antropologia

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2a edição | Nead - UPE 2010
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife
Neves, Rita de Cássia Maria
N511a
Antropologia/Rita de Cássia Maria Neves. – Recife: UPE/NEAD, 2009.
52 p.
ISBN
1. Antropologia/história 2. Antropologia/educação 3. Produção Cultural
4. Educação à Distância I. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação
à Distância II. Título
CDD 301
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NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque
antropologia
Profa. Rita de Cássia Maria Neves
Carga Horária | 60 horas
Ementa
Noções básicas sobre Antropologia: a história e o
objeto de estudo. A cultura: conceitos e processos
de produção cultural. A Antropologia e a educação: a cultura como processo de construção do
indivíduo.
Objetivo geral
Compreender conceitos fundamentais da Antropologia, possibilitando ao aluno articular com mais
propriedade o campo da educação.
Objetivos específicos
Compreender os processos simbólicos de construção cultural do Homem;
Compreender a Antropologia como o estudo das
culturas humanas em sua diversidade;
Reconhecer a humanidade como plural e as várias
faces da educação inseridas em cada realidade
histórico-social.
Apresentação da disciplina
Esta disciplina visa explorar o campo da Antropologia na perspectiva da educação. Pretende,
no primeiro momento, discutir conceitos-chaves da Antropologia, tais como: cultura, alteridade, etnocentrismo e relativismo cultural. Em
seguida, aprofundaremos questões no campo
da Antropologia voltada para a educação,
como: processos identitários e educação; interculturalidade, multiculturalismo e educação; educação diferenciada.
capítulo 1
5
Princípios
e Conceitos
Antropológicos
Profa. Rita de Cássia Maria Neves
Carga Horária | 15 horas
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Entender o processo de formação da disciplina;
• Reconhecer a especificidade do campo e da
abordagem antropológica;
• Compreender a Antropologia como uma forma
de conhecimento, cujo estudo é pautado na diversidade cultural dos povos.
INTRODUÇÃO
Este capítulo trata do lugar da Antropologia social e cultural na história do pensamento do homem sobre o homem. A Antropologia como campo de investigação permite descobrir a dimensão
da cultura e explicar as diferenças entre os homens. Pode, portanto, ser definida como a ciência
que estuda o “outro”.
Na parte inicial deste capítulo, identificaremos que a história do pensamento do homem sobre o
homem é tão antiga quanto a humanidade. No entanto, enquanto ciência que busca discutir o
homem em sua integralidade, a Antropologia é recente e pertence ao final do século XIX e início
do século XX.
Em um segundo momento, discutiremos a Antropologia como campo de conhecimento que possui uma abordagem integrada às Ciências Sociais, responsável pelo estudo das culturas humanas
em sua diversidade.
Ao final deste capítulo, trataremos das dificuldades do antropólogo no confronto com as outras
sociedades. Como estudo de fenômenos complexos, na medida em que os significados mudam
de acordo com o ator social, a Antropologia oscila entre unidade biológica do homem e sua diversidade cultural.
capítulo 1
7
período do Iluminismo, no século XVIII, outros
sustentam que sua origem data do século XIX,
em torno de 1850. Como afirma François Laplantine (2005), embora a pergunta sobre o
homem e sua sociedade seja tão antiga quanto a humanidade, o projeto de fundar uma ciência do homem (Antropologia) é recente.
1.
HISTÓRIA DO
PENSAMENTO DO
HOMEM
SOBRE O HOMEM
Ao dar início à disciplina Antropologia, devemos primeiramente responder a algumas
perguntas: O que é Antropologia? Há quanto
tempo existem antropólogos? Há quanto tempo existe a Antropologia? Qual o campo e a
especificidade da Antropologia? Todas essas
questões serão tratadas nesta primeira parte,
como base sobre a qual construiremos os outros temas e problemas da disciplina.
O QUE É A ANTROPOLOGIA?
Quando nos perguntamos o que é a Antropologia, podemos defini-la do ponto de vista
conceitual. A acepção do termo “Antropologia” em seu sentido etimológico deriva das palavras gregas anthropos e logia, que significam
respectivamente homem e discurso, estudo.
Portanto, a Antropologia, em sua definição
mais curta, quer dizer estudo do homem.
Afirmar, no entanto, que a Antropologia é a
ciência do homem não significa muita coisa,
pois diversas áreas do saber também têm o
homem como campo de conhecimento (Psicologia, Sociologia, etc.). Podemos dizer que é
uma disciplina que em sua origem construiu
um saber organizado sobre o homem, procurando estudá-lo como um todo.
Alguns teóricos afirmam que a Antropologia,
enquanto disciplina científica, tem origem no
8
capítulo 1
Se a Antropologia como disciplina científica
é recente, a curiosidade sobre outros povos
e culturas e, principalmente, sobre o que é o
homem não é recente. As primeiras perguntas
sobre o que é o homem são encontradas entre
os Sofistas e em Sócrates (470/469 – 399 a.C.).
Ainda na Grécia clássica, as viagens de Heródoto (484-425 a.C.) e os escritos decorrentes
também tratam de um tema muito próprio da
Antropologia: como devemos nos relacionar
com os outros?
Todos esses relatos podem ser considerados
uma pré-história da Antropologia. Também
existem escritos do período medieval que
possuem um caráter antropológico. Marco
Polo (1254-1323), em seus relatos sobre sua
expedição à China, pode ser considerado um
exemplo de escrito sobre outros povos e outras
culturas.
As grandes descobertas também tiveram importância para as mudanças ocorridas na
Europa. As populações encontradas na América e no Brasil provocaram estranhamentos.
Os índios tinham a cor da pele avermelhada,
andavam nus, falavam outras línguas, possuíam outros costumes, etc. Todas essas questões despertaram dúvidas entre os europeus.
Seriam aqueles seres homens ou animais? A
que espécie pertenciam? Se eram homens, então Deus não havia feito o homem e a mulher
prontos, como proclama a Bíblia. A humanidade havia evoluído da mesma forma que os
animais.
Durante o período das grandes navegações,
portugueses e espanhóis justificaram as explorações e conquistas no Novo Mundo, a partir
da diferença entre os homens “civilizados” e
os “selvagens”. Nos séculos XVII e XVIII, acentua-se a tendência comparativa com a multiplicação dos relatos de viajantes. Os primeiros
trabalhos considerados antropológicos, que
combinam dados e teorias, foram escritos em
meados do século XIX. Nessa época, intensificou-se o número de associações folclóricas, os
museus e as perguntas sobre a variedade da
espécie humana.
O Evolucionismo, teoria típica do século XIX,
foi construído a partir das ideias de desenvolvimento dos séculos XVII e XVIII e completado pela experiência do colonialismo, além das
ideias de Darwin sobre a origem das espécies.
No entanto, mesmo sofrendo todas essas influências, a Antropologia não se transformou
numa pseudociência racista, principalmente
porque os antropólogos acreditavam na unidade psíquica da humanidade. O que diferenciavam os grupos sociais eram os estágios de evolução em que cada sociedade se encontrava.
As sociedades estudadas pelos primeiros antropólogos, portanto, eram sociedades longínquas, com dimensões restritas, consideradas
exóticas e que não pertenciam à civilização
ocidental. O método para estudar essas civilizações era o método comparativo.
As principais críticas ao evolucionismo afirmavam a não-existência de uma trajetória única
da humanidade, mas, formas diferentes de
civilização. Ao mesmo tempo em que a história humana não se traduz por um acúmulo de
ganhos, as mudanças ocorridas nessas sociedades ao longo de sua história também não se
explicavam por um único fator. Por isso, mais
importante que estudar as sociedades, buscando encaixá-las em uma linha de evolução,
era considerar o estudo descritivo dos fenômenos de difusão cultural.
O Difusionismo, corrente surgida no início do
século XX, propõe uma reflexão sobre as formas de incorporação e de empréstimos, estudando a distribuição geográfica dos traços
culturais. Essa teoria afirmava que as culturas
adquiriam traços culturais com várias origens
distintas através de encontros culturais, migrações e influências.
Além do difusionismo, outras escolas foram
sendo formadas e criticadas durante todo o
século XX: culturalista, funcionalista, estrutural-funcionalista, cultura e personalidade,
estruturalista, neo-evolucionista, interpretativista, além de todas as correntes ligadas à
pós-modernidade. Não cabe nesse momento
apresentarmos cada escola e suas particularidades. Não é esse o objetivo principal deste
capítulo. Apenas considerar que essas escolas,
cada uma com suas características, contribuíram para as principais discussões que hoje
compõem a disciplina Antropologia.
Você Sabia?
EVOLUCIONISMO: teoria que no mundo hu-
mano determina uma passagem do simples ao
complexo e uma melhoria dos sistemas sociais,
nos domínios econômicos, políticos, parentais e
religiosos. (RIVIÈRE, 2004).
Lewis Morgan (1818-1881), jurista norte-
americano, foi o mais notável dos evolucionistas.
Em seu texto “A sociedade Arcaica” de 1877,
apresenta as etapas do desenvolvimento humano: selvageria – barbárie – civilização.
Franz Boas (1858-1942), fundador da Antropologia cultural norte-americana, rejeita as distinções evolucionistas entre raça superior e raça
inferior; propõe uma reflexão sobre o motivo dos
empréstimos culturais e as formas de incorporação na cultura receptora.
capítulo 1
9
2. O CAMPO DE
ATUAÇÃO DA
ANTROPOLOGIA E
AS FORMAS DE
ABORDAGEM
DISCIPLINAR
Vimos, no item anterior, que a Antropologia,
desde o seu surgimento, busca uma abordagem que considere as “múltiplas dimensões do
ser humano em sociedade” (LAPLANTINE 2005
p.16). Para Laplantine, a vocação maior desta
disciplina consiste em relacionar campos de
investigação frequentemente separados, tais
como a Biologia, a História, a Linguística e a
Psicologia, integrando-os em uma abordagem
que reconheça a humanidade como plural.
Além disso, a Antropologia atual não se interessa, apenas, pelas sociedades exóticas. Nessa
nova conjuntura, o antropólogo percebe que
o mais importante de sua disciplina não é o
objeto de estudo, mas a sua forma peculiar de
abordagem:
“O objeto teórico da Antropologia não está
ligado, na perspectiva na qual começamos a
nos situar a partir de agora, a um espaço geográfico, cultural ou histórico particular. Pois a
Antropologia não é senão um certo olhar, um
certo enfoque, que consiste em: a) o estudo
do homem inteiro; b) o estudo do homem em
todas as sociedades, sob todas as latitudes, em
todos os seus estados e em todas as épocas.”
(LAPLANTINE 2005 p.16).
10
capítulo 1
Além do objeto de estudo, outro tema que
sempre esteve presente na discussão refere-se
ao método de investigação antropológica. Independente das questões surgidas na formação da disciplina, a etnografia desempenha
um papel metodológico central. Na década de
20, o antropólogo Bronislaw Malinowski inseriu uma nova perspectiva ao trabalho de campo, a observação participante. Segundo essa
visão, o antropólogo só poderia fazer uma boa
etnografia se adotasse algumas regras, que se
tornaram modelos para realizar pesquisa em
grupos culturais distintos: o pesquisador deveria morar no campo, aprender a língua nativa
e demonstrar capacidade de observação detalhada.
Porém, como afirma Clifford Geertz no livro
“Obras e Vidas: o antropólogo como autor”,
“a ilusão de que a etnografia é uma questão
de dispor fatos estranhos e irregulares em categorias familiares e ordenadas foi demolida
há muito tempo” (2002 p. 11). Geertz, neste
texto, problematiza o entendimento do que
seja a etnografia, afirmando que o que os
praticantes da Antropologia social e cultural
fazem é etnografia. Ou seja, a etnografia não
reside numa descrição minuciosa de um fato,
mas numa atividade eminentemente interpretativa, voltada para a busca de significação.
Em um texto recente, intitulado “Onde está a
Antropologia?”, a antropóloga brasileira Mariza Peirano afirma que é comum as pessoas
considerarem que toda teoria é eterna. Porém,
na Antropologia, segundo Peirano, “a teoria
Você Sabia?
“A etnografia (escrever sobre os povos) é a disciplina mais próxima dos dados empíricos e a primeira que praticaram os antropólogos culturais.
Prepondera nela o enfoque descritivo e utiliza
como técnica de coleta de dados o trabalho de
campo, principalmente, e as contribuições arqueológicas. É a base de toda a Antropologia cultural, pois proporciona os elementos sobre os quais
vão trabalhar os demais teóricos.” (BARRIO 2005
p. 21).
é o par inseparável da etnografia, e o diálogo íntimo entre ambas cria as condições indispensáveis para a renovação e sofisticação
da disciplina.” (2006 p.7). Isso significa que,
através do trabalho de campo, quando realizamos boas etnografias, a teoria antropológica
se renova. O grande mérito da Antropologia
não é o de produzir grandes teorias, mas por
em suspeição teorias já existentes. Para Peirano, as teorias mudam, mas boas etnografias
podem sempre ser revisitadas e inspirarem novas questões. Por esse motivo, embora a teoria
funcionalista presente no livro de Malinowski,
“Os argonautas do pacífico ocidental” (1922)
seja atualmente questionada, sua etnografia
permanece fecunda.
Por sua vez, a “observação participante”, método criado por Malinowski, recebeu da nova
configuração antropológica características
especiais. Atualmente não há condições de o
antropólogo permanecer em campo, fazendo pesquisa por dois anos, como acontecia
no tempo de Malinowski. Os antropólogos
também estão convencidos de que não conseguem abarcar o todo social do grupo estudado. Compreendemos, apenas, parte da realidade e, mesmo assim, com uma perspectiva
limitada. A dificuldade resulta da posição do
observador e das interações a que está submetido. Mesmo assim, a observação participante
é imprescindível a uma boa etnografia.
Na observação participante, o pesquisador
deve se preparar, ler anteriormente boas etnografias e, em campo, tentar se colocar no
lugar das pessoas que analisa. Para uma boa
observação, é necessário certa empatia com
o grupo estudado. Além disso, o antropólogo
precisa tomar notas em um “diário de campo”. Hoje existem outros instrumentos de anotações, como o notebook, no entanto a prática
de anotações diárias não pode ser eliminada.
Muitas vezes uma entrevista gravada que não
nos parecia importante toma outra dimensão
quando relemos o nosso diário de campo.
Quando os antropólogos buscaram compreender a diversidade cultural sem terem como
parâmetro nossa própria cultura, perceberam
que a Antropologia provocava uma mudança
na forma de ver o mundo e de lidar com a
diversidade de sociedades e culturas. Ela pres-
supõe um “descentramento radical” com a
ideia de que existem povos superiores a outros. Além disso, a Antropologia, como ciência, surgida no seio da modernidade, teve
como preocupação inicial a unidade psíquica
da humanidade, como citado anteriormente.
Isso significa que embora a Antropologia não
tenha início como uma ciência racista, de certa
forma, ela também surge como uma ciência
que busca reduzir o outro ao mesmo.
O mundo hoje é repleto de transformações.
Integração econômica como o Mercosul, superação de fronteiras, globalização. É nesse
mundo que se torna importante o debate sobre as particularidades. Essa discussão não é
nova; desde sempre, identificamos as diferenças presentes no contato cultural. No entanto,
apenas no século XX é que essa diferença do
outro que se evidencia como alteridade se desenvolveu como conceito ético e moral.
