UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Brasil Departamento de Filosofia e Psicologia Ijuí (RS) – Ano 2004 EDITORIAL Retomar (na direção do comentário, da análise e da reflexão) uma produção de trabalho já desenvolvido é tarefa das mais difíceis. Emergem, inevitavelmente, as lembranças do já vivido, com as interrogações de sempre: foi um percurso produtivo? Fizemos as perguntas necessárias? Particularmente, em relação à Clínica de Psicologia, que conta com o atendimento dos alunos estagiários para receber os pacientes em sofrimento psíquico, tivemos resultados conseqüentes? E sobre a formação dos futuros psicólogos, os quais trabalham em um tempo em que a condição de futuro transforma-se em presente, a proposta foi suficiente? Haveria uma proposta de formação considerada suficiente? Pensamos que as interrogações, exatamente por não comportarem respostas definidas, nos servem como base para futuros caminhos. Dito de outra forma, entendemos as perguntas como orientadoras à medida que é preciso falar para escutar. E como Freud nos ensina, para que haja fala é necessário que haja escuta. Escrever sobre a fundamentação do nosso trabalho na Clínica, sobre a forma como instituímos as regras de organização, sobre as ações que sustentam a instituição, produz outro efeito digno de nota: perde-se uma certa proteção, encontrada em um trabalho delimitado, circunscrito, desenvolvido por um conjunto de pares. É verdade que o sigilo constitui um pilar fundamental na profissão do psicólogo, enquanto ética desejada e necessária para nossas atividades clínicas. No entanto, a publicação, resguardada as condições especificas da transmissão do “fazer psicólogo”, nos traz um ganho considerável, uma vez que aí torna-se possível discutir, analisar e compartilhar num âmbito ampliado. È com esta justificação que saudamos o primeiro anuário da Clínica, registro escrito que reúne todas as atividades desenvolvidas no ano de 2004. Cumprimentamos o conselho da instituição que acolheu a iniciativa do professor Ubirajara e agradecemos à equipe responsável pela publicação a significativa contribuição com a historia da Clínica de Psicologia da Unijuí. Ana Maria de Souza Dias AGRADECIMENTOS A Comissão do Anuário gostaria de agradecer: A Unijuí que sendo uma Instituição de Ensino filantrópica possui como um dos focos centrais a interação com a comunidade proporcionando um espaço de indubitável importância, a saber, a Clínica de Psicologia da Unijuí. À Clínica de Psicologia da Unijuí que não só autorizou mas auxiliou que um projeto dessa importância registra-se a sua história, oferecendo um suporte teórico-clínico fundamental para a elaboração deste trabalho. Aos professores supervisores da Clínica da Unijuí, em especial ao professor Luis Fernando Lofrano de Oliveira que aceitou o convite de discutir questões referentes ao registro dos dados da Clínica permitindo que fossemos além da discussão do registro numérico. A neurologista Helga Porsch que nos proporcionou uma discussão muito importante sobre a questão interdisciplinar. À Coordenadora da Clínica, Ana Maria de Souza Dias, que acompanhou os passos da elaboração do Anuário de forma pertinente e motivadora. Aos secretários da Clínica, Luciane Cossetin e Jonas de Moura, que auxiliaram na organização e no acesso a todo material registrado no Anuário. Aos colegas que participaram das discussões que fizeram parte da construção do Anuário, aqueles que colaboraram com as solicitações da Comissão e como também os que encaminharam textos para serem publicados, compreendendo a importância do registro e do exercício da escrita teórico-clínica. E em especial ao professor coordenador deste projeto, Ubirajara Cardoso de Cardoso, pioneiro na construção deste trabalho na Clínica da Unijuí, e que de forma engajada sempre nos auxiliou e nos ouviu, confiando no nosso potencial, prezando não só pela publicação mas pela nossa formação profissional. Comissão do Anuário Sumário 1 - Projeto do Anuário............................................................................................................. 2 - Apresentação da CPU...................................................................................................... 2.1 - A ética do sujeito na prática clínica................................................................................ 2.2 - A especificidade do trabalho desenvolvido na Clínica de Psicologia ............................ 3- Regimento interno ............................................................................................................. 4 - Normas para Extensão de Estágio .................................................................................. 5 -Organograma...................................................................................................................... 6- Ações da Clínica................................................................................................................. 7 - Descrições das Ações da Clínica ..................................................................................... 8 - Comissões ........................................................................................................................ 9 - Equipe da CPU.................................................................................................................. 10 – Levantamento de dados................................................................................................. 11 - Discussão do levantamento de dados de 2004.............................................................. 12 – Cronograma das reuniões e apresentações de caso ................................................... 13 - Registro das apresentações de caso ............................................................................. 