hábito (aristóteles) e ensino (tomás de aquino).

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UM ESTUDO SOBRE OS CONCEITOS: HÁBITO (ARISTÓTELES) E
ENSINO (TOMÁS DE AQUINO).
BOVETO, Laís (PIC/UEM)
OLIVEIRA, Terezinha (PPE/UEM)
Introdução
Refletir sobre a atual dimensão do papel da Educação na sociedade pode nos conduzir
a múltiplas perspectivas: social, econômica, política, antropológica, psicológica, entre tantas
outras. Nesta pesquisa pretendemos abordar a perspectiva filosófica tendo como principal
fundamento o pensamento de Tomás de Aquino. Considerando a Filosofia como a “ciência
das causas primeiras” (PADOVANI, 1977, p. 55), a intenção é estabelecer relações entre
Filosofia e Educação e investigar, no pensamento antigo e medieval, algumas das motivações
que levaram o homem a identificar o processo educacional com o processo civilizatório. O
pensamento filosófico, neste sentido, tem extrema relevância tanto por esclarecer a causa
primeira de educar, quanto por estar essencialmente vinculado à idéia de formar o homem
para a sociedade.
Compreender o papel da Filosofia contribui, assim, para a compreensão do papel da
Educação. Tendo em vista que ambas tem como finalidade a formação moral e social.
Civilizar um indivíduo significa afastá-lo de um estado de brutalidade e inseri-lo num estado
de humanidade. O que pressupõe diferenciá-lo dos outros animais por meio de suas
características potenciais e essenciais: o pensamento, a reflexão, a abstração, o discernimento,
enfim, a razão.
O homem vive e sente, como o animal; mas, além disso, pensa e quer – o
que o animal não faz. Não possui ele a inocência do animal, que pode
abandonar-se à sensibilidade e ao instinto para orientar-se na vida; mas,
primeiro, deve conhecer bem o que ele é, e, logo, conhecer o mundo e a
realidade de que faz parte, e depois viver, orientar-se livremente, de
conformidade com este conhecimento profundo (PADOVANI, 1977, p. 55).
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Assim, é possível afirmar que o pensamento racional, filosófico, ocorre
intencionalmente ou não. Pois, esse pensar é característica fundamental do homem. A
diferença é que, quando o faz intencionalmente, o indivíduo transcende a experiência e, por
meio de um método, busca a certeza absoluta, independente do senso comum e da opinião. A
reflexão presente na Filosofia é tida, muitas vezes, como abstrata e distante da realidade,
como algo inútil à vida prática. No entanto, ao observarmos o desenvolvimento das outras
ciências, como a Matemática e a Física, por exemplo, tidas como úteis, verificamos que os
seus idealizadores não puderam escapar do pensamento filosófico. Sistematicamente, todas as
ciências partiram de deduções, assim como a Filosofia. E, neste sentido, cientistas como
Einstein, por exemplo, não puderam se esquivar de questões a respeito do sentido da vida e,
dessa forma, filosofar sobre a existência.
O mistério da vida me causa a mais forte emoção. É o sentimento que suscita
a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência. Se alguém não conhece esta
sensação ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um mortovivo e seus olhos se cegaram. Aureolada de temor, é a realidade secreta do
mistério que constitui também a religião. Homens reconhecem então algo de
impenetrável a suas inteligências, conhecem porém as manifestações desta
ordem suprema e da Beleza inalterável. Homens se confessam limitados e
seu espírito não pode apreender esta perfeição (EINSTEIN, 1981, p. 9).
Desvendar o mistério da vida por meio da metafísica e do pensamento dedutivo torna a
Filosofia muito próxima da realidade e do mundo prático, pois é por meio dessa busca que as
ciências se desenvolveram. Ao utilizar o pensamento deste físico a intenção é demonstrar que
a reflexão filosófica faz parte de nossa existência e está presente em diferentes ciências e no
saber de diferentes períodos históricos. Assim como todas as ciências, a Física busca
explicações sobre a natureza e o universo. É específica, no sentido de estudar os fenômenos
concretamente, e desse estudo obter equações, leis e enunciados que esclarecem causas e
efeitos dos acontecimentos naturais. No entanto, somente a Filosofia pode abordar a situação
do homem em relação a estes efeitos, no que se refere ao seu comportamento, às suas escolhas
e suas ações.
