessoal e Social” com a finalidade de eliminar certas anomalias comportamentais dos
estudantes adolescentes. Pelos vistos, essa disciplina não teve muito efeito, porque não foi
feito um estudo a posteriore, nem foi dada uma formação de base moral e espiritual aos professores dessa disciplina. Pode-se acrescentar ainda que existe o ensino de línguas estrangeiras (francês e Inglês), e as disciplinas específicas e optativas. Além disso, podemos acrescentar que o currículo escolar está programado e organizado conforme as etapas, a fim de proporcionar uma aprendizagem eficiente quer para a inserção no mundo do trabalho quer para a
continuação dos estudos superiores. Além dos aspectos curriculares, as escolas impõem aos
alunos a uniformização no vestuário, para que se evite a exibição e discriminação social. Cada
escola secundária tem o seu uniforme que a caracteriza. E mais, prevalece entre os alunos a
identidade académica, isto é, todos gozam de direitos e deveres iguais, independentemente, do
género e de condições sociais e religiosas.
75
Cf. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, Planos de Estudos do Ensino Secundário, Praia, Gtme,
1996, p. 3.
136
Como foi realçado anteriormente, a educação informal tem como tarefa específica
reproduzir competências, concepções do mundo e costumes de um determinado grupo, daí a
emergência de uma nova educação organizada e sistematizada que facilite os alunos na dilatação dos seus conhecimentos e convicções valorativos de um ambiente mais amplo. Através da
sua organização, do ponto de vista selectivo, curricular e marcado por uma identidade académica, a escola secundária oferece a oportunidade a todos os alunos de estruturarem uma nova
concepção social, desvinculando-se dos laços adquiridos através do meio limitado pela natureza e dos grupos sociais e parentais que fazem parte da sua vida desde o nascimento76. É a
partir das suas organizações que as escolas estão em condições de conservar e transmitir os
conhecimentos e todo o património sócio-cultural da nação. O crescimento humano e o
desenvolvimento moral e social de um País dependem, em boa parte, da instrução e da educação escolar. É importante que se diga, para o nosso contexto social, que a escola é uma instituição renovadora e renovanda, segundo as mudanças e transformações sociais do ponto de
vista político, económico e tecnológico.
2.2 A cultura e a socialização na escola secundária
Para compreendermos todo o processamento do ensino escolar do ponto de vista
sócio-pedagógico é oportuno que se tenha algumas disciplinas como ponto de referência, nesse caso, são de capital importância as disciplinas que explicam e analisam a incumbência da
escola no processo do desenvolvimento da sociedade: filosofia da educação e sociologia da
educação.
Antes de tudo, a filosofia da educação interessa-se pela maneira como os processos
educativos deveriam ser organizados, sistematizados e os fins que devem atingir. Portanto,
procura individualizar as relações existentes entre a ideologia e a pesquisa científicoeducativa; reflecte sobre as condições essenciais do saber científico à volta da educação, da
sua especificidade, das suas tarefas e seus limites, seus contributos; reflecte, também, sobre os
aspectos e os desenvolvimentos metodológicos em geral e na relação interdisciplinar; procura,
ainda, um meta-discurso capaz de sintetizar os resultados e os contributos de cada ciência da
educação em particular77. Portanto, a escola é uma instituição sócio-educativa e formativa que
deve dar à nova geração o sentido último de tudo aquilo que ensina com racionalidade, liber-
76
77
Cf. S. BRINT, Scuola e società…, p. 15.
C. NANNI, Educazione e scienze dell´educazione, Roma, Las, 1986, p. 112-113.
137
dade, verdade, valores e com desempenho responsável78. Em segundo lugar, a sociologia da
educação ocupa-se da eficiência da escola enquanto instituição educativa, o porquê da sua
presença e analisa os factores e as consequências que poderão surgir internamente. Duma
forma geral, L. Gallino define a Sociologia da educação como aquela disciplina que estuda:
As relações observáveis entre as diversas componentes de um sistema educativo, entre as
quais, a ideologia que o orienta, os fins pedagógicos que propõe, a sua organização a nível nacional e
local, os específicos conteúdos culturais que transmite aos alunos, a formação dos professores, o funcionamento interno dos institutos escolares de várias ordens e níveis públicos e privados, gerais e
especializados, e os principais sistemas, subsistemas e processos sociais da sociedade, da qual fazem
parte, com particular atenção à acção do Estado, ao tipo e nível de desenvolvimento económico, ao
perfil da estratificação social, à dinâmica do conflito entre classes, elites e grupos de interesse, à estrutura do sistema político, e semelhantes79.
Por conseguinte, ocupa-se do sistema educativo no seu aspecto valorativo, cultural,
simbólico e ético em todo o processamento formativo. Como se pode constatar, essas duas
disciplinas interdependentes são capazes de ajudar a escola, na prática educativa, a encontrar
novos modelos de orientação para uma formação inovadora e uma educação aculturada e
capaz de satisfazer as reais necessidades e exigência dos seus intervenientes e da sociedade
em geral. E na explanação sobre a escola como agência de transmissão do património cultural
e da socialização, vamos ter em consideração estas e outras disciplinas como parâmetros
interpretativos para uma compreensão objectiva do papel da escola na sociedade e na vida do
cidadão em particular.
O ser humano define-se no espaço, no tempo e num determinado contexto de vida,
rico de estímulos educativos, culturais e morais para que possa atingir os seus objectivos
humanos e espirituais. Cada indivíduo deve percorrer a distância que vai desde o seu nascimento até tornar-se uma pessoa adulta e capaz de agir com maturidade e professionalidade. É
nessa distância que devemos enquadrar o papel da instituição escolar no acompanhamento dos
alunos para se tornarem aptos a realizarem-se como pessoas e como profissionais na sociedade. É aceite por todos a ideia de que a escola é, eminentemente, uma instituição social que
garante a preservação cultural de um povo, proporciona uma devida socialização e garante um
clima saudável de civilização.
78
Cf. C. NANNI, Contesto e orizzonte dell’orientamento, in MACARIO L. et alii. (Edd.), Orientare educando,
Roma, Las, 1989, p. 32.
79
L. GALLINO, Dizionario di sociologia, Torino, Utet, 1978, citado por R. MION, Sociologia dell’educazione...,
p. 8.
138
Antes de nos debruçarmos na especificidade da transmissão do património sóciocultural aos alunos por parte das escolas, vamos tentar uma abordagem genérica à volta do
porquê, do significado e do sentido da cultura na sociedade. Do ponto de vista terminológico,
não foi fácil encontrar uma definição precisa sobre o conceito de cultura que explicasse a
vivência antropológica de um determinado povo. Toda a problemática à volta disso está virada para a questão da linguagem e da mentalidade de cada estudioso, consoante as suas ideologias, tradições e crenças. Além dos vários exponentes alemães, E. Kant e seus contemporâneos fizeram uso do termo “Cultur”, mas sempre com significado de cultivar, de educar ou de
ser culturalizado80. Essa forma de conceber a cultura está intimamente ligada ao conceito de
“civilização”, a palavra mais antiga de “cultura”. Segundo W. Wundt81, J. Bodin foi o primeiro a fazer uso do termo civilização no sentido moderno, enquanto, em inglês, a civilização
estava associada à ideia de tarefa, isto é, de como civilizar os outros. Na linha do pensamento
de G. Arciniegas, citando a Enciclopédia Francesa, disse que «civilizar uma nação é fazê-la
passar dum estado primitivo, natural, a um estado mais evoluído de cultura moral, intelectual,
social»82. Outros estudiosos estão mais propensos a estabelecer uma relação de reciprocidade
entre cultura e civilização: “cultura” é um estado particular ou um estádio particular de progresso da “civilização”, enquanto “civilização” define-se como um avanço ou um estado de
cultura social. Todavia, W. G. Sumner e A. G. Keller, mesmo seguindo essa linha de reciprocidade, acabaram por reconhecer que «as adaptações da sociedade que chamamos civilização
formam um agregado muito mais complexo do que a cultura que a precedeu»83.
Para além do aspecto educativo, a cultura deve ser enquadrada numa dimensão mais
ampla dos povos. Por isso, o significado antropológico da cultura condiz profundamente com
a condição de vida dum determinado povo e duma determinada sociedade. Nesse sentido, a
cultura revela a qualidade de vida e o modo específico duma sociedade bem definida sociologicamente. Entretanto, o núcleo do seu significado profundo e moderno encontra-se na exposição de G. Klemm em 1843, afirmando que «foi Voltaire o primeiro a colocar de parte dinastias, listas dos reis e das batalhas, e procurar aquilo que na história há de mais essencial, isto
80
Cf. C. KLUCKHOHN - A. L. KROEBER, Il concetto di cultura, Bologna, Il Mulino, 1980, p. 15.
W. Wundt, por sua vez, «fala de cultura em sentido de nacionalidade, humanidade e civilização. (…) A cultura
diz Wundt, tende a isolar-se ou a segregar-se segundo as posições nacionais, ao passo que a civilização tende a
difundir-se o seu conteúdo às outras nações; portanto, as culturas que foram desenvolvidas fora das civilizações e
que da essas derivam, permanecem no estado de dependência das outras culturas», cit. in C. KLUCKHOHN - A. L.
KROEBER, Il concetto di cultura…, p. 17.
82
G. ARCINIEGAS, La civilization en Amérique Latine, in “Chemins du monde”, Paris, 1 (1947), citado por C.
KLUCKHOHN - A. L. KROEBER, Il concetto di cultura…, p. 146.
83
W. G. SUMNER– A. G. KELLER, The Science of society, Vol. IV, New Haven, Yale University Press, 1927,
p. 2189, citado por C. KLUCKHOHN - A. L. KROEBER, Il concetto di cultura…, p. 146.
81
139
é, a cultura, como se manifesta nos costumes, nas crenças e nas formas de governo»84. Não há
dúvida que esse estudioso influenciou bastante E. B. Tylor, o qual deu uma definição objectiva e descritiva do conceito de cultura enquadrando a vivência sensível e tangível dos povos,
do ponto de vista antropológico e sociológico, o que acabou, por sua vez, por influenciar a
mentalidade dos que o precederam. Assim, Tylor deu a seguinte definição mais ou menos
descritiva:
A cultura ou civilização, no sentido etnográfico, é um conjunto complexo e total que envolve
o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, o costume, e outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem, enquanto membro de uma sociedade85.
Partindo dessas constatações e definições teóricas à volta do conceito “cultura”,
pode-se constatar que se trata de uma componente antropológica e indispensável para a compreensão e interpretação da história, das normas, da psicologia e da espiritualidade dos indivíduos inseridos e integrados no seu meio ambiente de vida social, familiar, religiosa e educativa. Nesse sentido, a cultura é um modo de conhecer a relatividade histórica86 de todos os
valores que os homens construíram ao longo da sua história com os seus conhecimentos teóricos, científicos e técnicos. Embora haja na vivência cultural valores perenes, nem por isso, os
conteúdos culturais devem ser considerados estáticos, canonizados e colocados num esquema
rígido de pensamentos e de acção. Sem pôr em causa a definição proposta pelo E. B. Tylor, a
cultura não é um simples “conjunto complexo”, mas deve ser vista e encarada como algo condizente com a essência da pessoa humana, enquanto ser aberto e indefinido. Não é por nada
que a própria filosofia reconhece o ser humano como produtor e produto da cultura. Precisamente, porque na sua conduta pessoal o homem expressa, de certo modo, a cultura vigente na
sua sociedade, revela-se como um produto da assimilação dos modelos sociais num processo
que os sociólogos designaram por enculturação ou endoculturação. Mas a par desse processo,
o homem realiza, também, um papel organizacional e criativo na sociedade e na cultura, afirmando-se como o seu produtor, orientando o sentido da evolução social87.
Porque a pessoa humana encontra-se situada numa determinada sociedade, é bom
que haja uma certa congruência entre cultura e sociedade e que a sua conservação e transmis84
Uma avaliação da obra de G. KLEMM é fornecida pelo R. H. LOWIE, the History of Ethnological theory,
New York, Farrar and Rinehart, 1937, pp. 11-16, cit. in C. KLUCKHOHN - A. L. KROEBER, Il concetto di cultura…,
op. cit., pp. 15-16
85
Citado por P. ROSSI (Ed.), Il concetto di cultura. I fondamenti teorici della scienza antropologica, Torino,
Einaudi, 1977, p. 7.
86
Cf. F. ZNANIECKI, Cultural Reality, Chicago, Chicago Universuty Press, 1919, p.21, citado por C. KLUCKHOHN
- A. L. KROEBER, Il concetto di cultura…, p. 61.
87
F. ALVES et Ali., Pensar e Ser. Introdução à filosofia 10o Ano, Lisboa, Texto Editora, 1993, p. 285
140
são sejam objectivas, significativas e distantes dos fins utilitaristas. Sem cair no subjectivismo, é possível elaborar uma análise objectiva e antropológica da cultura. Segundo P. Berger,
os seres humanos projectam a sua experiência no mundo externo (externação), depois vivem
estas projecções como se fossem independentes (objectivação), enfim incorporam estas projecções na sua consciência psíquica (interiorização)88. Partindo dessa análise de cultura, o
antropólogo C. Geertz deu a seguinte definição da cultura como «um modelo de significados
transmitidos historicamente, significados incarnados nos símbolos, um sistema de concepções
herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem o seu conhecimento e as suas atitudes para a vida»89. É por essa razão
que a escola tem um papel ponderado na conservação da sua própria cultura com uma sensibilidade crítica e capaz de interpretá-la segundo as épocas históricas, a mentalidade subjacente
do ponto de vista psicológico, moral e religioso, e de transmiti-la na sua totalidade e unidade
aos seus alunos, à nova geração.
Sabe-se que a cultura não coaduna somente o modo de comportamento e de pensamento (cultura ideal), mas, também, tem os seus objectos concretos (cultura material) que
retractam a vivência ordinária e extraordinária dos povos de diversos pontos de continentes. É
nessa ordem de ideia que o sociólogo P. Berger define a cultura como «a totalidade dos produtos humanos quer materiais quer imateriais», defendendo também que «a mesma sociedade
faz parte dessa cultura imaterial»90. Para evitar atitudes de ignorância ou incompreensão cultural no País, seria oportuno que as escolas de Cabo Verde comecem a sensibilizar e formar os
seus alunos para a nova conjuntura social que se avizinha, devido ao fenómeno da imigração
proveniente dos países da África, da Europa e da China, cuja mentalidade e o modo de comportamentos culturais são substancialmente diferentes do País de acolhimento. A compreensão da cultura dos outros implica que os alunos conheçam a própria cultura, aliás, os modelos
e significados de cada objecto cultural, as suas expressões duradoiras, os símbolos que orientam os seus pensamentos, sentimentos e comportamentos. Só a partir dessa consciência profunda e de aceitação da própria identidade cultural os alunos estarão aptos a estabelecer relações com os outros dentro de um quadro de expressão inter-cultural.
88
P. BERGER, La volta sacra, Milano, SugarCo, 1984, p. 7.
C. GEERTZ, Interpretazione di culture, Bologna, Il Mulino, 1998, p.113.
90
Cf. P. BERGER, La volta sacra…, p. 7.
89
141
2.2.1 A cultura como um processo sistémico de comunicação
Um estudo descritivo, analítico e comparado sobre o conceito de cultura segundo as
ciências humanas e sociais parece um avanço para o nosso mundo moderno marcado pela
cultura da informática e da tecnologia. Não há dúvida que o avanço tecnológico nos permite
compreender melhor e, detalhadamente, todo o conhecimento e a técnica utilizada, sobretudo,
na construção dos objectos artesanais, artísticos, edifícios arquitectónicos e obras literárias,
que constituem aquilo que vem sendo denominado “cultura Material”. A questão de fundo
não é tanto o estudo que se faz da cultura em si, mas sim quais são os modelos éticos e normativos que devem ser comunicados à nova geração nos nossos estabelecimentos do Ensino
em Cabo Verde. Porque, hoje, não é mais viável apresentar a cultura como um conjunto de
comportamentos, mas sim, como mecanismo determinante e modelos de comportamentos91
que orientam os alunos no tempo presente e para a vida futura.
Não basta que tenhamos um País de culturas e tradições acumuladas se não tivermos
a ousadia, os instrumentos, métodos e recursos humanos disponíveis para serem comunicadas
à nova geração. Certo é que a cultura não só exprime o modo de ser, pensar e agir de uma
geração passada, mas, também, determina o ser, o pensar e o agir da nova geração do tempo
presente como projecto de vida para o futuro (cf. Fig. 3). É por essa razão que é justo que se
defenda a cultura como um processo sistémico de comunicação, porque, é através da cultura
que se constrói a história individual e colectiva da sociedade e da humanidade, em geral. Portanto, com a apresentação da cultura nesta perspectiva sistémica outra coisa não se faz senão
encarar a pessoa humana situada no tempo e na história do seu devir como um ser inacabado e
que se faz progressivamente, dando o seu contributo cultural à geração vindoura.
Fig. 3: A cultura como processo sistémico de comunicação
Passado
CULTURA
Futuro
Presente
PESSOA HUMANA
= Aluno =
91
Cf. G. P. CAPRETTINI, La vita di una cultura tra conservazione e mutamento, in M. DELPIANO (Ed.), Educazione
e Scuola. Quale scuola per l’Educazione?, Leumann, Elledici, 1995, p. 68.
142
Daí a necessidade de compreender a nossa cultura e a cultura dos outros como se se
tratasse de “códigos” de grupos sociais que servem para codificar e descodificar o ambiente
que nos circunda, as situações e as condições que nos envolvem no espaço e no tempo. É a
partir desta chave duma leitura compreensiva que estaremos em condições de percepcionar,
compreender e interpretar o mundo actual na sua diversidade e na sua unidade, porque a cultura no sentido antropológico e sociológico se apresenta como mecanismo de um saber unitário92. Nesse sentido cultural, o saber não significa tanto o conhecimento das coisas, mas,
sobretudo um conjunto de atitudes, de crenças e de práticas normativas e comportamentais
que permitem a cada um discernir, no seu meio ambiente, com competência, aquilo que é correcto do que não é, para o seu crescimento moral, profissional e social.
Quando se estuda e analisa os conceitos de cultura e comunicação, é importante realçar a sua complementaridade ou seja a sua função recíproca no seio da sociedade bem definida: a cultura, por sua natureza, é produtora de comunicação e a comunicação, por sua vez,
produz cultura. Cada sociedade possui um património cultural que deve ser comunicado aos
seus membros, cujo crescimento intelectual, psicológico e moral depende da comunicação
desse factor extrínseco. Se encararmos a cultura na sua dimensão educativa, podemos afirmála como suporte para a renovação da sociedade, se por sociedade se entende ‘relações interactivas ou acções sociais baseadas em relações inter-subjectivas de grupos sociais. A partir dessa concepção, T. Parsons concebe o sistema cultural como parte integrante de uma sociedade,
enquanto património simbólico de experiência colectiva que explica o sentido e o significado
de valores socialmente compartilhados93. Todavia, a sociedade actual passa por uma transformação cultural que põe em destaque a relevância das relações humanas e sociais e o próprio pensamento humano à volta da sua concepção cultural adquirida ao longo dos tempos.
O crescimento da comunicação electrónica transformou a sociedade e a sua cultura.
Todavia, a comunicação da cultura como vivência e experiência de um povo não deixa o indivíduo indiferente e passivo enquanto ser racional e dotado de vontade. A comunicação é, em
si mesma, uma actividade que desperta novos conhecimentos e sensibiliza o indivíduo a ser
criativo e produtor de novas formas de culturas comportamentais e de atitudes segundo as
épocas e circunstâncias do seu tempo. Portanto, a comunicação de todos os objectos culturais
(materiais e imateriais) implica que sejam reconhecidos, publicamente, acolhidos, aceitados,
pensados, compreendidos e recordados. Através dessa forma de perceber a comunicação, os
indivíduos do tempo presente encontram-se com os do passado através da cultura na sua
92
93
Idem., p. 70.
Cf. T. PARSONS, La struttura dell'azione sociale, Bologna, Il Mulino, 1970, p. 937.
143
máxima expressividade. Por isso, podemos afirmar que a cultura demonstra que há um processo de continuidade activa e criativa e mecânica e tradicionalista.
