Olho Vermelho: o que fazer? - Nestlé Nutrition Institute

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Olho Vermelho: o que fazer?
Autor: Dra. Rosa Maria Graziano
O olho vermelho (OV) é uma das mais frequentes condições oftalmológicas na atenção primária da saúde. Nem
todo OV é conjuntivite; existem condições muito graves que podem se apresentar com OV e o pediatra deve
estar apto a diferenciar os casos que devem ser encaminhados ao oftalmologista, dos que podem e devem
resolver em seu consultório.
Doenças das pálpebras, glandula lacrimal, conjunctiva, órbita, cornea, esclera ou episclera e úvea podem se
apresentar com OV. A etiologia do OV pode ser devida a infecção, trauma, inflamação, alérgica, autoimmune e
raramente secundária a tumores. (1, 2, 3, 4)
O pediatra deve estar atento à historia clínica, presença de dor, fotofobia, alteração de acuidade visual,
possibilidade de trauma ocular, doenças sistêmicas e uso de lentes de contato. Ao exame observar se existe
restrição ao movimento ocular, reação da pupila à luz, aspecto das pálpebras e córnea.(2,4)
A Tabela 1 apresenta um algoritimo para os diagnóstico diferencial mais frequentes de V.(2)
Tabela 1 – Algoritimo de Diagnóstico Diferencial de Olho Vermelho ( adaptado Cronau H, Kankanala RR,
Mauger T. Diagnosis and management of red eye in primary care. Am Fam Physician. 2010;81:137-44)
I - As Conjuntivites são as causas mais frequentes de OV e o termo conjuntivite engloba qualquer inflamação da
conjuntiva (membrana fina e transparente, que recobre a parte interna da pálpebra e a anterior do globo ocular
até a transição com a córnea). (1, 2, 3, 4)
As conjuntivites podem ser classificadas sob diversos aspectos:
* Mecanismo responsável pela inflamação: alérgica, bacteriana, viral, fúngica e irritativa ou inespecifica.
* Apresentação e tempo de evolução: agudas (período de até 3 semanas) e crônicas quando perduram por mais
de 3 semanas.
* Comprometimento de estruturas vizinhas concomitantes: ceratoconjuntivite (quando compromete a córnea) e
blefaroconjuntivite (quando compromete o bordo palpebral).
1. Conjuntivite Viral: são causadas mais frequentemente por adenovirus e herpes simples. Quadro clínico:
apresentam secreção aquosa ou mucoide, edema e hiperemia palpebrais, linfadenopatia pré-auricular, folículos
na conjuntiva tarsal, hemorragias conjuntivais. As conjuntivites adenovirais podem apresentar membranas
conjuntivais que necessitam remoção durante o tratamento ou infiltrados corneanos que podem prejudicar a
qualidade de visão.
As conjuntivites herpeticas podem apresentar uma grave ceratite (comprometimento corneano) e vesículas em
palpebras e nariz.
Tratamento: compressas frias com soro fisiológico e lagrimas artificiais sem conservante 6x ao dia por 1 mês.
Não necessita colírios antibioticos.
Casos mais graves que necessitarem remoção de membranas ou tratamento específico do comprometimento
corneano deverão ser avaliados e tratados por oftalmologista.
As conjuntivites adenovirais são contagiosas e recomenda-se separar as toalhas, fronhas e objetos de uso
pessoal além do afastamento de atividades que requeiram contato pessoal por 7 a 10 dias.
Molusco contagioso é um poxvírus que pode causar conjuntivite folicular crônica, ceratite e lesões na margem
palpebral esbranquiçadas, ovais, elevadas e caracteristicamente umbilicadas no centro. A transmissão ocorre por
contato direto.
Tratamento: Pode haver resolução espontânea, mas geralmente indica-se a remoção cirúrgica ou curetagem ou
crioablação de todas as lesões.
2. Conjuntivite Bacteriana: são causadas mais frequentemente por Staphylococcus e Haemophilus. A
contaminação pode se dar a partir de contaminação mão-olho ou por contiguidade da face e pálpebras, nariz e
seios paranasais.
Quadro clínico: caracterizam-se por apresentar secreção purulenta, papilas conjuntivais, quemose e hemorragia
conjuntival. A Neisseria e S. Pneumoniae podem formar membranas e linfadenopatia pré-auricular. Quando a
bacteria encontrada é o Haemophilus influenzae a criança apresenta marcado edema palpebral e o quadro
sistêmico típico.
Tratamento: limpeza da secreção e compressas frias com soro fisiológico. Pomadas (à noite) e colírios
antibioticos de amplo espectro a cada 2 ou 3 hs por 10 a 15 dias. Os antibióticos recomendados são a
tobramicina e gentamicina. Deixe as fluoroquinolonas para casos não responsivos. A ciprofloxacina e
moxifloxacina foram liberados para uso em crianças acima de 1 ano de idade.