Compreender o caminho percorrido pelo pensamento humano até as afirmações de
cientistas como Einstein é fundamental para que tenhamos subsídios que indiquem o papel
social que a Educação propõe. Por este motivo, abordaremos, fundamentalmente, nesta
pesquisa, o pensamento aristotélico e o pensamento tomista, mais especificamente as obras:
Ética a Nicômacos (livros I e II) de Aristóteles (384 – 322 a. C.) e Sobre o ensino de Tomás
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de Aquino (1224 – 1274 d. C ). Cada qual em seu tempo, Aristóteles e Tomás de Aquino
foram grandes educadores e discorreram sobre Ética e Filosofia. Assim, por meio de suas
conclusões pretendemos analisar o papel atribuído à Educação na Antiguidade e na Idade
Média. E, a partir dessa análise, levantar questionamentos sobre a forma como consideramos
a Educação atualmente.
Objetivos
OBJETIVO GERAL:
Analisar os conceitos de hábito em Aristóteles e de ensino em São Tomás de Aquino.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
1. Compreender a influência de Aristóteles no pensamento tomista;
2. Realizar observações a respeito da prática do método de ensino defendido por
Tomás de Aquino;
3. Considerar a relevância do hábito e do Ensino atualmente.
Metodologia
Ao trabalharmos com a História Social enquanto caminho teórico a ser seguido,
destacamos que a trajetória desta pesquisa será conduzida a partir da concepção de hábito
presente na obra Ética a Nicômacos de Aristóteles (384 – 322 a. C.) e na concepção de Ensino
presente em De magistro de Tomás de Aquino (1224 – 1274 d. C.). Tendo em vista que
Aristóteles e Tomás de Aquino discorrem, cada qual em seu período histórico, a respeito de
Filosofia, reflexão humana e formação social e moral do homem, há uma notável relevância
em abordarmos esses mesmos temas sob a luz de conceituações mais recentes. Assim,
pretendemos considerar a concepção de ensino presente em O que é uma Universidade? de
Lauand e as percepções a respeito da Educação na obra Como vejo o mundo de Albert
Einstein.
Hábito e Ensino
Aristóteles viveu no século IV a. C., ou seja, no segundo período do pensamento
grego, denominado sistemático ou antropológico. Neste século a Filosofia concentra-se no
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homem em sua totalidade e não mais na natureza como no período anterior. Em 367 a. C.,
Aristóteles principia seus estudos na Academia de Platão (427 – 347 a. C.) e, partindo das
idéias deste, sistematiza conhecimentos na área da Física, Lógica, Teologia, Ética, Moral,
Retórica, Metafísica e Política. Na cidade de Atenas, em 335, funda o Liceu, escola herdeira e
rival da Academia platônica (PADOVANI, 1977, p. 123 e 124). Assim, Aristóteles dá
continuidade e amplifica o pensamento platônico.
Nos livros I e II de Ética a Nicômacos, Aristóteles desenvolve uma argumentação
sobre a relevância de buscar a definição do bem maior, pois este define a finalidade das ações
que praticamos. Indica a ciência política como própria para estudar esse objeto tanto em
relação ao indivíduo quanto relativamente à nação. Isso porque esta ciência orienta o homem
em sua vida social e sobrepõe o interesse social ao individual.
Uma vez que a ciência política usa as ciências restantes e, mais ainda, legisla
sobre o que devemos fazer e sobre aquilo de que devemos abster-nos, a
finalidade desta ciência inclui necessariamente a finalidade das outras, e
então esta finalidade deve ser o bem do homem. Ainda que a finalidade seja
a mesma para um homem isoladamente e para uma cidade, a finalidade da
cidade parece de qualquer modo algo maior e mais completo [...]
(ARISTÓTELES, Livro I, § 2).
Entre as afirmações a respeito da política, Aristóteles ressalta a experiência de vida
como essencial para a compreensão do assunto. Destaca que “um homem ainda jovem não é a
pessoa própria para ouvir aulas de ciência política, pois ele é inexperiente quanto aos fatos da
vida” (ARISTÓTELES, Livro I, § 4). Assim, tal ciência demanda ação baseada na razão e não
pode ser aproveitada por quem age segundo paixões. Neste sentido, essa experiência e
entendimento da vida, que leva a atividades racionais, só podem ser apreendidos por quem
adquiriu bons hábitos desde a infância. O hábito representa a ação intencionalmente executada
e que, repetida, manifesta o comportamento.