A Antropologia tomou para si essa discussão
e fez da alteridade um aspecto central da disciplina, sem a qual ela não se reconhece. O
“outro” para a Antropologia é alteridade. Isso
significa que não basta afirmar o particular, o
diferente, mas o ético, moral, que afirma o outro em relação. É a partir dessas questões que
a Antropologia substitui a discussão de “reconhecimento da diferença” pela “alteridade”,
ou seja, substitui o reconhecimento da existência humana do outro pela compreensão de
que o outro está no meu mundo e existe em
relação a ele.
capítulo 1
11
Antropologia
Antropologia Empírica
Antropologia
Biológica - Física
2.1. Divisões da antropologia
A tarefa à qual a Antropologia se propõe é
vasta, o que fez proliferar subdivisões sob esta
denominação comum. Observamos uma dicotomia clássica entre uma Antropologia que
se preocupará com a natureza do homem, ou
seja, a dimensão corpórea e biológica e uma
outra vertente que se preocupará com a dimensão sociocultural-simbólica. Essas duas
divisões empíricas do saber são moldadas por
uma discussão especulativa própria da Antropologia filosófica. Em resumo:
1) A Antropologia biológica ou física se preocupa com o homem enquanto organismo vivo,
atendendo à sua evolução biológica dentro
das espécies animais e sua relação com o meio
ambiente (ecologia).
2) A Antropologia cultural e social estuda os
comportamentos aprendidos que caracterizam os grupos humanos. Ocupa-se, portanto,
dos costumes, do patrimônio material e imaterial dos grupos, além de todos os aspectos que
compõem a vida social das pessoas. A Antropologia cultural ou social também é chamada
de Etnologia.
3) A Antropologia filosófica é uma disciplina
da Filosofia que tem como objeto a interrogação sobre o que é o homem.
Podemos esquematicamente apresentar as divisões da Antropologia:
12
capítulo 1
Antropologia Filosófica
Antropologia
Cultural ou Social
É característica da Antropologia agregar saberes de outras áreas de conhecimento, ao
mesmo tempo em que se distingue de diversas disciplinas das quais se utiliza. Distingue-se
da História, pois não se limita ao documento;
distingue-se da Psicologia, pois não lhe interessam as individualidades; distingue-se da
Sociologia, pois seu objetivo são as compreensões simbólicas culturais. A Antropologia se
utiliza da História, da Psicologia, da Sociologia
para ter uma gama de informações que possam auxiliar o antropólogo a conhecer melhor
seu objeto de estudo.
Se a Antropologia em sua origem esteve ligada aos povos intitulados “primitivos”, “selvagens”, atualmente se volta para sua própria
sociedade e estuda a diversidade a partir de
uma alteridade próxima. São estudos de Antropologia urbana e rural, por exemplo.
2.2. A antropologia no Brasil
No Brasil, duas tradições foram marcantes na
formação da disciplina: a etnologia Indígena
e a Antropologia da sociedade nacional. Segundo Mariza Corrêa, é um consenso que no
Brasil a Antropologia existiu antes de se instituir como disciplina nas universidades. A própria criação da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras do Brasil da USP ocorreu em 1934,
entretanto, desde o fim do século XIX, alguns
brasileiros se incumbem de pesquisar e reunir
coleções etnográficas.
A Etnologia Indígena, apesar de ser predominante nos estudos dos etnólogos estrangeiros
que procuravam o Brasil, não alcançou o êxito que a Antropologia da sociedade nacional.
Sem nos deter sobre diversos indigenistas que
passaram pelo Brasil, sem dúvida o alemão
Curt Unkel (chamado de Curt Nimuendaju pelos índios) nos deixou inúmeros trabalhos citados até hoje. Entre os seus trabalhos, o mais
famoso é seu mapa etno-histórico. Nimuendaju estudou vários grupos indígenas, e seu comportamento se pautava no respeito e na defesa
das tradições tribais.
Nesse período, entre os anos 30 e 60, também foram contratados professores estrangeiros para lecionarem na USP e na Escola de
Sociologia e Política. É o período em que Roger
Bastide, Claude Lévi-Strauss, Herbert Baldus e
Donald Pierson passaram a trabalhar nessas
instituições e a realizar trabalhos sobre religiões afro-brasileiras e etnologia indígena. Em
1935, Gilberto Freyre assumiu a cátedra de
Antropologia Social e Cultural no Rio de Janeiro. É nessa época que, ao mesmo tempo em
que vários pesquisadores se dedicam à Etnologia Indígena, outros pesquisam a formação
de uma identidade nacional, como é o caso do
próprio Gilberto Freyre.
Os antropólogos no Brasil se ocupavam de diferentes linhas de investigação, ora fazendo
Etnologia Indígena, ora produzindo teorias
políticas sobre o caráter nacional. É por esse
motivo que, nas décadas de 50 e 60 do século
XX, além de trabalhos sobre populações indígenas, temos uma vertente política de intervenção, outra de construção de identidade nacional e os chamados estudos de comunidade.
Muitos desses autores produziram trabalhos
voltados para mais de uma dessas questões.
É também por esse motivo que não podemos
pensar em uma Antropologia no Brasil com
uma dimensão teórica bem definida, pois diferentes pesquisadores dividiam o mesmo espaço com estudos diferentes.
Com os estudos de comunidade citados, pretendia-se chegar a uma visão geral da sociedade brasileira. São estudos que se voltam para
mudança cultural, problemas de imigrantes,
educação, folclore, entre outros temas. Esses
estudos foram criticados na década de 70,
do século passado, por Octavio Ianni e Klaas
Woortmann que afirmavam que os estudos de
comunidade desprezavam as relações com a
sociedade mais ampla, tratando-as como sociedades isoladas.
É também nessa época que a Antropologia no
Brasil se expande para as cidades, iniciando
uma Antropologia urbana. Os antropólogos se
preocupam com problemas que afetam não só
as camadas menos favorecidas mas também
com problemas que afetam a classe média.
Este é o caso dos trabalhos de Gilberto Velho
sobre os moradores de um edifício no bairro
de Copacabana.
Nessa época, desenvolve-se também o estudo
de fenômenos religiosos que ocorrem nas cidades, além de outras questões e concepções
a respeito do corpo, das classificações das doenças, hábitos alimentares, etc. Surgem, ainda, entre os anos 70 e 80, as discussões sobre
as relações de gênero, família e geração. Em
relação aos temas nacionais, Roberto Da Matta, na década de 1980, realiza estudos sobre o
ethos nacional com seu trabalho sobre o carnaval no Brasil.
Mais recentemente, temos outra tendência
sendo observada. Há um intenso diálogo internacional sendo produzido a partir da circulação de pesquisadores nacionais no estrangeiro. Muitos antropólogos têm pesquisado
países do continente africano, principalmente
os de língua portuguesa. Outros se voltaram
para a América Latina, os Estados Unidos, a
França e a Índia. Todos esses trabalhos possuem como eixo comum a preocupação com
seu país de origem.
Por outro lado, se no início da Antropologia
no Brasil, pesquisadores como Lévi-Strauss vieram ao Brasil para ensinar e pesquisar, atualmente há um crescente número de estudantes
estrangeiros nos programas de pós-graduação
capítulo 1
13
4) A Antropologia nunca está ultrapassada.
Etnografias clássicas sofrem frequentemente releituras que confirmam sua contemporaneidade. A teoria com a qual a etnografia
foi construída pode estar ultrapassada, mas a
etnografia continua fecunda, focalizando problemas contemporâneos.
As dificuldades, por sua vez, podem ser observadas nos seguintes elementos:
brasileiros. A ideia de uma internacionalização
da Antropologia do Brasil passa agora pela capacidade de alcance da nossa disciplina.
3.
VIRTUDES E
DIFICULDADES
DA ANTROPOLOGIA
Atualmente, há um consenso entre os antropólogos de que as teorias estão diretamente vinculadas à prática produzida no campo
disciplinar. Não produzimos teorias afastadas
da realidade. Peirano (2006) afirma que o trabalho de campo e sua produção etnográfica
alimentam e contestam teorias produzidas no
seio da disciplina.
Dentre as virtudes da Antropologia, Peirano indica as mais importantes:
1) A Antropologia reconhece a diversidade
das culturas assim como a unidade psíquica da
humanidade. Com isso, há um descentramento nas relações de poder. O Ocidente é apenas
um caso na totalidade da experiência humana;
2) Os antropólogos estudam povos e culturas situados em Estados-nações, mas não os
Estados-nações em si mesmos. Com isso, não
produzem grandes teorias, mas, boas etnografias, que derrubam teorias mais amplas;
3) A Antropologia se desenvolveu a partir do
uso de instrumentos tomados de empréstimos
de outras disciplinas (biologia, linguística, psicanálise, economia, etc.). Com isso, adquiriu
uma dinamicidade útil na sua atuação;
14
capítulo 1
1) Na Antropologia, sujeito e objeto de estudo
são os mesmos (o homem), o que dificulta o
distanciamento;
2) Os fatos que são observados e etnografados não se repetem. Um evento, uma festa,
um casamento observado ocorre uma única
vez, não se pode reproduzir a experiência novamente;
3) A prática da disciplina leva os antropólogos
a se identificarem excessivamente com o grupo observado e, muitas vezes, agem em nome
do grupo.
É preciso compreender que, embora a Antropologia tenha sido construída a partir de objetos de estudo exóticos e longínquos, o seu desenvolvimento demonstrou que é justamente
na compreensão do outro como culturalmente
diverso que a disciplina mais se firmou.
Por fim, dentre os diversos temas de interesse
da Antropologia, independente de época e lugar, temos o tema da cultura, do etnocentrismo e do relativismo cultural. Esses temas são
objeto de estudo no próximo capítulo.
Saiba Mais:
Sobre a história da Antropologia
ERIKSEN, Thomas Hylland & NIELSEN, Finn Sivert.
História da Antropologia. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
Esse livro do Eriksen possui uma linguagem simples e percorre toda a história da Antropologia
desde o seu surgimento até os dias atuais. Ele vai
interessar às pessoas que gostariam de conhecer
detalhadamente o percurso histórico feito pela
disciplina.
RESUMO
Neste capítulo, percebemos que a Antropologia é mais do que seu significado etimológico.
Ela é um campo de conhecimento, cujo estudo
é pautado no reconhecimento da diversidade
cultural assim como por uma forma metodológica de proceder através da observação participante e da escrita etnográfica.
Sua história evolui da compreensão da humanidade como uma unidade psíquica até o estudo das particularidades históricas e culturais.
Em relação ao Brasil, a Antropologia que aqui
se desenvolveu possui dois campos de atuação, as sociedades tradicionais indígenas e a
construção da identidade nacional. É o momento também de a Antropologia se voltar
para a própria sociedade numa Antropologia
rural e urbana. Diante de tudo isso, constatamos que a Antropologia construiu e foi construída a partir de virtudes e dificuldades. Entre
as virtudes, o reconhecimento da diversidade
cultural é a mais importante.
Entre as dificuldades, o fato de o antropólogo
estudar sua própria espécie dificulta o distanciamento próprio da ciência moderna.
REFERÊNCIAS
BARRIO, Angel B. Espina. Manual de Antropologia Cultural. Recife: Editora Massangana,
2005. (Fundação Joaquim Nabuco).
GEERTZ, Clifford. Obras e Vidas: o antropólogo como autor. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2002.
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2005. Pp. 13-33.
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento
e da aventura dos nativos nos arquipélagos da
Nova Guiné Melanésia. 3 ed. São Paulo: Abril
Cultural. 1984 [1922]. (Os Pensadores).
PEIRANO, Mariza. A Teoria Vivida: e outros ensaios de Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2006.
RIVIÈRE, Claude. Introdução à Antropologia.
Lisboa: Edições 70. 2004.
Saiba Mais:
Sobre o objeto e método da Antropologia
LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia.
São Paulo: Brasiliense, 2005. Pp. 13-33.
Nessas primeiras páginas, Laplantine apresenta o
campo e o tipo de abordagem específica da Antropologia. Além disso, neste primeiro capítulo,
o autor também discute as dificuldades que esta
disciplina vivencia.
PEIRANO, Mariza G. S. Onde está a Antropologia? Rev. Mana (3) 2 67-102. 1997. Disponível
em: HTTP://www.scielo.br
O texto da Peirano discute a relação entre teoria
e método da Antropologia. É um texto importante por apresentar os problemas e as virtudes da
Antropologia.
capítulo 1
15
Atividades
1. A abordagem antropológica deve ser uma abordagem integrativa, que objetiva levar em consideração as
múltiplas dimensões do ser humano. A partir dessa afirmação explique:
• Por que a Antropologia pode ser considerada como “um certo olhar, um certo enfoque”?
2. Como a Antropologia procura conciliar o dilema da unidade psíquica da humanidade e a enorme diversidade cultural dos povos por ela estudada?
3. Os antropólogos estudam povos e culturas situados em Estados-nações, mas não os Estados-nações. Como
você compreende que esse fato ajudou a Antropologia a se fortalecer? Por quê?
16
capítulo 1
Antropologia:
noções e
conceitos
fundamentais
Profa. Rita de Cássia Maria Neves
Carga Horária | 15 horas
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Compreender a cultura como um conceito
antropológico;
• Apreender como opera a cultura;
• Reconhecer a alteridade como princípio
norteador do campo antropológico;
• Compreender as noções de relativismo
cultural e etnocentrismo.
INTRODUÇÃO
Neste capítulo, trataremos da noção de cultura como basilar ao campo da Antropologia. Embora
o conceito de cultura e as questões que norteiam este tema tenham sido diferentemente tratados
por outras áreas de conhecimento, todos reconhecem sua filiação à Antropologia. Esse conceito
também foi usado sem muito constrangimento por parte dos antropólogos adeptos das mais
variadas correntes teóricas. Isso talvez porque a Antropologia sempre foi considerada como a
disciplina que se preocupa com o homem enquanto ente cultural.
Na segunda parte, será problematizado o conceito de alteridade a partir da compreensão do
termo pela Antropologia. Isso significa que, em detrimento de uma filosofia da alteridade, discutiremos a questão a partir da abordagem antropológica. Apresentaremos também a distinção
entre o conceito de “diferença” e o conceito de “alteridade”, identificando a transformação da
alteridade como um problema ontológico para o seu desenvolvimento como um problema ético.
Ao final deste capítulo, abordaremos a compreensão do conceito de relativismo cultural, suas nuances e especificidades. Para concluir, estabeleceremos a relação entre todas essas questões com
o problema do etnocentrismo e da educação.
capítulo 2
17
porque a Antropologia sempre foi considerada
como a disciplina que se preocupa com o homem enquanto ente cultural.
1.
CULTURA COMO
CONCEITO
ANTROPOLÓGICO
O termo cultura frequentemente atrai para
junto de si outros termos que possuem significados distintos e que, muitas vezes, são tomados como oposição: cultura X natureza; cultura X civilização. Além desse caráter relacional,
o termo cultura apresenta-se, muitas vezes,
como termo composto, descrevendo áreas específicas a serem estudadas: ecologia cultural;
relativismo cultural, etc.
O conceito francês de cultura, portanto, é
marcado pela unidade do gênero humano, enquanto o conceito alemão de cultura (kultur) é
marcado pelo seu sentido particularista. Compreendendo o caminho percorrido por esses
dois termos nas suas respectivas sociedades,
compreenderemos seu uso atual na Antropologia e as questões que suscitaram quando relacionadas ao tema do relativismo cultural.