3. Conjuntivite Alérgica: é uma inflamação da conjuntiva causada por reação de hipersensibilidade do tipo I
e/ou IV. Caracteriza-se pela presença de quemose, prurido e hipertrofia papilar com ou sem envolvimento
corneano.(2.3)
Tratamento: consiste principalmente em orientar o paciente a manter-se afastado do alergeno. O tratamento
medicamentoso é feito com anti-histamínico tópico na fase aguda associados a colírio estabilizador da
membrana de mastócitos. As associações de anti-histamínicos e estabilizadores de mastócitos apresentam a
vantagem da utilização de um só colírio pois a instilação de colírios em crianças nem sempre é tarefa fácil.
Compressas frias com soro fisiológico ajudam a aliviar o prurido e quemose.
Os corticóides, embora promovam alívio imediato e melhora acentuada dos sinais e sintomas, estão associados a
graves efeitos colaterais como catarata, hipertensão ocular e aumento da predisposição a infecções secundárias.
O tacrolimus é utilizado em casos não responsivos e assim como os corticoides devem ser orientados por
oftalmologista.
4. Tracoma: conjuntivite folicular crônica causada pela Chlamydia trachomatis sorotipos A, B, Ba e C. A
transmissão é feita por contato direto, mas também pode ocorrer por secreção, vestuário e até insetos.
Os sintomas são vagos e é esta característica que o distingue das demais formas de conjuntivite. O diagnóstico
de tracoma é clínico e confirmado laboratorialmente pela imunofluorescência direta.
O tratamento na fase aguda do tracoma pode ser feito com eritromicina , doxaciclina, azitromicina e
tetraciclina. Familiares devem ser tratados profilaticamente.
5. Conjuntivite Neonatal: é a que ocorre no primeiro mês de vida. O uso de agentes profiláticos tópicos como
nitrato de prata a 1%, pomada de tetraciclina 1%, ou pomada de eritromicina 0,5% reduz a incidência.
A contaminação da criança ocorre durante o nascimento em partos normais e em parto cesárea, quando existe
rotura prolongada de membranas. A família e pessoal do berçário podem ser outros fatores de
contaminação.(3,4)
Tabela 2- Diagnóstico diferencial das conjuntivites neonatais
Nas conjuntivites neonatais deve-se sempre fazer a cultura da secreção conjuntival e muitas vezes tratar os pais.
6. Conjuntivites associadas a doenças sistêmicas(3)
Algumas doenças sistêmicas podem estar associadas a OV. São elas:
*Artrite reumatoide juvenil
*Doença de Kawasaki
*Sindrome de Stevens-Johnson
*Deficiência de vitamina A
*Varicela, sarampo e caxumba
*Doenças do colageno
*Trauma craniano com fistula arteriovenosa
II - Doenças da córnea: ceratites são processos infecciosos ou inflamatórios associados a conjuntivites,
blefarites, olho seco, queimaduras químicas e luz ultra violeta. A criança vai ter OV associado a sensação de
corpo estranho, dor, fotofobia, lacrimejamento e por vezes baixa acuidade visual.(3)
O trauma ocular e a presença de corpos estranhos superficiais podem levar a abrasões corneanas com as mesmas
queixas das ceratites. Quando o corpo estranho é conjuntival pode ser retirado com cotonete após anestesia
tópica, os corneanos devem ser encaminhados.
III - Doenças da esclera e episclera: são pouco frequentes em crianças mas podem estar associadas a artrite
reumatoide juvenil, tuberculose, sífilis , varicela , eritema multiforme entre outras.
IV - Doenças da Uvea: uveite é a inflamação de qualquer parte do trato uveal (iris, corpo ciliar , retina e
coroide). É a terceira maior causa de cegueira nos EUA e ao redor de 10% dos casos acomete crianças.
Conforme a estrutura comprometida podem ser divididas em: anterior, posterior e intermediaria.
Estudos nacionais colocam a toxoplamose e a toxocariase entre as principais causas de cegueira na criança por
comprometimento da retina e coroide.
A uveite anterior esta associada a múltiplas doenças sistêmicas, como artrite reumatoide juvenil, psoríase,
doença de Behcet , doença de Reiter e doença de Kawasaki entre outras.
Quadro Clínico: baixa acuidade visual, dor, pupila em miose e vermelhidão ao redor da córnea. As graves
complicações da uveite são as sinequias, ceratopatia em faixa, glaucoma e catarata. Há necessidade de
encaminhamento ao oftalmologista com urgência, diminuindo as complicações.
Tratamento: corticoides tópicos locais e sistêmicos e colírios midriaticos.