14 – Projetos Gerais............................................................................................................... 15 – Interdisciplinaridade na CPU...................................................................................... 15.1 - Anotações acerca da interdisciplinaridade: Psicologia Genética e a Clínica Psicanalítica........................................................................................................................... 15.2 - Interdisciplinaridade na Clínica Infantil: Psicanálise e Método Clínico......................... 15.3 - Interlocução da CPU com a neurologia ...................................................................... 16 - Produção textual dos alunos -estagiários........................................................................ 16.1- Exercício de reflexão sobre o atendimento clínico voltado para o público infantil........ 16.2 - Considerações acerca do texto “Sofrimento E Prazer Na Escrita”, de Marie-Alice Du Pasquier ................................................................................................................................ 16.3 - Considerações acerca do desejo na histeria: um caso de “luto sexual”...................... 17- Informativo da Clínica - FALANDO N’ISSO ......................................................................... 18 - Eventos......................................................................................................................... 19- Comissão do Anuário ................................................................................................. permanecem mais tempo vinculados à Clínica permitindo a transmissão da memória da instituição, no acompanhamento do ingresso dos novos grupos de estagiários a cada semestre. Todos os estagiários recebem supervisão semanal e individual. 2.1- A ÉTICA DO SUJEITO NA PRÁTICA CLÍNICA Trazemos algumas considerações a respeito da experiência de atendimento psicológico, desenvolvida na Clínica de Psicologia da UNIJUÍ, particularmente com relação á ética que orienta nosso trabalho. A Clínica de Psicologia da Unijuí, em consonância com a orientação teórica principal do Curso de Psicologia desta Universidade, fundamenta seu projeto de trabalho na Psicologia, e principalmente na Psicanálise. Consideramos, como nos aponta o psicólogo Luis Cláudio Figueiredo, (no livro “Revisitando as Psicologias: Da Epistemologia à Ética nas Práticas e Discursos Psicológicos”), que as diversas abordagens teóricas que podem dar fundamento ao trabalho do psicólogo, para além das diferenças epistêmicas, remetem a éticas diferenciadas. O termo “ethos” do qual deriva a palavra ética, tem na língua grega o sentido de “morada”. Assim, ao afirmarmos que a cada teoria corresponde uma ética, queremos dizer que as teorias são dispositivos que dão ao homem um lugar e um destino. Certamente a opção pela psicanálise como teoria orientadora de uma clínica-escola não se dará sem que se produzam conseqüências na organização e na condução do trabalho, marcando diferenças com outras concepções de clínica. A origem do método clínico, em acordo com os princípios científicos emergentes, na medicina do século XVIII, estava ligada ao privilégio do olhar da observação e da prescrição no campo dos signos e dos sintomas. Isto é, a doença passou a ser definida em função de um conjunto específico e ordenado de sinais e de sintomas. Estes constituíam a totalidade da doença, eliminando-se toda a distância entre significante e significado, quer dizer, entre a doença e sua expressão sintomática. Esta concepção de clínica privilegia a doença em detrimento do doente. Freud ao criar a psicanálise alicerçada na noção de inconsciente, introduziu uma outra concepção de clínica, porque apontou para a existência de uma outra lógica, regida pelo desejo. Freud descobriu um sujeito dividido, e alienado de si mesmo. Isto só se tornou possível porque na clínica freudiana o médico foi colocado na posição de escuta e a palavra foi devolvida ao doente. Esta divisão que constitui os humanos também pode ser enunciada como uma divisão entre verdade e saber. O discurso científico sustenta que é possível construir um saber sobre a verdade. A psicanálise, ao contrário, revela que, embora a verdade inconsciente atue, em relação a ela ficamos sempre em falta, e é justamente esta falta que nos constitui como sujeitos desejantes. Esta falta estrutural coloca os humanos na condição permanente de busca do objeto que supostamente a preencheria, em outras palavras, que os completasse. Lacan, no “Seminário VII: a Ética da Psicanálise” afirma que uma ética implica num juízo sobre as ações do sujeito, e que neste sentido podemos falar de uma ética da psicanálise uma vez que ela incide na relação entre a ação e o desejo que a sustenta. A ética da psicanálise é formulada por ele, como sendo a ética do “desejo” ou a ética do “bem-dizer”. Enquanto ética do “desejo” a psicanálise não se propõe á realização das vontades do sujeito, porque o desejo no campo da psicanálise não tem objeto, não se apresenta como desejo de algo. O desejo aparece neste campo como um exercício, como algo que impulsiona na direção de um agir. Sendo assim, o desejo tem uma função metonímica de provocar o deslizamento do sujeito de objeto a objeto. “Bem-dizer” não significa que a partir da psicanálise se possa dizer onde está o bem do sujeito, isto é, aquilo que será bom ou ruim para ele, aquilo que ele deve ou não deve fazer. A ética da psicanálise não se propõe como uma ética do serviço dos bens, diferenciando-se assim das éticas tradicionais, que versam sobre seu ordenamento visando a universalização. “Bem-dizer” refere-se à possibilidade de que o paciente se reconheça