Através da cultura, o passado torna-se factor importante é capaz de prevenir as contradições e os conflitos que podem acontecer entre jovens e adultos de hoje. Independentemente de algumas contrariedades, a cultura é sempre um dispositivo que facilita a integração
do indivíduo no seio da sua sociedade. Antes, segundo o pedagogo M. Arnold, a cultura é
sempre considerada como um meio e não como um fim94. Num certo sentido, ele acreditava
que a cultura podia ser um agente humanizante que modera as consequências conflituais provocadas pelo modernismo. É por esse lado positivo da cultura que a escola deve encontrar
novos mecanismos pedagógicos e didácticos capazes de enfrentar a nova implementação cultural baseada num mundo virtual e fomentada pela comunicação electrónica, como está bem
patente na posição de D. Harvey, quando afirma que «a cultura post-moderna é uma cultura
superficial, um jogo de imagens que nega a profundidade, a história, o significado»95. Embora
a cultura moderna e pós-moderna esteja vinculada na informática e nas imagens, tenha a sua
utilidade prática e facilite um processo de comunicação rápida e sem fronteiras, não deve desvincular os cidadãos da sua história, do seu meio ambiente e das suas autênticas relações
interpessoais como compromissos de vida moral, profissional e social.
2.2.2 As escolas conservam e transmitem cultura aos alunos
Foi realçado anteriormente que a instituição escolar é um recurso fundamental para o
desenvolvimento social e económico do nosso contexto social cabo-verdiano. Esta afirmação
nos induz a não delimitar a escola apenas num quadro de relações individuais, professores,
alunos e pais ou encarregados da educação, e num âmbito apenas de instrução ou de ensino
curricular. O que nos interessa neste parágrafo é demonstrar que a escola é uma área profícua
e abrangente quer a nível do desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, da identidade
social e cultural da população, quer a nível da preservação e do enriquecimento da cultura de
um povo. Nesta perspectiva, é importante que a escola esteja livre e isenta de qualquer ideologia partidária e de fundamentalismo religioso para que possa livremente exercer a sua tarefa
em prol de todos os cidadãos. O que deve prevalecer na escola é a perspectiva democrática96
que coaduna e unifica todas as sensibilidades como um património colectivo e atractivo para o
94
W. GRISWOLD, Sociologia della cultura, Bologna, Il Mulino, 2005, p. 19.
D. HARVEY, La crisi della modernità, Milano, Net, 2002, p. 23
96
Cf. J. DEWEY, Scuola e società, Firenze, La Nuova Italia, 1949, p. 2.
95
144
bem comum de todos, isto é, uma educação moral, pessoal-profissional e social que torna os
alunos verdadeiros cidadãos honestos, livres e responsáveis.
Cabo Verde é, actualmente, reconhecida como um País do desenvolvimento médio
no processo económico e político. Certo é que Cabo Verde está em vias de transformação no
que tange a algumas infra-estruturas (educação de base, electrificação, comunicação, comercialização). Apesar de tudo, continua a ser um País fortemente condicionado pela sua colocação geo-climática, estratégica e pela sua abertura aos países desenvolvidos, por causa da emigração activa. A escola, enquanto reflexo vital da sociedade cabo-verdiana não pode ignorar
alguns constrangimentos socio-económicos, políticos e morais no desempenho das suas tarefas.
Com o progresso económico e tecnológico, a escola encontra-se numa encruzilhada
entre o passado, o presente e o futuro como portadora de um património cultural baseado,
essencialmente, no conhecimento adquirido ao longo da história. Embora não seja possível
uma aproximação sensível e tangível com o estado natural das coisas da natureza, com a
vivência e a experiência da época dos antepassados, a apresentação descritiva e real do mundo
que nos circunda, de vivências colectivas e incarnadas no modo de pensar, de crer, de fazer as
coisas e de agir das pessoas, é um dever da escola dá-la a conhecer aos seus alunos. Precisamente porque a pessoa humana, enquanto ser simbólico, tem essa capacidade de captar, indutiva e dedutivamente, tudo aquilo que lhe é ensinado com razão, sentido e significado no seio
de uma instituição educativa. De facto, a pessoa humana é dotada de capacidade de saber
transcender as coisas visíveis e sensíveis para poder construir um pensamento racional que faz
de ponte entre o passado, presente e futuro.
Do ponto de vista cultural, a escola é uma instituição social que, por sua natureza, é
depositária de um património colectivo herdado ao logo da história, que se chama “cultura”.
Antes, a própria escola é a manifestação visível de uma cultura, enquanto detentora de princípios normativos, de regras e valores éticos, estéticos e religiosos. Embora a escola conserve a
herança dos bens culturais, com o seu desempenho educativo continua a ser o espaço de produção e renovação da cultura. É fundamental que escola de Cabo Verde enverede nessa direcção, para que a nova geração sinta a necessidade de uma escola culturalmente renovada e inovadora. Actualmente, a escola é avaliada pelo nível de operatividade de quem aprende e não
tanto pelo conteúdo que se ensina. De facto, o objecto de aprendizagem não é mais as informações como se pretendia no passado, mas sim as operações97. Actualmente, encontram-se
nos estabelecimentos do ensino alunos com alto grau de informações e com baixo nível de
97
Cf. G. FERRAZZI, La scuola come casa della sapienza, in M. DELPIANO (Ed.), Educazione e Scuola. Quale
scuola per l’Educazione?..., p. 98.
145
operacionalidade. Essa é a preocupação do Ministério da Educação de Cabo Verde, buscando
sempre mais a forma do desenvolvimento e da transformação socio-económica, e de querer
apontar mais na valorização dos recursos humanos do ponto de vista técnico e profissional,
como condições básicas para responder às demandas e as necessidades operativas da nova
geração.
As escolas, enquanto conhecedoras do património cultural, têm a tarefa de transmitir
a cultura da própria sociedade aos seus alunos. A cultura de uma sociedade consiste, essencialmente, em tudo aquilo que se deve saber ou crer para que o indivíduo possa agir de forma
que seja aceite como membro efectivo dessa mesma sociedade98. Portanto, a transmissão cultural não é um simples depositar na mente dos alunos de pensamentos, factos e acontecimentos, como forma de inebriá-los ou de cumprir um determinado programa curricular. Essa tarefa deverá ter um cunho altamente educativo e formativo para que os indivíduos sejam construtores e promotores de um povo social e historicamente rica de bens culturais.
Com o avanço de novas tecnologias apostadas na criação dum mundo virtual e que
absorve tempo e custos enormes, facilmente corre-se o risco de esquecer aquilo que é próprio
de uma sociedade e de um povo e que serve para os consciencializar da realidade histórica e
das relações humanas e interpessoais. Apesar da importância pedagógica que os novos meios
comportam, é justo que as escolas incentivem nos seus alunos o valor dos trabalhos de artesanato, culinária, bordados, rendas, corte-custura, horticultura etc. Na nova conjuntura social,
segundo J. Dewey, somente a escola poderia transmitir aquilo que uma vez se aprendia em
família para melhor compreender as exigências da vida e dar sentido e valor a tudo aquilo que
se faz na sociedade, na família e nas outras instituições sociais99. Essa forma de recriar, simbolicamente, as actividades tradicionais, de aprender produzindo objectos culturais e fazendo
actividades sociais e lúdicas que retractam a cultura cabo-verdiana na sua profundidade são
momentos educativos que criam interesse e admiração apreciação em relação aos que fizeram
e fazem de tudo para que haja uma sociedade laboriosa, empreendedora e conservadora dos
seus bens culturais.
Essa prática educativa e valorativa da cultura cabo-verdiana poderá contrabalançar a
emergência de uma nova forma de fazer e viver a cultura, no tempo actual, pela sua juventude. Pode-se verificar, objectivamente, através de observações, que a nova geração caboverdiana está fortemente influenciada pela cultura que produz diversão e prazer: som (música,
dança, uso de CD, DVD, Mp3); imagens (moda, passagem de modelo, miss - exibição do corpo,
uso de televisão e computadores). É bom sublinhar que se trata de uma cultura eminentemente
98
99
Cf. C. GEERTZ, Interpretazione di culture…, p. 48.
Cf. J. DEWEY, Scuola e società, Firenze, La Nuova Italia, 1949, p. 7.
146
industrial e comercial, ou como diz P. M. Hirsch, «sistema de indústria cultural»100. Nesse
caso, a massa jovem da sociedade torna-se apenas consumidora de produtos culturais e não
porta-voz de uma vivência reflexiva, meditada. Apesar dos meios diversivos serem bens lúdicos, o uso que se faz deles coloca a sociedade perante um fenómeno alienatório da massa
juvenil. Aliás, a forma passiva e irreflexiva de assimilar esses produtos, acaba por levar a
juventude a sentir-se alienada do ponto de vista psicológico e moral. Para que se evite algo do
género, as escolas têm o papel de reflectir sobre a emergência de novos objectos culturais, e o
poder de intervenção para seleccioná-los. Apesar de serem instrumentos potentes na sociedade, a sua intervenção é pouca expressiva. Daí a necessidade de uma maior visibilidade da
escola e da sua intervenção social como força moral e preventiva da nova geração contra os
detentores económicos e políticos da sociedade. No pensamento de J. Dewey, a escola tem o
dever de eliminar os resíduos imorais, alienatórios e tudo aquilo que o ambiente fornece e não
serve para a educação e formação dos jovens, ao mesmo tempo, tem a possibilidade de controlar e contrabalançar a influência de outros elementos positivos que o ambiente social fornece, e pode escolher o melhor que serve para o desenvolvimento pessoal e social de cada indivíduo e da sociedade em geral101.
Numa sociedade liberal, pluralista e democrática não é fácil a transmissão da cultura
normativa e valorativa à nova geração sem que surjam conflitos relacionais no seio da instituição educativa, sobretudo, nas famílias e nas escolas. As escolas secundárias de Cabo Verde
estão conscientes de que a nova geração não está receptiva em relação a certas formas culturais de matriz tradicional. A questão fundamental a tem conta não é tanto a cultura, em si, mas
a qualidade de relacionamento que existe entre adultos e jovens e, no nosso caso, entre professores e alunos, pais e filhos, e a qualidade de convicções à volta dos bens culturais que tanto
os agentes educativos como os educandos apresentam como valores.
Partindo do pressuposto que a cultura deve ser vista como um processo sistémico de
comunicação de vivências do passado, presente e que projecta para o futuro, as escolas secundárias devem, necessariamente, criar um “ambiente interactivo”102 para que a transmissão dos
valores culturais seja receptiva e que haja um feedback de compreensão e entendimento entre
o professor e os alunos (cf. Fig. 4).
100
Citado por W. GRISWOLD, Sociologia della cultura…, p. 108.
Cf. J. DEWEY, Democrazia e educazione…, p. 22.
102
Por ambiente interactivo se entende o clima psico-afectivo que se deve instaurar na acção educativa e a recíproca compreensão de linguagem, mútua confiança e aceitação entre os alunos e o professor.
101
147
Fig. 4: A transmissão da cultura nas escolas secundárias de Cabo Verde
ESCOLAS SECUNDÁRIAS
AMBIENTE INTERACTIVO
PROFESSOR
ALUNOS
CULTURA
Feedback
ASSIMILAÇÃO – APRENDIZAGEM
A criação de um ambiente interactivo na escola depende da consciência que os professores têm do seu desempenho educativo e da pessoa dos alunos para que se possa estabelecer um relacionamento de comunicação. E por parte dos alunos, é importante que haja uma
disponibilidade receptiva e consciência critica e reflexiva para perceber os aspectos valorativos e éticos de cada objecto cultural material ou imaterial que se aprende.
Nesse caso, transmitir a cultura não é despejar o conteúdo num reservatório, mas oferecer aos alunos a oportunidade de opinar sobre o conteúdo, partindo da sua percepção e
experiência à volta daquilo que sabem e conhecem do seu mundo perceptivo. Nesse sentido, a
percepção dos valores culturais, não depende somente da organização biológica, mas, também, das ideias que se aprende ao longo da vida103. Portanto, a percepção é o resultado dessa
reacção interactiva entre o que faz parte do seu organismo pessoal e aquilo que faz parte do
património cultural que deve ser assimilado e interiorizado como factor de conhecimento e de
desenvolvimento de uma identidade cultural no seio de uma sociedade. De facto, está bem
explícito que:
Nenhum ser humano sobreviveria se devesse elaborar, por cada vez, uma solução contingente aos problemas que aparecem. A cultura e a memória social, oferecem-lhe uma imensa bagagem de
definições, instruções e programas, dentre os quais pode escolher: programas de comportamento e de
raciocínio que um indivíduo aprende desde o seu nascimento de forma quase irreversível104.
103
104
Cf. G. P. CAPRETTINI, La vita di una cultura tra conservazione e mutamento…, p. 73.
R. MION, Sociologia dell’educazione…, p. 95.
148
Transmitir a cultura significa fazer ponte entre o mundo presente dos alunos e o mundo dos
seus antepassados. Na criação dessa ponte, é de capital importância que os alunos, a nova
geração, sejam autênticos e efectivos protagonistas de uma sociedade ou de uma comunidade.
Partindo dessa participação activa, os alunos compreenderão que a cultura é a expressão
máxima de um sentir e viver colectivo de sociedade, comunidade e grupo de pessoas. Se os
alunos conseguirem compreender a cultura como linguagem expressiva e normativa de uma
sociedade, poder-se-á considerar tudo isso como resultado de uma acção educativa implementada através da transmissão da cultura como factor indispensável para o processo da socialização.
2.2.3 O processo de socialização nos liceus
O enquadramento de factores culturais no seio das escolas secundárias é relevante
para que possamos entender todo o processo da socialização como resultado de um trabalho
educativo e formativo para o desenvolvimento dos alunos do ponto de vista biológico, psicológico, moral e social. Certo é que o estudo duma instituição educativa, como parte integrante
da sociedade e que se ocupa de pessoas humanas, status e tarefas sociais, implica uma abordagem teórica à volta do conceito de socialização como manifestação e interiorização das
normas e dos valores culturais vigentes num determinado território. De facto, o indivíduo
deve adaptar-se a um conjunto de normas que constitui o seu ambiente social. Nesse processo
de adaptação, interiorização de normas sócio-culturais e estruturação da personalidade105, as
escolas desenvolvem um papel relevante na socialização dos indivíduos em fase de evolução,
com a finalidade de os tornarem pessoas adultas, livres e responsáveis na sociedade.
Antes de apresentarmos a definição e as dimensões da socialização, é justo que se
considere a pessoa humana como um projecto de vida que se define no tempo, no espaço e no
seio de uma sociedade segundo as suas fases, porque a socialização está ligada aos estádios de
formação da personalidade do indivíduo106. Como já foi mencionado anteriormente, o ser
humano não nasce pessoa, mas torna-se pessoa relacionando-se com os outros, com o seu
meio ambiente e com o transcendente. As escolas, como ambientes socializantes, devem
facultar aos alunos a oportunidade de se expressarem e os meios necessários para os integrarem na sua socialização como pessoa dotada de direitos e deveres. Na sua especificidade, a
105
106
Cf. G. ROCHER, Introduzione alla sociologia generale, Milano, SugarCo, 1980, p. 112.
Cf. N. SMELSER, Manuale de sociologia, Bologna, Il Mulino, 1981, p. 67.
149
escola é reconhecida convencionalmente como instituição que se interessa, em primeiro lugar,
pela socialização secundária107.
O ser humano é, antes de tudo, um ser sociável. A sociabilidade é a dimensão constitutiva da sua personalidade que precisa de acção educativa e formativa para o seu desenvolvimento. É nessa perspectiva sociológica, antropológica e psicológica que acontece e se realiza o processo de socialização em todas as instituições educativas e noutros espaços e meios
sociais. Entre outras definições, a que mais caracteriza o desenvolvimento do nosso trabalho é
a exposição do R. Mion:
A socialização é o processo assimilado pelo indivíduo que de ser biológico que era passa a
ser membro de um determinado grupo social e capaz de ocupar determinadas posições sociais. E mais,
a socialização é aquele processo, através do qual um indivíduo torna-se membro efectivo de uma
sociedade com direitos e deveres, configurando-se a sua própria identidade pessoal e social, interiorizando os valores, as crenças, as atitudes, os estilos de vida, as normas da cultura circunstancial ou das
sub-culturas108.
Essa definição demonstra, claramente, que a socialização é uma componente educativa que contribui para o crescimento harmonioso e equilibrado da personalidade de cada
indivíduo que nasce e passa a fazer parte efectiva de uma sociedade. Para que se realize todo
esse processo, é preciso que haja instituições educativas estruturadas, formadas e com todos
os recursos humanos e materiais disponíveis.
As escolas secundárias de Cabo Verde, enquanto espaços educativos, instrutivos e
formativos, estão estruturadas para lidar com os indivíduos que abrangem uma faixa etária de
11 a 21 anos de idade, e são ambientes específicos, com a finalidade deliberada de influenciar
as disposições mentais e morais dos alunos109. O processo de socialização nessa faixa etária
exige dos agentes, não somente uma formação curricular na área do ensino, mas também uma
formação psico-pedagógica que os torne capazes de acompanhar os adolescentes que se
encontram nessa fase de crescimento humano.
Além da definição estandardizada, permanecendo na nossa área de estudo, é possível
caracterizar as três dimensões da socialização. Em primeiro lugar, trata-se de conformidade
comportamental. As escolas tendem a influenciar os comportamentos dos alunos com o
objectivo de torná-los “bem disciplinados”. Em segundo lugar, entra em jogo a dimensão da
107
Cf. F. GARELLI Et Ali, La socializzazione flessibile. Identità e trasmissione dei valori tra i giovani, Bologna, Il
Mulino, 2006, p. 63
108
R. MION, Socializzazione, in J. M. PRELLEZO et alii (Edd.), Dizionario de scienze dell’Educazione, Torino,
Elledici, Las, Sei, 1997, pp. 1028-1031, p. 1028.
109
Cf. J. DEWEY, Democrazia e educazione…, p. 21.
150
conformidade moral. Através do seu programa educativo, as escolas tentam influenciar os
alunos a assimilarem acções justas, e os professores falam de virtudes de honestidade, justiça,
gentileza, coragem com o intuito de torná-los pessoas virtuosas, isto é, “bons” indivíduos.
Enfim, a dimensão da conformidade cultural ou de aculturação. Essa dimensão revela a forma como os alunos assimilam o estilo de pensamento e de opiniões socialmente aprovado e
ensinado pela escola. Nessa perspectiva os alunos podem ser considerados bem integrados110.
Partindo dessas características, deduzimos as razões pelas quais as escolas secundárias de Cabo Verde nem sempre conseguem coadunar essas três dimensões no processo da
socialização dos seus estudantes. Um dos factores bastante pertinentes na mentalidade de muitos professores cabo-verdianos, é o fenómeno do relativismo baseado nos preconceitos do
anti-colonialismo e da anti-religião, sobretudo, em relação à Igreja Católica. Para que as escolas secundárias do País possam implementar essas tríplices dimensões da socialização no seu
seio, deveriam incentivar nos professores um maior sentido e significado das virtudes morais
e maior reforço psicológico de auto-estima e de libertação dos preconceitos adquiridos através
do partidarismo político do País e de seitas fundamentalistas. Isso é possível, se houver uma
vontade política capaz de criar um sistema flexível, aberto e dialogante, precisamente, porque
na sociedade moderna, pluralista e democrática, as escolas secundárias não figuram mais
como “mecanismo de socialização” que reproduzem ideologia de classe que mantém ou está
no poder. Antes, pelo contrário, coadunam diferentes classes de ideologias e sensibilidades,
assumindo, cada vez mais, não somente o papel de transmissão do património cultural, mas
também, de promoção do relacionamento comunicativo entre as classes diversas da mesma
geração, constituindo, assim, um lugar privilegiado para a formação de uma cultura de colaboração e de cooperação com a nova geração111.
Na conjuntura social actual, o processo de socialização torna-se uma tarefa bastante
complexa do ponto de vista moral, pessoal-profissional e social. Todas as instituições educativas vigentes no País deparam com uma sociedade volúvel, em constante transformação, a
proliferação de informações de vária ordem (política, económica, religiosa, cultural), que dificultam um trabalho estável de discernimento e de orientação educativa. Entre todas as instituições educativas, as escolas secundárias são as que mais deveriam reunir as condições
necessárias para uma adequada veiculação de valores e modelos de comportamentos reflectidos, analisados e apresentados como critérios de orientação para a nova geração. Perante essa
complexidade de informações presentes na nossa sociedade actual, as escolas têm o papel de
110
111
Cf. S. BRINT, Scuola e società…, pp. 120-121.
Cf. F. GARELLI et ali., La socializzazione flessibile..., p. 67.
151
criar um ambiente simplificado112, que facilite os alunos no processo da sua socialização, isto
é, a interiorização de valores e novos modelos de orientação normativa e comportamental.