Tendo em vista que todas as ações visam uma finalidade que é o bem, é necessário que
se defina o bem mais elevado, pois o bem pode ter diferentes aspectos para diferentes pessoas.
No entanto, é necessária uma convergência que, segundo Aristóteles, consiste na felicidade,
pois este seria um bem perseguido por ele mesmo, ou seja, é auto-suficiente.
Chamamos aquilo que é mais digno de ser perseguido em si mais final que
aquilo que é digno de ser perseguido por causa de outra coisa, [...]
chamamos absolutamente final aquilo que é sempre desejável em si, e nunca
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por causa de algo mais. Parece que a felicidade, mais do que qualquer outro
bem, é tida como este bem supremo, pois a escolhemos sempre por si
mesma, e nunca por causa de algo mais; mas as honrarias, o prazer, a
inteligência e todas as outras formas de excelência, embora as escolhamos
por si mesmas (escolhê-las-iamos ainda que nada resultasse delas),
escolhemo-las por causa da felicidade [...] (ARISTÓTELES, Livro I, §16).
A partir desta conclusão – a felicidade é o fim a que visam as ações humanas – é
necessário estabelecer que a função do homem é agir com excelência no decorrer da vida,
exercitando bem as faculdades da alma. Dessa forma alcançará as boas coisas e a felicidade.
Assim, de acordo Aristóteles, a ação conforme a excelência pode ser identificada com a
felicidade, “quem age conquista, e justamente, a coisas boas da vida.” (ARISTÓTELES,
Livro I, § 21).
Assim como nas profissões, um profissional é bom ou mau de acordo com a prática de
seu ofício. Tornamo-nos homens bons ou maus na prática da função essencialmente humana
que é pensar, refletir, discernir. A ação é, assim, essencial. No entanto pensar, discernir e
compreender a ação e porque agimos é o que nos caracteriza como humanos. Agir conforme a
natureza, deixando-se guiar pelos instintos e desejos é o que os animais fazem. Se o fazem é
por não possuírem a capacidade de ponderar e escolher. A escolha intencional neste caso é
fundamental, pois é necessário considerar o prazer e o sofrimento de cada escolha com
moderação. Segundo Aristóteles é pelo prazer e pelo sofrimento que praticamos ou deixamos
de praticar ações. “Daí a importância, assinalada por Platão, de termos sido habituados
adequadamente, desde a infância, a gostar e desgostar da coisas certas; esta é a verdadeira
educação” (ARISTÓTELES, Livro II, § 7). A inclinação para o prazer é algo que está
arraigado ao ser humano desde a infância e regula suas ações.
Com isto, é possível observar que em Aristóteles a Educação representa a forma de
prover o homem de condições para que realize boas ações, sem deixar se guiar pelo prazer ou
pela sorte. Oferecer esta Educação é papel da ciência política que deve incutir nos cidadãos o
caráter que os torne capazes de agir com excelência moral e de forma consciente, racional e
intencional. Assim, praticando ações justas, o homem se torna justo, praticando ações
moderadas, torna-se moderado e assim por diante. Sem praticar o bem o homem não tem
possibilidade de tornar-se bom. Conhecer teoricamente o bem, filosofar sobre ele, não torna o
ser humano bom. O conhecimento e a inteligência, assim, são instrumentos para a prática das
boas ações.
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Além disto, em relação a todas as faculdades que nos vêm por natureza
recebemos primeiro a potencialidade, e somente mais tarde exibimos a
atividade (isto é claro no caso dos sentidos, pois não foi por ver
repetidamente ou repetidamente ouvir que adquirimos estes sentidos; ao
contrário, já os tínhamos antes de começar a usufruí-los, e não passamos a
tê-los por usufruí-los); quanto às várias formas de excelência moral, todavia,
adquirimo-las por havê-las efetivamente praticado [...]. Esta asserção é
confirmada pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os
cidadãos habituando-os a fazerem o bem; esta é a intenção de todos os
legisladores; os que não a põem corretamente em prática falham em seu
objetivo, e é sob este aspecto que a boa constituição difere da má
(ARISTÓTELES, Livro II, §2).