V - Doenças das pálpebras: as pálpebras pela proximidade pode levar a alterações oculares e OV. As suas
causas mais frequentes são:
1. Blefarites: estão associadas a conjuntivites e ceratites. A blefarite anterior é geralmente causada por
staphylococcus, pode causar queda dos cílios. As blefarites posteriores é causada por disfunção das glândulas de
meibomio ou condições da pele como a acne rosácea. Podem evoluir com calazio, hordéolo e olhos secos.
Tratamento: compressas mornas e limpeza da região com shampoo neutro diluído. Nas blefarites por
staphylococcus usa-se pomada de bacitracinaou eritromicina. Nas distrofias glandulares esta indicado a
eritromicina ou doxicilina oral e lágrimas artificiais.
2. Hordeolo: é a infeção aguda das glândulas de zeiss ou meibomio.
Tratamento: compressas mornas e antibióticos locais. Drenagem cirúrgica se cronificarem.
3. Calazio: é a inflamação local por obstrução das glândulas de meibomio. Seborrea, acne e blefarite
predispõem o calazio.
Tratamento: compressas mornas e antibiótico local estão indicados. A infiltração intralesional com corticoides
acelera a resolução. Calazios grande e de longa evolução podem ser removidos cirurgicamente.
VI - Doenças da órbita: As celulites orbitárias e preseptais se acompanham com febre, dor, edema palpebral,
quemose, OV. Nas formas orbitárias os movimentos oculares estão diminuídos e na preseptais isto não ocorre.
Há necessidade da pesquisa etiológica e internação da criança na maior parte das vezes.
Dra Rosa Maria Graziano
- Doutora em Oftalmologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
- Médica Assistente do Departamento de Oftalmologia do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, responsável pelo departamento de Oftalmopediatria.
- Vice Presidente do Departamento de Oftalmologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (2013-2016) e
Presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica do Conselho Brasileiro de Oftalmologia
(2011-2013).
- Pós-graduação e MBA em Gestão Empresarial Avançada pela Fundação Armando Álvares Penteado.
- Correspondência: [email protected]
Perguntas
1) Criança de 8 anos, apresenta, coriza e “dor de garganta” há 5 dias . O Olho direito apresenta
pálpebras edemaciadas, lacrimejamento, olho vermelho, sensação de corpo estranho e fotofobia há 2 dias.
Ao exame clinico apresenta ganglios pré auriculares , secreção mucoide e leve baixa acuidade visual .
Nega prurido e secreção purulenta. Fotos abaixo. Qual seu diagnostico :
a - Conjuntivite bacteriana
b - Conjuntivite alérgica
c - Conjuntivite viral (CORRETA)
d - Uveite
e - Nenhuma das anteriores
Comentário: A resposta correta é C- Conjuntivite viral.
Se considerarmos o algoritmo de diagnostico diferencial de olho vermelho da tabela 1 temos: OV com dor leve
e baixa acuidade visual leve > Hiperemia difusa > com secreção > lacrimejamento ou serosa > sem prurido >
chegamos a conjuntivite visual.
A historia clínica sugerindo um quadro viral anterior e a presence de gânglios pré auriculares sugerem quadro
viral. A baixa acuidade visual leve se deve aos infiltrados subepiteliais na córnea (fig a) e a hiperemia difusa (fig
c) confirmam o diagnostico. A fig b mostra a membrane conjuntival que precisa ser removida e é mais frequente
nas conjuntivites virais.
A conjuntivite bacteriana apresenta muita secreção mucopurulenta e em geral não cursa com os infiltrados sub
epiteliais. A conjuntivite alérgica apresenta edema conjuntival e muito prurido e existe uma historia de alergia
pregressa. Nas uveitis a hiperemia é ao redor da cornea e ,em geral apresentam dor e baixa acuidade visual
importante.
Segue abaixo o seu desempenho na prova. Obrigado(a) por participar!
Resultados Desempenho:% de acerto
Respostas Corretas:50/50
Referências Bibliográficas
1)Smith G. Differential diagnosis of red eye. Pediatr Nurs. 2010;36(4):213-5
2)Cronau H, Kankanala RR, Mauger T. Diagnosis and management of red eye in primary care. Am Fam
Physician. 2010;81:137-44
3)Sethurman U, Kamat D. The red eye: evaluation and management . Clin Pediatr. 2009;48:588-600
4)Santo RM. Diagnóstico diferencial do olho vermelho in Oftalmologia- coordenadores Graziano RM, Polati
M , Crestana ABU. Editora Manole , p 411-3 – (Coleção Pediatria do instituto da Criança do Hospital da
FMUSP v 24, editores Schvartsman BGS, Maluf Jr P)
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