2.3 A socialização como factor educativo dos alunos
As escolas secundárias são espaços significativos efectivos e contribuem profundamente para a socialização dos alunos adolescentes. É importante que elas assumam a própria
responsabilidade educativa no desempenho da socialização da nova geração numa sociedade
que se apresenta altamente estratificada. É a partir dessa conjuntura social que é preciso compreender o processo da socialização dos alunos não como esquema predefinido, igual para
todos, mas como um fenómeno de vida familiar e social vista na sua diversidade. De facto, há
uma diversidade de modelos de socialização que deve ser tomada em consideração no acto
educativo por parte de todos os professores.
Sabe-se que, os alunos que frequentam as escolas secundárias provêm de contextos
familiares diferentes. Essa estratificação de classe familiar tem uma forte incidência no processo de socialização dos filhos-alunos, cuja forma assimilação de princípios normativos e
valorativos é muito diferenciada. Por conseguinte, os professores devem ter em conta os
diversos modelos de socialização no desenrolar das suas actividades educativas para não correrem o risco de frustrar e decepcionar os alunos com o seu nível de compreensão e de percepção. A compreensão perceptiva do ambiente natural dos alunos é uma componente indispensável no processo da socialização secundária. Daí a necessidade de compreender os modelos de socialização interiorizados no ambiente familiar e social, o sentido e o valor da socialização através da instrução nas turmas e nos momentos recreativos.
2.3.1 Os modelos de socialização dos alunos
Em Cabo Verde, os modelos de socialização dos alunos provenientes de famílias
diversificadas são bastante visíveis nos estabelecimentos de ensino escolar. Facilmente deparamos com alunos que têm um sentido de auto-direcção bastante desenvolvido, isto é, indivíduos convictos, determinados e capazes de pensar autonomamente e de tomar decisões com
flexibilidade segundo as circunstâncias da vida. Alunos conformistas, prontos a conformaremse com a posição dos outros, propensos a obedecer as normas de forma passiva e pouco criati112
Cf. J. DEWEY, Democrazia e educazione…, p. 22.
152
vos. Finalmente, aparecem alunos indiferentes, bastante libertinos e apáticos em relação ao
estudo e com baixo nível de colaboração e participação. Essas atitudes valorativas de autodirecção ou autodeterminação, conformação e indiferença dos alunos, apresentam-se como
modelos de socialização assimilados, directa ou indirectamente, no seio das famílias de que
são provenientes.
Sempre nesta perspectiva educativa dos alunos no seio das escolas secundárias do
País, os professores devem ter presente um outro aspecto importante para compreender os
modelos de socialização interiorizados pelos alunos ao longo da sua vivência, isto é, o processo de socialização diferencia-se em termos do género, do ponto de vista biológico, psicológico
e sócio-comportamental. A auto-identificação primária da pessoa como homem e mulher, com
as suas atitudes, ideias, desejos e aspirações, acontece desde o seu nascimento. Daí a necessidade de reflectir, do ponto de vista sociológico, sobre a organização familiar e social no que
se refere à atribuição de tarefas laborais segundo os géneros. De facto, «a estrutura familiar e
a organização do trabalho aparecem, nesse sentido, como exemplos centrais de uma sociedade
organizada segundo as profundas diferenças de tarefas masculinas e femininas»113. Na mentalidade cabo-verdiana essa diferença do género caracterizada pelo tipo de trabalho que cada um
exerce é, ainda hoje, bastante evidente.
A socialização como factor educativo dos alunos nas escolas secundárias, só tem sentido, se todos os seus agentes tiverem consciência das situações objectivas e históricas que
caracterizaram e determinaram os comportamentos dos seus pais e encarregados da educação
por longos anos de vida. O desfazer de modelos aprendidos pode ser uma obra fácil pelos
ideólogos socialistas e idealistas, mas o reconstruir de novos modelos estáveis leva tempo e
exige muito trabalho educativo. É através do conhecimento real dos problemas educativos que
é possível implementar uma nova concepção de modelos que possam determinar novos tipos
de comportamentos e de relações entre os alunos de classes familiares diferentes e a nível do
género, e não pela simples rejeição de modelos tradicionais. É importante que se ensine nas
escolas e que se diga a todos os cidadãos que a interpretação e a superação de modelos tradicionais podem acontecer através da implementação da cultura dos valores interpessoais e da
instrução, cuja finalidade é tornar a todos mais disponíveis a compreender e aceitar a mudança
sociológica e cultural114, não em termos de substituição, mas de renovação segundo a lógica
de continuidade, de paridade e de boa convivência.
É necessário que se faça um outro enquadramento de factores no seio da população
cabo-verdiana para que se possa compreender a natureza da socialização levada a cabo pelas
113
114
M. L. GHISLENI - R. MOSCATI, Che cos’è la socializzazione, Roma, Carocci, 2000, p. 55.
Idem., p. 56.
153
escolas. Antes de tudo, Cabo Verde divide-se em dois grupos de Ilhas: Sotavento e Barlavento. Ambos estão caracterizados por um conjunto de modelos culturais, parcialmente, diferentes um do outro. E mais, cada Ilha possui algumas características que lhe são próprias. Em
segundo lugar, nas escolas secundárias encontram-se alunos provenientes de Aldeias, Vilas e
Cidades e, por conseguinte, notam-se diversos modelos culturais vigentes nas escolas do País.
Finalmente, surge um novo fenómeno de imigração, pessoas que chegam do Continente africano, da Europa e da China, como já foi mencionado anteriormente.
São três blocos de factores que as escolas secundárias do País devem ter presentes no
processo de socialização dos seus alunos. As diferenças de modelos culturais entre os dois
grupos de ilhas e entre os alunos provenientes de áreas diferentes não devem constituir motivos de divisão, ruptura e fragmentação da população, antes, são condições basilares de união e
reforço da identidade pessoal e social. Assim, a confrontação com outros modelos culturais de
outros países pode ser ocasião para uma melhor valorização das pessoas e para o estabelecimento de maior sentido de compreensão e de acolhimento como valores interpessoais. Por
isso, as escolas devem, constantemente, promover encontros de reflexão e de estudos à volta
de tudo aquilo que faz parte do património cultural de modo a promover uma maior interiorização de valores interpessoais, tais como a paridade, a solidariedade e o diálogo.
2.3.2 A socialização na instrução das turmas
Qualquer enquadramento institucional comporta uma reflexão mais objectiva e real
no desenrolar das acções educativas. Todas as estruturas e as organizações das escolas estão
finalizadas à educação e à instrução, cuja realização acontece dentro de um espaço bem definido, isto é, com as turmas nas salas de aula. Através da instrução realizam-se as práticas de
socialização, no sentido de que os alunos estão sujeitos a adequar-se a um núcleo de normas,
sanções, escolha de materiais escolares e disciplinas optativas, cumprimentos de acções práticas ligadas aos programas do ensino, à avaliação qualitativa e quantitativa, à participação aos
exames, fazem as suas observações e instauram as relações interactivas com os professores e
com os directores e subdirectores115. Duma forma invisível ou indirecta os alunos acabarão
por socializar-se interiorizando um conjunto de princípios normativos e morais que os poderão facilitar o processo do seu crescimento pessoal e profissional.
No decorrer do ano lectivo, os professores dão possibilidade aos alunos de cumprir
um conjunto de actividades individuais e colectivas, trabalhos de pesquisa, encenação teatral,
115
Cf. S. BRINT, Scuola e società…, p. 136.
154
danças tradicionais, pratos típicos das ilhas, como forma de incentivar nos alunos o processo
de socialização. De facto, essas práticas didácticas induzem os alunos a renunciar aos seus
impulsos imediatos e os tornam aptos a aprender, a ser pacientes, a valorizar os sucessos pessoais e colectivos, a perceber quão importante é o estar juntos e trabalhar para um mesmo
objectivo, isto é, a educação da própria personalidade.
As actividades escolares quando são avaliadas e premiadas (positiva ou negativamente) contribuem fortemente para a socialização dos alunos, no sentido de que podem levar
a manter um bom ritmo de estudo ou a melhorar as prestações. As actividades escolares praticadas nas turmas têm um forte cunho de autoridade. Através dessas actividades, os alunos
estão sujeitos a interiorizar os princípios que reforçam a socialização, enquanto aceitação da
autoridade dos professores e das disciplinas ensinadas em si mesmas. E mais, a socialização
escolar, independentemente dos seus conteúdos, transmite na sua forma de actuação e tipo de
relação uma série de modelos de comportamento condizente com os princípios de autoridade,
de prestação, de competição e de cooperação116.
Embora não haja uma disciplina explícita de moral nas escolas públicas do País, a
educação moral nas aulas acontece indirectamente. Através das observações e contactos directos com os professores e directores do ensino secundário percebemos que todos eles concordam em como o Estado deveria favorecer o ensino da moral nas escolas de Cabo Verde. Independentemente dessa vontade colectiva, alguns valores morais fundamentais, como por
exemplo, honestidade, pontualidade, liberdade, responsabilidade, solidariedade, deveriam ser
ensinados aos alunos durante as actividades escolares, precisamente porque a instrução formal
desempenha, entre outros, o papel de favorecer a interiorização dos valores e a aprendizagem
de modelos comportamentais como valências normativas e prescritivas117.
2.3.3 A socialização nos momentos recreativos
Se, por um lado, há um certo controlo no processo de socialização dos alunos no seio
das escolas e das turmas na sala de aula, doutro lado, existem outras acções socializantes fora
das aulas e que não estão parcialmente sob controlo dos agentes educativos. Deve-se tomar
em consideração o espaço recreativo ou recinto dedicado às actividades lúdicas das escolas,
onde os alunos fazem as suas próprias experiências como factores determinantes na sua socialização. Através das actividades nos momentos recreativos, os alunos aprendem lições infor116
117
A. BAGNASCO et ali., Corso di sociologia, Bologna, Il Mulino, 1997, 168.
Cf. M. L. GHISLENI - R. MOSCATI, Che cos’è la socializzazione…, p. 59.
155
mais e necessárias para a vida adulta, impondo e confrontando as suas forças, habilidades
físicas e mentais com os seus colegas. Segundo S. Brint, alguns sociólogos são da opinião que
as experiências que os alunos fazem no recinto das escolas são um complemento com aquelas
que aprendem na sala de aula118.
Entretanto, verifica-se nas relações entre os alunos um forte sentido de desigualdade
do ponto de vista do género e de status, o que pode provocar comportamentos anómalos de
agressividade, violência física e verbal. Não obstante essas irregularidades, próprias de indivíduos imaturos, os momentos recreativos podem provocar profundas transformações físicas e
psico-afectivas nos alunos que frequentam os estabelecimentos do ensino escolar. A confrontação e a experiência que os alunos fazem e experimentam durante esses momentos contribuem para a estruturação da própria identidade pessoal e social. De facto, as experiências à
volta do sistema escolar podem ser vistas como:
Uma espécie de espelho estruturado e estruturante no qual o aluno-adolescente (muito antes
como criança) aprende a ver-se, a avaliar aquilo que sabe e não sabe, aquilo que poderá aprender e o
que não conseguirá jamais aprender; o sujeito consegue, assim, representar, num certo modo, o seu
próprio futuro, passando progressivamente da uma tomada de consciência dos próprios recursos e das
próprias limitações em termos de competências e habilidades (isto é, do próprio saber fazer) a um juízo de si mesmo como pessoa, chegando, assim, a definir quem é e quem poderá ser no futuro119.
Essas considerações teóricas são relevantes para demonstrar que o processo da socialização é um factor determinante no crescimento e desenvolvimento humano do ponto de vista
intelectual, moral e profissional dos indivíduos em fase de evolução. De facto, a reflexão
sobre o processo de socialização à volta do sistema escolar quis apenas realçar a importância
da integração social dos indivíduos imaturos num contexto bem determinado que favorece o
seu crescimento moral, pessoal-profissional e social. Não há dúvida que as escolas do País
apontam para um controlo formal de comportamentos e de valores morais, e para a orientação
cultural dos alunos através de actividades de socialização, quer na instrução das turmas quer
nos momentos recreativos. Certo é que, através da interiorização das suas próprias experiências, o indivíduo aprende, dentro e fora do sistema escolar, tudo aquilo que poderá contribuir
para o seu sucesso ou insucesso na vida futura. É por essa razão ambivalente que as escolas
secundárias de Cabo Verde deverão criar todas condições necessárias para que haja uma disciplina efectiva que desperta nos alunos o verdadeiro sentido da moralidade como condição
118
S. BRINT, Scuola e società…, p. 148.
M. L. POMBENI, L’adolescente e la scuola, in A. PALMONARI (Ed.), Psicologia dell’adolescenza, Bologna, Il
Mulino, 2001, p. 278.
119
156
básica e fundamental para se definir como pessoa moral e social, tanto para o seu bem individual como para o bem colectivo.
2.4 A socialização na cultura local
Partindo do pressuposto que a cultura é um bem patrimonial (material e imaterial) de
tudo aquilo que exprime a vivência valorativa, a conduta normativa e a crença de um povo, a
sua assimilação numa determinada sociedade por parte dos indivíduos em fase de evolução
implica, necessariamente, um processo de socialização. Se considerarmos a cultura como base
de conhecimento e de orientação dos indivíduos na sociedade, então é justo que se faça uma
apresentação do fenómeno de socialização através da cultura cabo-verdiana. Esse enquadramento educativo e formativo poderá ajudar a camada juvenil a perceber e a valorizar a sua
própria cultura, não somente do ponto de vista utilitarista, mas também no sentido funcionalista, como a entende E. Durkheim, isto é, a satisfação de uma necessidade colectiva120. Além
disso, a cultura é um bem valorativo que merece admiração e apreciação moral, profissional e
social de todos os membros da sociedade. E de modo particular, ela deve ser entendida pela
nova geração como fonte de inspiração para a vida moral e profissional e não como simples
representações nostálgicas de uma época remota.
Qualquer cultura, material ou imaterial, retrata uma determinada sociedade nas suas
múltiplas dimensões. Pela sua própria natureza antropológica, sociológica, psicológica e funcionalista, a cultura não deixa nenhum ser, dotado de racionalidade, indiferente, porque está
organizada e embebida de relacionamentos interpessoais, de colaboração recíproca e de sentimentos pessoais e colectivos121. Por isso, é um bem valorativo que desperta em cada indivíduo interesses, sentimentos e aspirações para o crescimento da sua personalidade. Como já foi
realçado anteriormente, a cultura é uma realidade dinâmica que cresce com a vida das pessoas, dos grupos e com a sociedade em transformação, e que precisa de ser veiculada e transmitida à nova geração para a sua própria renovação na historia, no espaço e no tempo. Nessa
perspectiva, a cultura apresenta-se como interacção de indivíduos que se relacionam criando
uma nova cultura capaz de responder às necessidades e às inspirações do tempo presente.
A transmissão da cultura de uma geração à outra geração não acontece no vazio, mas
através da interacção de pessoas inseridas e integradas no seu meio ambiente familiar, religioso e comunitário. O sujeito de toda essa transição é sempre a pessoa inserida na sociedade.
120
121
Cf. E. DURKHEIM, Le forme elementari della vita religiosa, Milano, Edizioni di Comunità, 1971.
Cf. W. GRISWOLD, Sociologia della cultura…, p. 81
157
Portanto, a interiorização dos conteúdos culturais enquanto modelos valorativos, normativos,
espirituais, artísticos, filosóficos e científicos, acontece através do processo da socialização.
Isso está presente no pensamento de W. Criswold, quando diz que «os objectos culturais são
reproduzidos e transmitidos através da socialização dos novos membros do grupo – por
exemplo, os jovens122. É por isso que vamos tentar enquadrar a socialização na cultura caboverdiana, sobretudo no que diz respeito aos contos tradicionais, às músicas, ao teatro e à
expressão artística. Tudo isso, será enquadrado numa perspectiva dinâmica e didáctica e servirá de incentivo para o conhecimento dos agentes e dos alunos das escolas secundárias de Cabo
Verde. É importante que os alunos compreendam a própria cultura como um factor educativo
e formativo do ponto de vista moral, profissional e social.
2.4.1 A literatura como processo de socialização
Na sociedade cabo-verdiana, como nos outros países, os contos populares acabaram
por ser informatizados e transformados em livros de leitura, filmes e imagens televisivas.
Embora seja uma transformação positiva do ponto de vista estético e técnico, a relação interpessoal de quem os narrou e de quem os escutou foi substituída pela televisão, pelas videocassetes e DVD’s. Actualmente, a transmissão dos contos tradicionais passa, substancialmente,
por uma forma mecânica e sem referência moral de quem os relata. Nesse sentido, a tecnologia da informatização fez desaparecer certas relações entre a nova geração e o mundo dos
adultos. Antes, acabou por diminuir, no campo de relacionamento, um certo poder de informação por parte dos adultos, enquanto pessoas sensíveis e portadoras de um senso comum.
Portanto, os meios e as modalidades tradicionais, que sempre facilitaram o relacionamento
entre os adultos e a nova geração, foram transformados e canalizados para outras vias de
comunicação. Daí a necessidade de rever novos modelos pedagógicos, com função de ponte,
para que os contos populares e tradicionais sejam um encontro personalizado, sobretudo nas
famílias e nas escolas.
Os contos populares ou tradicionais que se narram nas famílias cabo-verdianas são
revestidos de elementos característicos baseados nas lendas e nos mitos123, e visam reforçar as
vivências tradicionais, incutem valores espirituais, morais, suscitam reverência aos adultos e
às pessoas de prestígio social e religioso, e aos anciãos. Portanto, do ponto de vista educativo,
os contos tradicionais, provérbios, máximas e adivinhas são modelos lendários e literários
122
Idem., p. 85.
Cf. L. M. DE SOUSA PEIXEIRA, Da mestiçagem à caboverdianidade. Registos de uma sociocultura, Lisboa,
Colibri, 2003, p. 202.
123
158
cuja finalidade é orientar e educar as crianças, os adolescentes e jovens do ponto de vida
moral, social e cultural124. E são formas que possibilitam o processo de socialização das
crianças, dos adolescentes e dos jovens. Além do material figurativo, sabe-se que cada conto
popular ou cada fábula retrata a natureza com as suas criaturas, a sociedade com as suas instituições educativas, políticas, religiosas, jurídicas, e as personagens que desempenham diversas tarefas ou funções no seu meio ambiente. Através da narração dos contos populares pretende-se moralizar o ambiente e os seus membros, sobretudo, os indivíduos imaturos.
Além dessas narrações espontâneas e de senso comum, a socialização dos estudantes
cabo-verdianos, entendida como consciencialização dos problemas sociais e políticos e interiorização de valores culturais, éticos e religiosos, deveria acontecer através da literatura de
estudo sistemático, estruturado e organizado. Bastaria apontar o surgimento do «movimento
claridoso» do século passado em 1907 com a publicação da Revista «Claridade», os escritores
cabo-verdianos: Manuel Lopes, Baltazar Silva Lopes, Henrique Teixeira de Sousa, Gabriel
Mariano, João Lopes Filho etc. Apesar de ser um património literário, as várias modalidades –
poesias, romances, novelas – vigentes em Cabo Verde são pouco exploradas pelas escolas
secundárias.
O processo da socialização não se realiza somente escutando os contos tradicionais e
lendo os escritos da literatura. Depende também da sua compreensão material, da capacidade
de cada um saber acolher os aspectos que devem caracterizar o seu estilo e o seu modo de
viver os valores, de agir segundo as normas sociais e de poder configurar-se positiva e criticamente com os modelos apresentados e interiorizados.
2.4.2 A socialização através da música e dança
A música, na sua variedade, é algo que estimula todo o povo à diversão e reflexão e
faz parte do património cultural de cada país e de cada sociedade. É uma modalidade cultural
que galvaniza povos de língua, raça e cultura diferentes e, no caso de Cabo Verde, a música
exprime sentimentos profundos de um povo repleto de vicissitudes históricas e culturais. A
compreensão da música cabo-verdiana como elemento socializante depende do estudo que se
faz sob o ponto de vista eminentemente antropológico e sociológico. No caso cabo-verdiano,
é fácil deduzir que a música cabo-verdiana é, também, um elemento complexo, precisamente,
124
Cf. E. C. PARSONS, Folclore do Arquipélago de Cabo Verde, Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1968. Os
contos tradicionais e advinhas foram coligidos, durante o estios de 1916 e 1917, de imigrantes portugueses
negros do arquipélago de Cabo Verde, presentes nos Estados Unidos da América.
159
porque traz, em si, a marca de miscigenação e encontro de elementos da cultura europeia e
africana. O antropólogo J. L. Filho aponta o seguinte:
Tendo em conta o processo de formação da sociedade cabo-verdiana, longínquas serão as
verdadeiras raízes da sua música tradicional, em cuja origem entroncarão elementos de várias proveniências, que vão das influências das “lamentações árabes” aos alegres ritmos africanos, que se interpenetram no conjunto das melodias tradicionais do arquipélago125.