Esta passagem evidencia a percepção do autor em relação à vida coletiva, tendo em
vista que o bom governo oferece condições suficientes para que os cidadãos sejam felizes.
Condições estas que permitam às pessoas ter bons hábitos desde a infância, de modo que
aprendam a fazer boas escolhas, tendo por base a razão e não os instintos. Esse aprendizado
ocorre no decorrer da vida, o que indica que Aristóteles vê na maturidade as circunstâncias
adequadas para a felicidade.
Outra concepção importante, apresentada pelo filósofo no excerto acima, é a de
potencialidade. A idéia de que o homem possui potencialmente o conhecimento também está
presente na obra de Tomás de Aquino. Em De magistro Aquino afirma que um homem não
pode transferir conhecimento para outro homem, pois ou este conhecimento já pertencia ao
intelecto ou não. Em sua investigação sobre o ensino, busca demonstrar se a capacidade de
ensinar é humana ou divina. Para tanto, baseia-se no pensamento aristotélico, inserido no
Ocidente pela tradução árabe.
Neste sentido, Tomás busca uma sistematização racional do pensamento cristão,
utilizando as escrituras sagradas, a influência da escola peripatética e de Santo Agostinho.
Após uma longa preparação e um desenvolvimento promissor, a escolástica
chega ao seu ápice com Tomás de Aquino. Adquire plena consciência dos
poderes da razão, e proporciona finalmente ao pensamento cristão uma
filosofia. Assim, converge para Tomás de Aquino não apenas o pensamento
escolástico, mas também o pensamento patrístico, que culminou em
Agostinho, rico de elementos helenistas e neoplatônicos, além do patrimônio
da revelação judaico-cristã, bem mais importante (PADOVANI, 1977, p.
232 e 233).
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Assim, a Filosofia tomista representa o ápice da escolástica e compreendê-la significa
compreender a estrutura das primeiras Universidades e o método de ensino que gerou o
pensamento moderno ocidental.
Dessa forma, retomando a investigação tomista sobre o ensino, percebemos que não se
trata apenas de definir se quem ensina é Deus ou o homem. Trata-se de argumentar
racionalmente em favor da totalidade humana, considerando espírito e matéria integrados.
Justifica, deste modo, a fé em Deus que proporciona aos homens a potência do conhecimento.
E, confere também aos homens a possibilidade de ensinar. Tendo em vista que, para que a
potência se converta em ato, a ação humana é necessária, seja por meio da descoberta ou do
ensino.
Ora, o conhecimento preexiste no educando como potência não puramente
passiva, mas ativa, senão o homem não poderia adquirir conhecimentos por
si mesmo. E assim como há duas formas de cura: a que ocorre só pela ação
da natureza e a que ocorre pela ação da natureza ajudada pelos remédios,
também há duas formas de adquirir conhecimento: de um modo, quando a
razão por si mesma atinge o conhecimento que não possuía, o que se chama
descoberta; e, de outro, quando recebe ajuda de fora, e este modo se chama
ensino (AQUINO, 2004, p. 31 e 32).
Em seguida, indica que o professor ensina quando apresenta ao aluno sinais que
demonstram o sistema aplicado à aquisição de conhecimento pela descoberta. Assim, esses
sinais são utilizados como instrumentos (o remédio, no caso da relação médico – paciente)
para que a “razão natural” do aluno alcance o conhecimento antes ignorado. “E do mesmo
modo que se diz que o médico causa a saúde no doente pela atuação da natureza, também se
diz que o professor causa o conhecimento no aluno com a atividade da razão natural do
aluno” (AQUINO, 2004, p. 32).
Referências
AQUINO. Sobre o ensino (De magistro).Tradução de Luiz J. Lauand. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução de Luiz J. Lauand. Brasília: UNB, 2001.
EINSTEIN. Como vejo o mundo. Tradução de H. P. de Andrade. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1981.
LAUAND. O que é uma Universidade? São Paulo: Perspectiva, 1987.
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PADOVANI e CASTAGNOLA. Período Sistemático e A escolástica. In: História da
Filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1977.
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