Embora o conceito de cultura e as questões
que norteiam esse tema tenham sido tratados
diferentemente pelas diversas correntes teóricas da Antropologia, cada uma delas preocupada em responder questões específicas, em
épocas específicas, este conceito também foi
usado sem muito constrangimento por parte
dos antropólogos de variadas escolas. Talvez
Quando o termo cultura passa a adquirir a
ideia de progresso humano, vincula-se automaticamente à idéia de civilização. No final do
século XVIII, cultura reflete o progresso humano individual, enquanto civilização passa a refletir o progresso humano coletivo. Dessa forma, como nos atesta Adam Kuper, o homem
criador é colocado no centro do universo e a
modernidade se estabelece:
Saiba Mais:
CULTURA
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito
antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2000.
O texto de Laraia é dividido em duas partes. Na
primeira, o autor discute o dilema sobre a “conciliação da unidade biológica e a grande diversidade cultural da espécie humana”. Na segunda parte, discute como a cultura opera na sociedade.
18
A palavra cultura remonta aos gregos, entendida no sentido de Paidéia, significando a
formação da pessoa na sua cultura particular.
Na França, a palavra cultura foi usada durante
muito tempo na sua origem latina, significando o cuidado dispensado ao campo, ao gado
ou à parcela da terra cultivada. Apenas na
França do século XVIII, é que adquiriu o sentido semântico moderno, ou seja, como formação e educação do espírito. Nessa época, a palavra cultura se associou às ideias de progresso
e de razão, doutrinas centrais do pensamento
iluminista.
capítulo 2
“Na tradição francesa, a civilização é representada
como uma conquista progressiva, cumulativa e distintamente humana. Os seres humanos são semelhantes, pelo menos em potencial. Todos são capazes
de criar uma civilização, o que depende do dom exclusivamente humano da razão.” (2002: 26).
Sob essa inspiração, chegamos ao século XIX
com o conceito de cultura convictamente marcado pela ideia de unidade do gênero humano.
Este conceito se transforma em cultura da humanidade. O termo adquire assim um cunho
universalista. A cultura com essa característica
adotada na França torna a Antropologia uma
disciplina de caráter universalista e seu método
como sendo essencialmente comparativo. Para
essa vertente, sem comparação explícita, não
pode haver teoria antropológica.
Por sua vez, o conceito alemão de cultura
(kultur) adquire caráter diferente. A burguesia
alemã, distante da aristocracia, preocupa-se
essencialmente com os valores baseados na
ciência, na arte e na filosofia. Dessa forma, há
uma internalização do termo cultura, significando tudo aquilo que é autêntico e que contribui para o enriquecimento intelectual.
A kultur alemã tem como preocupação central
o destino específico da nação, porém não se
refere, apenas, à nação, mas, a partir do século
XX, passa a ser usado em sua forma pessoal,
como cultura local, de caráter particularista.
Ainda de acordo com Kuper:
“Esta antítese [cultura – civilização] ganhou nova força depois da derrota da Alemanha na Grande Guerra,
uma guerra que fora declarada contra eles em nome
de uma civilização universal. A idéia de kultur entrou
em jogo na luta subseqüente para redefinir a identidade e o destino da Alemanha.” (200 p. 55).
Na Antropologia, Franz Boas, um judeu alemão, que se naturalizou americano, introduz
a ideia de que a cultura é o que nos modela, e
não a biologia, como se acreditava na época.
Além disso, Boas censura os limites do método
comparativo por acreditar que não é possível
encontrar leis gerais da evolução das culturas.
Questiona, com isso, a Teoria da Evolução das
Espécies, de Charles Darwin, em vigor na época. Essa teoria embasava o evolucionismo cultural. As duas posições nos mostram que, no
aspecto teórico-metodológico, a Antropologia
oscila desde essa época entre o método relativista, com ênfase nas diferenças culturais e o
método comparativo, com ênfase na unidade
humana e, portanto, na universalidade.
1.2. Cultura como sistema
simbólico
Nas ciências sociais, e especificamente na
Antropologia, cultura se tornou um conceito
importante. Desde a formação da disciplina,
passou por inúmeras definições. No entanto,
respeitando cada definição ao longo da história, a partir do desenvolvimento da Antropologia simbólica, o conceito de cultura passou
por uma transformação significativa, e a cul-
tura deixou de ser considerada como um sistema fixo e homogêneo, em que todos compartilham as mesmas ideias, valores, crenças
e normas e passou a ser expressa a partir da
interação social, em que os atores negociam
significados. Cultura, portanto, deve ser considerada como construção simbólica do mundo
que está sempre em transformação.
Segundo essa concepção, mais importante do
que o conceito de cultura é a sua operacionalização. Apenas dessa forma, podemos entender sua utilização pelas mais diferentes áreas
disciplinares. O termo cultura, na sua acepção
moderna, tem sido largamente usado por outras disciplinas desde a segunda metade do
século XX.
Clifford Geertz (1978), no livro “A Interpretação das Culturas”, afirma que a cultura não é
um agregado a mais na constituição do homem enquanto tal. A cultura é a própria base
de uma humanidade e deve ser vista “como
um conjunto de mecanismos simbólicos para
o controle do comportamento” que “fornece
o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente capazes de se tornar e o que eles
verdadeiramente se tornam, um por um”. Ou
ainda afirma que “tornar-se humano é tornarse individual e nos tornamos individuais sob a
direção dos padrões culturais”.
Cultura
Aprendida
Compartilhada
Dinâmica
capítulo 2
19
ra de si e deve se preocupar com a aparência,
enquanto a mulher deve ser dinâmica, empreendedora e extrovertida, características que na
nossa sociedade são destinadas aos homens.
“O material sugere a possibilidade de afirmar que
muitos, senão todos, traços de personalidade que
chamamos de masculinos ou femininos apresentamse ligeiramente vinculados ao sexo quanto às vestimentas, às maneiras e à forma do penteado que uma
sociedade, em determinados períodos, atribui a um
ou a outro sexo.” (MEAD 2003 p.268)
A cultura é aprendida, porque as diferenças
entre os homens não podem ser explicadas
apenas através da Biologia. A diferença de
comportamento existente entre as pessoas depende de um aprendizado chamado de endoculturação. Esse aprendizado cultural vai determinar como o homem e a mulher, o brasileiro,
o japonês ou o americano, por exemplo, vão
se comportar. A cultura também condiciona o
modo de ver o mundo, os valores e as posturas
corporais. São, portanto, o resultado de uma
herança cultural.
A antropóloga Margaret Mead (1901-1978)
orientou suas pesquisas para a forma como
um indivíduo recebe a cultura e forma sua personalidade. Segundo Mead (2003), na Oceania, ao estudar três sociedades da Nova Guiné,
os Arapesh, os Mundugumor e os Chambuli,
as características de masculino e feminino que
aparentemente definimos como as mesmas
em todas as sociedades são diferentes em cada
um desses grupos sociais. Os Arapesh organizam a infância para formar seres dóceis, sensíveis, servis, sejam homens ou mulheres. Os
Mundugumor, através do sistema educacional,
treinam a rivalidade e a agressão em ambos os
sexos. Por fim, os Chambuli pensam como nós,
que homens e mulheres são profundamente
diferentes em sua psicologia, no entanto o homem deve ter uma personalidade menos segu-
20
capítulo 2
Quando dizemos que a cultura é compartilhada, significa que ela é pública, ou seja, que
cada núcleo cultural define e compreende os
sinais e significados dos padrões culturais, oferecendo uma visão de mundo e uma explicação de como o mundo é organizado. Isso significa que afirmamos que o comportamento
individual difere do comportamento cultural e
que é preciso participar da cultura para compreender seus códigos.
A cultura é dinâmica, forma-se e transformase cotidianamente. Além disso, de acordo
com Geertz (1978), a cultura deve ser tomada
como um texto, constituída de um conjunto
de símbolos possíveis de serem interpretados.
Dessa forma, a cultura deve ser lida, mesmo
que seja uma leitura de segunda ou terceira
mão, como afirma o autor.
“O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de
significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura
como sendo essas teias, e a sua análise; portanto,
não como uma ciência experimental em busca de leis,
mas como uma ciência interpretativa, à procura do
significado.” (1978: 15).
A ideia de “teia de significados” se dá justamente por acreditar que este é um jogo complexo de interpretações. O intérprete faz a
pergunta (a procura do significado) à cultura
entendida como “teia”. A resposta como tal
tem que existir de forma latente na cultura.
Dá-se, assim, a fusão de horizontes em que
tanto o intérprete quanto o que ele interpreta
encontram-se numa espécie de intersecção. E
é este espaço que propicia a análise.
2.
DIFERENÇA E
ALTERIDADE
Não podemos falar de diferença e alteridade
sem falarmos sobre identidade. A identidade
se reporta ao mesmo, àquilo que é. A diferença, por sua vez, é aquilo que o outro é. Identidade e diferença são conceitos que existem
sempre em relação entre eles. Isso significa
que as afirmações sobre as diferenças culturais
só podem ser compreendidas quando em relação com as afirmações sobre a identidade. A
identidade é, portanto, o ponto original sobre
o qual se define a diferença.
Como já citado no capítulo anterior, o outro
para a Antropologia é alteridade, é “outra
pessoa”, sua diferença não é ontológica, não
afirma apenas o particular, o diferente, mas o
ético, moral, que afirma o outro em relação. É
a partir dessas novas condições que a Antropologia substitui a diferença pela alteridade.
Vivemos em um país em que a diversidade cultural é notória. No entanto, nossa matriz ideológica-cultural é européia. A criança negra,
por exemplo, desenvolve-se nessa ideologia e
nessa cultura, situando-se num referencial que
não faz parte da história de sua ascendência.
O outro cultural é sempre um problema, pois
coloca em cheque nossa própria identidade. A
questão da identidade, da diferença e da alteridade se torna um problema social ao mesmo
tempo em que é um problema pedagógico e
curricular.
De acordo com Stuart Hall (1999), nesse mundo heterogêneo, o encontro com o outro, com
o estranho, é inevitável. Vivemos em uma sociedade atravessada pela diferença, e isso não
pode deixar de ser matéria pedagógica e curricular. Como afirma Silva (2000), “o outro é
o outro gênero, o outro é a cor diferente, o
outro é a outra sexualidade, o outro é a outra
raça, o outro é a outra nacionalidade, o outro
é o corpo diferente”.
Do ponto de vista pedagógico, não podemos,
apenas, reconhecer e tolerar as diferenças. Estaríamos, nesse caso, apenas, reproduzindo o
discurso tão comum nas escolas. A opção é
tomar a alteridade como um problema ético,
o que pressupõe perceber o outro inserido em
relações de poder. Partindo do pressuposto de
que a identidade e a diferença são produzidas
nessas relações de poder, antes de, apenas, admitir a diferença, é preciso compreender como
ela é produzida.
A Antropologia aprendeu essa lição, na medida
em que esta é, de acordo com Gusmão (2008),
a “ciência da inversão”. É parte de sua tradição
a questão do “outro” e, com ela, a pesquisa de
campo fora do “nosso” mundo. Sair do nosso
mundo significa assumir e estranhar o familiar
e conhecido para torná-lo objeto de nossa reflexão. É por causa dessa reflexividade, própria
da Antropologia, que, ao se impor entre o eu
e o outro, se estabelece um terceiro lugar, o
lugar do ponto de vista pedagógico de uma
sociedade intercultural. Esta envolve comunicação, reciprocidade e troca. A aprendizagem,
nessa concepção, começa antes da escola, na
família, durante toda sua vida.
3.ETNOCENTRISMO
E RELATIVISMO
CULTURAL
3.1. Etnocentrismo
Como percebemos, no item sobre cultura, o
homem vê o mundo através da sua cultura.
Por esse motivo, tem a propensão de considerar o seu modo de vida como o mais correto
e o mais natural. A isso a Antropologia denomina etnocentrismo. De acordo com Everardo
Rocha, etnocentrismo:
“é uma visão de mundo onde o nosso próprio grupo
é tomado como centro de tudo, e todos os outros
são pensados e sentidos através de nossos valores,
nossos modelos, nossas definições do que é a exis-
capítulo 2
21
nossa sociedade moderna ocidental. Grupos
diferentes, nas mais diversas regiões possuem
esta mesma tendência ao etnocentrismo. A
unidade humana, neste caso, está em “sermos
todos etnocêntricos”.
“a humanidade acaba nas fronteiras da tribo, do
grupo lingüístico, por vezes mesmo, da aldeia; a tal
ponto que um grande número de populações ditas
primitivas se designam por um nome que significa os
“homens” (ou por vezes – digamos com mais discrição -, os “bons”, os “excelentes”, os “perfeitos”), implicando assim que as outras tribos, grupos ou aldeias
não participem das virtudes – ou mesmo da natureza
– humanas, mas são, quando muito, compostos por
“maus”, “perversos”, “macacos terrestres”, ou “ovos
de piolho”. (LÉVI-STRAUSS, 1985 p.54)
tência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo,
como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade,
etc.” (2004 p.07).
No texto Raça e História, publicado em 1950,
o antropólogo Claude Lévi-Strauss se volta
para o problema da diversidade cultural e do
etnocentrismo. Afirma que, através da comparação entre as culturas, as sociedades humanas nunca se encontram isoladas e, por conseguinte, estão sempre criando novos costumes.
Por esse motivo, a diversidade das culturas é
mais fruto do que nos une, a partir do contato, do que daquilo que nos separa enquanto
diferença.
O etnocentrismo, por sua vez, consiste em
repudiar formas culturais diferentes daquelas que nos identificamos. No entanto, Lévi-Strauss afirma que isto não é exclusividade da
Saiba Mais:
ETNOCENTRISMO
ROCHA, Everardo. O que é Etnocentrismo. São
Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção Primeiros Passos, 124).
Da coleção Primeiros Passos, o livro de Rocha faz
uma discussão sobre como se apresenta o etnocentrismo em nossa sociedade. O autor inicia o
texto com a discussão sobre o conceito atual de
etnocentrismo. Em seguida, apresenta o desenvolvimento histórico desse conceito.
22
capítulo 2
Mais recentemente, em 1971, Lévi-Strauss
publicou um texto (“o olhar distanciado”), no
qual se refere à Raça e História. Diz o autor, que
procurou nesse novo texto rever os exageros
cometidos anteriormente. Mesmo assim, nesse
texto Lévi-Strauss reafirma que certo etnocentrismo é salutar, pois a diversidade das culturas
resulta do desejo particular em se diferenciar
das culturas que a cercam. Por esse motivo, a
partir do etnocentrismo há um fortalecimento
da própria cultura.
Mesmo considerando que observamos atitudes etnocêntricas em todos os grupos sociais,
há o perigo de que essas atitudes se transformem em racismo. O racismo é uma ideologia
baseada em pressupostos pseudocientíficos e
que está longe de ser universal. O etnocentrismo, ao contrário, pode ser encontrado em todas as sociedades.
O etnocentrismo, portanto, é prejudicial quando, em nossa sociedade, muitas vezes não
identificamos nossas atitudes etnocêntricas
em relação aos grupos com os quais convivemos, transformando nossas atitudes em posturas racistas, rotulando as pessoas pejorativamente de “negros”, “dondocas”, “velhos”,
“paraíbas”, etc. Segundo Rocha, o caminho do
monólogo etnocêntrico é:
“Como aquele mundo de doidos pode funcionar? Espanto! Como é que eles fazem? Curiosidade perplexa? Eles só podem estar errados ou tudo o que eu sei
está errado! Dúvida ameaçadora?! Não, a vida deles
não presta, é selvagem, bárbara, primitiva! Decisão
hostil!” (2004 p.09)
3.2. Relativismo cultural
Existem ideias que se contrapõem ao etnocentrismo, sendo uma das mais importantes
a da relativização. Quando procuramos compreender o “outro” em seus próprios valores
e não, nos nossos, estamos relativizando. O
relativismo é objeto de controvérsia por parte
dos teóricos. Os filósofos criticam o relativismo
como um princípio absoluto, pois admitir essa
proposição significa abrir mão de qualquer definição, já que “tudo é relativo”.