no inconsciente. Assim, nesta ética, o que norteia os encontros iniciais com o paciente, é possibilitar uma escuta que lhe permita implicar-se na queixa que traz para a partir daí responsabilizar-se por seu sofrimento. Em outros termos, o que se quer possibilitar é que o paciente saia da posição daquele que sofre passivamente e possa se colocar numa posição comprometida com sua “cura”. Para o estagiário é fundamental não responder da posição de quem tem um saber sobre o sofrimento deste, sem contudo ignorar que é justamente esta suposição de saber que vai sustentar a transferência e possibilitar o tratamento. Estas considerações já indicam que não trabalhamos com aconselhamento. O pagamento é trabalhado na transferência, considerando-se os aspectos simbólicos que aí se expressam. Por isso é que não se propõe atendimento gratuito, não usamos nenhum tipo de tabela ou valores pré-fixados (segundo a renda familiar, por exemplo). Considera-se imprescindível para sustentar uma clínica onde se opera na transferência, a supervisão individual, e até onde é possível numa universidade, que a escolha do supervisor também se dê pela via da transferência. Quando um período de estágio se encerra, o paciente é encaminhado a outro estagiário. Esta é uma questão problemática que se coloca para as clínicas-escolas nas quais o trabalho é realizado por estagiários. É um momento em que se observa um número maior de interrupções de tratamento. A orientação que seguimos é de que o desligamento e a passagem sejam trabalhados em supervisão caso a caso. Procura-se considerar as nuances do laço transferencial em cada tratamento. Algumas vezes adota-se o procedimento da apresentação do novo estagiário ao paciente, feita pelo estagiário que está encerrando o estágio. Outras vezes ele é apenas informado do nome de quem vai atendê-lo. É uma característica dos pacientes que procuram tratamento em uma instituição que o pedido de tratamento não venha dirigido a um nome. A procura se dá pelo nome da instituição. Ocorre, por vezes, que como efeito do próprio tratamento, o paciente não suporte mais as trocas de estagiários, estando em condições de endereçar um pedido de tratamento a alguém em particular. Quando se dá uma troca de estagiário é preciso que uma nova relação transferencial se estabeleça. Neste sentido há um fim de tratamento e início de outro. Por outro lado há uma continuidade porque o paciente permanece com um laço com a instituição. Isto nos coloca a questão: quais as informações sobre um paciente que um estagiário deve passar para outro? Temos restringido bastante estas informações, limitando-as mais a dados objetivos como, por exemplo, resultados de exames de outros profissionais, registros de freqüência às sessões, etc... Esta é ainda uma questão sobre a qual sentimos a necessidade de ter uma discussão maior. Sabe-se que toda a instituição pauta seu funcionamento em um conjunto de normas, tendendo, freqüentemente, a uma certa burocratização. Este é um risco que como instituição também se corre. Acontece, às vezes, que procedimentos tomados em uma situação particular se transformem em regras, isto é, se institucionalizam e passam a funcionar como normas, perdendo-se sua razão original. Esta tendência à burocratização coloca-se na direção contrária ao que sejam os fundamentos de uma clínica psicanalítica. Por isso pensamos que a condução de tal prática em uma instituição (neste caso a Clínica de Psicologia da Unijuí) requer o exercício constante da retomada dos seus fundamentos. No dia a dia da vida Institucional, isto se apresenta, muitas vezes, nas repetidas discussões das mesmas questões. Por exemplo: discutimos repetidas vezes as dificuldades que temos em relação ao pagamento, dificuldades estas que se situam tanto do lado dos pacientes quanto dos estagiários e supervisores; também retornam às nossas discussões questões do tipo: - Podemos permitir que um paciente, uma criança, leve consigo um brinquedo? Ou, desenhe nas paredes? E assim por diante...Mas a psicanálise também nos ensina que o que se repete não é exatamente a mesma coisa. Isto nos anima a seguirmos, relançando e ressignificando as nossas interrogações. 2 – APRESENTAÇÃO DA CPU Ângela S. Drügg1 A clínica de Psicologia da Unijuí, fundada em 1993, é um dos programas do departamento de Filosofia e Psicologia da Universidade de Ijuí, no Estado do Rio Grande do 1 Professora do DFP, Mestre em Educação nas Ciências pela UNIJUÍ Sul. Em consonância com a orientação teórica do Curso de Psicologia desta universidade, a clínica de psicologia fundamenta sua praxis nas teorias psicanalítica e psicológica. Os objetivos da clínica são os seguintes: oferecer atendimento psicológico a crianças, adolescentes e adultos; consolidar uma Clínica - Escola, como um espaço de prática e formação clínica para estudantes do curso de Psicologia; constituir um lugar de estudo e de pesquisa. A universidade mantém financeiramente a Clínica e a direção é exercida por um Conselho, composto pelos professores supervisores, professores pesquisadores, um representante dos estudantes estagiários e um professor convidado de reconhecida experiência clínica. O conselho indica o Coordenador da Clínica para um período de 2 anos. Esta indicação é referendada pela Reunião do Colegiado do Departamento. A Clínica propõe-se a atender aqueles que a ela dirigem um pedido de atendimento. A clientela provêm tanto do município de Ijuí, como de municípios próximos, sendo procurada predominantemente por pessoas de baixo poder aquisitivo. O atendimento psicológico é prestado por estagiários de psicologia clínica e por estagiários extensionistas (acadêmicos que já concluíram o estagio curricular da Psicologia Clínica e realizam estágio opcional). A função dos estagiários extensionistas é importante, uma vez que permanecem mais tempo vinculados à Clínica permitindo a transmissão da memória da instituição, no acompanhamento do ingresso dos novos grupos de estagiários a cada semestre. Todos os estagiários recebem supervisão semanal e individual. 