Baseando-nos na vivência sócio-cultural de um povo, podemos dizer que a música
cabo-verdiana exprime sentimentos humanos, psico-afectivos, espirituais, morais e sociais. A
música cabo-verdiana, na sua variedade, retrata a vivência social de um povo que sofre por
causa da opressão, exploração, seca, fome, emigração, traição amorosa, como também exprime a esperança, a saudade, a luta, a determinação, a aspiração e a projecção de uma vida
melhor. Do ponto de vista social, a música cabo-verdiana transmite à nova geração e à população em geral, uma carga emocional e afectiva, onde se entrelaçam valores éticos, estéticos e
religiosos, que são fundamentais para a estruturação da própria personalidade. Nesse sentido,
a música é um objecto cultural de fácil interacção entre todos os membros da sociedade. Por
conseguinte, ela apresenta-se como uma base importante para a implementação do processo
de socialização de todas as faixas etárias fora e dentro do País. Nota-se que a música é a
expressão cultural mais conhecida fora do território nacional cabo-verdiano.
A socialização dos indivíduos em fase evolutiva, através da música e de cânticos que
exprimem a realidade existencial do povo das Ilhas pode contribuir para torná-los pessoas
sensíveis, atentas e solidárias para com os problemas que afectam os indivíduos vulneráveis,
famintos, desempregados e sem habitação. A música de Renato Cardoso, interpretada pelo
artista Ildo Lobo, “Nos tudo mesté un tanto pa víve”126, retrata um desejo colectivo de poder
ver reinar a igualdade (justiça social) no seio da população das ilhas. Também, a interiorização de sentimentos profundos através da música e de cânticos ajudam a nova geração, crianças, adolescentes e jovens na estruturação da sua personalidade com sentido de complacência,
solidariedade, igualdade e justiça para consigo mesmos e para com os outros. Nesse sentido, o
autor acima referido é da opinião que a música cabo-verdiana deve ser enquadrada e compreendida a partir da vivência humana e social de que faz parte como um todo harmonioso127.
A socialização dos adolescentes estudantes do Ensino Secundário através da música
e dança, pressupõe que os agentes educativos tenham um conhecimento real e objectiva da
125
J. LOPES FILHO, Cabo Verde: Subsídios para um levantamento cultural, Lisboa, Plátano, 1981, p. 123.
Todos precisamos de um pouco (de bens) para podermos sobreviver.
127
Cf. J. LOPES FILHO, Cabo Verde: Subsídios para um levantamento cultural…, p. 123.
126
160
música cabo-verdiana nas suas variedades e saibam implementar um trabalho educativo de
orientação e discernimento para que eles possam ter uma visão crítica perante a proliferação e
invasão de músicas estrangeiras no País. A socialização é a interiorização de modelos culturais de uma determinada sociedade, daí a necessidade de uma educação preventiva para que a
assimilação dos produtos culturais seja feita de forma activa e dinâmica, e que sirva para o
crescimento moral, pessoal-profissional e social dos adolescentes estudantes.
2.4.3 A socialização nas artes cabo-verdianas
Entre outras modalidades culturais, destacamos a expressão artística que mais representa o “modus vivendi” das pessoas, das comunidades e da sociedade cabo-verdiana em
geral. A caracterização das obras artísticas engloba desde a habitação, enquanto parte integrante do homem com as suas imediações, alimentação com uma excelente variedade de pratos regionais, agro-pecuário e pesca, utensílios domésticos e artesanatos que retratam o
ambiente estético e a sabedoria popular cabo-verdiana128. Trata-se de um conjunto de elementos que espelham a cultura material do povo cabo-verdiano, cuja vivência é evidenciada e
transmitida de geração em geração.
Portanto, qualquer reflexão antropológica ou sociológica sobre as artes caboverdianas (produtos culturais ligados à própria sobrevivência e identidade) vigentes na sociedade não contribui somente para um conhecimento objectivo da realidade ambiental, social e
histórica, mas também permite à nova geração interiorizar modelos de comportamentos criativos e produtivos, a fim de se sentir estimulada, por sua vez, a recriar novos elementos para o
enriquecimento e o desenvolvimento da própria identidade cultural. Isso poderá ser a consequência de uma profunda socialização. Portanto, a consciencialização da importância da formação profissional passa, substancialmente, pela interiorização dos diversos modelos de
acções produtivas. É nesse sentido que pensamos viável uma socialização através das artes
cabo-verdianas, a ser implementada nas escolas secundárias do País. De facto, a cultura de
uma actividade profissional começa pela interiorização dos modelos, dos instrumentos e das
necessidades que se apontam ao longo dos tempos.
Não existe um modelo uniformizado de artes típicas nacionais, há apenas um conjunto de variedades de produções que exprimem a relação recíproca do homem cabo-verdiano
com o seu habitat natural e social129, e que nos induz a solicitar que se faça nas escolas secun128
129
Idem., p. 88-95.
Idem., p. 95.
161
dárias, além do estudo sobre a cultura cabo-verdiana, um laboratório de aprendizagem de
todas as expressões artísticas, criando modelos factíveis e apreciáveis para os estudantes de
todos os ciclos do Ensino Secundário.
3.
A família cabo-verdiana na educação dos filhos adolescentes
Além do papel educativo da escola secundária realçado neste capítulo, uma outra instituição sócio-educativa significativa e expressiva, para o desenvolvimento humano e para a
formação moral, profissional e social do indivíduo, é a família. Por isso, uma abordagem teórica da especificidade descritiva e analítica da família cabo-verdiana e do seu papel educativo,
são fundamentais para a compreensão e o processamento de um projecto formativo que se
quer efectuar para os alunos das escolas secundárias de Cabo Verde.
Antes de entrarmos nos meandros da família cabo-verdiana é lógico que apresentemos algumas considerações ou definições socio-psicológicas sobre essa instituição indispensável à humanidade e à sociedade, precisamente porque é nela que o indivíduo nasce, cresce,
desenvolve a sua sexualidade, procria, envelhece e morre. Portanto, a família revela-se como
um lugar privilegiado de construção social dos eventos e de relações naturais130. Além dessa
definição basilar pode-se acrescentar outras segundo as visões que se quer observar ou estudar
à volta da família: do ponto de vista jurídico (estrutura e linguagem), estatístico (tipologias,
modelos de análises), psicológico (vivências, sentimentos, percepções interiores, dinâmicas
psíquicas de pessoas envolvidas, relações interpessoais).
Na nossa perspectiva, faremos uma abordagem da família do ponto de vista sóciopedagógico tendo em consideração quer os aspectos psicológicos quer os aspectos sociológicos, precisamente porque a família é uma instituição primária e apresenta estruturas de relações diversificadas, consoante as culturas de cada povo. Nessa dinâmica de relações sociais, a
família pode ser definida como lugar/espaço, como célula da sociedade, como modelo simbólico, como estrutura, como função, como grupo de mundo vital, como instituição e assim
sucessivamente131. Independentemente da multiplicidade das definições que se encontra ao
longo do estudo, a família é essencialmente uma relação social sui generis, distinta de todos
os grupos e instituições sociais, que permite realizações de acções recíprocas e intersubjectivas. Antes, a família é uma forma social primária, porque se encontra na origem da
civilização, garante o processo generativo do ponto de vista biológico, psicológico, social e
130
131
C. SARACENO et ali., Sociologia della família, Bologna, Il Mulino, 2001, p. 10.
Cf. P. DONATI, Manuale di sociologia della família, Roma-Bari, Laterza, 2006, pp. 3-4.
162
cultural132. De facto, a família, pela sua própria natureza, possui um «carácter primordial» na
história da humanidade e na constituição da sociedade. Como afirma P. Donati, a família é
primordial, porque é operador essencial dessa passagem da mera natureza bio-psíquica à cultura e, fora dela, a sociedade civil não viria à existência histórica; porque no decorrer da evolução humana ela permanece matriz fundamental do processo da civilização; porque fornece
os elementos fundamentais de identidade simbólica a cada indivíduo enquanto ser humano,
como pré-requisito no processo da humanização da pessoa133.
Partindo desse pressuposto sociológico, é possível deduzir a dimensão valorativa,
organizativa e a sua relevância na vida do ser humano, da cultura e da sociedade em geral.
Pelo facto que nela se reconhece a humanidade na sua dupla dimensão sexual, torna-se lugar
por excelência, onde o homem e a mulher se encontram e convivem maritalmente, e onde
surge a divisão de tarefas, de espaço, de competências, de valores. É a partir desse núcleo que
despontam os filhos que põem em causa a própria estrutura familiar com o seu nascimento,
crescimento, distanciamento, diferenciação, matrimónio. Também, é por essa mesma razão
que a família é considerada com um sistema aberto a novas experiências, a relações com
outros grupos sociais, dentro e fora do seu território. Isso está bem patente nas ideias de C.
Saraceno e M. Naldini, quando dizem que a família é como um actor social complexo, imerso
em múltiplos processos interactivos na sociedade na qual está inserida134. Nesse sentido, a
família não é uma instituição fechada em si mesma, mas um sistema aberto não somente para
o crescimento dos seus membros como também da sociedade e da humanidade.
E é nessa dinâmica interactiva que a família é vista como uma relação social, cuja
identidade se baseia em quatro dimensões constitutivas, específicas e intimamente conexas:
intencionalidade (gerar filhos), meio (sexualidade), normatividade (a reciprocidade como
regra de troca e das interacções), valor (doação; dar como agir gratuito). Aliás, a família
começa a existir a partir de duas pessoas que se dão reciprocamente e geram filhos através da
sexualidade. É a partir dessa dinâmica interna que emerge o sentido e o significado de «amor»
como paradigma que une as referidas notas caracterizantes: doação, reciprocidade, procriação
e manifestação sexual135. Essas componentes são critérios interdependentes que explicam e
fundamentam a essência da unidade e estabilidade da família, e dão a sua identidade específica. Pode-se verificar que estamos perante uma instituição complexa, que merece um maior
aprofundamento, enquanto objecto de estudo por si só.
132
E. SABINI et al., Psicologia dei legami familiari, Bologna, Il Mulino, 2003, p. 19.
P. DONATI, Manuale di sociologia della família, Roma-Bari, Laterza, 2006, p. 6.
134
C. SARACENO et al., Sociologia della família..., p. 14.
135
Cf. P. DONATI, Manuale di sociologia della família..., p. 9.
133
163
Embora a família seja uma realidade complexa, ela continua a ser sempre o núcleo
central e constitutivo de qualquer sociedade humana. Do ponto de vista institucional, a família
é a que mais condensa, em si mesma, os sistemas de parentesco ligados a um vínculo de integração de elementos sociais, culturais, afectivos136. Por isso, pensamos reflectir sobre a família cabo-verdiana como agência educativa e formativa, o que servirá de base para a compreensão da adolescência e de suporte para o estudo sobre a formação moral, profissional e social
dos adolescentes estudantes do Ensino Secundário de Cabo Verde. Para podermos compreender o seu papel educativo debruçar-nos-emos, antes de tudo, sobre a estrutura da família em
Cabo Verde, as funções da família na mentalidade cabo-verdiana e a educação dos adolescentes no seio da família.
3.1 A constituição estrutural da família
Partindo das análises introdutórias acima apontadas sobre a especificidade da família
acabamos por posicionar-nos e por compartilhar o conceito que temos da família caboverdiana. Ora, não há uma definição unilateral para caracterizar a família. Sinteticamente, a
família compõe-se de homem e mulher com um ou mais filhos vinculados pelo casamento.
Apesar de algumas anomalias patentes na vivência familiar cabo-verdiana, frutos de todo o
processo da escravatura e colonização, a composição da família é, na cultura tradicional do
povo cabo-verdiano, “monogâmica” e com as seguintes características:
1) Tem a sua origem no casamento. 2) É formada pelo marido, pela esposa e pelos filhos
(as) nascidos do casamento, ainda que seja concebível que outros parentes o seu lugar juntos do grupo
nuclear. 3) Os membros da família estão unidos por a) laços legais; b) direitos de obrigações económicas, religiosas e de outro tipo; c) uma rede precisa de direitos e proibições sexuais, além duma quantidade variável de sentimentos psicológicos tais como amor, afecto, respeito, temor etc.137.
Estas características retratam, actualmente, o posicionamento que se pretende para
uma estrutura estável da família no seio da sociedade cabo-verdiana. Entretanto, convinha
sublinhar que, do ponto de vista estrutural, pode-se identificar duas tipologias de família:
alargada e restrita. A família alargada enquadra-se numa perspectiva eminentemente tradicional e anterior às revoluções pós-industriais, forma-se através de laços de sangue reais ou
136
Cfr. L. GALLINO, Dizionario di sociologia…, p. 291.
C. LÉVI-STRAUSS, Família, in AA.VV., A família como instituição, Porto, Rés Editora, n°15, 1977, citado por
J. L. LOPES FILHO, Ilha de S. Nicolau, Cabo Verde, Formação da sociedade e mudança cultural, Vols. I-II,
Praia, Secretaria-Geral Ministério da Educação, 1996, 58-59.
137
164
adquiridos, e, muitas vezes ela é associada a estruturas de parentesco do tipo clã, poligamia,
isto é, compõe-se de uma linhagem (os ascendentes, descendentes e parentes) com um número
considerável de indivíduos. O que determina e reforça a estrutura unitária de uma família
alargada é a sua coesão solidária interna, endogamia (laços consanguíneas) e seu posicionamento geográfico as suas acções socioprofissionais.
Em segundo lugar, a família estrita e monoparental ou incompleta é a realidade que
se faz presente na sociedade contemporânea e que se agrupa como díade138 (pais-filhos ou
marido-mulher). K. Gough acha que «a família nuclear corresponde melhor e mais eficazmente do que as simples díades às múltiplas funções que dão aos indivíduos singulares segurança
e protecção e permitem garantir a continuidade da espécie humana»139. A família restrita,
nuclear e conjugal cria-se a partir do casamento (religioso, civil) e da união de facto, e completa-se pelo nascimento dos filhos, desagrega-se com o distanciamento ou casamento dos
filhos e desaparece com a morte de um dos cônjuges.
Lançando um olhar retrospectivo sobre a história do povo cabo-verdiano, nota-se que
a formação da família em Cabo Vede tem por substrato a instituição de uma sociedade escravocrata, como foi descrita na I Parte deste estudo. Apesar de ser um evento forçado e condicionado por factores sociais, económicos, políticos e religiosos, pode-se afirmar que a família
cabo-verdiana é o resultado da miscigenação, aliás, do cruzamento das duas etnias provenientes da África e Europa, e contribui para o surgimento efectivo de uma sociedade com as suas
características peculiares. Certo é que, inicialmente, o aparecimento dos cabo-verdianos –
mestiços – não acontecera no seio de família social e religiosamente constituída, mas devido a
outros factores e constrangimentos, como assinala A. Leça: «a insularidade, a libidinosidade
do homem português, a sua espiritualidade cristocêntrica (portanto oposta a actos de discriminação) a falta de mulheres brancas, a submissão das negras, a sedução das crioulas que geram
o mestiço, que acabou por dominar o espaço físico, intelectual do arquipélago»140.
Com o decorrer do tempo, muitas tentativas houve para a recomposição do núcleo
familiar, mas as relações sexuais extraconjugais praticadas pelos senhores de altos cargos
sociais, políticos e religiosos, acabaram por ser um paradigma emblemático e generalizado na
mentalidade dos cabo-verdianos. A mentalidade libertina que se criou à volta das relações
sexuais acabou por se propagar em todas as ilhas mediante a instituição de união livre em
todos os estratos sociais de matriz poligâmica. E segundo J. Lopes Filhos, «a tendência para
138
Cf. B. BERNARDI, introdução aos estudos etno-antropológicos, Lisboa, Edições 70, 1978, p. 290.
K. GOUGH, A origem da família, in AA.VV., A família como instituição, Porto, Rés Editora, 1977, p. 47,
citado por J. L. LOPES FILHO, Ilha de S. Nicolau, Cabo Verde…, p. 93.
140
A. LEÇA et ali., Seroantropologia de Cabo Verde – mesa redonda sobre o homem cabo-verdiano, Lisboa,
Junta de Investigação do Ultramar, 1960, p. 15.
139
165
essa poligamia (de facto), institucionalizada nas uniões livres é consequência deste comportamento dos senhores que faziam gala em ostentar inúmeras amantes e filhos bastardos, não
tendo, portanto, origem nas sociedades tradicionais africanas»141. É a partir desse constrangimento sócio-cultural criado e aceite pela sociedade com passividade, que a estrutura familiar
em Cabo Verde assume configurações diversificadas que vão ser apontadas neste estudo.
Se partirmos dos dados empíricos colhidos junto dos alunos do Ensino Secundário de
Cabo Verde, veremos que a estrutura familiar cabo-verdiana retracta, de facto, o que em teoria
se tenta explicar. Neste momento, verificamos que 35,5% dos alunos declaram que os pais são
casados. Nesse caso, entendemos famílias tradicionalmente constituídas e reconhecidas social
e religiosamente. Nota-se que, actualmente, o matrimónio faz-se na Igreja e no Registo Civil
distintamente e não há uma concordata entre Igreja Católica e Estado como na época colonial.
Em segundo lugar, constatamos que 35,2% dos alunos afirmam que os pais vivem em união
de facto. É uma nova configuração para descrever uma relação maritalmente de convivência,
que pode ser entendida quer em termos de coabitação residencial do casal (homem-mulher)
quer em termos de união livre (mantêm relações sexuais e vivem separadamente). Nesse
segundo caso, o filho vive com um dos pais, na maioria dos casos vive com a mãe, precisamente porque se trata de situação de concubinato. Muitas vezes, o pai é casado ou tem duas
ou três mães de filhos (amásias) e convive com uma delas. Nessa perspectiva importa acrescentar que a criança nascida fora do matrimónio é considerada “filho de fora”, isto é, ilegítimo. O nascimento ilegítimo não define somente um estatuto anagráfico, mas, também, um
estatuto social e simbólico. Parece que nessa linha o nascimento não tenha uma cobertura
existencial no seu cumprimento. Analogamente, pode-se dizer da família parcial, ou seja,
apenas com um dos pais. Essa carência tem o seu efeito material e simbólico no filho que nasce nessa situação142. Enfim, 29,1% dos alunos apontam que os pais são divorciados ou separados. Os dados mostram uma situação bastante fragilizada que vem confirmar a deficiência
que está na sua origem estrutural (cf. Cap. VII, Fig. 9).
As considerações teóricas e as constatações demonstram, de facto, que a família
cabo-verdiana, num certo sentido, se encontra numa situação de continuidade que vem desde
a época colonial, em que o homem continua a ser aquele que domina do ponto de vista sentimental, social e económico o espaço familiar em relação à mulher. Não obstante essa predominância no seio da sociedade cabo-verdiana há indícios de mudança de mentalidade, sobretudo, na nova geração e na classe de famílias com um certo nível cultural e económico. Isso
demonstra que a educação do ponto de vista moral, pessoal-profissional e social nas escolas
141
142
J. L. LOPES FILHO, Ilha de S. Nicolau, Cabo Verde…, p. 70.
Cf. C. SARACENO et al., Sociologia della família..., p. 10.
166
poderá contribuir para a libertação dos indícios comportamentais presentes no psiquismo cultural cabo-verdiano.
3.2
As funções da família na cultura cabo-verdiana
Os dados acima apresentados confirmam que a estrutura familiar cabo-verdiana deve
ser entendida não em termos numéricos e funcionais mas como um núcleo de convivência
baseado num tipo de vínculo que entrelaça os seus membros: afinidade, consanguínea, matrimónio e descendência. Essa diversidade de vínculos encontra-se presente de acordo com
segundo da constituição familiar. Não obstante a diversidade da sua composição, nota-se
alguns critérios que modelam o estilo de vida familiar cabo-verdiano: coesão, flexibilidade,
comunicação, competência: trata-se de princípios que tornam a família expressão de uma
estabilidade interna e de cada membro em particular, e facilita a interacção e a cooperação
dentro e fora do núcleo familiar. Além disso, são componentes que tornam a família mais sensível e determinante perante as suas dificuldades e os problemas alheios e da sociedade em
geral.
Se se tiver em conta certas situações familiares (caso de concubinato ou de infidelidade matrimonial), a interiorização desses critérios ou estilos de vida, pode parecer um acto
de passividade, mas na mentalidade cabo-verdiana a aceitação do adultério ou infidelidade
conjugal, sobretudo por parte de mulheres casadas, tem uma razão histórica de ser. Isso revela, ainda hoje, a prepotência do sexo masculino em relação ao sexo feminino. Assim salientou
o antropólogo cabo-verdiano:
A separação entre as capacidades e competências do homem e da mulher consolida-se no
duplo critério com que normalmente são julgadas as acções do homem, sendo todas as faltas, especialmente o adultério, mais graves quando obra da mulher do que do homem. A mulher, esta, tem de
ser casta e obedecer cegamente ao marido. A superioridade do homem manifesta-se também no seu
“desprezo” pela mulher e pela legitimação do adultério masculino (…)143.