Na verdade, segundo Denys Cuche (2002), há
três concepções diferentes de relativismo cultural, o que propicia certa ambiguidade quando nos referimos ao termo:
1. Relativismo como teoria. Nesse caso, cada
cultura forma uma entidade separada e distinta. Com isso, não há comunicação nem possibilidade de extrair conceitos universais e, portanto, não resiste a uma análise científica.
2. Relativismo como um princípio ético. Nesse
caso, compreende a importância da neutralidade do pesquisador em relação às diferentes culturas. No entanto, muitas vezes, essa
constatação de que sua cultura não é a única
possível produz uma situação de pretensa neutralidade em que, apenas, reconheço a diferença, porém me posiciono em uma situação
superior. Essa atitude também pode impedir
qualquer discussão sobre direitos humanos,
em que o direito à diferença pode se tornar
uma obrigação à diferença;
3. Relativismo como um princípio metodológico. Nesse sentido, o relativismo é, apenas,
operacional, ou seja, devemos estudar todas
as culturas sem julgá-las antecipadamente.
Dessa forma, precisamos considerar cada cultura como nem totalmente autônoma nem totalmente dependente.
No livro “A Interpretação das Culturas” (1978),
Geertz, critica tanto o relativismo quanto o
universalismo em seus excessos. Porém, mais
recentemente (2000), o autor retoma o tema
do relativismo, desta vez através de um texto
chamado “Anti Anti-relativismo”. O texto que
aparenta uma defesa do relativismo trata mais
do radicalismo que tomou conta dos críticos
do relativismo cultural.
Para Geertz, cabe à Antropologia tratar daquilo que não se enquadra, da realidade deslocada e que o relativismo não foi responsável por
“matar” a razão universal dos filósofos. O relativismo cultural, mesmo com todos os exageros, nos mostrou que “vemos a vida dos outros
através das lentes que nós próprios polimos e
que os outros nos vêem através das deles.”
(GEERTZ, 2001 p.66). Aqui também encontramos um Geertz, que, assim como Lévi-Strauss,
acredita que a cultura só se estabelece na alteridade e na relação com o outro.
Saiba Mais:
RELATIVISMO CULTURAL
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas Ciências
Sociais. Bauru, SP: EDUSC, 1999. Pp. 237-244.
Embora todo o livro de Cuche seja interessante
para compreender a evolução do conceito de
cultura nas ciências sociais, é nas páginas finais
que o autor problematiza o conceito de relativismo cultural e sua relação com o etnocentrismo.
Apresenta, ao mesmo tempo, os três tipos de relativismo citados neste capítulo.
capítulo 2
23
dental que nos conduziria a uma pedagogia
da violência por não considerar a diversidade
cultural. Historicamente, a nossa sociedade e a
escola, que lhe é própria, não desenvolveram
mecanismos democráticos perante a diversidade social e cultural. Para Boas, a escola inexiste
como instituição independente e, como tal,
não possibilita a independência e autonomia
dos sujeitos.
3.2.1 Relativismo cultural
e educação
Embora ainda pouco explorado pela comunidade acadêmica brasileira, o diálogo entre os
campos da Antropologia e da educação é bastante relevante e possui uma história antiga
que ultrapassa a década de 1970, bastante divulgada como o início da apropriação do saber
antropológico pela educação. Como mostraremos a seguir, tais diálogos começaram ainda
no século XIX, com os antropólogos analisando os contextos culturais de aprendizagem.
O diálogo entre Antropologia e Educação não
é recente. Ambas trilharam caminhos, cujo
alinhamento teórico se deu a partir do evolucionismo. A Antropologia buscava compreender o outro numa escala evolutiva, única e
homogênea. A educação, por sua vez, buscava modelar o diferente do modelo ocidental,
branco e cristão, fazendo evoluir e civilizar os
“outros”. Tanto uma quanto a outra tinha por
referência a unidade da condição humana.
Nessa perspectiva, a cultura e a diversidade
não tiveram lugar.
No final do século XIX, como vimos no início
deste capítulo, o antropólogo Franz Boas, chamou a atenção para o fato de que não existe uma “cultura” e sim “culturas”. Afirmou
também que cada costume, hábito só poderia
“ser explicado se relacionado ao seu contexto cultural” (CUCHE, 2002, p.45). As questões
levantadas por Boas abriram as portas para a
fecundidade e a multiplicidade de pensamentos que orientarão novas abordagens teóricas
no início do século XX, inclusive em relação
à educação. Boas nos alertou para o fato de
que tínhamos um modelo pedagógico oci-
24
capítulo 2
A discussão iniciada com a escola Culturalista
Americana prosseguiu nas gerações de antropólogas formadas por Boas, culminando na
escola “Cultura e Personalidade” entre os anos
30 e 40 do século XX. Nessa época, antropólogas, como Margareth Mead e Ruth Benedict,
dedicaram-se aos estudos do campo educativo
e da diversidade das culturas. Suas preocupações giravam em torno das seguintes questões:
Como opera a cultura dentro dos processos
educativos nos primeiros anos de vida? Qual
o papel da educação formal e informal? Quais
os ciclos de desenvolvimento? A relação entre
a adolescência e a formação da personalidade,
entre outros temas presentes nas obras dessas
autoras. Contudo, apesar das mudanças em
curso no conhecimento estabelecido, os sistemas educativos e os mecanismos pedagógicos
desse tempo ainda seguiam as diretrizes de
uma educação pautada em um modelo único,
ao qual a instituição escolar estava submetida.
Outra corrente da época, de origem inglesa,
também propiciou um campo de mudanças
em relação ao evolucionismo e na maneira de
olhar as sociedades estudadas. O funcionalismo, centrado na concepção de função e sistema, compreende a sociedade de uma forma
integrada, em que o todo resulta de partes
interligadas, ao mesmo tempo em que as partes contêm em si o todo. No funcionalismo, as
necessidades de um grupo ou sociedade, bem
como as respostas que esses grupos dão a tais
necessidades, decorrem da cultura. Esta se
destina a suprir as necessidades individuais e
coletivas através de instituições como a escola.
Ambas as correntes, a corrente americana,
com Boas, Mead e Benedict e a corrente britânica com Malinowski atribuíram a mesma
importância ao trabalho de campo, redimensionando com isso o conhecimento científico.
Será através dos trabalhos de campo realizados
por esses antropólogos que - ao relativizarem
os saberes e aprofundarem os estudos sobre
educação - possibilitou repensar a educação e
a escola na primeira metade do século XX.
Sob inspiração do modelo funcionalista, a
Antropologia da educação ganhou força
como uma ciência aplicada, indo até os anos
1950/1960, quando as teorias de desenvolvimento legaram à cultura popular o empecilho à modernização. A escola passou a ser
um instrumento do desenvolvimento, um dos
componentes fundamentais de uma ordem de
mudança das realidades ditas “atrasadas”.
Em meados de 1950 a meados de 1960, surgiram dois caminhos para a Antropologia da
educação: no primeiro campo, alguns antropólogos consideravam a cultura tradicional e
popular como veículo de conscientização. Para
estes, a escola, através da educação popular,
era um instrumento do verdadeiro desenvolvimento. Entre 1960 e 1970, os debates em torno da cultura popular e de massa, no confronto com as culturas de elite, darão o impulso
necessário à emergência dos estudos culturais
norte-americanos. No Brasil, o movimento de
resgate da cultura popular através da educação e da escola tem como referência Carlos
Rodrigues Brandão.
Simultaneamente, entre os anos 1950 e 1970,
surgiu a discussão sobre a pretensa neutralidade da ciência que, em sua postura clássica,
afirmava a separação das atividades realizadas no campo científico da universidade, das
ações sociais do campo político em que atua
os cidadãos comuns. Dessa forma, a ciência
começou a rever suas práticas sob pressão dos
movimentos sociais emergentes. A Antropologia também não ficou alheia a essas questões.
O trabalho dos antropólogos, defrontando-se
constantemente com o Outro e seu universo,
possibilitou a descoberta de si mesmo e do seu
próprio mundo. A cultura começou, então, a
ser percebida como fato relacional, e a Antropologia, que emergiu desse período, não estava alheia ao contexto de mudança, reconhecendo este como um campo de contradição e
conflito.
Na segunda metade do século XX, de acordo
com Gusmão (2008), a África impôs ao mundo
sua presença através das lutas pela independência, confrontando o colonialismo ainda em
sobrevida. Além disso, duas guerras mundiais
dilaceraram as certezas do mundo Ocidental,
e a questão da humanidade, reconhecidamente diversa, estava em debate. A diversidade
sociocultural presente na sociedade moderna
impunha como necessidade ser reconhecida
e dimensionada dentro e fora da escola. No
entanto, o processo de reconhecimento não
poderia mais limitar-se ao reconhecimento das
diferenças, mas na alteridade, como citado anteriormente.
A Antropologia como ciência desenvolveu-se,
portanto, preocupada em superar o etnocentrismo, que resultou do encontro entre a civilização ocidental e outros povos e que implicou
distorções e violência sobre esses povos e suas
culturas. Dessa forma, a Antropologia nasceu
de relações historicamente construídas entre
os homens e, por sua natureza, buscou compreender o outro diferente de si e de seu mundo de origem. Como afirma Gusmão (1997),
“ao ser confrontado com outros universos,
pressupõe interesses diversos postos numa relação de alteridade (o eu e o outro em relação)
mais do que de diversidade (o eu e o outro)”.
Ou seja, o que o antropólogo estuda e descobre são realidades complexas, marcadas por
relações antagônicas, contradições e conflitos.
Ainda de acordo com Gusmão (1997), a história da Antropologia a conduziu em direção
à afirmação da diversidade sócio-cultural e ao
relativismo. Procurava explicar a diversidade
social humana a partir das singularidades. A
história da educação, por sua vez, a conduziu
na afirmação permanente da homogeneidade.
capítulo 2
25
RESUMO
A educação, atrelada aos universais humanos,
tem como desafio admitir as diferenças e estabelecer o diálogo.
É parte da tradição antropológica a questão do
“outro”. Como afirma Gilberto Velho (1997),
sair do nosso mundo pode significar sair do
nosso lugar social. Transpondo isso para a educação, “sair do lugar” pode significar também
a possibilidade de um diálogo transdisciplinar.
Ou seja, uma Antropologia em diálogo com
o campo da educação e com a sua dimensão
prática: a pedagogia. Uma possível relação entre Antropologia e educação revela-se através
da recomendação de que o olhar do educador
se estenda para além dos muros da escola, deixando de lado a ilusão da igualdade e considerando as diferenças oriundas das trajetórias
individuais de cada aluno. O aluno ao chegar
à escola não é uma “tábua rasa”, mas carrega consigo seu aparato cultural e social. Por
isso, a tarefa de educar não pode ser reduzida à simples transmissão de conhecimento de
forma homogênea, sem cair na ingenuidade
de que basta apenas o reconhecimento da diferença para salvar a educação. O desafio da
educação seria, então, construir pontos com
os diversos contextos de aprendizagem, sem
reduzi-los, e a Antropologia, através de suas
diversas abordagens e de sua metodologia,
propicia o diálogo entre campos de conhecimento diversos e suas especificidades.
26
capítulo 2
Neste capítulo, discutimos que mais importante que o conceito de cultura é a sua operacionalização, ou seja, seu significado quando
aplicado a uma realidade específica. Em seguida, percebemos que o conceito de cultura
está associado ao conceito de etnocentrismo
e que todo grupo social tem certa tendência
a ser etnocêntrico, o que não significa a mesma coisa que racismo. O racismo é ideológico,
enquanto o etnocentrismo é uma tendência a
acreditar que o grupo ao qual pertenço é o
melhor. O etnocentrismo tem um caráter positivo, quando serve para manter o grupo coeso
com uma identidade e possui um caráter negativo quando se revela em preconceito. O etnocentrismo, por sua vez, tem como oposição
o conceito de relativismo cultural. Este pode
se expressar como um princípio teórico, ético
ou metodológico. Apenas como um princípio
metodológico, o relativismo cultural contribui
para a discussão sobre o diálogo em campos
de atuação distintos, como o da educação.
REFERÊNCIAS
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas Ciências Sociais. Bauru, SP: EDUSC, 1999. 256p.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. 323p.
______. Nova luz sobre a Antropologia. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 247p.
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Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. Pp.73-102
VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura: notas para uma Antropologia da sociedade contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro.
Atividades
1.
Pense e disserte sobre as seguintes afirmativas:
a.
b.
A cultura é dinâmica;
A cultura condiciona a visão de mundo de homem.
2. Em todas as discussões sobre o homem enquanto ser cultural, deparamo-nos com o dilema entre a ênfase
na unidade dos seres humanos (todos participamos de uma mesma humanidade) ou a ênfase na diversidade cultural (temos culturas diferentes). Como sair desse dilema?
3. O governo federal atualmente tem como lema: “Iguais na diferença!”. O que isso significa? Como essa
questão pode ser vivenciada em uma realidade prática? Essa concepção fere os direitos universais do homem? Explique.
capítulo 2
27
Antropologia
e Educação no
contexto da
Pós-modernidade
Profa. Rita de Cássia Maria Neves
Carga Horária | 15 horas
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Compreender a constituição da Identidade
na Pós-modernidade;
• Apreender as relações entre os processos
Identitários e o papel da educação no contexto atual;
• Relacionar a identidade cultural com a formação da nação, e a construção do nacionalismo;
• Compreender as diferentes concepções de
multiculturalismo, Interculturalidade e a
sua aplicação no campo da educação.
INTRODUÇÃO
Este capítulo tratará da discussão da educação e da Antropologia no contexto da pós-modernidade. Para isso, discorreremos sobre as diversas concepções de identidade desde a sua constituição
na modernidade até sua transformação na chamada pós-modernidade. Para a compreensão da
construção da identidade cultural, discutiremos sobre a construção da nação, o sentimento de
nacionalidade e as consequências do processo de globalização cultural.
Procuraremos, ainda, compreender o que vem a ser multiculturalismo e sua origem. Em seguida,
apresentaremos as questões que estão na raiz da discussão sobre uma educação multicultural.
Ainda nessa ocasião, discutiremos os principais questionamentos em relação ao tema do multiculturalismo, para logo depois analisar a substituição deste pelo conceito de interculturalidade,
possibilitando um novo prisma social educacional. Por fim, para concluir, analisaremos a proposta
de uma política educacional intercultural a partir da discussão sobre o Pluralismo Cultural, considerado um “tema transversal” nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
capítulo 3
29
isso, chegamos à conclusão de que a identidade do indivíduo está ligada à identidade cultural e não se separa dele.
1.
IDENTIDADE OU
IDENTIDADES?
Do capítulo anterior, podemos concluir que a
discussão sobre cultura está presente em diversas áreas do conhecimento. É um conceito
que se expandiu para além das ciências sociais.
Como afirma Adam Kuper (2002), a cultura
está em voga, e até os pós-modernos falam
sobre ela sem constrangimento.
Há, porém, outro termo que frequentemente
se liga ao termo cultura e que está cada vez
mais presente no discurso dos cientistas, que
é o conceito de identidade. Como já percebemos anteriormente, a identidade parece um
tema simples, porque cada pessoa sabe quem
é. Porém, quando paramos um pouco para
pensar, percebemos que não é tão simples,
pois a identidade é um tema que não pode ser
tratado isoladamente. O que somos está sempre ligado ao que não somos. Eu sou brasileira,
porque não sou americana, chinesa, etc. Ou
seja, a identidade se reproduz na alteridade,
no encontro com o outro, diferente de mim.