2.1- A ÉTICA DO SUJEITO NA PRÁTICA CLÍNICA Trazemos algumas considerações a respeito da experiência de atendimento psicológico, desenvolvida na Clínica de Psicologia da UNIJUÍ, particularmente com relação á ética que orienta nosso trabalho. A Clínica de Psicologia da Unijuí, em consonância com a orientação teórica principal do Curso de Psicologia desta Universidade, fundamenta seu projeto de trabalho na Psicologia, e principalmente na Psicanálise. Consideramos, como nos aponta o psicólogo Luis Cláudio Figueiredo, (no livro “Revisitando as Psicologias: Da Epistemologia à Ética nas Práticas e Discursos Psicológicos”), que as diversas abordagens teóricas que podem dar fundamento ao trabalho do psicólogo, para além das diferenças epistêmicas, remetem a éticas diferenciadas. O termo “ethos” do qual deriva a palavra ética, tem na língua grega o sentido de “morada”. Assim, ao afirmarmos que a cada teoria corresponde uma ética, queremos dizer que as teorias são dispositivos que dão ao homem um lugar e um destino. Certamente a opção pela psicanálise como teoria orientadora de uma clínica-escola não se dará sem que se produzam conseqüências na organização e na condução do trabalho, marcando diferenças com outras concepções de clínica. A origem do método clínico, em acordo com os princípios científicos emergentes, na medicina do século XVIII, estava ligada ao privilégio do olhar da observação e da prescrição no campo dos signos e dos sintomas. Isto é, a doença passou a ser definida em função de um conjunto específico e ordenado de sinais e de sintomas. Estes constituíam a totalidade da doença, eliminando-se toda a distância entre significante e significado, quer dizer, entre a doença e sua expressão sintomática. Esta concepção de clínica privilegia a doença em detrimento do doente. Freud ao criar a psicanálise alicerçada na noção de inconsciente, introduziu uma outra concepção de clínica, porque apontou para a existência de uma outra lógica, regida pelo desejo. Freud descobriu um sujeito dividido, e alienado de si mesmo. Isto só se tornou possível porque na clínica freudiana o médico foi colocado na posição de escuta e a palavra foi devolvida ao doente. Esta divisão que constitui os humanos também pode ser enunciada como uma divisão entre verdade e saber. O discurso científico sustenta que é possível construir um saber sobre a verdade. A psicanálise, ao contrário, revela que, embora a verdade inconsciente atue, em relação a ela ficamos sempre em falta, e é justamente esta falta que nos constitui como sujeitos desejantes. Esta falta estrutural coloca os humanos na condição permanente de busca do objeto que supostamente a preencheria, em outras palavras, que os completasse. Lacan, no “Seminário VII: a Ética da Psicanálise” afirma que uma ética implica num juízo sobre as ações do sujeito, e que neste sentido podemos falar de uma ética da psicanálise uma vez que ela incide na relação entre a ação e o desejo que a sustenta. A ética da psicanálise é formulada por ele, como sendo a ética do “desejo” ou a ética do “bem-dizer”. Enquanto ética do “desejo” a psicanálise não se propõe á realização das vontades do sujeito, porque o desejo no campo da psicanálise não tem objeto, não se apresenta como desejo de algo. O desejo aparece neste campo como um exercício, como algo que impulsiona na direção de um agir. Sendo assim, o desejo tem uma função metonímica de provocar o deslizamento do sujeito de objeto a objeto. “Bem-dizer” não significa que a partir da psicanálise se possa dizer onde está o bem do sujeito, isto é, aquilo que será bom ou ruim para ele, aquilo que ele deve ou não deve fazer. A ética da psicanálise não se propõe como uma ética do serviço dos bens, diferenciando-se assim das éticas tradicionais, que versam sobre seu ordenamento visando a universalização. “Bem-dizer” refere-se à possibilidade de que o paciente se reconheça no inconsciente. Assim, nesta ética, o que norteia os encontros iniciais com o paciente, é possibilitar uma escuta que lhe permita implicar-se na queixa que traz para a partir daí responsabilizar-se por seu sofrimento. Em outros termos, o que se quer possibilitar é que o paciente saia da posição daquele que sofre passivamente e possa se colocar numa posição comprometida com sua “cura”. Para o estagiário é fundamental não responder da posição de quem tem um saber sobre o sofrimento deste, sem contudo ignorar que é justamente esta suposição de saber que vai sustentar a transferência e possibilitar o tratamento. Estas considerações já indicam que não trabalhamos com aconselhamento. O pagamento é trabalhado na transferência, considerando-se os aspectos simbólicos que aí se expressam. Por isso é que não se propõe atendimento gratuito, não usamos nenhum tipo de tabela ou valores pré-fixados (segundo a renda familiar, por exemplo). Considera-se imprescindível para sustentar uma clínica onde se opera na transferência, a supervisão individual, e até onde é possível numa universidade, que a escolha do supervisor também se dê pela via da transferência. Quando um período de estágio se encerra, o paciente é encaminhado a outro estagiário. Esta é uma questão problemática que se coloca para as clínicas-escolas nas quais o trabalho é realizado por estagiários. É um momento em que se observa um número maior de interrupções de tratamento. A orientação que seguimos é de que o desligamento e a passagem sejam trabalhados em supervisão caso a caso. Procura-se considerar as nuances do laço