A situação que acabamos de evidenciar, apesar de ser um problema generalizado do
passado e com algumas justificações fundamentadas, continua a ser no nosso século um
fenómeno relevante na vivência quotidiana dos cabo-verdianos em todos os estratos sociais.
Não obstante as discrepâncias internas e as crises que assolam essa instituição, as famílias
cabo-verdianas contribuem, de forma ponderante, para o desenvolvimento humano e social do
143
J. L. LOPES FILHO, Ilha de S. Nicolau, Cabo Verde…, p. 71.
167
seu povo. Daí a necessidade de realçar algumas das suas funções mais eminentes. Como acontece na generalidade, também na mentalidade cabo-verdiana a família define-se nas funções
que desempenha: biológica, social, educativa, política, económica, moral e religiosa.
Antes de tudo, a família é compreendida como uma unidade reprodutora (geneticamente) contribuindo pela preservação da humanidade e, em segundo lugar, deve ser entendida
como uma unidade de perpetuação das instituições sociais, políticas e dos valores que garantem o equilíbrio moral e religioso do indivíduo e da própria sociedade. Neste sentido, as duas
componentes (a reprodução biológica e reprodução social) que caracterizam as funções estão
intimamente conexas. Portanto, no exercício das suas funções, a família é a instituição fundamental que, no pensamento M. Godelier, regula, organiza e orienta a sociedade144. Embora
seja subentendida, a reprodução biológica não inclui somente o acto de procriação, como
também, contribui para a satisfação e o equilíbrio psico-afectivo quer entre os cônjuges quer
entre estes e a prole. De facto, a dimensão afectiva entre o homem e a mulher que se unem no
acto conjugal acabará por desabrochar no amor do filho, o fruto desse mesmo amor.
Na mentalidade comum das famílias cabo-verdianas o cuidado na criação dos filhos,
sobretudo no que se refere à alimentação, vestuário, educação formal e informal, formação
religiosa, recreação (convívio, desporto e modalidades culturais) etc., são funções desempenhadas com naturalidade, baseando-se essencialmente no conhecimento do senso comum ou
no instinto que é próprio da maternidade e paternidade. Portanto, a função educativa da família enquadra-se no desempenho moral, social e religiosa em prol da socialização primária dos
filhos. É de salientar, também, que as famílias cabo-verdianas têm um cuidado especial para
com os seus idosos.
Além dessa função educativa, é importante que acrescentemos a função económica
que a família exerce na sociedade e em prol dos seus membros. Partindo dos dados empíricos
colhidos no seio da população estudantil do Ensino Secundário, podemos confirmar que a
maioria das famílias cabo-verdianas vive com um rendimento salarial irrelevante, devido a um
nível baixo de escolaridade (60,2% dos pais tem o Ensino Primário; 18,6% o Ensino Secundário; apenas 19,8% tem um Curso Superior – médio e universitário; nível de profissão relativamente baixo (43,4%), médio (27,1%) e alto (22,9%) (cf. Cap. VII, Fig. 8); falta de qualificação de trabalho produtivo e pouco investimento industrial no País; não há estipulação de um
salário mínimo. Segundo o Censo 2000 deparamos que a taxa bruta de ocupação é de 33,4% e
a taxa de desemprego é de 17,4%145. Presenciando os dados socio-económicos do País e a
144
Cf. M. GODELIER, Cuerpo, parentesco y poder: perspectivas antropológicas y críticas, Quito, Abya-Yala,
1995.
145
INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA, Censo 2000, Praia, Ine, 2000, p. 41.
168
tipologia estrutural da família cabo-verdiana, pode-se concluir que ela não é uma unidade de
produção económica, mas apenas uma unidade de consumo. Todo o trabalho remunerado que
se faz como família é partilhado entre os seus membros e garante a sua subsistência.
Apesar desta generalização numa família regular (mulher, marido, filhos) é importante que sublinhar a condição de família irregular em Cabo Verde, onde a mulher faz as
vezes de mãe e pai para a sustentação dos filhos. De facto, na condução e orientação do lar
doméstico a maioria das mulheres cabo-verdianas exerce uma função determinante. Não é
somente por uma questão de liberdade feminina ou de fracos recursos materiais que elas se
assumem como empreendedoras. Sabe-se que na sua história, a mulher (africana) foi objecto
de uma tríplice dominação: por causa da sua raça (ser negra); da sua casta (escrava); do sexo
(num regime de patriarcado)146. São componentes estruturantes que timbraram a vivência
familiar de muitos cabo-verdianos ao longo da sua história individual e colectiva. Essa condição de mulher cabo-verdiana no seio familiar continua bastante visível no território nacional.
No que se refere à função política, nota-se que a família cabo-verdiana não tem um
peso na política interna do país. O que se pode verificar são as influências partidárias, quando
um dos membros estiver envolvido na direcção nacional ou regional de um dos partidos políticos. Um outro laço bastante evidente no envolvimento das famílias, é a questão da cumplicidade em termos de interesse económico. Isto é, devido à sua carência económica, muitas
famílias se deixam levar pelas promessas e, em troca do voto, recebem dinheiro, materiais de
construção e outros artigos de primeira necessidade. Mais do que uma adesão política, verifica-se instrumentalização das famílias por fins políticos.
3.3 O papel da família na educação dos adolescentes
Feitas essas considerações teóricas e analíticas à volta da estrutura e funções da família, vamos tentar apontar alguns aspectos que caracterizam o papel da família cabo-verdiana
na educação dos adolescentes. O conceito de educação que visa o desenvolvimento humano
do indivíduo já foi devidamente apresentado, pelo que achamos por bem realçar alguns pontos
essenciais que determinam, especificamente, a educação dos adolescentes no seio da família,
tendo como princípio basilar a emergência da necessidade de focalizar uma relação a nível de
gerações. Antes, a educação familiar emerge a partir da relação entre os pais e filhos, entre a
primeira e segunda geração. Embora saibamos que a educação na família é um processo progressivo que engloba várias etapas do indivíduo desde infância à idade adulta, preferimos
146
Cf. R. BASTIDE, Femme de couleur en Amérique latine, Paris, Antropos, 1974, p. 12.
169
permanecer no nosso contexto de estudo, focalizando apenas a fase da adolescência como
período crítico que põe em causa o próprio sistema familiar.
A família cabo-verdiana encontra-se, como em todas as outras do mundo, numa
encruzilhada não fácil de gerir, no que diz respeito à sua tarefa sócio-educativo. Toda essa
dificuldade tem como raiz comum a transformação socio-económica e cultural da sociedade
hodierna. Se por um lado, a sociedade pós-moderna trouxe muitos benefícios às famílias, doutro lado, contribuiu imensamente para o desaparecimento de outros valores humanos e pessoais que regiam e motivavam uma sã convivência humana e espiritual no seio da família e
entre as famílias. É bom que se faça emergir, nessa nova conjuntura social e cultural, a importância da família como recurso indispensável e insubstituível para o bem do indivíduo, especialmente do adolescente que se encontra numa fase crítica da sua existência.
O crescimento humano do indivíduo depende, em parte, do seu contexto sóciocultural, político e económico. Na verdade, os padrões culturais, valorativos e a condição de
vida cultural e económica dos pais cabo-verdianos conseguiam, no passado, conter os filhos
num estado de equilíbrio e de submissão mediante uma certa autoridade repressiva. A transformação socio-política e económica do país e a elevação do nível de vida cultural da nova
geração fazem com que as duas gerações se distanciem uma da outra, e os pais tenham a sensação de perder uma certa autoridade em relação aos filhos que se sentem livres e com maior
conhecimento dos seus direitos. Além de outros factores condicionantes, achamos que o nível
cultural e académico dos pais cabo-verdianos é demasiadamente baixo para que possam
acompanhar os filhos adolescentes nessa nova conjuntura social, e posicionar-se como figuras
que mantêm a autoridade, especialmente o pai que se considera na cultura cabo-verdiana
como detentor e chefe de família, e a quem se deve respeito e temor147.
Embora a adolescência seja uma fase crítica e entre facilmente em conflito com os
pais, como forma de auto-afirmação, de busca da sua independência e autonomia, a incompatibilidade e a falta de mútua compreensão no caso da família cabo-verdiana são provocadas,
muitas vezes, por essa discrepância de nível académico. Para que haja o equilíbrio relacional
entre os pais e filhos adolescentes é necessário um novo tipo de relacionamento, isto é, a passagem duma relação baseada na autoridade unilateral e repressiva (só os pais decidem) a uma
relação de negociação cooperativa baseada no afecto e estima recíproca, para que os adolescentes possam proceder no seu desenvolvimento social e psicológico148.
Independentemente da bagagem cultural e académica, os pais têm a consciência de
que estão perante os filhos em transformação, o que exige deles maior atenção e prevenção
147
148
Cf. J. L. LOPES FILHO, Ilha de S. Nicolau, Cabo Verde…, p. 126.
E. CICOGNANI et ali., Genitori e adolescenti, Roma, Carocci, 2003, p. 25.
170
para que possam crescer de forma harmoniosa. Portanto, é justo que a família considere a fase
da adolescência como um «evento crítico normativo»149 que alerta para a busca de meios
necessários para a educação do filho adolescente e para a reorganização segundo os recursos
de adaptação e de relações afectivas. Também porque a adolescência de um membro da família põe à prova a própria estrutura organizativa familiar no seu processo de adaptação, provocando mudanças nos seus comportamentos.
É bom que diga ainda que o relacionamento educativo entre os pais e adolescentes
deve ter presentes alguns princípios basilares que dizem respeito a ambos: o processo de separação e emancipação, a competência, a confiança e a relação de intimidade. Diante desse
dinamismo existencial que deve acontecer na vida do adolescente, os pais são interpelados a
exercer um papel educativo no sentido de encorajar e apoiar o filho adolescente na sua emancipação e autonomia, incentivar laços familiares flexíveis baseados na comunicação, no diálogo, na mútua compreensão, livre de atitudes de chantagem e cumplicidade. E no pensamento
de E. Scabini, é importante que os pais tenham atitudes de «protecção flexível», sabendo que
o adolescente está em situação de dependência e na busca da autonomia150. Portanto, é papel
dos pais saber conciliar as tendências de modo que o filho adolescente progrida com equilíbrio na sua formação moral, pessoal-profissional e social.
É de salientar que a família desenvolve um papel de grande relevo em prol dos adolescentes, não somente na estruturação da sua identidade psico-sexual e social, como também,
na orientação da aspiração e escolha de vida futura, a nível vocacional e profissional. Trata-se
de «orientação personalizada» que tem por objectivo ajudar o adolescente a imaginar a própria vocação e a definir critérios que lhe permitem fazer escolhas nas várias áreas da vida, da
escola, do tempo livre, do trabalho151. Trata-se de critérios fundamentais que, todavia, os pais
devem confrontar com outros que a sociedade impõe aos filhos para dificultar todo um processo de assimilação e interiorização daquilo que a família propõe. Essa dificuldade não deve
constituir um obstáculo, mas sim ocasião de entrar em interacção com outras instituições que
se ocupam dos adolescentes, a fim de colaborar para que haja conexão de sinergias provenientes dos vários sectores e para uma eficiente prevenção social.
149
Cf. E. SCABINI et al., Il familiare. Legami simboli e transizioni, Milano, Raffaello Cortina, 2000, p. 65.
Cf. E. SCABINI, Psicologia sociale della família, Torino, Boringhieri, 1997, p. 47.
151
E. CICOGNANI et al., Genitori e adolescenti..., p. 23.
150
171
4.
A interacção da escola e família
na formação pessoal-profissional
Após algumas apreciações teóricas sobre as duas instituições educativas (escola e
família), é fundamental fazer outras reflexões teóricas para demonstrar a importância da sua
interactividade na formação pessoal-profissional dos estudantes adolescentes do Ensino
Secundário. Em princípio, as duas instituições se interessam pela educação e formação do
indivíduo em vista do desenvolvimento harmonioso da sua personalidade e da sua inserção e
integração social, mediante uma profissão e realização de um projecto de vida, sendo que o
fim do agir educativo que torna credível e garante a interacção da escola e família é o alunofilho. Daí a necessidade de reforçar quer a formação pessoal quer a formação profissional no
seio das duas instituições para que o adolescente estudante saiba encarar o seu futuro com
determinação e optimismo. Para isso, é preciso que haja entre as duas instituições educativas
uma maior sincronização de atenção, acompanhamento, apreciação e avaliação sobre o percurso evolutivo e formativo do aluno adolescente.
Partindo desse pressuposto, pode-se intuir que o objectivo da formação profissional
dos alunos nas escolas secundárias de Cabo Verde não é tanto o de torná-los técnicos ou o de
implementar apenas um ensino específico, mas sim formar a sua personalidade, potenciá-los e
habilitá-los de forma a torná-los capazes de realizar-se como pessoa, como profissional na
sociedade e no serviço que desempenharão futuramente. Daí a necessidade de especificar e
definir os dois conceitos chaves que esclarecem a importância das instituições educativas em
prol da pessoa dos educandos: formação e profissão.
No primeiro parágrafo deste capítulo debruçámo-nos sobre o conceito e fim da educação. Embora, sob alguns aspectos, tenha ficado subentendida a dimensão formativa da pessoa humana, é justo afirmar que no acto educativo não só se forma, mas também se educa a
pessoa na sua integridade. Portanto, a educação e a formação definem-se na sua recíproca
relação interactiva e dinâmica152. É nesse sentido pedagógico que se deve entender a formação, cuja designação vem do verbo formar, dar forma, conceito esse que faz referência à filosofia clássica de Platão e Aristóteles, como um processo dinâmico. De facto, a expressão “dar
forma” sublinha a acção fundamental de alguém que intervém (escola-família, paisprofessores) para a promoção da educabilidade do sujeito educando (filho-aluno), isto é, heteroformação. Se por um lado há quem dá, por outro há quem toma. Então, “tomar forma” sublinha a capacidade activa e criativa do sujeito inserido no seu contexto educativo, cultural e
152
L. MILANI, Competenza pedagógica e progettualità educativa, Brescia, La Scuola, 2000, pp. 37-38.
172
histórico, de saber reelaborar as suas próprias experiências, os encontros, as vicissitudes, os
eventos que caracterizam sua vida existencial, no sentido de autoformação153.
Nessa perspectiva, a formação é uma componente educativa que define a pessoa
como um ser aberto, dinâmico, flexível e sujeito activo e protagonista consciente da própria
acção e projecção da sua existência, mediante opções e decisões livres e responsáveis. Portanto, “dar forma”, enquanto percurso estruturado e intencional que se oferece ao sujeito para a
sua educação, “tomar forma”, no sentido de que o sujeito é capaz de elaborar e construir
autonomamente os estímulos, e “formar-se” como ser responsável pelo seu crescimento educativo, não são momentos distintos, mas fazem parte de um único processo do indivíduo em
formação154.
Um outro conceito que merece uma definição é a profissão. O termo provém do latim
“pro-fiteor" que significa manifestar. Se, por um lado, manifestar significa declarar a própria
pertença, doutro lado, significa tirar proveito daquilo que se declara ou por aquilo que se faz.
Então, pode-se definir a profissão como um conjunto de actividades desenvolvidas no seio de
um quadro institucional, através das quais um grupo de pessoas preparadas e competentes
oferecem um serviço à colectividade. E os profissionais que se dedicam de modo estável a um
serviço à colectividade em questão, possuem a formação, a capacidade e a autorização para
exercitar a sua tarefa, da qual obtêm a remuneração para a sua subsistência155.
A propósito dessa definição genérica, faz-se notar que na mentalidade cabo-verdiana
há uma nítida discriminação social sobre o conceito de profissão: profissão liberal (trabalho) e
profissão burocrática (emprego). A profissão liberal é vista como um serviço duro, cansativo,
de pessoas com pouco nível de escolaridade e com baixa remuneração. Ao passo que o
emprego é uma actividade que implica ter um ofício, trabalhar nas repartições públicas, nas
instituições educativas e sanitárias. É uma profissão de pessoas cultas e com uma remuneração elevada. Daí a necessidade de uma educação que faça prevalecer o valor da profissão liberal em relação à profissão burocrática. Para isso, é urgente que se estabeleça um paradigma
valorativo da profissão, independente das actividades, e que seja implementado no Ensino
Secundário. A renovação e a profissionalização das actividades tradicionais poderiam ser uma
forma cativante de interesses dos estudantes e da nova geração. O engajamento dos estudantes
nesse processo implica que a escola e a família se unam para fazer valer as aptidões, os interesses e as expectativas dos alunos-filhos.
153
Cfr. G. BERTAGNA, Avvio alla riflessione, pedagogica, Brescia, La Scuola, 2000, pp. 128-135.
Cf. L. MILANI, Competenza pedagógica e progettualità educativa..., p. 40.
155
L. RONDA, La professione intesa come collettività morale, in F. C. PREVER et ali. (Edd.), La responsabilità
dell’educatore professionale. Etica e prassi del lavoro socio-educativo, Roma, Carocci, 2003, pp. 129-142,
p. 130-131.
154
173
Embora cada instituição tenha a sua tarefa específica no campo educativo e formativo, é possível que seja feita, paralelamente, uma observação objectiva e personalizada dos
alunos sobretudo, por parte dos professores. O que se deve privilegiar no acto educativo não é
tanto a transmissão de conteúdos, em si, mas sim a habilidade e o modo como o indivíduo o
assimila e interioriza, e a competência que adquire através dessa aprendizagem. Precisamente
porque o que está em causa é a formação da pessoa integral do aluno. Por isso, é importante
que a família se alie de forma decisiva à escola, considerando-a como a “cabeça de ponte” da
sociedade156, no sentido que serve para contrabalançar todo o processo de mudança, diferenciação e separação que poderá acontecer entre os pais e filhos (caso da adolescência). Deste
modo, escola, em relação à família, pode ser considerada o espaço de equilíbrio entre as
diversas gerações, que permite uma formação integral da pessoa humana. Essa consideração
valorativa e teórica à volta da interacção escola-família demonstra a necessidade de preencher
as lacunas existentes, em termos de relação e colaboração entre pais e professores, na sociedade cabo-verdiana. De facto, há uma insatisfação generalizada no seio dos alunos do Ensino
Secundário (47,1%) sobre o fraco envolvimento dos pais na vida da escola (cf. Cap. IX, Tab.
28). Por isso, o fraco desempenho escolar, a falta de discernimento profissional e vocacional e
de orientação dos alunos à vida activa revelam, profundamente, essa carência elucidativa que
poderá pôr em risco o estado emocional dos alunos e a sua inserção social157. E para prevenir
os eventuais riscos desse fraco envolvimento é preciso implementar a interacção escolafamília como contributo educativo e formativo que qualifica o percurso de vida dos estudantes
e adolescentes.
4.1 A função interactiva da escola-família
na formação pessoal do educando
A família e a escola são, antes de tudo, espaços significativos, que proporcionam aos
adolescentes uma experiência de vida afectiva, intelectual, moral, espiritual como condição
necessária para o seu crescimento pessoal. Na sociedade hodierna, nota-se uma preocupação
colectiva e social na criação de novos espaços como pontos de referências para a nova geração. É justo que haja preocupação com os interesses imediatos da nova juventude. Todavia, é
importante que se diga que não há nenhum espaço social que possa substituir a família e a
escola na estruturação da personalidade do indivíduo. As duas instituições não se interessam
156
Cfr. L. CORRADINI, Educare in famiglia e alla famiglia: potenzialità e i limiti di un`istituzione inedita, in
“Orientamenti Pedagogici” 41(1994) pp.1231-1247, p. 1244.
157
Cf. P. DONATI, Manuale di sociologia della família..., p. 208.
174
somente pela dimensão social dos adolescentes, mas também com o adolescente na sua totalidade e integridade, enquanto ser em transformação do ponto de vista físico (maturação biológica), psíquico (desenvolvimento cognitivo), comportamental (relações e valores sociais).