Além disso, há uma tendência de se confundirem as noções de cultura com identidade cultural. A cultura pode existir sem que se tenha a
consciência da identidade. Temos a impressão
de que, ao nascer, adquirimos uma identidade
que nunca se altera no tempo. É como se fosse
uma identidade permanente, em que as mudanças que ocorrem parecem ser simples roupagem, acúmulo de conhecimento, que não
altera a essência da pessoa, aquilo que ela é.
No entanto, o que eu sou está tão impregnado do lugar onde estou ou da cultura em que
estou inserido que não se separa de mim. Com
30
capítulo 3
Mas, o que é a identidade cultural? No campo
da teoria social, a identidade cultural deve ser
percebida como a maneira que o indivíduo se
vê dentro da sociedade em que vive e através
da qual vê os outros em relação a ele próprio,
ou seja, é o sentimento de pertencer a um determinado grupo social. Entre os teóricos da
questão, podemos identificar duas concepções
de identidade cultural: uma concepção objetivista e uma concepção subjetivista.
A concepção objetivista concebe a identidade
como preexistente ao indivíduo. É uma essência que não se transforma, cabendo ao indivíduo se moldar a ela. A pessoa, a partir de
sua herança genética, praticamente nasce com
os elementos que constituem sua identidade.
Na perspectiva objetivista, com ênfase culturalista, a origem está na herança cultural que
recebemos de nossos ancestrais. Nela o indivíduo interioriza os modelos culturais que a
sociedade lhe impõe. A identidade cultural é
possibilitada a partir de vínculos baseados em
uma genealogia comum.
Na concepção subjetivista, a identidade cultural não é uma identidade recebida definitivamente como um atributo. Como afirma Cuche
(2002), para os subjetivistas, a identidade é,
na verdade, um sentimento de vinculação. Os
subjetivistas criticam o determinismo biológico e todo tipo de essencialismo da concepção
objetivista. Levada ao extremo, porém, esse
tipo de compreensão da identidade pode dar
a impressão de que a identidade é apenas uma
questão de escolha arbitrária, uma elaboração
fantasiosa.
Com isso, alguns autores passaram a criticar
as abordagens ou puramente objetivistas ou
puramente subjetivistas. Frederik Barth (1998
[1969]) propõe no texto “Grupos étnicos e
suas fronteiras” que a identidade seja vista
como manifestação relacional, ou seja, para
Barth, a identidade resulta das interações entre
os grupos e dos procedimentos de diferenciação que os grupos utilizam em suas relações.
Isso significa que a identidade se constrói e reconstrói constantemente. A identidade, então,
é sempre uma negociação entre a autoidentidade (definida por si mesma) e a exo-identidade (definida pelos outros).
Com outra compreensão, Stuart Hall (1999)
afirma que existem três concepções diferentes
de identidade vivenciada na história:
a)
b)
c)
Sujeito do Iluminismo;
Sujeito Sociológico;
Sujeito pós-moderno.
A modernidade libertou o indivíduo das amarradas medievais da tradição e da estrutura
social hierárquica, em que se acreditava que
a sociedade era divinamente estabelecida. O
humanismo renascentista do século XVI e o
Iluminismo do século XVIII romperam com o
passado, instaurando a modernidade.
O Iluminismo concebe que há uma natureza
humana invariável. As leis, as modas, as épocas
podem ser diferentes, mas a natureza humana é imutável. O indivíduo, que emerge dessa
concepção, é totalmente centrado, unificado,
tendo por princípio o predomínio da razão.
Porém, de acordo com Abbagnano (1998), a
razão no Iluminismo está ligada à esfera da experiência:
“De fato, só a atitude empirista garante a abertura
do domínio da ciência e, em geral, do conhecimento,
à crítica da razão, pois consiste em admitir que toda
verdade pode e deve ser colocada à prova, eventualmente modificada, corrigida ou abandonada.”
Na concepção do sujeito do Iluminismo, ao
nascer, este adquire uma identidade que de-
Saiba Mais:
Stuart Hall é conhecido por ter sido um dos fundadores do Centre for Contemporary Cultural
Studies, da Universidade de Birmingham, Inglaterra, tendo sido diretor de 1970-79. Pioneiro no
campo dos Estudos Culturais, atualmente é professor da Open University, Inglaterra.
“Por Iluminismo moderno entende-se o período
que vai dos últimos decênios do Século XVII aos
últimos decênios do Século XVIII. (...) Linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender a
razão como crítica e guia a todos os campos da
experiência humana”. (ABBAGNANO, 1998)
senvolve, mas que permanece idêntica a ele ao
longo de sua existência.
Na medida em que a sociedade capitalista moderna se torna mais complexa, as leis clássicas
da economia liberal precisaram ser revistas, e
a complexidade do mundo moderno passou a
afirmar que o sujeito autônomo do Iluminismo é, na verdade, formado na relação com
outras pessoas. A identidade do sujeito sociológico, que emerge nessa época, ainda tem
um núcleo estável, porém sua identidade é
formada na interação com a sociedade. Esse
modelo sociológico é um produto da primeira metade do século XX, momento em que
as ciências sociais assumem a forma atual. A
imagem de uma natureza humana constante,
independente do lugar e do tempo, como afirma Geertz, pode ser uma ilusão, “que o que o
homem é pode estar tão envolvido com onde
ele está, quem ele é e no que acredita, que é
inseparável dele.” (1979 p.47)
Essa concepção de identidade afirma que ela é
construída ao interagir com a sociedade. Rejeita, portanto, o sujeito do Iluminismo, centrado
e unificado e é um prenúncio de uma identidade do sujeito pós-moderno. Devemos ter
claro que o termo pós-moderno não é consenso no campo filosófico, sociológico nem educacional. O consenso se dá apenas no fato de
que todos concordam que há inegavelmente
mudanças na economia, na produção cultural,
no campo filosófico e no campo educacional
(para falar apenas em alguns) que ocorreram
na segunda metade do século XX.
Dentre as mudanças mais visíveis, devemos
considerar que o século XX ficou marcado pela
ênfase na ciência e na tecnologia, que transfor-
capítulo 3
31
psíquicos inconscientes. Essa descoberta faz
com que se questione o sujeito racional, provido de uma identidade fixa e unificada.
Ainda como uma ruptura do discurso moderno, o feminismo, como parte dos novos movimentos sociais, surgidos nos anos sessenta
do Século XX, questionou a noção de que homens e mulheres possuem a mesma identidade (fazem parte da humanidade), colocando
em cena a questão da diversidade sexual.
mou rapidamente os usos e costumes. Dentre
as transformações, destacam-se a automação,
os transportes ultrarrápidos, a comunicação
eletrônica, que se potencializou através da expansão da internet. Tudo isso provocou, como
afirma Hall (1999), em uma compressão do
espaço-tempo, com consequências em todos
os campos do conhecimento.
Provocou também uma série de transformações, de rupturas nos discursos do conhecimento moderno. Entre as diversas rupturas,
podemos citar os escritos de Karl Marx, que,
embora tenham sido pensados no Século XIX,
foram retomados na década de 1960, de forma que seus novos intérpretes, ao revisitar os
trabalhos de Marx, possibilitaram críticas fundamentais, entre elas a de que não há uma
essência fundamental no homem.
Outra grande ruptura no pensamento moderno veio da descoberta de Freud, do inconsciente. Ou seja, as nossas identidades e sexualidades são formadas a partir de processos
Saiba Mais:
Quando Hall fala da compressão do espaço-tempo, está se referindo ao processo de globalização em que há uma “aceleração dos processos
globais, de forma que se sente que o mundo é
menor, e as distâncias, mais curtas que os eventos em um determinado lugar têm um impacto
imediato sobre pessoas e lugares situados a uma
grande distância.” (HALL 1999, p.69).
32
capítulo 3
A identidade que emergiu da quebra do paradigma da modernidade e, a partir dessa série
de rupturas apresentadas acima, não é “fixa,
essencial, permanente, pois ela é formada e
transformada continuamente em relação às
formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos
rodeiam” (HALL, 1999). E, nesse contexto da
pós-modernidade, o discurso da globalização
é um importante fator a ser considerado na
construção de identidades, na medida em que
nossas vidas podem ser facilmente afetadas
por qualquer coisa que aconteça em qualquer
lugar do mundo.
O que se configurou, no final do século XX,
portanto, foi uma crise nas instituições próprias
da modernidade, entre elas o Estado-nação, a
família e a escola. Mesmo que o diagnóstico
da crise seja diferente entre os pensadores,
pois uns consideram que esta é apenas uma
nova face da modernidade, outros, como Jean
François Lyotard e Jean Baudrillard, assumem a
ruptura e anunciam a pós-modernidade.
De acordo com Lyotard (2006 [1979]), em “A
condição Pós-moderna”, se queremos tratar
do saber na sociedade contemporânea, precisamos decidir qual a representação que se faz
dessa sociedade. As alterações ocorridas no
mundo contemporâneo formam uma imagem
de sociedade que nos obriga a revisar os enfoques estabelecidos como alternativas. Nessa
nova configuração, os Estados-nação, os partidos, os profissionais e as instituições são decompostos, dissolvidos seus vínculos, passando de uma coletividade social às relações mais
complexas e móveis. O vínculo social passa a
ser um jogo de linguagem.
2.NAÇÃO,
NACIONALISMO
E GLOBALIZAÇÃO
CULTURAL
As nações modernas como as conhecemos se
consolidaram a partir da revolução francesa,
no século XVIII. Anthony Smith (1991), entre
outros autores, afirma que o nacionalismo não
foi inventado com a Revolução Francesa como
grande parte dos cientistas sociais afirmam,
mas já existiam nações constituídas anteriormente. Para ele, o que ocorreu no século XVIII
foi apenas a incorporação maior pela população da ideia de nação.
A nação pode ser definida como um corpo de
cidadãos, cuja soberania coletiva os constitui
como Estado. Ela nasce da vontade de coincidir nação e Estado. Quando isso ocorre, há
o Estado-nação, quando não, podemos ter
nação sem Estado, ou distribuída por vários
Estados.
Smith nos diz também que identidade nacional e nação são construções complexas que
misturam dimensões cívicas, territoriais, étnicas e genealógicas, em proporções variadas.
São essas dimensões múltiplas e diversas que
têm feito da identidade nacional algo forte e
presente na modernidade. É na oscilação entre nação vista como modelo cívico territorial
e modelo étnico genealógico que as nações
modernas se identificam e se filiam. A nação,
portanto, significa um laço cultural e político,
unindo todos os que compartilham uma cultura histórica e uma terra-natal.
Essa discussão apresentada por Smith nos leva
a pensar a nação não como algo fixamente
definido, mas como construção, como linguagens a partir das quais é pensada. Connor
(1990), em seu livro “When is a Nation?”, também trabalha com essa noção de nação como
construção, sendo a formação da nação um
processo e não, uma ocorrência. Não se pode,
portanto, definir o momento exato em que
uma nação se constitui nem a partir de quando um número suficiente de pessoas adquiriu
uma consciência de nacionalidade.
Compondo essa discussão, Benedict Anderson
propõe trabalhar com a ideia de “Comunidade
Imaginada”. Essa vem valorizar os elementos
subjetivos na definição de nação. Pressupõe
a ideia de um coletivo que não conheço, mas
pelo qual posso morrer.
Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das
menores nações jamais conhecerão a maioria de seus
compatriotas, nem os encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja
viva a imagem de sua comunhão (ANDERSON, 2005).
Smith, Connor e Anderson completam-se na
posição de que a nação oscila entre a unidade
cívica territorial e étnica bem como está ligada
à consciência que se adquire aos poucos. É,
por fim, uma comunidade política imaginada
como limitada e soberana.
Toda nação tem um mito, uma história comum, cerimoniais, monumentos e um discurso sobre si próprio. São práticas simbólicas que
acabam por empreender valores e normas de
comportamento através da repetição. Eric Hobsbawm (1984) chama de “tradição inventada” às práticas que visam firmar valores e normas de comportamento através da repetição.
A lógica do mito é puramente simbólica e passa pelo emocional. É uma narração que implica fé e que vai estabelecer a organização do
universo e ensinar como devem ser as relações
sociais dos indivíduos. Em relação à nação, mitos fundadores são criados e atualizados constantemente.
Marilena Chauí (2000) define mito fundador
como aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se. Em seu livro, Chauí
constrói um histórico do mito fundador da
sociedade brasileira, concluindo com o cará-
capítulo 3
33
a partir dos anos de 1970, alcançou ritmos e
velocidades crescentes. Com isso, produziu-se
em consequência um fenômeno que podemos
chamar de tensão entre o “global” e o “local”
na transformação das identidades nacionais.
A compressão do espaço-tempo, já citado
anteriormente, provocou, em consequência,
além da identificação global, identificações locais, como citado por Hall:
ter autoritário que esta possui. Um aspecto
interessante do livro são as características psicológicas do brasileiro apresentadas por autores clássicos, que acabaram por influenciar
ou confirmar nosso modo de pensar sobre nós
mesmos.
Para citar apenas dois dos mais famosos, temos: Paulo Prado (1869 – 1943) e Gilberto
Freyre (1900 – 1987). O primeiro apresenta o
brasileiro como um povo triste, passivo, apático, com certa sensualidade advinda do índio.
Gilberto Freyre, por sua vez, é autor de uma
das mais conhecidas obras brasileiras (Casa
Grande & Senzala) e representante direto da
ideia do brasileiro como um povo erótico, simpático, maternalista e responsável por uma feliz mistura de raças.
Porém, para além desses mitos brasileiros e
dessas visões coesas e estáveis a respeito da
nação brasileira e do povo brasileiro, a cultura
nacional não é tão homogênea. É, na verdade,
como qualquer cultura, um mosaico de afinidades com diferenças locais. É, portanto, possível falar de cultura nacional, de nação, mas é
preciso perceber também que existem categorias específicas, formadoras da identidade nacional. Cada região brasileira, e dentro de cada
região, as múltiplas identidades presentes podem ser exemplos da unidade brasileira bem
como da diversidade que nele se encontra.
Não importa o quanto os membros de uma
nação possam ser diferentes em termos de
raça, gênero ou classe, a cultura nacional busca unificá-los. Na realidade, a homogeneização das identidades nacionais são representações que se fazem da nação. Mesmo não
sendo um fenômeno recente, a globalização,
34
capítulo 3
a) A globalização caminha em paralelo com
um reforçamento das identidades locais, embora isso ainda esteja dentro da lógica da
compressão espaço-tempo.
b) A globalização é um processo desigual e
tem sua própria “geometria de poder”.
c) “A globalização retém alguns aspectos da
dominação global ocidental, mas as identidades culturais estão, em toda parte, sendo relativizadas pelo impacto da compressão espaço-tempo.” (HALL, 1999, p.80-81).
3. MULTICULTURALISMO,
INTERCULTURALIDADE
E EDUCAÇÃO
De acordo com Gusmão (2008), o multiculturalismo não surgiu na segunda metade do
século XX, como afirmam alguns teóricos da
educação. A expressão surgiu pela primeira
vez, a partir de alguns alunos das antropólogas Ruth Benedict e Margareth Mead e dos
Saiba Mais:
“Numa terra radiosa, vive um povo triste. Legaram-lhe essa melancolia os descobridores que a
revelaram ao mundo e a povoaram. O esplêndido dinamismo dessa gente rude obedecia a dois
grandes impulsos que dominam toda a psicologia da descoberta e nunca foram geradores de
alegria: a ambição do ouro e a sensualidade livre
e infrene que, como culto, a renascença fizera
ressuscitar” (PRADO 2000 [1928]).
antropólogos Herkovits, Redefild e Kluckhohn
nos anos de 1940. Após a libertação dos povos coloniais e do período referente às grandes guerras mundiais, houve uma mobilização
pelo reconhecimento da diversidade humana,
explorando o campo da teoria e da prática a
partir do multiculturalismo. Apesar de o termo
ser antigo, só atualmente se tornou uma forma de intervenção social.