transferencial em cada tratamento. Algumas vezes adota-se o procedimento da apresentação do novo estagiário ao paciente, feita pelo estagiário que está encerrando o estágio. Outras vezes ele é apenas informado do nome de quem vai atendê-lo. É uma característica dos pacientes que procuram tratamento em uma instituição que o pedido de tratamento não venha dirigido a um nome. A procura se dá pelo nome da instituição. Ocorre, por vezes, que como efeito do próprio tratamento, o paciente não suporte mais as trocas de estagiários, estando em condições de endereçar um pedido de tratamento a alguém em particular. Quando se dá uma troca de estagiário é preciso que uma nova relação transferencial se estabeleça. Neste sentido há um fim de tratamento e início de outro. Por outro lado há uma continuidade porque o paciente permanece com um laço com a instituição. Isto nos coloca a questão: quais as informações sobre um paciente que um estagiário deve passar para outro? Temos restringido bastante estas informações, limitando-as mais a dados objetivos como, por exemplo, resultados de exames de outros profissionais, registros de freqüência às sessões, etc... Esta é ainda uma questão sobre a qual sentimos a necessidade de ter uma discussão maior. Sabe-se que toda a instituição pauta seu funcionamento em um conjunto de normas, tendendo, freqüentemente, a uma certa burocratização. Este é um risco que como instituição também se corre. Acontece, às vezes, que procedimentos tomados em uma situação particular se transformem em regras, isto é, se institucionalizam e passam a funcionar como normas, perdendo-se sua razão original. Esta tendência à burocratização coloca-se na direção contrária ao que sejam os fundamentos de uma clínica psicanalítica. Por isso pensamos que a condução de tal prática em uma instituição (neste caso a Clínica de Psicologia da Unijuí) requer o exercício constante da retomada dos seus fundamentos. No dia a dia da vida Institucional, isto se apresenta, muitas vezes, nas repetidas discussões das mesmas questões. Por exemplo: discutimos repetidas vezes as dificuldades que temos em relação ao pagamento, dificuldades estas que se situam tanto do lado dos pacientes quanto dos estagiários e supervisores; também retornam às nossas discussões questões do tipo: - Podemos permitir que um paciente, uma criança, leve consigo um brinquedo? Ou, desenhe nas paredes? E assim por diante...Mas a psicanálise também nos ensina que o que se repete não é exatamente a mesma coisa. Isto nos anima a seguirmos, relançando e ressignificando as nossas interrogações. 2.2 - A especificidade do trabalho na Clínica de Psicologia da Unijuí1 Ana Maria de Souza Dias2 O título desta fala indica meu objetivo: não é trazer aqui a história da instituição, mas tentar resgatar os elementos que guiaram e ainda guiam a experiência que se realiza na Clínica-Escola da Unijuí. Esta história de pouco mais de dez anos nos sustenta em novos caminhos? Quais possibilidades ou perspectivas dariam novos movimentos a este trabalho? 1 2 Palestra apresentada na Jornada da Clínica –19 de novembro / 2004 Professora do Curso de Psicologia da Unijuí e Coordenadora da CPU no ano de 2003/2004 Gostaria de pensar com vocês sobre estas questões, um pouco por dever de ofício e um pouco para me despedir da função de coordenação. A Clínica de Psicologia da Unijuí – CPU – é criada em 1993 para receber a demanda dos estágios curriculares em Psicologia Clínica do curso de graduação, constituindo-se em um programa do Departamento de Filosofia e Psicologia. Atualmente a CPU está organizada do seguinte modo: um Conselho (constituído pelo grupo de professores supervisores, um professor convidado e um representante dos alunos), um Coordenador (escolhido pelo Conselho para um período de dois anos), um conjunto de estagiários que realizam seu estágio curricular em Psicologia Clínica e extensionistas (alunos que optam por continuar seu estágio na clínica por mais um ou dois semestres). Também faz parte do quadro de professores, um médico neurologista, o qual supervisiona os alunos responsáveis por casos que necessitem de avaliações neurológicas, medicações ou outras avaliações médicas. O caráter de clínica-escola se expressa na forma de organização que a CPU adota: o processo de formação do psicólogo inclui a constante articulação entre o fazer psicológico e a sua sustentação através das leituras e discussões solicitadas desde o curso de graduação, das supervisões individuais e semanais, da escrita das muitas atividades que se desenvolvem na Clínica, da participação de cada estagiário em comissões específicas de trabalho... Assim, é possível demarcar duas dimensões de trabalho na Clínica: uma é o atendimento singularizado aos pacientes e a outra é o trabalho institucional. Dimensões que se entrecruzam; originando questionamentos e avanços quanto ao lugar do psicólogo na clínica contemporânea. Com referência ao atendimento individual, a Clínica segue o modelo reconhecido em nossa cultura; quando o paciente vem buscar respostas, que de algum modo, venham aplacar seu sofrimento. Mas sabe-se que para além disso, vem o pedido de ajuda que convoca o terapeuta a dar uma receita para o bem viver. Neste sentido, de acordo com os referenciais éticos que são levados em conta, o trabalho inicia com as entrevistas preliminares, que se ocupam da passagem da queixa à demanda. Ou seja, o que se quer possibilitar na escuta inicial é que o paciente se implique na queixa que traz, passando de uma posição passiva para uma posição de responsabilização pelo seu tratamento. Muitas vezes o pedido de tratamento não é feito pelo próprio paciente e sim por um familiar, ou mesmo é imposto por uma instituição escolar ou da justiça. Em todos os casos, o estagiário