Para a formação pessoal do adolescente é necessário um bom equilíbrio no seio familiar, e que os pais sejam de ajuda para o seu desenvolvimento. Por isso, é necessário que a
família forneça níveis moderados de coesão (ou closeness ou connectedness) e níveis moderados de flexibilidade acerca das tarefas e regras, de modo a permitir um progressivo distanciamento, e que sejam realizadas formas claras e directas de comunicação158. Entretanto, uma
sociedade manifesta-se carente de oportunidades de emprego e de formação profissional,
componentes essas que tornam os adolescentes-jovens autónomos e independentes (social e
economicamente), obrigados a passar um longo período sob os cuidados da família. Daí que
os conceitos de emancipação e distanciamento do seio familiar retomam novas configurações
e põem em questão a interiorização dos princípios morais (liberdade, responsabilidade, opção
e decisão). Apesar dessa lacuna existencial (emancipação efectiva) a família deve considerarse como parceira nas tarefas do crescimento pessoal do adolescente, para que a emancipação,
a independência e a autonomia não sejam encaradas como rupturas de relações familiares,
mas como momentos intensos de colaboração, de coesão e partilha, e para que ele sinta a
liberdade de viver a sua condição com sentido de liberdade e abertura, criando novos laços de
amizade, afectividade, responsabilizando-se pelos seus actos e pelos seus projectos pessoais
para a realização do seu futuro159. Neste sentido, a família está a cooperar de modo que o adolescente não se sinta nem isolado nem invadido, mas sim protagonista do seu desenvolvimento pessoal e solidário com a própria família. Paralelamente à família, a escola secundária contribui, na linha de continuidade, para a formação pessoal do adolescente sem excluir, certamente, outros contributos das chamadas “escolas paralelas”. O papel da escola consiste, também, em apoiar os alunos na superação dos momentos críticos durante o seu processo evolutivo.
A formação pessoal dos estudantes adolescentes implica que a escola saiba, também,
fornecer instrumentos necessários que os capacitem a ultrapassar e solucionar os problemas
pessoais e sociais, conhecer a realidade do seu ambiente sócio-político, construir um significado pessoal daquilo que se conhece e implementar acções transformadoras da mesma160.
Nesse sentido o papel da escola é tornar o aluno adolescente criativo e activo para a vida
158
B. ZANI, L`adolescente e la famiglia, in A. PALMONARI (Ed.) Psicologia dell’adolescecenza, Bologna, Il
Mulino, 1997, pp. 229-250, p. 230.
159
Idem., p. 232.
160
Cf. A. M. FONSECA, Personalidade, projectos vocacionais e formação pessoal e social, Porto, Porto Editora,
1994, p.15.
175
social. Além dessa componente implícita para o fim educativo, foi implementada na escola
secundária de Cabo Verde uma disciplina que se ocupa, explicitamente, da formação pessoal e
social dos alunos adolescentes. Essa preocupação é mais preventiva do que a formação da
pessoa em si mesma. Aliás, trata-se de uma modalidade escolar para fazer frente ou prevenir
os fenómenos anti-sociais (toxicodependência, suicídio, violência, delinquência) que ameaçam os adolescentes.
Para além da problematização dos fenómenos sociais e do ensino ou da instrução
(papel específico), na formação pessoal dos alunos, a escola tem o dever de apresentar um
conjunto de noções e conteúdos pedagógicos e critérios metodológicos que acentuam o papel
activo dos alunos, estimulando iniciativas, promovendo a sua responsabilização e incentivando o encontro com tudo aquilo que exprime diversidade cultural (pluriculturalismo), desafiando os esquemas preestabelecidos e accionando a emergência de novas ideias e de acções
conscientes que reflectem a realidade do presente e projectam para o futuro. Nesta visão de
formação da pessoa do estudante adolescente, é bom que seja apresentada, segundo, J-M.
Domenah, a “boa pedagogia” que passa por um alargamento das iniciativas colectivas, onde o
professor será doravante não aquele que fala para outros (ou em vez deles…), mas antes aquele que ajuda os alunos a crescerem e a situarem-se no mundo de uma forma aperfeiçoada161.
No contexto territorial cabo-verdiano o engajamento social dos estudantes mediante um
emprego e actividade de matriz humanitária parece bastante deficitário.
Não obstante a conjuntura da transformação socio-económica e cultural pela qual
passa Cabo Verde, a escola depara com novas exigências que a sociedade lhe impõe (escolarização de massa, aumento dos alunos com mesmos direitos, paridade entre rapazes e meninas,
necessidade de uma maior profissionalização dos alunos) e que dificultam o acompanhamento
personalizado e a sua orientação profissional. Convém sublinhar o sentido de acompanhamento personalizado dos alunos. Não significa dispensar toda atenção a um aluno particular, mas
sim individualizar interesses, dificuldades e aptidões dos alunos do mesmo grupo162. Apesar
do aumento das estruturas escolares em todas as ilhas, o número de pessoal docente e serviço
burocrático e o alargamento de informações, os estudantes adolescentes, especialmente, os
que se sentem mais vulneráveis do ponto de vista familiar e social, experimentam sentimentos
de abandono e de solidão por causa da falta desse acompanhamento e orientação. E o número
de alunos que terminam o Ensino Secundário sem perspectiva de uma inserção social faz com
que haja frustração, decepção e desmotivação. São sentimentos que poderão pôr em crise o
161
Cf. J-M. DOMENAC, qu`il faut enseigner, Paris, Seuil, 1989, citado por A. M. FONSECA, Personalidade, projectos vocacionais e formação pessoal e social…, p. 16.
162
Cf. J. H. BARROS OLIVEIRA, Psicologia da educação escola II. Professor-Ensino, Coimbra, Livraria Almedina, 1996, p. 55.
176
processo de identidade social e pessoal do indivíduo que passa por essa fase pouco dignificante.
Se partirmos da importância que os estudantes cabo-verdianos do Ensino Secundário
atribuem à escola na sua vida (cf. Cap. VII, os variáveis presentes na Tab. 6), veremos como é
importante não defraudar essas expectativas, precisamente porque a escola contribui enormemente para a superação de muitas tarefas do desenvolvimento pessoal, e os alunos têm a
consciência do cumprimento de um processo formativo enquanto emancipação pessoal e com
vista a um emprego que garanta a sua integração e inserção social163. Os dados demonstram
que, em teoria, os alunos se preocupam pelo seu desenvolvimento integral e pelo seu futuro
pessoal, social e profissional. Daí a necessidade de uma maior interacção da escola-família e
dos seus agentes (pais-professores) no campo da formação pessoal dos estudantes adolescentes, para que se sintam apoiados, de modo livre e responsável, no cumprimento das tarefas
próprias da sua idade.
4.2 A formação profissional na perspectiva da escola-família
A formação profissional da juventude cabo-verdiana constitui uma das preocupações
de base para as famílias, escolas secundárias e sociedade em geral. Por isso, uma abordagem
teórica sobre a importância da formação profissional encontrará a sua plena justificação nas
análises e interpretações dos dados (cf. Cap. IX, Tab. 31) que revelam as reais expectativas
dos alunos adolescentes do Ensino Secundário de Cabo Verde, em especial, a sua formação
profissional.
Mais do que apresentar as linhas de orientação a nível de formação profissional, preferimos, neste momento, demonstrar alguns aspectos interactivos presentes nas duas instituições como quadro de referência. De facto, todo o percurso formativo na família e na escola
deve direccionar e habilitar o aluno a conseguir uma profissão, segundo as suas aptidões e
adequada às exigências e necessidades da sociedade. Todavia, é de salientar que os serviços
de vária ordem que se apresentam na sociedade moderna e pós-moderna implicam conhecimento de novas tecnologias e o domínio na área da informática, precisamente porque as profissões, desde as tradicionais às novíssimas, são redefinidas e reestruturadas segundo as exigências e necessidades socio-económicas e culturais do tempo hodierno164. Todavia, há um
163
Cf. M. L. POMBENI, Adolescenza e la Scuola, in A. PALMONARI (Ed.) Psicologia dell’adolescecenza,
Bologna, Il Mulino, 1997, pp. 271-291, p. 272.
164
Cf. F. CAMBI et alii., Le profissionalità educative. Tipologia, interpretazione e modello, Roma, Carocci, 2003,
p. 40.
177
conjunto de actividades tradicionais e produtivas em Cabo Verde, em termos de agricultura,
pecuária, piscatória, artesanato, assim como na arte e ofícios (ferragem, carpintaria, electricidade, hidráulica) que exigem a profissionalização e a formação de mentalidade da nova geração em relação a esses tipos de actividades liberais. É importante que os alunos adolescentes
percebam que a formação profissional é uma qualificação acumulada através de estudo e
experiência adquirida que habilita a pessoa a exercer um papel produtivo na sociedade e na
comunidade. Tudo isso envolve cursos regulares (ensino secundário, médio e superior ou universitário) e cursos adicionais, além de experiência prática.
Não basta apresentar aos alunos um quadro de referências e de acções formativas,
para a formação profissional dos adolescentes, requer que os seus professores tenham a consciência sócio-política da própria função instrutiva-educativa e da sua humanidade, ser
homem/mulher do tempo actual, e da sua participação activa na vida social. Isso requer dos
professores uma formação permanente e rigorosa do ponto de vista científico. Um outro
aspecto, que poderá reforçar a consciência dos alunos sobre a necessidade de uma formação
profissional é o relacionamento dos professores com os seus pais. Trata-se de uma relação que
poderá, também, contribuir para realçar e reforçar as aptidões e motivações dos alunos-filhos.
A escolha de uma formação profissional não depende daquilo que os pais desejam ou
sonham para os filhos. Antes, podem encorajar os filhos nas suas opções e proporcionar-lhes
os meios necessários que potenciam as suas aptidões e motivações. Embora não haja no território nacional uma formação educativa específica que possa ajudar os pais num comprimento
das suas funções, salienta-se a necessidade que as escolas têm de envolvê-los de forma sistemática. Com esse envolvimento, eles acabarão por compreender melhor as suas funções,
sobretudo no que tem a ver com os critérios do discernimento na área da formação profissional dos filhos. Se houver essa interacção escola-família, do ponto de vista educativo, é evidente que muitos pais mudarão de atitudes, não somente em relação aos filhos, como também, em
relação à própria escola. Essas considerações têm razão de ser, já que a função dos pais junto
dos filhos em idade escolar, é um factor decisivo na formação e no sucesso escolar dos alunos165.
Uma outra componente que desmotiva os estudantes adolescentes a enveredar pela
via de uma formação profissional é o nível elevado do desemprego juvenil. Sendo Cabo Verde um país com fracos recursos materiais, há que investir nas potencialidades humanas, criando condições de utilização das novas tecnologias para um melhor aproveitamento das actividades agro-pecuárias e marítimas. Daí o papel das escolas secundárias, desde que o Sistema
Educativo cabo-verdiano contemple no programa do Ensino Secundário uma formação em
165
Cf. F. CAMBI et alii., Le profissionalità educative. Tipologia, interpretazione e modello..., p. 26.
178
vista de profissionalização dos alunos, segundo as áreas de actividades vigentes no território
nacional. Entende-se por “profissionalização”, uma formação em exercício de uma profissão166. Nessa perspectiva, é partilhável a ideia M. Righetti que sustenta o papel da escola em
manter como objectivo formar o indivíduo segundo as exigências da realidade actual e conforme as áreas das actividades durante os três últimos anos da escolaridade167, no que tange ao
processo do desenvolvimento do País, valorizando e capacitando os recursos humanos em
vista de melhorar as condições ambientais e aumentar a capacidade de emprego.
Não obstante essa posição objectiva, o aluno que aprende uma profissão permanece
sempre aberto a novas experiências e apto a continuar a sua formação académica. O melhor
contributo que a escola secundária pode oferecer aos seus alunos é a promoção de uma consciência aberta e crítica perante as situações do tempo presente em vista de um maior desenvolvimento pessoal e social para o futuro.
4.3 A orientação dos alunos a um projecto de vida
Na linha da formação pessoal e profissional dos alunos adolescentes, enquadra-se,
também, a sua orientação para um projecto de vida, como realização pessoal. Por isso, é natural que se faça uma abordagem teórica sobre a importância da projectualidade nas duas instituições, a escola e a família. Antes de tudo, há que definir o conceito de orientação. Em termos genéricos, trata-se de um processo educativo que permite ao agente educativo oferecer
uma ajuda ao indivíduo, para que ele possa elaborar um projecto de vida e realizá-lo durante a
fase da sua existência. Além da orientação de vária ordem (profissional, pessoal, escolar),
nessa perspectiva, pensamos num projecto de vida eminentemente vocacional, isto é, o adolescente estudante deve ser ajudado na família e na escola a descobrir a sua chamada a uma
vida baseada nos valores sociais, religiosos, ao serviço dos outros. Para além de várias disciplinas que se interessam por esse conceito, realçamos a importância que ocupa na disciplina
que se interessa pela juventude. Na perspectiva da sociologia da juventude, o conceito de
orientação reveste-se de informações importantes sobre as aspirações, atitudes, tendências dos
jovens e, de modo especial, o significado que o trabalho ocupa no seu projecto existencial. A
orientação do sujeito faz-se, tendo em consideração os factores culturais (crenças, usos e cos-
166
Cf. L. MILANI, Competenza pedagógica e progettualità educativa..., p. 49.
Cf. M. RIGHETTI, Autonomia e formazione, in M. RIGHETTI (Ed.), autonomia e dirigenza della scuola,
Ferrara, Corso Editore, 1999, p. 40.
167
179
tumes, valores normativos e religiosos), institucionais (família, escola e centros de reeducação
ou de orientações) e diferenciais (sexo, idade e condições)168.
A orientação não é somente uma ajuda externa de pessoas especializadas e instituições educativas para que o indivíduo consiga realizar os seus objectivos, mas é também um
modo pessoal de conduzir a própria existência mediante a opção por um projecto de vida que
realiza progressivamente. É nesse processo pessoal que emerge as figuras e as instituições
significativas que o acolhem com compreensão e aceitação. Essas figuras tornam-se pertinentes, sobretudo na sociedade actual, fortemente marcada pela crise de valores e por mudanças
de mentalidade. Note-se que nesta nova conjuntura social, a nova geração encontra dificuldade quer na sua projectualidade quer na superação do seu mal-estar. Daí a necessidade objectiva de figuras significativas que possam orientar o indivíduo na fase da adolescência no sentido de tomar decisões livres e superar o seu estado de ânimo, a fim de conseguir atingir a sua
meta desejável e realizar o seu projecto de vida.
Emerge a necessidade de cultivar nos adolescentes o sentido da projectualidade quer
na família quer na escola para que eles saibam orientar a própria vida. Nesse sentido, a projectualidade significa uma característica do ser humano que advém da sua intencionalidade e se
desenvolve em função da capacidade de dar sentido à realidade e ao mundo dos homens169.
Nessa linha, a projectualidade é aquela dimensão que orienta e equilibra o indivíduo nas suas
opções e decisões, de modo que saiba ter uma visão correcta e objectiva daquilo que quer para
a sua vida. Portanto, a projectualidade configura-se como visão do além, isto é, que supera o
lado imediato e a emergência no equilíbrio entre a vida real e a vida virtual, entre a possibilidade e a necessidade, e na tendência entre ser e dever-ser.
A projectualidade apresenta-se em todo o arco evolutivo do indivíduo como recurso
e potencialidade para o seu crescimento integral. Daí o papel da escola e da família na promoção do estudante adolescente que se encontra em processo de formação e em busca da sua
identidade pessoal e social, e na expectativa de realizar-se como pessoa e como profissional.
A presença efectiva dos pais e dos professores na dimensão projectual dos filhos não é fora de
comum, pelo facto de que o desenvolvimento da projectualidade do sujeito representa uma
das finalidades do processo que conduz ao ponto de convergência entre hetero-educação e
auto-educação170. A hetero-educação justifica-se em função da promoção da capacidade projectual que os agentes educativos reconhecem no seu educando.
168
K. POLÁČEK, Orientamento, in J. M. PRELLEZO et alii. (Edd), Dicionário di Scienze dell´Educazione,
Leumann (To), Elledici, Las, Sei, 1997, pp. 776-778, p. 776.
169
L. MILANI, Competenza pedagógica e progettualità educativa..., p. 115.
170
Idem., p. 115.
180
Para além destes dois conceitos basilares, orientação e projectualidade, os adolescentes estudantes devem ser orientados e apoiados a fazer escolhas de vida concreta: formar uma
família; consagrar-se à vida religiosa, sacerdotal e laical; ter uma profissão social. Com base
nos dados apurados no inquérito efectuado, constatamos que os adolescentes estudantes do
Ensino Secundário de Cabo Verde têm como projectos de vida a constituição de uma família e
conseguir uma profissão na sociedade para satisfazer os seus anseios e necessidades primárias
e secundárias. Não é indiferente a percentagem dos alunos que não conseguem imaginar o seu
futuro (26%) e os que não querem pensar no seu futuro (25,9%) (cf. Cap. IX, Tab. 41). São
dados que revelam essa necessidade de orientação dos alunos para um projecto de vida e para
a realização da sua vida pessoal e profissional, futuramente.
5.
O papel de outras “agências” na formação dos alunos
É inegável a importância das duas instituições fundamentais no processo formativo
dos adolescentes estudantes, mas não menos significativas são as contribuições educativas
que as outras agências, sociais e religiosas, oferecem para o crescimento moral, pessoalprofissional e social dos alunos. Algumas considerações teóricas sobre a importância formativa e educativa das chamadas “agências formativas” são oportunas para complementar, em
parte, o arco dos interesses juvenis nesse estudo de matriz empírica. Apesar da proliferação de
muitas agências que se ocupam directa ou indirectamente da juventude, seleccionaremos três
aspectos que marcam as funções e as repercussões que têm directamente na vivência real e
quotidiana da juventude cabo-verdiana.
A filosofia e os objectivos de cada agência formativa são diferentes uns dos outros,
mas preferimos utilizar o conceito de “agências formativas” para significar o conjunto de
acções educativas provenientes das actividades pastorais e religiosas das Igrejas em benefício
da formação humana e espiritual dos adolescentes; as informações e formações para a actualização da cultura geral dos adolescentes; a educação preventiva dos centros juvenis face aos
problemas pessoais e sociais que afectam a juventude. Além das finalidades de cada uma das
agências, todas elas são canais significativos que contribuem para o processo da socialização
do indivíduo, especialmente dos que estão em fase evolutiva. É a partir desse matriz comum
que procuraremos realçar, em teoria, o papel educativo dos meios de comunicação social, das
Igrejas e dos centros juvenis.
O papel educativo e formativo dessas agências está bastante comprometido, devido
ao aparecimento de novos interesses, exigências e expectativas dos adolescentes de hoje e às
181
mudanças socio-políticas, económicas, culturais, religiosas no seio da sociedade caboverdiana. Nota-se que a vivência social da juventude actual é fortemente marcada por uma
consciência de liberdade subjectiva, sentido de tolerância e solidariedade e, ao mesmo tempo,
por uma atitude de indiferença e desconfiança em relação a tudo aquilo que parece ser absoluto ou exige esforço racional, sacrifício e renúncia171. A questão chave que se deve colocar às
agências paralelas, à família e à escola, é o tipo de modelo de colaboração que podem dar para
que os adolescentes não se sintam defraudados e depauperados em relação aos modelos e
normas comportamentais que assimilaram através da família e da escola. Sendo uma faixa
vulnerável, é justo que se faça algumas considerações objectivas, para que o papel das referidas agências seja modelado com base nos princípios valorativos para a formação moral, pessoal e social dos estudantes adolescentes.
5.1 Os meios de comunicação social na formação dos alunos
Na exposição teórica que fizemos anteriormente sobre as instituições educativas,
escola e família, apontámos, que a escola não é o único canal de educação do indivíduo nesta
nova conjuntura sócio-cultural. Embora tenha a sua relevância e a sua especificidade, deve
confrontar-se com outros meios formativos e informativos que contribuem para a educação
(socialização) dos adolescentes estudantes. É nessa perspectiva que pensamos realçar o valor
da comunicação de massa na sociedade e o seu contributo para a formação dos adolescentes,
apesar das inferências não muito positivas e pouco educativas que põem em causa a conduta
daqueles que são mais vulneráveis e menos acompanhados pelos pais e educadores. Todavia,
a comunicação social ou masco media exprime os processos comunicativos que se realizam
através das técnicas e meios que consentem o envio de mensagem a um vasto público heterogéneo. Na linguagem comum, entende-se os jornais, revistas, cinemas, televisão, rádio, publicidade, livros, música172.
Os aspectos teóricos que realçaremos neste parágrafo hão-de confirmar os dados
analisados e apresentados detalhadamente no Capítulo VIII deste estudo, precisamente sobre a
linguagem de som, da imagem e da linguagem virtual e escrita. Portanto, evita-se uma discrição específica de cada um dos meios de comunicação neste parágrafo, pelo facto, que já se
encontram no capítulo acima referido.
171
Cf. L. TOMASI, Introduzione: L’elaborazione della cultura giovanile nell’incerto contesto europeo, in L.