O termo multiculturalismo, no entanto, em sua
acepção atual, surgiu no livro de Rocha-Trindade, “Sociologia das Migrações”, em 1995. Para
esse autor, o termo possui, pelo menos, duas
acepções possíveis. A primeira acepção é resultante das correntes migratórias e se refere a
um fenômeno observável na maioria das sociedades, que é o pluralismo cultural dos imigrantes, sejam eles econômicos, refugiados, etc. Na
segunda acepção, o multiculturalismo designa
políticas aplicadas aos setores da administração pública, entre os setores, o da educação
foi um dos que mais utilizou o termo.
Outra questão importante que o termo multiculturalismo provoca é o fato de que no processo de formação das nações, como visto no
item anterior, as minorias, em grande parte,
foram deixadas de lado no processo de construção da nação, seja por estratégias isolacionistas do próprio grupo minoritário (religião,
lealdade a poderes supranacionais, etc) ou por
estratégias excludentes da maioria sobre a minoria. De uma forma ou de outra, o resultado
é sempre exclusão da cidadania.
Saiba Mais:
Segundo Hall (1999), “Geometria do poder” é
uma expressão criada por Doreen Massey, que
afirma a globalização como desigualmente distribuída ao redor do globo, entre regiões e diferentes estratos da população dentro das regiões.
(p.78)
Na construção da nação, no entanto, é preciso incluir os grupos minoritários nativos e os
imigrantes. Como fazer isso? Como achar um
mito comum que una todos na construção da
nação? Os imigrantes, muitas vezes, se fixam
no país para ganhar dinheiro, no entanto,
após algumas gerações, fixam raízes e se tornam minorias étnicas. A nação é, portanto, um
conjunto formado a partir de um mosaico de
culturas distintas (sociedades multiculturais),
formando uma comunidade nacional.
Por sua vez, é necessário compreender qual
deve ser a resposta da escola a essa realidade
das nações reconhecidamente pluriculturais.
Ainda de acordo com Gusmão (2008), a escola
nasceu assimilacionista e foi construída sobre
a afirmação da igualdade. Como enfrentar o
desafio de ter que articular igualdade e diferença? Ou seja, valores universais e especificidades culturais?
O projeto educacional, na perspectiva do multiculturalismo, reconhece a diversidade, porém
a cultura escolar continua sendo a mais importante. Por esse motivo, na prática, há apenas
uma tolerância em relação à diversidade. A
educação multicultural, com inspiração direta
dos Estudos Culturais americanos, incluiu, na
problemática, as questões de poder, não tratadas no campo da Antropologia. A Antropologia para os teóricos dos Estudos Culturais é
vista como apolítica. No entanto, para a Antropologia, toda sociedade é multicultural e,
como afirma Lévi-Strauss em “Raça e História”,
a diversidade humana é mais fruto do que nos
une do que do isolamento dos grupos. É preciso, segundo a Antropologia, não reduzir a cultura à condição de produto cultural. Por isso,
não podemos desviar a atenção do que temos
capítulo 3
35
entendida de modo amplo, não só no âmbito
da escola mas também no respeito pela diversidade, buscando superar as dificuldades de
convivência, buscando comunicação.
em comum e que permite nos comunicarmos
através das fronteiras, sejam elas étnicas, religiosas, etc.
Essas críticas feitas pelos antropólogos aos Estudos Culturais tiveram como consequência
críticas também ao termo multiculturalismo.
Esse termo apenas constata a co-habitação no
mesmo lugar de grupos com culturas diferentes. Ou seja, apenas constata a diferença em
vez de procurar explicá-la. Os antropólogos,
portanto, consideram esse conceito - multiculturalismo - fraco para sustentar políticas públicas.
A partir das críticas e do processo de globalização cada vez mais intenso, houve a necessidade
de se pensar outro conceito mais abrangente,
surgindo o intercultural. A interculturalidade,
por sua vez, designa ações de INTERAÇÃO
entre indivíduos de diversas culturas. A interculturalidade tem por base a reciprocidade, o
esforço de todos para aprender a conviver. A
educação intercultural significa uma educação
Para que possamos conviver, necessitamos de
uma educação intercultural, uma consciência da alteridade que supõe uma ética. Para
conviver, é preciso, ao mesmo tempo, encontrar valores morais comuns. Interculturalismo
pressupõe sistemas em constante processo de
mudança a partir de sua dinâmica interna. O
sistema educativo, por fim, diante da proposta de uma educação intercultural, necessita de
respeito e reconhecimento das minorias frequentemente ignoradas ao longo da história.
O grande problema é que nem o professorado, nem a instituição escolar estão preparados
para o real significado dessa forma de educação.
4.
TEMAS TRANSVERSAIS
E ANTROPOLOGIA
Em 1997, foram lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs. Nestes se incluem
os chamados temas transversais: Ética, Meio
Ambiente, Orientação Sexual, Saúde, Trabalho
e Consumo e, por fim, Pluralidade Cultural. Em
uma análise sobre o tema da pluralidade cultural, mais próximo da Antropologia, Valente
(1997) faz algumas críticas ao texto apresentado nos PCNs. Afirma que este insiste demasiadamente na diferença, talvez como recurso
Saiba Mais:
Sobre Identidade e Pós-modernidade
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas Ciências
Sociais. Bauru, SP: EDUSC, 1999. Capítulo 6:
“Cultura e Identidade”. Pág. 175-202.
Esse capítulo do livro de Cuche discute as concepções objetivistas e subjetivistas da identidade
cultural. Além disso, apresenta as estratégias e
fronteiras da identidade.
36
capítulo 3
SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Stuart
Hall. Kathryn Woodward. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.
Esse livro organizado por Silva possui três artigos
importantes. O primeiro, de Kathryn Woodward
faz uma introdução teórica e conceitual sobre as
questões de identidade e diferença. O segundo
texto é do próprio Silva e trata da produção social
da identidade e da diferença. Por fim, há um texto
de Stuart Hall sobre a identidade: “Quem precisa
de identidade?”. Todos os textos têm por base a
perspectiva dos Estudos Culturais americanos.
enfático necessário, esquecendo de enfocar
aquilo que nos une enquanto sociedade brasileira. Ainda segundo Valente, da forma como
os PCNs são apresentados, dá a impressão de
que a questão da diversidade brasileira seria
“resolvida” sem dificuldade na escola, considerada como possuidora de uma cultura própria
e local de afluxo e de diálogo das diferenças.
Em certo sentido, com essa forma de pensar,
recoloca-se o papel da escola como sendo homogeneizador.
Valente (1997) também critica a forma como
a temática é apresentada no texto, porque
transmite a impressão de que as críticas referentes a racismo, desigualdades, injustiças,
conflitos de classe e cultura permaneceriam
fora dos muros da escola, sendo neutralizados
no contexto escolar. Dessa forma, a escola se
tornaria uma realidade a-histórica. Uma das
grandes questões da nossa época diz respeito
justamente ao reconhecimento da diversidade
das culturas existentes como forma de superação das tensões e conflitos que se ancoram nas
percepções das diferenças étnicas, de gênero,
geracionais, de classe, nacionais, rumo à construção de uma sociedade mais democrática.
Um valor positivo dos Estudos Culturais foi ter
chamado a atenção para a complexidade da
cultura e para o fato de não haver neutralidade no campo cultural. A complexidade de
temas, como ética, pluralidade cultural, entre
outros, exige uma formação comprometida
com a transformação social, sem neutralidades políticas. Para trabalhar a questão racial,
por exemplo, o professor deve ser provocado
Saiba Mais:
Sobre Nação, Nacionalismo e Globalização Cultural
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 3 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999. Capítulos 3 e 4. Pág 47-76.
Todo o livro de Hall discute a identidade cultural
na pós-modernidade. No entanto, os capítulos 3
e 4 especificamente vão discorrer sobre a construção da nação como “comunidade imaginada”.
Além disso, no capítulo 4, Hall discute o processo
de compressão do espaço-tempo provocada pela
globalização.
a conhecer novos campos de saberes. Ele não
deve apenas conhecer o problema racial, mas
estar comprometido com as questões que envolvem o problema.
Por sua vez, sabemos que, nos PCNs, há um
incentivo para a necessidade de se inserir o
tema do Pluralismo Cultural na formação dos
professores. Esse é um investimento importante, e a Antropologia, na medida em que vem
trabalhando desde a sua origem no problema
da diversidade, tem um papel a desempenhar
nesse processo. Resta saber como deve ser feita uma abordagem pluricultural. A categoria
“alteridade” deve ser invocada para uso em
questões de âmbito educacional, alargando
o campo de intervenção da Antropologia a
áreas vitais da sociedade, como as de emprego, cidadania e educação. Não é inculcar nos
alunos simplesmente o valor da solidariedade
e da partilha, ou a obrigação à diferença, mas
o reconhecimento do direito à diferença.
RESUMO
Neste capítulo, compreendemos que a identidade e a diferença estão hoje no centro da
teoria social e no cenário pós-moderno. Inicialmente identificamos que ambas são autorreferidas, ou seja, remetem a si próprias. Também
percebemos que tanto a identidade quanto a
diferença têm que ser ativamente produzidas.
Em um segundo momento, tratamos do deslocamento das identidades na pós-modernidade
potencializadas pelo processo chamado de
globalização cultural. É também a partir da
globalização cultural que identificamos a cons-
capítulo 3
37
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas Ciências Sociais. Bauru, SP: EDUSC, 1999. 256p.
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 3 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
102p.
trução da nação e do nacionalismo no contexto da modernidade e da pós-modernidade. Por
sua vez, além dessa discussão, procuramos entender as questões do multiculturalismo e da
diferença que se tornaram centrais na teoria
educacional crítica e nas pedagogias oficiais.
Percebemos, por fim, as implicações do surgimento de um novo termo – interculturalidade
- e de sua aplicabilidade no âmbito escolar, a
partir da discussão sobre os PCNs, no que se
refere aos “temas transversais”, com ênfase no
Pluralismo Cultural.
REFERÊNCIAS
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capítulo 3
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VALENTE, Ana Lúcia E.F. Por uma Antropologia
de alcance universal. Cad. CEDES v. 18 n. 43.
Campinas dez.,1997.
Atividades
1. Para Silva (2000), “se prestarmos, pois, atenção à teorização cultural contemporânea sobre identidade e
diferença, não podemos abordar o multiculturalismo em educação simplesmente como uma questão de tolerância e respeito para com a diversidade cultural.”
• Qual o significado da frase de Silva e qual a sua relação com as discussões no campo do poder e da educação?
2.
3.
4.
Para Kuper, a identidade só é concretizada por meio da participação na cultura. O que isso significa?
Explique.
A partir do que você conhece sobre globalização, explique o significado da compressão espaço-tempo e
as consequências em relação à identidade cultural.
Como, a partir dos PCNs e da abordagem antropológica, devemos tratar o tema do “Pluralismo Cultural”
nas escolas?
capítulo 3
39
Etnografias
e experiências
no campo da
educação
diferenciada
Profa. Rita de Cássia Maria Neves
Carga Horária | 15 horas
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Compreender a etnografia como instrumento de pesquisas sobre o cotidiano escolar;
• Compreender as relações entre Antropologia e Educação no processo de construção
da cidadania;
• Apreender as transformações dos movimentos sociais e suas configurações atuais;
• Perceber as especificidades do campo da
educação diferenciada.
INTRODUÇÃO
Este capítulo tratará da etnografia como uma metodologia que teve seu início no campo antropológico, mas que se estendeu para outros campos, como o campo educacional. Inicialmente,
trataremos do desenvolvimento do tema ao longo da tradição disciplinar da Antropologia para,
em seguida, caminhar pelas discussões propostas a partir dos anos de 1960, quando se passa
a aplicar essa metodologia no contexto educacional. Nesse período, são, também, identificados
possíveis avanços e críticas na utilização metodológica da etnografia.
Em uma segunda parte do capítulo, trataremos do uso da etnografia para estudo do cotidiano
escolar e da nova configuração dos movimentos sociais no Século XXI. Como esses movimentos
foram responsáveis durante o processo de elaboração da Constituição de 1988, por incluir nesta
a questão da pluralidade cultural. Por fim, discutiremos o processo de constituição da educação
diferenciada junto às populações indígenas em Pernambuco.
capítulo 4
41
tura só é possível, se percebermos que nós somos uma cultura possível entre tantas outras,
mas não, a única. Isso implica um descentramento radical, um esfacelamento da ideia de
que existe um centro do mundo, o que significa uma revolução no olhar.
1. ESTUDOS
ETNOGRÁFICOS E
COTIDIANO ESCOLAR
1.1. O que é etnografia?
No século XIX, a Etnografia e a Antropologia
eram consideradas campos diversos. A etnografia se voltava para uma escrita descritiva de
uma determinada cultura, essencialmente exótica, enquanto a Antropologia se preocupava
com as grandes questões teóricas sobre o que
vem a ser o homem. Ou seja, os etnógrafos e
os antropólogos não eram as mesmas pessoas.
No início do século XX, por sua vez, a partir
dos trabalhos de Franz Boas e Bronislaw Malinowski respectivamente, a maioria dos antropólogos concordou em conceber a etnografia
como o primeiro estágio da investigação, ou
seja, corresponde à observação e descrição.
Lévi-Strauss, em “Antropologia Estrutural”
(2008 [1958]), afirma que a etnografia inclui
também os métodos e as técnicas relativas ao
trabalho de campo, à classificação e descrição dos fenômenos particulares, procurando
ser fiel o máximo possível. Independente das
questões surgidas na formação da disciplina,
na tradição antropológica, a Etnografia desempenha um papel metodológico central.
A Etnografia é uma atividade híbrida - um
campo articulado de tensões, ambiguidades e
indeterminações próprias do sistema de relações do qual faz parte. Seja como for, todos
concordam que a Etnografia não consiste,
apenas, em sua fase textual. Ela está impregnada pelo significado do trabalho de campo,
que, numa primeira fase, consiste em olhar e
ouvir e, numa segunda fase, em escrever.
O conhecimento antropológico de nossa cul-
42
capítulo 4
De acordo com Cardoso de Oliveira, em “O
trabalho do antropólogo” (2000), talvez a
primeira experiência do pesquisador no campo seja a domesticação do olhar. A percepção
etnográfica não é da ordem do que é visto
imediatamente, mas do que sai em busca de
significação. Para o autor, olhar consiste numa
visibilidade não apenas ótica, mas tátil, olfativa, auditiva, e isso significa que o antropólogo não pode recolher apenas fatos objetivos,
como no passado da disciplina.
O ouvir, por sua vez, completa a compreensão
cognitiva do campo. Numa entrevista, assim
como numa observação, não basta escutar o
que as pessoas estão respondendo, mas é necessário buscar compreender os códigos culturais de quem se está entrevistando. Ouvir
se situa, portanto, no contexto extremamente
problemático do confronto entre dois mundos
distintos: o meu e o do outro.