acolhe o pedido, para a partir daí trabalhar com questões cruciais: de quem é a demanda? De quem é o sintoma? O importante a sublinhar é que, nesta clínica, não se trabalha com práticas normativas que apontam para padrões ideais de conduta, aos quais levariam à plena realização humana. O que se busca é que o paciente reconheça seu desejo e que ao construir suas próprias respostas, deixe sua vida menos sintomática. O paciente aposta que quem o escuta tem um saber sobre ele e o estagiário reconhece que sem esta aposta, não se constrói uma transferência1. O estagiário trabalha com esta suposição de saber, mas sabe que o suporte teórico, sem referência à experiência de escuta, não garante o lugar de saber sobre um sujeito2. E como se trata de uma clínica-escola, cujos atendimentos são realizados por alunos, são comuns as perguntas sobre o que fazer em cada atendimento (muitas vezes procurando antecipar o que dizer para o paciente, diante de possíveis situações). Por isso, o aluno é relançado continuamente à mescla teoria e técnica, que apesar de não comportar generalizações, coloca o estagiário na busca de um percurso próprio. Quanto à dimensão institucional, cabe destacar que o trabalho psicanalítico vem se inserindo no social, de forma cada vez mais contundente. Esta inserção gera uma produção de conhecimentos que procura compreender os novos modos de subjetivação e as novas expressões que o sofrimento psíquico assume na contemporaneidade. A partir desta articulação teórico-prática, que ultrapassa os limites do modelo clínico clássico, os pesquisadores da área psicanalítica constroem suas observações, reflexões e modalidades de intervenção no social. Nesta direção, a CPU aposta no trabalho institucional expresso em diversas atividades, sempre sustentado pelo referencial clínico. Aqui o termo clínico deriva da abordagem psicanalítica, distanciando-se da concepção tradicional reservada somente ao trabalho de consultório. O fazer psicológico é clínico, à medida que inclui o lugar da escuta em todos os seus projetos de trabalho3. Termo usado na psicanálise para designar o “vínculo afetivo intenso, que se instaura de forma automática e atual, entre paciente e o analista (...)” (CHEMAMA, 1995, p. 217), possibilitando o tratamento psicanalítico. “Fora da situação de análise, o fenômeno da transferência é constante, onipresente nas relações, sejam elas profissionais, hierárquicas, amorosas (...)”. (Ibid.). Freud instaura progressivamente este conceito, à medida que renuncia à hipnose, à sugestão e a catarse. Os analistas pós-freudianos dedicam-se a repensar a noção de transferência, em acordo com sucessivas modificações introduzidas na teoria original. Dentre estes está Lacan, que através de seu seminário sobre a identificação (1961-1962), aponta para uma nova perspectiva: “a transferência aparece ali como a materialização de uma operação que se relaciona com o engano e que consiste em o analisando instalar o analista no lugar do “sujeito suposto saber”, isto é, em lhe atribuir o saber absoluto” (ROUDINESCO, 1998, p. 769). 2 A psicanálise designa o termo, não em seu sentido genérico (como um homem ou um indivíduo em geral), mas como um ser dependente da linguagem. Deste modo, o que produz um sujeito não é uma subjetividade e sim um assujeitamento “desde a história de um dizer, aquilo que já estava lá, antes mesmo de seu nascimento, no discurso de seus pais, aquilo que, depois de seu nascimento, não cessa de acompanhá-lo e de orientar sua vida, em um “tu és isto” sem escapatória” (CHEMAMA, 1995, p. 48). 3 Ampliar para o âmbito institucional, a concepção de prática clínica originada do campo psicanalítico, significa poder trabalhar na direção da “constituição de um espaço clínico institucional, orientado pela escuta do singular, 1 Nestas atividades estão incluídas reuniões gerais, reuniões mensais do Conselho, apresentações clínicas semanais, encontros das comissões de trabalho e projetos de trabalho que partem de demandas institucionais. As reuniões (gerais e do Conselho) não se ocupam apenas de questões administrativas. Os professores estão atentos para a freqüente tendência à burocratização, presente em muitas instituições, como expressa uma supervisora da Clínica: “Sabe-se que toda instituição pauta seu funcionamento em um conjunto de normas, tendendo, freqüentemente, a uma certa burocratização. Este é um risco que como instituição também se corre. Acontece, às vezes, que procedimentos tomados em uma situação particular se transformem em regras, isto é, se institucionalizam e passam a funcionar como normas, perdendo-se sua razão original (DRÜGG, 2001, p. 3)”. Por isso, podemos afirmar que a Clínica não é uma instituição centrada no burocrático, mas mesmo não estando imune a seus efeitos, estrutura-se de forma a transformá-los em algo produtivo criando dispositivos institucionais que sustentam a organização do trabalho. Assim pensamos as reuniões como constantes exercícios teórico-clínicos que traduzem as questões e os encaminhamentos dados às muitas interrogações produzidas no cotidiano da Clínica. As apresentações clínicas compõem-se da apresentação e discussão de um caso clínico, sob a responsabilidade de um aluno, na presença do grupo de colegas e de um professor supervisor. Esta é uma importante atividade que envolve todos os estagiários, construída com a seguinte perspectiva por outra supervisora: “Trata-se de uma atividade fundamental para a formação do psicólogo, na medida em que se constitui num momento clínico no qual se exercita o testemunho sobre o trabalho realizado (...) É um momento privilegiado em que se oportuniza uma interseção entre a dimensão particular e a dimensão institucional. Penso que aí a palavra testemunho é especialmente significativa, pois