TOMASI (Ed.), La cultura dei giovani europei alle soglie de 2000. Religione, valori, politica, e consumi, Milano,
FrancoAngeli, 1998, pp. 11-20, p. 11.
172
Cf. T. PURAYIDATHIL, Comunicazione sociale, in J. M. PRELLEZO et alii. (Edd), Dicionário di Scienze
dell´Educazione, Leumann (To), Elledici, Las, Sei, 1997, pp. 209-211, p. 209.
182
5.1.1 A linguagem e comunicação dos mass media
A linguagem é, antes de tudo, um instrumento que permite ao ser humano entrar em
relação consigo mesmo, com os outros, com o seu meio ambiente e com o transcendente. Essa
força intrínseca de expressar-se, comunicar e partilhar algo de profundo, racional, sentimental
é uma característica eminentemente humano. Nesse sentido, pode-se caracterizar a linguagem
como uma realidade “específica” do ser humano: a linguagem situa-se no âmbito da comunicação; a comunicação constitui um processo de desenvolvimento da pessoa; a capacidade da
linguagem, por um lado é devida à estimulação externa, por outro, constitui uma capacidade
que provém do interior da própria pessoa; a linguagem engloba várias modalidades: oralescrita, sons, gestos, imagens, códigos culturais, silêncio173.
Essas expressões linguísticas ou códigos de comunicação não só permitem a descodificação da realidade com base na estrutura do nosso conhecimento, como também exprimem e
fortalecem as relações interpessoais e aproximam as vivências culturais de povos diferentes.
No contexto sócio-cultural cabo-verdiano, esse dinamismo da linguagem que ultrapassa as
fronteiras é tão visível com o evento da nova imigração e do turismo (imigrantes do Continente africano, da China e da Europa) e com a globalização económica acelerada pelas redes da
nova tecnologia. Além desse impacto sócio-cultural, os cabo-verdianos são obrigados absorver um conjunto de informações através de canais televisivos nacionais e internacionais, que
põe em causa o seu próprio esquema mental, as tradições e as vivências culturais.
Já dissemos que a linguagem se situa no âmbito da comunicação. Convém agora dar
uma definição da comunicação. No modelo clássico, a comunicação é vista como troca de
informações intencionalmente orientadas por um sujeito emitente a um sujeito receptor ou o
destinatário, e surge, assim, o feedback174. Esse modelo é superado com outro mais interactivo
e sistémico, no sentido que a comunicação – communis, «cum-munis» – exprime ideia de partilha, de compromisso recíproco. Por isso, a comunicação exprime uma dimensão interactiva e
de orientação de um para o outro investindo a área pragmática (relativa aos efeitos de acção
sobre os interlocutores) e ética (vínculos morais e compromissos que a comunicação
impõe)175. Neste sentido nota-se que a comunicação se interessa pelo contexto e pela importância do interlocutor e aposta mais no diálogo e na negociação com os seus destinatários.
173
Cf. V. PIERONI, Linguaggio, comunicazione, mass media, in in G. MALIZIA et ali., Le scienze sociali, Torino,
Sei, 1999, pp. 177-182, p. 177.
174
Cf. P. C. RIVOLTELLA (Ed), L’audiovisivo e la formazione, Padova, Cedam, 1998a, p. 17
175
A. CALVANI, Educazione, comunicazione e nuovi media. Sfide pedagogiche e cyberspazio, Torino, Utet,
2001, p.19.
183
Partindo destes princípios basilares, constatamos que houve um evoluir da teoria de
comunicação segundo os modelos. Além do “modelo informativo”, essencialmente, mecanicista, deparamos com outros, isto é, o “modelo semiótico informativo”, no qual se sublinha a
possibilidade que o destinatário tem de interpretar a mensagem, destorcendo o significado. No
“modelo semiótico textual”, a troca comunicativa é assimilada por uma operação de compreensão textual. Neste sentido, a comunicação implica exactidão, justeza e transformação do
texto e do contexto que os intervenientes compartilham ao mesmo tempo176. De facto, no
tempo hodierno a comunicação está sendo considerada como meio que proporciona relações
com maior sentido de inter-subjectividade e reciprocidade nas relações.
Um outro conceito muito usado para caracterizar as acções nos meios de comunicação e que merece um devido enquadramento é a designação de “media”. Desde os primórdios,
os homens sentiram a necessidade de “mediações” com condições que manifestam e caracterizam a própria vivência sócio-cultural. No sentido lato, essa designação deriva da necessidade que o homem sentia de se definir a si mesmo e o seu meio ambiente através de símbolos
que reflectem as práticas sociais (ritos, cerimónias, actos litúrgicas, protocolos, festas, instituições judiciarias, políticas, religiosas, culturais e educativas) e que no seu conjunto formam
aquilo que podemos denominar de “media”177, isto é, espaço de vivência e partilha daquilo
que faz parte da colectividade. E com o evento da nova tecnologia (a informática), a designação “Media” assume uma conotação mais estrita, acentuando a sua acção em favor de um
público mais vasto, através de jornais, televisão, rádio, fortemente caracterizados pela homogeneidade da sua mensagem; criação de imagens virtuais; transformações e mudanças na percepção do tempo e do espaço, (cfr. “além do sentido do lugar”, de J. Meyrowitz)178. Ao lado
dos mass media, pode-se acrescentar outras componentes mediais que se encontram num processo de desenvolvimento de grande envergadura: os self media (gravadores e videocassete)
media interpessoais (telefones, fax) e pessoal media (computer), telemedia (transmissão telemática e telecomunicações179. E para um enquadramento sintético daquilo que se considera os
media apresentamos o esquema elaborado pelo A. Calvani (cf. Fig. 5):
A nível de infra-estruturas da comunicação social, Cabo Verde encontra-se num
patamar bastante avançado que poderá, muito bem, facilitar quer o processo do desenvolvimento económico através do investimento do capital externo, turismo e comércio quer o
176
Cf. A. PIROBALLO GAMBARDELLA, Formazione e teorie della comunicazione, in F. CAMBI et al. (Edd.), La
formazione. Studia de pedagogia crítica, Milano, Unicopli, 1994.
177
Cf. R. BERGER, Il nuovo Golem. Televisione e Média tra simulacri e simulazione, Milano, Cortina, 1992,
p. 83.
178
Cf. J. MEYROWITZ, Oltre il senso del luogo, Bologna, Baskerville, 1995.
179
A. CALVANI, Educazione, comunicazione e nuovi media. Sfide pedagogiche e cyberspazio..., p, 23.
184
desenvolvimento sócio-cultural através de estudos e investigação nas áreas da educação, das
ciências humanas e sociais.
Fig. 5: A tipologia dos media segundo A. Calvani
DINÂMICO
TROCA FACE À FACE
TELEFONE
VIDEO-TELEFONE
VIDEO-CONFERÊNCIA
TV
RÁDIO
CINEMA
WEB
CHAT
CD-ROM
MUD
IMPESSOAL
PESSOAL
LIVRO
JORNAL
CORREIO
FAX
E-MAIL
ESTÁTICO
Os media poderiam ser classificados com base em duas características principais: estático/dinâmico e pessoal/impessoal. A figura evidencia como no âmbito dos
novos media digitais surgem novos ambientes mistos, que se colocam, portanto, na
zona fronteiriça entre as quatro categorias acima indicadas: um cd-rom ou um site
Internet podem assumir um carácter estático ou dinâmico, o chat ou o mud (jogo de
tarefa virtual) são «pessoais» e impessoais ao mesmo tempo (pela identidade fictícias
que se podem assumir)180.
Não obstante estes aspectos sociais e culturais, os media têm a sua influência no
comportamento moral e social do indivíduo, especialmente, os mais vulneráveis. Ver-se-á nas
análises do capítulo acima citado. Entretanto, procuraremos sintetizar alguns efeitos que a
comunicação de massa poderá ter, de modo especial nos adolescentes estudantes do Ensino
Secundário.
180
Idem., p, 26.
185
5.1.2 A influência dos media aos alunos adolescentes
Na sociedade pós-moderna, os meios de comunicação social são instrumentos potentes e capazes de influenciar positiva e negativamente as instituições educativas no desenvolvimento das suas funções específicas. Perante a sua força social, política e religiosa, os media
sempre têm tido opositores. Aliás, os meios de comunicação foram considerados objectos nas
mãos dos detentores do poder político, absoluto e ditatorial. Todos os países que passaram
pelo regime de ditadura, viram surgir pessoas e instituições que fizeram resistências e tiveram
preconceitos em relação aos meios de comunicação social. É um fenómeno que foi vivido em
Cabo Verde, quer no período colonial quer no regime do partido único. Apesar da imposição
ditatorial desse segundo regime, o País conseguiu emitir opiniões livres e críticas através do
jornal “Terra Nova”, órgão de informação cristã publicado pelos Frades Franciscanos Capuchinhos.
Face à nova conjuntura da sociedade moderna e pós-moderna, os meios de comunicação social contribuem, seriamente, para que haja transformações rápidas em todos os sectores sociais e no indivíduo, em particular. Trata-se de um campo extenso, nós limitar-nos-emos
apenas a fundamentar alguns aspectos relacionados com o processo de crescimento dos adolescentes estudantes no que toca à assimilação de comportamentos bons e outros não condizentes com as normas sociais. É que, conforme os dados empíricos apresentados na III Parte
deste estudo, os adolescentes estudantes são os que se sentem um pouco mais influenciados
pelos mass media, sobretudo no que tange à escuta da música (cf. Cap. VIII, fig. 20); o gosto
de ver filmes de violência e pornografia (cf. Cap. VIII, fig. 26). Muitas vezes, são propensos a
imitar ou identificar-se com personagens que fazem espectáculos, filmes e desporto. De facto,
a invasão de filmes violentos e pornográficos transmitidos pela televisão e nos cinemas, preocupa os pais, professores e educadores dos adolescentes, não somente por causa da sua sensibilidade moral-religiosa, mas também porque tais conteúdos poderão contribuir para incentivar a criminalidade e o uso irresponsável do sexo.
Essa constatação causal levou A. Bandura a formular uma teoria de aprendizagem
social baseando-se nos modelos comportamentais. O autor admite que o indivíduo possa
aprender determinados comportamentos, observando os outros, e confirma que a modelação
poderá ter o mesmo impacto que uma determinada experiência multiplicativa. Antes, através
da aprendizagem por observação, um modelo particular pode transmitir novas formas de pensar e de agir, às pessoas nas diversas localidades181, simultaneamente. Essa dimensão da psi181
Cf. A. BANDURA, Social cognitive theory of mass communication, in J. BRYANT et al., Media effects.
Advances in theory and research, Hillsdale, Erlbaum, 1994, pp. 61-90, p. 66.
186
cologia do comportamento social explica, em parte, os comportamentos de muitos alunos adolescentes absorvidos e instigados pelo vendaval dos mass media. Na base dos modelos e figuras que os meios de comunicação social apresentam, A. Arto apresenta cinco características
de modelos observados, que podem permitir identificação:
– Ambiente afectivo: trata-se da capacidade do modelo em criar um clima de calor afectivo
no qual a pessoa se sente à vontade.
– Semelhança com o modelo: o indivíduo percebe o modelo semelhante a si mesmo nos
diversos aspectos (idade, status, interesses, culturas, modos de comportamento).
– Coerência de modelo: o indivíduo (criança e adolescente) tende a ajuntar o valor do modelo e o acordo entre os modelos. A figura significativa deve ser constante nos seus sentimentos, pensamentos e comportamentos.
– Prestígio de modelo: aquilo que vem sendo observado deve ter um valor para o observador,
para ser imitado.
– Respeito do ambiente social: é importante que o modelo saiba situar-se no ambiente concreto dos sujeitos aos quais endereça a sua obra e a sua acção182.
Partindo destes pressupostos, é lógico que se diga que a imitação de modelos pode
acontecer quer no seu aspecto positivo quer no seu aspecto negativo. Isso depende do estado
de percepção do observador. Entretanto, sabe-se que a teoria do comportamento social se
ocupa de processos interactivos no arco evolutivo do indivíduo, todavia, foi utilizada pelo A.
Bandura para explicar os efeitos dos media. De facto, para este autor, «os adultos e as crianças
adquirem atitudes, as respostas emocionais e novos modos de comportamento através da
modelação do cinema e televisão»183. Permanecendo na área do nosso estudo, constatamos
que 68,8% dos alunos adolescentes fazem livremente o uso da televisão, 43,9% gostam de ver
filmes violentos e 38,8% gostam de ver filmes pornográficos. Isso poderá, num certo sentido,
comprovar, com as teorias hipotéticas elaboradas pelos estudiosos de comportamentos humanos, que a violência televisiva pode criar um falso ou um efectivo clima de medo (G. Gerbner,
1986, L. Gross e M. Morgan, 1985, M. Morgan e Signorielli, 1992, A. Bandura, 1973, 1977,
1994).
No enquadramento das teorias do comportamento social realçadas pelos autores acima referidos, T. Purayidathil expõe no seu livro três estádios necessários para explicar a
conexão causal entre a violência televisiva e a violência física exercida nos outros por aqueles
que sistematicamente observam filmes violentos:
182
183
A. ARTO, Psicologia dello sviluppo. I. Fondamenti teorico-applicativi, Roma,
A. BANDURA, Social learning, Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1977, p. 39.
Aipre, 1999, pp. 182-184.
187
– A atenção: a violência televisiva suscita atenção e é apresentada como uma coisa
simples: todos percepcionam a violência como um modo de resolver problemas com eficácia e
simplicidade. Uma coisa distinta: o protagonista dos filmes realiza algo que o distingue dos
outros. Uma coisa prevalente: além dos filmes violentos (que compreende os desenhos animados) apresentados nos momentos em que a maioria das crianças e adolescentes se encontra
em casa. Há uma difusão enorme do vídeo-games, videocassetes e outros instrumentos que
provocam a onda de violência. Uma coisa útil: a agressividade pode ser relacionada com a
linha histórica dos programas. Antes, o que incomoda nos programas televisivos e cinematográficos é a própria apresentação da violência como uma estratégia para a vida. Enfim, a atenção é uma coisa positiva: quem chama a atenção aparece sempre como protagonista atraente e
belo. E quando um actor atraente fustiga um criminal para ajudar uma mulher jovem e graciosa, leva a
atribuir a essa agressão um juízo positivo.
– A retenção: o indivíduo conserva a recordação dos eventos através de dois modos:
imagens da visão e códigos verbais. Neste sentido, a modelação não é uma imitação cega,
porque aprender através da imitação é mais matéria de abstracção do que mímica.
– A motivação: sem uma motivação suficiente não é possível imitar uma violência
observada na televisão. Usa-se o conceito de motivação para indicar que a recompensa ou a
punição imaginada pelo sujeito será acompanhada pelo uso de força física. Por isso, os teóricos do reforço reconhecem que as expectativas do sujeito para recompensa ou punição provêm em parte das fontes externas, como por exemplo, os pais, amigos e professores. O autor
tomado em consideração afirma que A. Bandura é da opinião que os efeitos da violência televisiva poderão diminuir, se os pais punirem ou desaprovarem a agressão; igualmente, ele contesta o amor incondicionado e a aprovação que encoraja a auto-realização dos tiranos. E considera que as recompensas internas e externas agem conjuntamente numa recíproca determinação que influencia o comportamento184.
Estas considerações teóricas tentam, em parte, explicar um conjunto de processos
imitativos que podem influenciar o indivíduo desprevenido e não acompanhado por figuras
significativas. Para além dessas interpretações, poder-se-ia acrescentar uma interpretação
alternativa: segundo T. Purayidathil, aquilo que estimula a agressão é a excitação nos programas violentos e não os processos imitativos, como advoga A. Bandura. Portanto, o encorajamento dado pela excitação é uma ideia plausível, mas não explica como os espectadores
aprendem novas técnicas nem como uma acção violenta aparece alguns anos depois de ser
vista na televisão185. Entretanto, os media, na sua diversidade, são um assunto que ocupa
184
185
Cf. T. PURAYIDATHIL, Vivere com i mass madia. Alcuni riflessioni, Roma, Las, 2000, pp. 88-94.
Idem., p. 95.
188
objectiva e subjectivamente o campo fenoménico ou perceptivo dos adolescentes. No caso dos
adolescentes cabo-verdianos, nota-se que não há controlo e orientação suficiente por parte dos
pais no uso dos media. Daí a lógica de excitação que poderá explicar o surgimento da onda de
indisciplina, violência, agressões físicas, homicídio, gravidez precoce e abuso e uso irresponsável de sexo no seio das escolas secundárias de Cabo Verde.
Isso não significa responsabilizar os meios de comunicação, mas está a indicar, sim,
a necessidade de um maior acompanhamento e orientação educativa dos alunos no uso dos
mass media. Também, porque os media contribuem para a formação e educação da pessoa,
especialmente, os que se encontram em fase de evolução, crianças e adolescentes.
5.1.3 A função educativa dos meios de comunicação
Após termos realçado alguns aspectos sobre a linguagem, comunicação e influência
dos media, é natural fazermos agora algumas considerações sobre a sua importância na formação da sociedade e dos estudantes adolescentes. Como já foi dito, os meios de comunicação social – media – são considerados agentes de socialização, porque contribuem para a
transmissão de normas, valores, formas de pensamentos e de comportamentos. Não obstante
essa finalidade sócio-educativa dos media, nota-se que o processo de socialização está sendo
na sociedade pós-moderna cada vez mais comprometido devido à evolução rápida das novas
tecnologias, cuja competência implica domínio, exploração e possesso dos instrumentos que,
neste momento, se encontram nas mãos de poucos, sobretudo, nos países em via do desenvolvimento.
Na nova conjuntura social, com o advento das novas tecnologias, os media não só
demonstram um conjunto de factores que causam dificuldades ao indivíduo, na sua integração
e inserção social, como também fazem notar a necessidade de ampliar a sua própria visão do
mundo, sobretudo no que diz respeito aos valores culturais, éticos, políticos, económicos e
sócio-educativos. É de salientar, ainda, que os media são instrumentos que cultivam de forma
rápida e efectiva o processo de globalização, quer a nível económico quer a nível cultural.
Portanto, os meios de comunicação social exigem um maior envolvimento dos outros agentes
educativos para que os adolescentes estudantes sejam orientados de forma coerente e equilibrada para enfrentar o ressurgir da nova mentalidade globalizada não somente marcada por
um consumismo económico, mas também por um intercâmbio cultural com a nova imigração
de pessoas de raça e cultura diferentes.
189
No que se refere à função educativa dos media em prol dos alunos adolescentes, temse verificado que, com o surgimento da era de informática, estão-se criando centros de formação para a utilização dos computadores em todos os Concelhos do arquipélago, além das escolas secundárias que adoptaram a informática como disciplina opcional no III Ciclo. Isso
demonstra, na opinião de D. Felini, que há um interesse pelo conhecimento instrumental da
tecnologia dos media mais do que o seu aprofundamento cultural186. Todavia, é importante
que se faça uma educação dos alunos do Ensino Secundário para os media, a fim de os introduzir na complexidade da comunicação mediática e com objectivo de habilitá-los a ter uma
profissão que facilite a sua inserção social. Essa constatação leva-nos a concluir que seria
conveniente distinguir a educação para os media da educação através dos media. Citando “o
Internacional Film and Television Council”, «o estudo, o ensino e a aprendizagem dos
modernos meios de comunicação e expressões são considerados como disciplina específica e
autónoma no âmbito da teoria e da prática pedagógica, em oposição ao uso destes meios como
subsídios didácticos para as áreas relacionadas com o saber»187.
Além dessa consideração justa e objectiva da educação para os media e com os
media, importa também considerá-los como agências educativas. Antes, os media têm uma
função de educar, formar e informar os cidadãos, sobretudo a nova geração, para tudo aquilo
que serve para o seu desenvolvimento moral, pessoal-profissional e social. Nesse sentido, os
media contribuem para a preservação e divulgação da cultura como uma componente indispensável para o crescimento do indivíduo; promovem os cidadãos para uma visão crítica dos
fenómenos sociais e políticos da sociedade; colaboram com as outras agências educativas
(família, escola, igreja e centros) para o desenvolvimento democrático dos cidadãos; transmitem os valores e os princípios éticos, religiosos, estéticos e sociais para que haja paz e justiça
social entre os cidadãos; potenciam conhecimento dos estudantes e facilitam o seu relacionamento com o mundo e com a sociedade, com sentido criativo e maior participação na vida
social do seu País.