Como afirma Laplantine em “A descrição etnográfica” (2004), se ficássemos apenas na
observação, mesmo da forma mais rigorosa
possível, muito rapidamente de tudo o que foi
visto restaria apenas uma vaga lembrança. A
Etnografia, nessa concepção, é precisamente a
elaboração e transformação dessa experiência
do olhar e ouvir pela escritura. É a organização
textual, cuja função, dentre outras, é a de lutar
contra o esquecimento. A descrição, também,
tem o poder de fixar o tempo num presente
definitivo.
No entanto, a ideia de uma autonomia do
descrito é um artifício. A descrição é uma descrição daquele que descreve, e a significação
está ligada à atividade daquele que coloca a
questão do sentido. Outra ilusão é a de que o
que escrevemos se dá imediatamente após o
olhar, como se o texto fosse uma cópia do que
vemos e ouvimos. Todos esses autores acima
descritos são unânimes em afirmar que a visão
e a audição nunca são contemporâneas da linguagem. Existe uma diferença entre o que ve-
mos e o que descrevemos. Há, em suma, uma
interpretação, uma multiplicação de leituras
possíveis.
Geertz no livro “Obras e Vidas” (2002) discute
o porquê da crença naquilo que os antropólogos escrevem. Segundo o autor, a crença na
Etnografia não pode ser decorrente da extensão das descrições. Se fosse dessa forma, Sir
George Frazer seria um rei, e Leach, com a pobreza de dados de “Sistemas Políticos da alta
Birmânia”, não teria a relevância que tem. Ainda de acordo com Geertz, não é também pela
força teórica dos argumentos, pois os aparatos
teóricos mudam, e as etnografias continuam
importantes, como é o caso das teorias de
Malinowski, que perderam a força, mas que
não invalidaram sua monografia que continua
fecunda.
Na verdade, Geertz afirma que a capacidade
dos antropólogos de se fazerem levar a sério
tem a ver com sua capacidade de nos convencer de que o que dizem é fruto de as pessoas acreditarem no fato de que o antropólogo
penetrou numa outra cultura e de ter “estado
lá”. Dessa forma, afirma que, em outros campos do discurso, o autor pode estar “morrendo”, mas, na Antropologia, é muito importante saber quem está falando. Eu estive lá! Além
de nos convencer disso, os antropólogos precisam nos convencer de que, se também tivéssemos estado lá, concluiríamos a mesma coisa.
James Clifford, em “A experiência etnográfica”
(1998), também se interroga sobre a autoridade do etnógrafo. Para ele, é preciso conceber a
Saiba Mais:
Etnografia não como a experiência e interpretação de outra realidade, mas como uma negociação que envolve pelo menos dois ou mais
sujeitos. Não há posição neutra no campo de
poder, o que faz com que os trabalhos recentes escolham fazer etnografia como forma de
diálogo entre dois indivíduos.
No entanto, os excessos rodeiam tal atividade.
Barth afirma que, muitas vezes, nos preocupamos tanto com o diálogo dos nativos conosco
que nos esquecemos de prestar atenção ao diálogo entre os próprios nativos. Mesmo assim,
não podemos fechar os olhos para a importância da experiência. A experiência etnográfica é polifônica, é textualizada, enquanto que
o texto etnográfico está sempre contaminado
pela experiência.
Mariza Peirano, em dois trabalhos sobre Etnografia, primeiro em um livro de 1995, “A favor
da Etnografia” e depois, em um segundo livro
de 2006, “A Teoria Vivida”, afirma a fecundidade da Etnografia a partir do momento em que
ela resiste a novas análises e reanálises, além
de afirmar que o vigor metodológico da Etnografia está justamente em confrontar a teoria
a partir de boas etnografias.
Sir James George Frazer (1854-1941). An-
tropólogo escocês , que escreveu “O ramo de
ouro” (1890), obra com 12 volumes sobre mitos
e folclore de várias sociedades.
Sir Edmund Ronald Leach (1910-1989). Antropólogo inglês, que escreveu entre outros livros,
“Sistemas políticos da alta Birmânia”. Leach escreveu esse livro com poucos dados etnográficos,
pois perdeu os seus cadernos de anotação durante a guerra. Mesmo assim, é considerado um dos
clássicos da Antropologia.
Saiba Mais:
Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942).
Antropólogo polaco escreveu “Argonaltas do Pacífico Ocidental”. Embora sua teoria sobre cultura
tenha caído em desuso, sua etnografia sobre os
trobiandeses (moradores das Ilhas Trobiand) continua referência do fazer etnográfico.
capítulo 4
43
1.2. Etnografia e
cotidiano escolar
Embora a pesquisa qualitativa de tipo etnográfico tenha a sua origem e o seu desenvolvimento no final do século XIX e início do XX, na
área da educação, o debate só ganhou destaque a partir dos anos de 1960. De acordo com
André (1995), isso se deu, porque, no início do
século XX, a pesquisa educacional era dominada pela Psicologia, com forte tendência experimentalista, baseada nos pressupostos do
Positivismo.
A década de 1960 foi marcada pelo vigor de
vários movimentos sociais, pelas rebeliões estudantis e pela igualdade de direitos. Essas
manifestações desenvolveram o interesse dos
educadores em procurar entender o que se
passava no interior das escolas, em seu cotidiano. A abordagem antropológica, com ênfase
na Etnografia, buscava considerar o campo social e cultural e se prestava bem ao uso como
forma de investigação do cotidiano escolar.
No final dos anos de 1970, os educadores têm
como foco de interesse o estudo das questões
vivenciadas em sala de aula e de que forma
podiam efetivamente tratar a avaliação curricular. Muitos estudos sobre essa temática se
baseavam, segundo Marli André (2005), em
“análises de interação”, ainda tendo como
fundamento os princípios da psicologia comportamental. As críticas a esse tipo de estudo
se referem aos sistemas de observação que utilizam categorias preestabelecidas e reduzem
os comportamentos de sala de aula a unidades
passíveis de tabulação e mensuração, ignorando o contexto em que os comportamentos se
manifestam.
44
capítulo 4
Nos anos de 1980, a abordagem etnográfica
configura-se, mais uma vez, como alternativa. Essa permite que se considere o contexto
da sala de aula, procurando percebê-lo como
uma multiplicidade de sentidos, que fazem
parte de um determinado universo cultural. A
observação participante, aliada a uma metodologia que procure englobar entrevistas, análises de documentos, fotografias, etc., busca
uma “descrição densa” (Geertz), que permite
documentar o não documentado assim como
considerar as dimensões sociais, culturais, institucionais que cercam a situação investigada.
Ainda, segundo André (2005), para que se
possa compreender o dinamismo escolar, é
preciso estudá-lo etnograficamente, em, pelo
menos, três dimensões: a institucional ou organizacional; a pedagógica ou instrucional e
a sócio-política/cultural. Essas dimensões são
unidades múltiplas que não podem ser consideradas isoladamente, mas, em inter-relação.
A dimensão institucional/organizacional age
como um elo entre a prática social e o que
ocorre no interior das escolas. Envolve os aspectos referentes a contexto da prática escolar,
ou seja, estruturas de poder e redes de relação
estabelecidas no cotidiano escolar. Exige que
se estabeleça um contato com a direção, os
técnicos administrativos e com os docentes.
A dimensão instrucional ou pedagógica se refere ao encontro professor-aluno nas situações
de ensino, ou seja, como são vivenciados os
objetos e conteúdos de ensino bem como as
atividades, a dinâmica da sala de aula, as relações estabelecidas, a linguagem e todos os
meios de comunicação entre professor e aluno.
A dimensão sociopolítica/cultural, por fim, se
preocupa com o contexto mais amplo da prática educativa, ou seja, inclui a reflexão sobre
o momento histórico vivenciado e as forças
políticas e sociais presentes na sociedade. Este
é um campo clássico de domínio da Antropologia.
Todas essas questões levantadas sobre a importância do uso do método etnográfico na
investigação do campo educacional não significam “a descoberta da pólvora”. Na verdade,
vários educadores que pensam a prática esco-
lar e pedagógica no Brasil e fora dele (Marli
André, Rosália Duarte, Erikson, entre outros)
têm apontado alguns problemas devido ao
mau uso do método etnográfico, principalmente por não considerar o princípio mais
fundamental da Etnografia, apresentado pelos antropólogos, ou seja, o da relativização,
não do ponto de vista teórico ou ético, mas,
principalmente, metodológico, como vimos no
capítulo dois.
É preciso, portanto, não confundir a descrição
como técnica de coleta da própria metodologia que não se limita à descrição de situações,
ambientes e pessoas, mas tenta reconstruir as
ações e relações dos atores sociais, segundo
seu ponto de vista e sua lógica.
Segundo essa perspectiva, as categorias de
análise precisam de duas condições. Não podem ser impostas de fora para dentro e, ao
mesmo tempo, não podemos perder de vista
a importância da operacionalização do conceito de cultura. O estudo etnográfico deve se
orientar, portanto, para o significado da cultura como construção dos atores sociais.
Outro problema detectado por André (1995)
sobre o mau uso do método etnográfico na
prática escolar é que o conceito de cotidiano
escolar, muitas vezes, é utilizado apenas como
lugar de coleta de dados. É preciso, na verdade, compreender a categoria “cotidiano escolar” não como espaço, mas, como campo
semântico próprio, ou seja, muitos trabalhos
são produzidos no cotidiano escolar, mas não,
sobre o cotidiano da escola.
Essa relação que foi estabelecida entre Antropologia/Etnografia e Educação também está
sendo fecunda no âmbito das relações com a
sociedade. É a partir de discussões sobre escola, cotidiano escolar que se tem discutido bastante sobre a necessidade de se pensar uma
educação e uma escola diferenciada, voltada
para comunidades tradicionais, como índios,
pescadores, negros, etc.
Benno Sander (2005), em relação à história
educacional do Brasil, divide esta em cinco
momentos: o momento do processo civilizador entre o mundo dos conquistados e dos
conquistadores; o segundo momento, com a
República, em que ocorre uma reforma educacional alicerçada nos princípios doutrinais
do positivismo; o terceiro momento, que criou
raízes a partir da década de 20, como o momento do movimento nacional de reação,
patrocinado pela Escola Nova; o quarto momento, chamado por este de momento dos
economistas, caracterizado por uma fase desenvolvimentista, sendo a educação o principal
instrumento do progresso e, por fim, o quinto
momento, chamado por este de o momento
da democracia, de organização e resistência
da sociedade civil, com ênfase no resgate aos
direitos humanos. Nesse último momento,
existe a criação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação em defesa da escola pública.
Inegavelmente passamos por todos esses momentos. No entanto, a grande questão a ser
discutida é como as políticas públicas no campo da educação servem à sociedade neoliberal
e, ao mesmo tempo, representam possibilidades de transformações sociais. Sueli Pereira,
em “Políticas de Estado e Organização político-pedagógica da escola: entre o instituído e
o instituinte” (2008), a partir de uma pesquisa
sobre os projetos políticos pedagógicos de escolas no Rio Grande do Sul, estabelece críticas à forma como foi implementada e tomada
para si - pelas escolas - a legislação decorrente
da Constituição de 1988.
Para Pereira (2008), a proposta de organização
das instituições educacionais se explica pelo
projeto neoliberal. Ou seja, os sistemas de ensino e educacionais são parte de uma ofensiva
ideológica e política do capital neoliberal. Por
esse motivo, as mudanças estruturais devem
ser abordadas sob a ótica de uma “democracia formal”. Pereira afirma que essa lógica con-
capítulo 4
45
o discurso, impossibilitando formar cidadãos
como manda a legislação educacional.
Uma das grandes questões da nossa época diz
respeito justamente ao respeito ao reconhecimento da diversidade das culturas existentes como forma de superação das tensões e
conflitos que se ancoram nas percepções das
diferenças étnicas, de gênero, geracionais, de
classe, nacionais, rumo à construção de uma
sociedade mais democrática.
taminou a Constituição Federal de 1988, que
tem, na descentralização, o princípio regulador das políticas públicas, sendo corroborado
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9394.
Sueli Pereira avaliou as relações entre as normas legais para a organização da estrutura escolar, determinada pelas leis e órgãos competentes e a organização da escola criada pelos
próprios membros da instituição no seu cotidiano. Efetivamente a legislação tem por princípio básico a ideia de educação para a cidadania. Os PCNs não se caracterizam por teorias
científicas, mas, por um conjunto de valores
a serem aderidos, caracterizando, na verdade,
uma versão do tecnicismo. Para Pereira, o projeto pedagógico voltado para a formação da
cidadania só se dará, quando a escola, coletivamente e consciente do mundo que a cerca e
a produz, tomar suas decisões.
Construir uma escola para a cidadania implica
estimular a descentralização cultural, provocando o interesse intelectual, inclusive sobre o
que discordamos. No estudo das escolas no Rio
Grande do Sul, Pereira identificou que estas tinham um projeto político-pedagógico rico em
teoria, em acordo com a legislação, porém as
escolas, em sua realidade prática, ficam na dependência das decisões de órgãos acima dela.
Além disso, não se encontrava, no cotidiano
escolar, instrumentos que viabilizassem aquilo que estava proposto no plano pedagógico.
A escola apenas cumpria tarefas e reproduzia
46
capítulo 4
O sistema educativo, por fim, diante da proposta de uma educação para a cidadania,
intercultural, necessita de respeito e reconhecimento das minorias frequentemente ignoradas ao longo da história. O grande problema
é que nem o professorado nem a instituição
escolar estão preparados para o real significado dessa forma de educação.
Para isso, é necessário flexibilidade interna, o
que significa reconhecer que a organização
escolar não é necessariamente a melhor organização possível, é apenas uma forma de
organização. Que ela é resultado de uma política assimilacionista, dirigida a uma população
com uma cultura relativamente homogênea
ou que possui o propósito explícito de ignorar
sua heterogeneidade. Porém nessa nova perspectiva, quando reconhecemos a diversidade
dos grupos, somos obrigados a relativizar os
modelos assumidos.
É preciso uma abertura para o entorno, o que
significa reconhecer que o centro educativo
por si só não pode assegurar a integração dos
alunos de outras culturas. É preciso reconhecer que talvez sejam necessárias atuações especiais dirigidas às famílias dos alunos vindos
de outras realidades.
Finalmente, é preciso compreender que o respeito a outras culturas, à educação intercultural não é uma responsabilidade dos outros,
mas, do próprio profissional da educação. Não
basta esperar soluções administrativas públicas ou cursos de formação; é preciso que o
próprio educador se dedique à leitura e compreensão do universo cultural presente em sua
sala de aula.
2. MOVIMENTOS
SOCIAIS E EDUCAÇÃO
Como percebemos, no século XX, a ênfase da
política educacional recai sobre a questão dos
direitos dos indivíduos, apontando, principalmente, seus deveres de cidadão. O cidadão é o
homem que participa de uma comunidade de
interesses, solidário com seus pares. A educação nesse período tem o sentido de cooperação geral de seus membros. A escola prepara
para o convívio harmonioso da sociedade urbanizada. Há, no desenrolar dessa concepção,
um novo conceito de cidadania adotado pelos
grupos sociais organizados através de movimentos; é o conceito de cidadania coletiva.
A luta desses movimentos tem relação direta
com a concepção de educação não apenas inclusiva, mas, como parte do processo de luta.
De acordo com esta concepção, a educação
se desenvolve não apenas dentro do sistema
educacional oficial, mas ocorre fora dos canais
institucionais escolares e implica uma concepção de educação que não se restringe ao
aprendizado de conteúdos específicos, mas é
desenvolvida na práxis, em sua dimensão política e cultural.