ela faz referência tanto à particularidade da escuta do caso em questão, como a uma dimensão social, por assim dizer, pois um testemunho é dado a alguém. A alterização que aqui se opera (...) remete o praticante para a responsabilização por seu trabalho entre seus pares, função essencial da instituição (FONTOURA, 2001, p. 4)”. Os encontros das comissões de trabalho são organizados pelo próprio grupo de alunos estagiários. Atualmente são cinco comissões em funcionamento – de estudos, de patrimônio e eventos,do anuário, do site e de publicações –, e ainda outras podem ser formadas, onde os alunos se inserem de acordo com suas escolhas. O objetivo deste trabalho vai além da operacionalização das atividades, já que propõe um espaço de interrogações e discussões teórico-clínicas que fundamentam todas as decisões a serem tomadas nas comissões. num âmbito socializado, no qual se passam compartilhar e debater questões clínicas numa perspectiva ética e de construção de uma reflexão teórica” (FONTOURA, 2001, p. 5). Desta forma, a comissão de estudos propõe e coordena leituras sobre temas relevantes para a construção da prática psicológica, sempre partindo das interrogações que a clínica coloca ao grupo de estagiários. A comissão de patrimônio e eventos se ocupa do funcionamento da Clínica, no seu aspecto organizacional (aquisição e conservação de materiais para as salas de atendimento, programação de eventos) e no aspecto clínico (qual a sustentação teórica para estas ações). A comissão do anuário ocupa-se em selecionar e escrever sobre as atividades cotidianas da instituição e a do site divulga nosso trabalho para quem navega na internet. A comissão de publicação se responsabiliza pela organização e divulgação da produção de trabalho teórico realizado na CPU. Esta comissão, com a coordenação de uma professora supervisora, assina o informativo “FALANDO Nisso”, colocando-o como um espaço de reflexão sobre as questões clínico-institucionais. A possibilidade de uma prática de extensão foi criada com o objetivo de construir memória na Clínica. Isto é, os alunos que concluem seu estágio curricular e querem estender sua experiência formulam seu pedido e ficam mais um ou dois semestres na instituição. Assim podem continuar a atividade de atendimento aos pacientes e também podem transmitir aos novos colegas as marcas deste trabalho. O projeto especial, de responsabilidade dos extensionistas, refere-se à pesquisa. Neste momento, eles constroem uma proposta que inclui a investigação de questões clínicas proveniente das estatísticas relativas aos atendimentos que produzimos. A partir desta proposta de trabalho, desenvolvida na CPU, já surgiram diversos pedidos para intervenções específicas em instituições da cidade e região. Estes pedidos eram transformados em projetos de trabalho, através de convênios analisados e normatizados previamente com as instituições interessadas. Cada projeto ficava sob a responsabilidade de um professor supervisor, que desenvolvia o trabalho juntamente com alunos monitores. Eram intervenções com tempos diferentes: enquanto algumas podiam se estender por anos, outras foram transformadas ou até extintas. Já tivemos os projetos denominados: Atendimento hospitalar e domiciliar, Estágio de Psicopatologia e Relações Interinstitucionais. A modalidade de atendimento hospitalar e domiciliar, por exemplo, foi implantada a partir de demandas feitas por familiares e também por instituições hospitalares. Tratava-se de possibilitar que pacientes, impedidos de se locomoverem até à Clínica (por diversas situações – idosos, hospitalizados ou com doenças graves), pudessem assim mesmo ser atendidos pelos estagiários. Os primeiros pedidos para atendimento vinham do próprio paciente, de familiares ou por indicação médica. Na ocasião houve necessidade de um trabalho específico quanto à natureza da demanda e à forma de atendimento, mas uma vez discutido e construído deixou de ser um projeto específico para incorporar-se ao trabalho cotidiano da Clínica. Da mesma forma, outras idéias foram e ainda são construídas sob estas condições de discussão e análise. Como exemplo, temos a situação de uma demanda específica para atendimentos de meninos institucionalizados. Como a localização deste abrigo é um pouco afastada daqui, eles precisam ser transportados pelo motorista, gerando algumas dificuldades. Então há o reiterado pedido do coordenador para que todos sejam atendidos no mesmo horário para evitar idas e vindas custosas. Até porque de outra maneira, o grupo de meninos ficaria na Clínica do primeiro ao último horário do turno, uns esperando pelos outros pois a possibilidade colocada pela instituição é de uma vinda e uma volta. Ao discutirmos o encaminhamento para a questão, reconhecemos que esta situação repetiria o abandono que faz parte da vida de cada um dos meninos e assim abrimos os horários conforme o pedido, uma vez que pensamos se tratar de uma questão clínica e não apenas burocrática. Ou seja, a equipe ao acolher as demandas, considera os diferentes discursos, organiza intervenções e propõe encaminhamentos específicos. Dito de outra forma, escutamos, avaliamos e intervimos. Todo este trabalho proposto pela CPU se sustenta, e também se renova, a partir dos questionamentos colocados pelos próprios professores e outros profissionais que contribuem com a sustentação teórico-clínica da instituição. Assim, professores, supervisores e alunos estagiários têm na articulação teoria e prática o eixo principal da proposta de trabalho, valorizando uma direção ética, voltada para o sujeito em sua dimensão inconsciente. Estas considerações sobre o trabalho na Clínica me levaram a pensar, através das supervisões, nos atendimentos feitos pelos estagiários à pacientes com