É a partir destes elementos que podemos realçar as funções educativas dos meios de
comunicação social do ponto de vista pedagógico. De facto, em relação aos estudantes adolescentes (educandos), os media assumem uma configuração sistémica, na medida em que
pressupõem um tipo de relacionamento que envolve o papel dos educadores (pais, professores) no desenrolar dos programas e na sua utilização. Os três sujeitos sistémicos (educadoresalunos-media) estão entrelaçados na escolha dos programas e na utilização dos media. No
processo educativo, os educadores estão conscientes de que os media exercem uma função
186
D. FELINI, Pedagogia dei media. Questioni, percorsi, e sviluppi, Brescia, La Scuola, 2004, p. 33.
Citado por P. C. RIVOLTELLA, Media education. Modelli, esperienze, profilo disciplinare, Roma, Carocci,
2001, p. 37.
187
190
activa ou formativa capaz de transmitir mensagens, fornecer modelos de comportamento,
realçar as opiniões e os valores. Todavia, a relação que os media estabelecem com os educandos tem a sua particularidade, no sentido que a sua potencialidade educativa é comparada à do
ambiente que age em termos formativos por não ser actor do acto educativo, que implica uma
intencionalidade, vontade e assimetria (assunção da própria responsabilidade). Em segundo
lugar, os media exercem uma função de reflectidor, enquanto objectos de uma espécie de
reflexo num espelho daquilo que o grupo social elaborou. Também, neste caso, a relação entre
educador e educando não é de natureza intencional. Ao passo que a intencionalidade se
encontra na sua função instrumental, quando os media são considerados veículos de uma
mensagem formativa. Neste aspecto, os media entram em relação educativa, porque há uma
intencionalidade plena e finalizada ao crescimento do educando. Enfim, neste triângulo de
relação é importante o reconhecimento da intervenção do educador sobre o educando que tem
por objecto os media (função material (objecto) 188. É o caso de educação para os media, nos
quais os meios de comunicação constituem o conteúdo da intervenção.
Como já foi realçado, o fim da educação é sempre a pessoa em causa. Por isso, as
funções educativas dos media não devem ser entendidas como um bloco separado das outras
agências, mas como parte integrativa e complementar para a formação moral, pessoalprofissional e social dos estudantes do Ensino Secundário. E é também nessa linha objectiva
que vamos realçar as funções educativas das outras duas agências: igreja e centros de formação e educação juvenil.
5.2 O papel educativo das Igrejas em Cabo Verde
Conforme o inquérito realizado nas escolas secundárias de Cabo Verde, a instituição
religiosa que mais caracteriza o sentido de pertença dos alunos é a Igreja Católica (70,8%).
Somente 10,8% dos alunos pertencem às outras igrejas não católicas (cf. Cap. VIII, Tab. 5).
Portanto, a doutrina que espelha a vivência espiritual e religiosa no País é o “cristianismo” na
sua vertente católica. Embora a Igreja tenha a sua missão específica que é o de “anunciar do
reino de Deus” através da Sagrada Escritura, das Tradições Apostólicas, dos Sacramentos e
das Obras de Caridade, a fim de suscitar a conversão, alimentar a fé dos crentes, ela ocupa-se
também da dimensão formativa e educativa dos cidadãos inseridos no seu contexto sóciocultural e político. Ao lado das outras instituições, as igrejas são, também, consideradas instituições educativas, enquanto organização humana-divina (ético-religiosa) concreta, reconhe188
D. FELINI, Pedagogia dei media. Questioni, percorsi, e sviluppi..., pp. 157-163.
191
cida do ponto de vista social e jurídica, e responsável pela educação pessoal e comunitária. No
parâmetro das instituições educativas, a igreja é o âmbito de facto e de direito onde se realiza
a educação intencional189 que visa o crescimento harmonioso e integral da pessoa humana e
cristã.
5.2.1 O contributo educativo das Igrejas
Na história do Ensino Escolar em Cabo Verde vimos que a Igreja Católica teve e tem
um papel relevante no domínio da educação e da formação do homem cabo-verdiano. Se houve momentos em que ela foi colocada à margem e acusada de ser tradicionalista, integralista,
opressora, actualmente é considerada como “parceira” no processo do desenvolvimento da
sociedade do ponto de vista educativo, moral, cultural e económico, sobretudo, num tempo
conturbado como o nosso, devido à perda de valores e de princípios éticos, crise de identidade
juvenil e demais fenómenos anti-sociais que desnorteiam o comportamento da juventude. De
facto, a sociedade cabo-verdiana reconhece que a Igreja é portadora de uma doutrina – Cristianismo – como um insuperável horizonte de sentido e de significado para a humanidade
contemporânea dominada pelas ideologias políticas, pelo consumismo e hedonismo.
Apesar dos contratempos, todas as Igrejas (a católica e as não católicas) continuam
actualmente a dar o seu contributo educativo através das escolas (pré-escolar, ensino básico
integrado, escolas secundárias) e dos centros profissionais e de recuperação dos toxicodependentes, para a promoção dos cidadãos e desenvolvimento equilibrado da sociedade. Perante a
missão educativa das igrejas cristãs, é bom que fiquem esclarecidas desde já que as suas
intervenções não estão finalizadas a si mesmas (fazer por fazer), mas, exprimem algo de mais
profundo, visto que põem no centro de todo o seu agir a centralidade da pessoa de Cristo,
Filho de Deus; a pessoa humana na sua essência, situação, necessidade, tarefa e destino; a
valorização e promoção da autonomia dos bens terrestres. São critérios basilares que determinam qualquer acção social e educativa das instituições religiosas.
Na visão cristã, a Igreja teve uma preocupação de responder às necessidades educativas, ao longo dos séculos e em todos os Continentes, para a promoção e educação dos povos.
De facto, foram bem numerosas e diversificadas as escolas que surgiram para responder às
problemáticas do tempo. A igreja que foi enviada a anunciar e a incarnar a “Boa Nova”, «ide
189
Cf. C. NANNI, Istituzioni educative, in J. M. PRELLEZO et alii (Edd), Dizionario di Scienze dell’Educazione,
Torino, Elledici, Las, Sei, 1997, pp. 562-565, p. 562.
192
e ensinai a todas as nações»190, para o cumprimento da liberdade e dignidade humana, viu
nascer no seu seio escolas como expressões de uma comunidade eclesial e solicitadas a servir
as jovens gerações e acompanhá-las no seu crescimento humano e cristão191. Com base nestas
considerações, podemos afirmar que a Igreja soube entrelaçar de forma dinâmica e unitária a
evangelização e a promoção humana como instrumento privilegiado para a formação integral
da pessoa e do bem comum da sociedade.
5.2.2 A educação cristã mira o educando na sua integridade
O modo de encarar a própria missão espelha a essência da igreja, enquanto «Sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano»192. Portanto, a sociedade e cada cidadão cabo-verdiano estão perante uma realidade que
espelha a profundeza da natureza espiritual, sacramental, sobrenatural e, ao mesmo tempo,
expressão de uma realidade visível, humana e histórica193, inculturada na vivência real do
povo das ilhas. Na opinião de A.V. Zani, a educação cristã faz parte de um itinerário que se
ocupa, essencialmente, da dimensão religiosa do indivíduo criança, adolescente, jovem e
adulto com a finalidade de responder às suas exigências profundas sobre o sentido da vida, da
morte e do fim do destino de cada ser humano. Trata-se de uma educação que ajuda o indivíduo a superar o etnocentrismo, o egoísmo pessoal e colectivo, o seu instintivismo e relativismo cultural. Portanto, é uma educação à universalidade, à transcendência como horizonte da
consciência e da liberdade.
Em segundo lugar, ocupa-se da dimensão moral, tendo em consideração a pessoa
humana como valor ético na sua integridade. A educação cristã não reduz a responsabilidade
da pessoa humana a um mero condicionalismo biológico, psicológico e social, como também
evita qualquer determinismo, respeitando o pluralismo cultural e salvaguardando tudo aquilo
que há de mais autêntico no homem, sem menosprezar ou rejeitar a complexidade histórica.
Interessa-se ainda pela dimensão ético-política, precisamente porque o cristão é um cidadão
inserido no seu contexto sócio-cultural. Por isso, é papel da educação cristã indicar o horizonte de sentido e o conjunto de valores, tendo presente porém que a acção política do cristão não
190
Mt. 28,19.
Cf. A. V. ZANI, Scuola cattólica e pastorale ordinária alla prova della missione, in CENTRO STUDI PER LA
SCUOLA CATTOLICA, Il Ruolo degli insegnanti nella scuola cattólica. Scuola Cattólica in Italia, Ottavo Rapporto,
Brescia, La Scuola, 2006, pp. 323-344, p. 323.
192
CONCILIO VATICANO II, Lumem Gentium, n.1, in “Enchiridion Vaticanum”, Bologna, Edb, 1976, pp.770-965,
p. 773.
193
CONCILIO VATICANO II, Lumem Gentium, n. 8…, p. 785.
191
193
deve transferir para o plano temporal soluções tecnicamente cristãs. Todavia, os temas relacionados com os direitos humanos, os valores éticos e sociais devem ser considerados objectos e conteúdos de todo percurso formativo.
Enfim, a educação cristã ocupa-se da dimensão ético-sexual do indivíduo, enquanto
pessoa na sua totalidade. A formação da pessoa deve ter em considerações todos os elementos
biológicos, psico-afectivos, sociais, espirituais que compõem a integridade da personalidade
do indivíduo-educando. E para que o indivíduo possa atingir a maturidade psico-afectivo e
sexual, é necessário o auto-domínio mediante o exercício das virtudes de pudor, temperança,
respeito de si mesmo e dos outros e abertura aos outros194. São princípios basilares que determinam todas as acções educativas da igreja em relação aos homens de todos os tempos, independentemente da sua raça, cultura e convicção religiosa.
As componentes que caracterizam a missão educativa da igreja revelam objectivamente uma preocupação não somente virada ad intra, mas também voltada para os problemas
sociais que afectam a nova geração. De facto, as igrejas presentes em Cabo Verde interessamse substancialmente pela formação humana e espiritual das crianças, dos adolescentes e
jovens. Isso é mais do que evidente no plano estratégico e pastoral dos secretariados diocesanos, paroquiais da Igreja Católica e na actuação das outras igrejas. No que se refere à juventude, é importante para as igrejas que os adolescentes e jovens não se sintam isolados e abandonados, mas sim envolvidos no plano de acção formativa que abrangem várias dimensões da
sua vida: intelectual, espiritual, moral, social, cultural, precisamente porque as igrejas acreditam na potencialidade da juventude para a renovação da própria igreja e da sociedade em
geral. Por isso, não é oportuno que os jovens sejam considerados apenas objectos de catequese, mas sujeitos activos e protagonistas da evangelização e artífices da renovação social195.
Daí a necessidade de uma interacção educativa e formativa das igrejas com as escolas e famílias em prol da formação pessoal e profissional dos adolescentes e jovens para o seu bem-estar
e da sociedade.
5.3 Os centros de formação juvenil
As instituições educativas são, em si mesmas, espaços que assistem, alimentam, educam, instruem, formam, sensibilizam, motivam e orientam o indivíduo em fase de evolução
194
A. V. ZANI, Scuola cattólica e pastorale ordinária alla prova della missione..., pp. 332-334.
Cf. GIOVANNI PAOLO II, “Maestro, dove abiti? Venite e vedrete” (cf. Gv 1,38-39) Messaggio per la XII
giornata mondiale della gioventù – 15 Agosto 1996, in “Enchiridion Vaticanum”, Bologna, Edb, 1996, pp. 561565.
195
194
para a vida. Embora cada instituição tenha a sua especificidade, a “educação da pessoa” é o
fim de todas as actividades educativas. Portanto, entre as agências significativas é indispensável uma reflexão sobre a objectividade dos centros de formação juvenil, que sempre proporcionaram momentos formativos e recreativos para a juventude. Neste preciso contexto sóciocultural estão surgindo centros de acolhimento e de orientação dos adolescentes e jovens em
todos os Conselhos de Cabo Verde. A criação destas estruturas quer por parte do Estado e
quer por parte dos Municípios surge na sequência dos fenómenos sociais (droga, HIV/Sida,
álcool, prostituição) que estão a ameaçar a camada juvenil, ao passo que os centros de animação cultural e de formação religiosa – oratórios – sempre existiram e são dirigidos pelas paróquias e pelas outras igrejas cristãs presentes no País.
Apesar da coexistência dessas realidades no território nacional, é conveniente que se
se faça uma diferenciação por motivos de especificidade e de objectividade, segundo o interesse de cada instituição. Os centros juvenis geridos pelo Ministério da Juventude (Estado) e
pelos Municípios são de carácter eminentemente informativo. Além dos meios lúdicos (jogos,
utilização dos computadores – Internet), os centros juvenis preocupam-se com a informação
dos adolescentes e jovens sobre a problemática da droga, prostituição e da Sida. Neste sentido
desenvolve uma prevenção primária. De facto, segundo os alunos adolescentes (73,3%) os
centros de acolhimento interessam-se mais pela informação dos riscos - no caso de HIV/Sida
distribuem preservativos - do que por uma consciencialização do indivíduo sobre a responsabilidade dos seus actos. Ao passo que os centros juvenis geridos pelas instituições religiosas,
além do aspecto recreativo, apostam na catequese, na evangelização e na promoção humana
mediante aprendizagem de artes e ofícios. É de salientar, ainda, que as instituições religiosas
se ocupam directamente dos toxicodependentes e dos adolescentes e crianças abandonados ou
que vagueiam pelas ruas dos centros urbanos.
Independentemente da filosofia particular de cada instituição, é importante que os
centros juvenis coloquem a pessoa dos adolescentes e jovens acima de todos os seus interesses, e que os considerem ao lado dos educadores ou formadores, não como simples destinatários, mas promotores e sujeitos activos da própria formação pessoal e da elaboração do seu
projecto de vida. O objectivo principal de todos os centros juvenis é a formação pessoal dos
adolescentes e jovens. Embora as actividades informativas sejam de cariz preventiva, sabe-se,
que a informação é uma componente bastante difusa na sociedade actual, sobretudo, através
dos mass media, o que dificulta, muitas vezes, a assimilação e interiorização dos verdadeiros
conhecimentos valorativos e morais, precisamente porque é o conhecimento interiorizado da
realidade que orienta os comportamentos e as atitudes do indivíduo e não a acumulação de
195
informações196. Por isso, os centros de formação juvenis deveriam ser espaços capazes de
despertar e promover todos os recursos potenciais presentes nos adolescentes e jovens, para
que eles se sintam aptos e hábeis para realizar um projecto de vida pessoal e profissional197.
Os centros estimulam os adolescentes e jovens a desempenharem um conjunto de
actividades formativas, recreativas, sócio-culturais, políticas, religiosas. Isso significa que tais
centos desempenham um papel preventivo na sociedade e devem colaborar com as outras instituições, como a escola, a família, as igrejas, os mass media para que todos os seus formandos se sintam em estado de equilíbrio emocional, afectivo, espiritual e intelectual para a sua
realização do ponto de vista moral, pessoal-profissional e social. A necessidade desse equilíbrio é uma condição que se faz sentir numa sociedade em que a nova geração está mergulhada
no ruído, na confusão, nas vibrações emocionais e com “medo” de silêncio, calma e distanciamento. Perante essa complexidade social, os centros de formação juvenis deverão promover encontros de estudo e de reflexão sobre a condição juvenil na sua múltipla e variada
expectativa, para que se evite que os jovens criem outros espaços virtuais, «microcomunidade on line»198, impossíveis de controlar pelos pais, professores e educadores, e
fiquem sem nenhum apoio para resolver os seus problemas pessoais e familiares.
6.
Sínteses conclusivas
Esta abordagem teórica das instituições educativas no processo formativo dos estudantes adolescentes do Ensino Secundário quis apenas realçar alguns aspectos essenciais que
caracterizam, antes de tudo, a educação como recurso indispensável e necessário para o crescimento da pessoa em todo o arco da sua existência e, em segundo lugar, fazer ver a importância da escola secundária, da vivência cultural, da família e outras agências educativas que
contribuem para o desenrolar de toda a socialização dos estudantes. Portanto, cabe a escola
secundária coadunar todos os elementos provenientes das outras instituições, a fim, de poder
contribuir de forma equilibrada para a formação pessoal e profissional dos alunos adolescentes.
É de capital importância que as instituições educativas, em modo particular a escola,
tenham em consideração todas as expressões culturais como um contributo para ajudar os
196
Cf. A. GRAMIGNA, Manuale di pedagogia sociale. Scenari del presente e azione educativa, Roma, Armando,
2003, p. 127.
197
Cf. G. DENICOLÒ, Centro giovanile, in J. M. PRELLEZO Et Alii (Edd), Dizionario di Scienze dell’Educazione,
Torino, Elledici, Las, Sei, 1997, pp. 169-170, p. 170.
198
A. GRAMIGNA, Manuale di pedagogia sociale. Scenari del presente e azione educativa..., p.128
196
alunos a analisar o seu contexto sócio-histórico e a sua própria identidade pessoal e social. A
cultura é para o indivíduo uma ponte que liga o passado e o futuro durante o percurso da sua
existência. Daí a necessidade de uma reflexão profunda sobre as acções reais que espelham a
vivência de um povo e de cada indivíduo em particular.
Além dos bens culturais, os alunos adolescentes devem ser formados e orientados
para que possam compreender a família como um bem indispensável para o seu equilíbrio
humano, espiritual e psico-afectivo. De facto, a realização pessoal e profissional do indivíduo
depende muito da qualidade interactiva entre a família e a escola. Além destas instituições,
podemos sublinhar que as outras agências desempenham as suas tarefas complementares para
o bem dos adolescentes em formação. De facto, vê-se claramente que a relevância das instituições educativas na sociedade hodierna depende da qualidade da sua interacção para o cumprimento da missão, isto é, a formação da pessoa humana na sua integridade e na sua realização mediante um projecto de vida pessoal e profissional.
Partindo destas considerações sobre as finalidades da educação, da socialização e as
funções das instituições como requisitos fundamentais para a formação pessoal e profissional
do indivíduo em crescimento, passamos agora a analisar a adolescência e suas prerrogativas
na formação da identidade social dos alunos do Ensino Secundário.
197
II PARTE
O PROCESSO EDUCATIVO-FORMATIVO
DOS ALUNOS ADOLESCENTES
NO ENSINO SECUNDÁRIO DE CABO VERDE
O ENQUADRAMENTO TEÓRICO
CAPÍTULO QUARTO
AS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS E SEUS AGENTES
NO PROCESSO DA FORMAÇÃO PESSOAL-PROFISSIONAL
EM CABO VERDE
0. Premissa.................................................................................................................106
1. A educação e o desenvolvimento do ser humano..................................................108
1.1
A educação como recurso humano................................................................115
1.2
Os factores do desenvolvimento humano na aprendizagem..........................117
1.3
A pessoa humana faz-se através da educação ...............................................122
1.4
A educação em vista das necessidades humanas...........................................125
2. A socialização na escola secundária e na cultura autóctone..................................130
2.1
A estrutura do Ensino Secundário .................................................................134
2.2
A cultura e a socialização na escola secundária ............................................136
2.2.1
A cultura como um processo sistémico de comunicação ......................141
2.2.2
As escolas conservam e transmitem cultura aos alunos .......................143
2.2.3
O processo de socialização nos liceus ..................................................148
2.3
A socialização como factor educativo dos alunos .........................................151
2.3.1
Os modelos de socialização dos alunos ................................................151
2.3.2
A socialização na instrução das turmas ................................................153
2.3.3
A socialização nos momentos recreativos .............................................154
2.4
A socialização na cultura local ......................................................................156
2.4.1
A literatura como processo de socialização..........................................157
2.4.2
A socialização através da música e dança ............................................158
2.4.3
A socialização nas artes cabo-verdianas ..............................................160
3. A família cabo-verdiana na educação dos filhos adolescentes..............................161
3.1
A constituição estrutural da família...............................................................163
3.2
As funções da família na cultura cabo-verdiana...........................................166
3.3
O papel da família na educação dos adolescentes .........................................168
4. A interacção da escola e família
na formação pessoal-profissional ..................................................................................171
4.1
A função interactiva da escola-família
na formação pessoal do educando .............................................................................173
4.2
A formação profissional na perspectiva da escola-família............................176
4.3
A orientação dos alunos a um projecto de vida .............................................178
5. O papel de outras “agências” na formação dos alunos......................................180
5.1
Os meios de comunicação social na formação dos alunos ............................181
5.1.1
A linguagem e comunicação dos mass media .......................................182
5.1.2
A influência dos media aos alunos adolescentes...................................185
5.1.3
A função educativa dos meios de comunicação ....................................188
5.2
O papel educativo das Igrejas em Cabo Verde..............................................190
198
5.2.1
O contributo educativo das Igrejas .......................................................191
5.2.2
A educação cristã mira o educando na sua integridade .......................192
5.3
Os centros de formação juvenil .....................................................................193
6. Sínteses conclusivas ..............................................................................................195
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