Ao tomarmos os movimentos sociais como
aqueles que possibilitam, por meio de seu
campo de atuação, uma formação para além
da escola, compreenderemos também a sua
relação com o conceito de cidadania, que não
se restringe ao voto, mas, ao direito à vida
como um todo. Compreenderemos também
as transformações pelos quais passaram os
movimentos sociais ao longo dos anos, a partir das novas compreensões e visões de mundo estabelecidas pelo próprio capitalismo, por
suas crises, pelas novas configurações e demandas da chamada pós-modernidade, como
tratamos no capítulo três.
No Brasil, com o golpe de 1964, houve inicialmente o desmantelamento dos movimentos
sociais, para, em seguida, ter início a criação
de laços de solidariedade, com a criação de associações comunitárias, comissões de fábrica,
clube de mães e estudantes, tendo por pressuposto teórico um novo marxismo.
No final da década de 70, os movimentos sociais ganham força. Os principais movimentos sociais estavam articulados a grupos de
oposição ao regime militar, e havia uma forte
base de oposição cristã, através da Teologia
da Libertação. Além disso, sua inspiração ainda estava nas lutas socialistas e de influência
marxista. Manifestações de rua, associação de
moradores, comunidades eclesiais de base,
sindicalismo de enfrentamento são os movimentos sociais mais presentes nessa época. É
nessa época, também, que surgem as greves
do ABC paulista (1979), o movimento feminista (1975), o surgimento do Partido dos Trabalhadores (1980), etc.
Na década de 1980, surgem novas temáticas
no sentido de pluralizar os movimentos sociais,
com questões envolvendo as mulheres, os negros, as crianças, os índios, os homossexuais,
o meio ambiente, etc. Não podemos esquecer
o mais importante movimento social desse período, que é o movimento Constituinte, com
a participação ampla dos novos movimentos
sociais e que culminou com a promulgação da
Constituição de 1988.
Os novos movimentos sociais pleitearam uma
ampla reformulação dos padrões culturais e
educacionais. São grupos que passaram a formular diferentes estratégias para o desenvolvimento de políticas da diferença, levantando
uma nova ordem de demandas relativas aos
modernos direitos sociais, que impuseram o
tema da identidade, “contaminando” o campo da educação com políticas de inclusão escolar e da diversidade.
A questão da diversidade, nos anos 90, como
salienta Gohn (2007), enfatiza duas catego-
capítulo 4
47
resistência à exclusão e lutam pela inclusão social.
Essas redes são estruturas típicas da sociedade contemporânea globalizada e informatizada. Como afirma Hall (1999), o mundo ficou
menor, e a sua velocidade aumentou, o que
significa que as redes sociais, oriundas dessa
época, atuam, segundo objetivos estratégicos
e produzem articulações com resultados relevantes para os movimentos sociais.
rias como centrais ao desenvolvimento dos
movimentos sociais: a cidadania coletiva e a
exclusão social, cujas preocupações são desencadeadas a partir do processo de globalização. Sabemos que os movimentos são frutos
de ideias e práticas que fluem e refluem. As
ideias persistem e se transformam, agregando
elementos novos ou negando velhos, segundo
a conjuntura dos tempos, e é justamente esse
fluxo-refluxo que possibilita esse novo campo
de atuação dos movimentos sociais.
48
O tempo, na pós-modernidade, não tem um
contínuo, não acumula e nem direciona, como
parecia há 100 anos. Na pós-modernidade, o
tempo existe enquanto está vivendo. Esse tempo polifônico enfatiza o aprendizado terciário,
um tipo de aprendizado, segundo Bauman,
que as nossas instituições educacionais não
estão acostumadas e não foram preparadas
e nem criadas para isso. Uma aprendizagem
fora das dependências escolares, um aprendizado de um novo sujeito histórico.
Na década de 1990, também se afirma ser
uma época de crise dos movimentos sociais.
Na verdade, o que observamos é que a crise
é parcial. Ela está instalada em alguns setores
do movimento e principalmente naqueles de
ordem popular. Os movimentos ecológicos,
de mulheres, de índios, se encontram em ascensão. Estas, segundo Gohn (2007), são as
grandes frentes de mobilização do século XXI.
Os movimentos clássicos refluem pela nova
conjuntura, que apresenta a chamada pós-modernidade.
A noção de sujeito histórico reformulou-se e
deu novo sentido e significado às práticas. Resulta de uma identidade diferente, construída
a partir da relação com o outro. Essa nova forma de interação vai desde a questão do modelo de desenvolvimento econômico até as questões do meio ambiente e desenvolvimento
humano. O exercício de novas práticas trouxe
também um conhecimento mais aprofundado
sobre a política do Estado, sobre o governo e
suas máquinas. Demandas sobre a ética na política articuladas em rede criaram novos modos
de luta, como afirma Gohn (2007):
De acordo com Bauman (2008), desde o Iluminismo, a educação vem sendo entendida
como um conjunto de estrutura rígida, com
seus supervisores firmes, o que faz com que,
em nosso mundo pós-moderno, os educadores possuam o sentimento de crise e em falta.
No campo dos movimentos sociais, o embate
era polarizado e bem definido. Com a dissolução universal das identidades, com a dispersão
das autoridades, a polifonia, a diversidade de
valores e com a subsequente fragmentação da
vida que caracteriza o mundo pós-moderno,
os movimentos sociais passaram a ter novas
configurações. Passaram a atuar em redes,
articulando ações coletivas que agem como
1. Lutas e conquistas por condições de habitabilidade na cidade (movimento dos Sem
Teto, contra a violência no trânsito, nas
ruas, escolas, etc.);
2. Mobilização para participação na estrutura
administrativa da cidade (orçamento participativo, conselhos de gestores, controle
social, etc.);
3. Movimento de recuperação de ambientes
(praças, parques, etc.);
4. Movimentos de solidariedade (contra a
fome e a miséria, meninos de rua, etc.);
capítulo 4
5. Movimentos e mobilizações dos Sem Terra;
6. Movimentos étnico-raciais (índios e negros);
7. Movimentos envolvendo questões de gênero (mulheres e homossexuais);
8. Movimentos ecológicos e contra políticas
neoliberais (Fórum Social Mundial, contra
a Alca, etc.)
Para finalizar, Bauman (2008) afirma ainda que
o esforço para racionalizar o mundo e treinar
seres racionais para habitá-lo, projeto da modernidade, não mais parece viável. Na pós-modernidade, preparar-se para a vida, uma tarefa
de toda educação, deve significar primeiro a
capacidade de conviver em paz com a incerteza e a ambivalência, deve significar a tolerância
em relação à diferença e a vontade de respeitar
o direito de ser diferente, os mesmos objetivos
dos movimentos sociais do século XXI.
A Antropologia, por sua vez, tem acompanhado esses movimentos sociais, principalmente
nas discussões sobre educação diferenciada,
envolvendo as chamadas comunidades tradicionais (pescadores, quilombolas, indígenas,
etc.). Como parte das discussões sobre a relação entre os movimentos sociais e educação
diferenciada, trataremos a seguir da educação
nas escolas indígenas.
3.
AS SOCIEDADES
INDÍGENAS E A
EDUCAÇÃO
DIFERENCIADA
A ideia de que a escola poderia ser um instrumento favorável à autonomia indígena ganhou
força junto ao fortalecimento do movimento indígena nos anos de 1970. As primeiras
discussões apontavam para a necessidade de
uma educação bilíngue e a adequação do método de Paulo Freire de alfabetização ao contexto indígena.
A luta dos povos indígenas no processo da
Constituinte resultou em uma nova Constitui-
ção em 1988, que, no plano jurídico, assumiu
o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas à diferença cultural, religiosa, de organização, etc. Com isso, a educação diferenciada
ganhou uma nova compreensão, ou seja, esta
deveria ser pensada não apenas a partir da
criação de uma escola, mas se observa nesse
período um clamor pela criação de escolas indígenas autônomas, porém reconhecidas pelo
sistema nacional de educação, com regimento, currículo e pedagogia própria, definida de
acordo com cada cultura particular.
Essa nova proposta de uma escola diferenciada
reforçou algumas premissas da Antropologia,
como a necessidade de adotar o relativismo
cultural como princípio ético e metodológico,
assim como foi confirmada a importância da
pesquisa de campo detalhada (descrição densa - etnográfica) como uma forma eficaz de
compreender as particularidades de cada cultura para a implantação das “escolas diferenciadas”.
De acordo com Tassinari (2001), a escola indígena deve ser pensada a partir da fronteira e
do encontro entre Antropologia e Educação.
Constitui-se, portanto, em uma fonte de intercâmbio entre a prática e a teoria:
“È nesse sentido que considero muito adequado definir as escolas indígenas como espaços de fronteiras,
entendidos como espaços de trânsito, articulação e
troca de conhecimentos, assim como espaços de incompreensões e de redefinições identitárias dos grupos envolvidos nesse processo, índios e não-índios.”
(TASSINARI 2001, p.50)
A Antropologia, ao trabalhar a noção de fronteira, propicia que sejam revistas as linhas que
demarcam e separam índios e não-índios, o
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não os reconhece enquanto índios, por não
apresentarem os padrões fenótipos, considerados “de índios puros”. São também vítimas
de perseguições por parte de fazendeiros, por
estarem em permanentes conflitos pela posse
da terra.
que possibilita uma melhor compreensão das
situações escolares nas aldeias indígenas. Isso
significa também que alguns conhecimentos
que advêm da escola devem se articular com
as visões indígenas de educação bem como
alguns conhecimentos indígenas devem ser
incorporados no conhecimento escolar, o que
não significa abarcar todo o mundo indígena
no âmbito da escola. Alguns conhecimentos
específicos, como o dos curadores, pajés, xamãs, entre outros, devem permanecer apenas
no âmbito dos próprios indígenas. Cada grupo
étnico, portanto, deve participar da construção da escola indígena diferenciada, definindo
o que fica dentro, o que fica fora e o que se
estabelece na fronteira da escola.
Por sua vez, o Estado de Pernambuco tem-se
projetado na discussão sobre a questão indígena, pois possui a quarta maior população
indígena do país, e o movimento de professores indígenas através da COPIPE — Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco
— vem participando ativamente dos fóruns
de discussão sobre a educação e formação de
professores indígenas.
Na atualidade, encontramos uma população
estimada em torno de 35.823 indígenas, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA) de 2009, que compõem onze etnias
no Estado: Atikum, Fulni-ô, Kambiwá, Kapinawá, Pankará, Pankararu, Pipipan, Pankaiuká,
Truká, Tuxá, Xukuru.
Essa população vive entre o Agreste e o Sertão,
na região semiárida do estado de Pernambuco, em meio às precariedades das condições
climáticas. Como se não bastasse, sofrem a rejeição e o preconceito da população local, que
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capítulo 4
Atualmente cerca de 120 escolas indígenas
fazem parte da rede estadual de ensino, tendo sido estadualizadas por meio do Decreto
nº 24.628, de 12.08.2002. A maioria das escolas, segundo a COPIPE, apresenta o mesmo
nível de precariedade das unidades de ensino
do meio rural: evasão, repetência, baixo índice
de aprendizado dos alunos, turmas multisseriadas, etc.. Além disso, as escolas indígenas
atendem apenas a primeira fase do Ensino
Fundamental. Apenas uma escola atende a
segunda fase do fundamental. Com relação
aos professores, são aproximadamente 639,
formados, em sua maioria, no magistério da
escola pública nacional.
RESUMO
Neste capítulo, compreendemos que a Antropologia, através da Etnografia, pode ser considerada uma aliada do campo educacional.
A escola precisa ser investigada no dia-a-dia,
e isso pode ser mais bem trabalhado quando
se utiliza o método etnográfico. Além disso,
pensar a educação voltada para a cidadania
requer um olhar diferenciado, principalmente
quando o campo base de observação é a escola. Vimos, também, ao longo deste capítulo,
Saiba Mais:
Sobre etnografia e educação
ANDRÉ, Marli Eliza D.A. de. Etnografia da Prática
Escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995. (Série Pedagógica). 128p.
Todo o livro de Marli André é importante para
quem quer utilizar a Etnografia nas pesquisas sobre o cotidiano escolar. A autora apresenta não
só a importância do método etnográfico como
discute também os problemas com o mau uso do
método por pesquisadores.
o surgimento dos novos movimentos sociais,
entre eles o movimento ecológico, de negros,
mulheres, indígenas, etc. que, na segunda metade do século XX e na primeira metade do
século XXI, propiciaram, por meio de uma atuação firme no processo da Constituinte e na
Constituição de 1988, um espaço para a constituição de uma sociedade plural. A Constituição estabeleceu a necessidade de se criar uma
legislação no campo educacional que viabilizasse a discussão sobre a pluralidade cultural
do país. Com isso, foram criados espaços para
vivenciar novos campos educacionais. Como
exemplo, discutimos a escola indígena diferenciada que vem sendo compreendida como um
espaço de encontro entre questões educacionais e antropológicas.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade Individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2008. 321p.
CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O trabalho
do antropólogo. 2 ed. Brasília: Paralelo 15; São
Paulo Editora UNESP, 2000. 220p.
GOHN, Maria da Glória (org.). Movimentos Sociais no início do século XXI: antigos e novos
atores sociais. Petrópolis: Vozes, 2007. 143p.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 3 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
102p.
LAPLANTINE, François. A descrição etnográfica. São Paulo: Terceira Margem, 2004. 137p.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2008 [1958]. 448p.
PEIRANO, Mariza. A favor da etnografia. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 1995. 180p.
CLIFFORD, James. A experiência etnográfica:
antropologia e literatura no século XX. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 1998. 320p.
_____. A teoria vivida: e outros ensaios de antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora,
2006. 197p.
GEERTZ, Clifford. Obras e Vidas: o antropólogo como autor. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
2002. 208p.
PEREIRA, Sueli Menezes. Políticas de Estado e
Organização político-pedagógica da escola:
entre o instituído e o instituinte. In: Ensaio:
Saiba Mais:
Sobre novos movimentos sociais
Sobre educação indígena diferenciada
GOHN, Maria da Glória (org.). Movimentos Sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. Petrópolis: Vozes, 2007. 143p.
SILVA, Aracy Lopes da & FERREIRA, Mariana Kawall Leal (orgs.). Antropologia, História e Educação: A questão indígena e a escola. 2 ed. São
Paulo: Global, 2001. Pág.44-70.
Trata-se de um livro com vários autores, cujo objetivo central é o de mapear as trajetórias dos movimentos sociais no Brasil, com ênfase nos movimentos que cresceram ou surgiram na segunda
metade do século XX e que se solidificaram no
século XXI.
O livro possui vários artigos em que os autores
discutem a importância da educação escolar para
as populações indígenas. Além disso, fazem uma
reflexão sobre direitos educacionais e identitários
para os povos indígenas.
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aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n.
60, p. 337-358, jul./set. 2008
SANDER, Benno. Políticas Públicas e gestão
democrática da Educação. Brasília: Liber Livro
Editora, 2005. 139p.
TASSINARI, Antonella Maria Imperatriz. Escola indígena: novos horizontes teóricos, novas
fronteiras em educação. In: SILVA, Aracy Lopes
da & FERREIRA, Mariana Kawall Leal (orgs.).
Antropologia, História e Educação: A questão
indígena e a escola. 2 ed. São Paulo: Global,
2001. Pág.44-70.
Atividades
1. A partir das três dimensões indicadas por André (1995) no texto acima, como podemos pensar a junção
entre Antropologia/Etnografia e cotidiano escolar?
2. Como você percebe a luta dos movimentos sociais e as transformações na legislação educacional brasileira?
3. Como podemos pensar uma educação diferenciada, se a escola é por natureza homogeneizadora?
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