quadros clínicos severos e também em experiências de outros colegas e de outras instituições. Tomo, por exemplo, os casos de crianças com problemas de desenvolvimento, as quais tem enorme dificuldade para construir um espaço de convivência social. Sabemos que frequentemente a segregação é gerada a partir da própria família que antecipadamente receia que seu filho não saberá se defender de abusos dos outros. Além disso, a inserção do filho diferente na comunidade se relaciona com a própria queda do imaginário do filho saudável, inteligente e com um futuro promissor. Frente à essa ferida narcísica o efeito é de um enclausuramento destas crianças em um lugar de impossibilidade. Reconhecemos que nos últimos anos fizemos progressos em relação à inclusão destas crianças e adolescentes no sistema escolar, notadamente em relação à substituição de métodos repetitivos que incentivavam as perseverações e estereotipias. De forma geral, produzimos uma atitude social mais integradora. Hoje vemos uma ampla abertura das escolas às crianças deficientes, a ponto de prestarmos atenção para novas dificuldades. Nesta “avalanche de inclusão” muitas crianças são colocadas precipitadamente na situação escolar produzindo novas frustrações, o que nos convoca para a complexidade da abordagem da questão. Penso também nos casos de adolescentes extremamente fragilizados, com severas dificuldades escolares, em conturbadas relações familiares, com prognósticos sombrios em função do isolamento social. Diante destas situações graves, geralmente vividas desde a infância, o sujeito acaba por mutilar sua subjetividade. Nesta perspectiva, é possível ajudar o paciente a construir uma malha de relações, de vínculos sociais, de laços em espaços coletivos? Ainda outra situação me chama a atenção, relacionada às possibilidades de intervenção clínica com pacientes oncológicos, quando “ o imprevisível do acontecimento – no caso o câncer – gera um sentimento de fragilidade, de agitação e de vulnerabilidade que em um primeiro momento, paralisa o sujeito”(Conte,2004). Sabemos que toda a família sofre, embora não o percebam ou mesmo o neguem. Muitos pacientes preferem o silêncio para não sobrecarregar seus familiares, assim também como estes não sabem como reagir, o que dizer ou o que fazer. Os profissionais que os atendem afirmam que esta não é a melhor estratégia, mas que é a mais freqüente. O trabalho analítico nestes casos aponta para “a importância que há para o sujeito poder falar de seu trauma e do acontecimento em sua vida e suas relações com experiências passadas que vêm se somar ao sofrimento atual” (Conte,2004).Nesta direção, é que encontramos serviços de Psicologia que incluem os atendimentos individuais e o trabalho de grupo para pensar e compartilhar as histórias de cada um, com a coordenação de um psicanalista. Estas situações me levam a perguntar se é possível apostar, por outro viés que não apenas o do tratamento clínico convencional, nas possibilidades de uma construção fantasmática capaz de sustentar a emergência de um sujeito? Neste caso, incluindo a circulação social para além do enquadre recortado por uma sala? Estas interrogações apontam, por exemplo, para o trabalho de acompanhamento terapêutico, recurso da Psicologia muitas vezes criticado, mas que vem ganhando visibilidade e reconhecimento para o atendimento de determinados pacientes. Este tipo de intervenção, assim como o trabalho com grupos, ancorados no referencial psicanalítico, poderiam representar outras formas de lidar com a diferença ou com a miséria subjetiva? Reconheço que é um atrevimento de minha parte em lançar estas perguntas, simplesmente porque destes pontos não tenho uma experiência construída. Na verdade, foi apenas uma forma que encontrei para começar a pensar na direção de um movimento de abertura da Clínica a outras idéias, com o cuidado de pensar um “dentro” e um “fora” como uma fita de Moebius. E tudo isto nos leva necessariamente ao trabalho interdisciplinar. Penso que uma direção interessante para sua efetiva construção, para além das pequenas articulações que estamos fazendo através do trabalho desenhado para os laboratórios do curso de graduação, será a implantação do curso de especialização em psicologia clínica previsto para o próximo ano. E novamente estamos diante de novos impasses, ou melhor, de desafios, os quais nos impulsionam para as discussões desta jornada. Portanto, bom trabalho para nós todos. 3 - Regimento Interno da CPU CAPITULO I – Da concepção e dos fundamentos da Clínica de Psicologia ARTIGO 1° A Clínica de Psicologia é um programa do Departamento de Filosofia e Psicologia, visando a prestar atendimento psicológico à comunidade e a região do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. ARTIGO 2° - Propõe-se como uma Clínica – Escola, ou seja, um espaço de prática e formação de estudantes do Curso de Psicologia, objetivando propiciar os alunos um adequado conhecimento teórico e clínico, assim como das responsabilidades do exercício profissional, sustentado a partir de uma ética. ARTIGO 3° - A Clínica de Psicologia, deverá constituir-se em lugar de estudo, reflexão e de pesquisa, visando a produção de conhecimentos que permitam contribuições teóricos- práticas de abrangência social. ARTIGO 4° - Deverá ter como fundamentos as teorias psicanalítica e psicológica, que permitam dar conta da subjetividade do individuo, das diferentes psicopatologias como dos efeitos culturais que nelas estão implicados. ARTIGO 5° - Deverá articular, manter e propor trabalho com instituições similares, como dar encaminhamentos aos trabalhos requeridos por outras instituições. ARTIGO 6°- Deverá manter, prever e incluir outras áreas de conhecimento que contribuam ao trabalho da Clínica. . CAPITULO II – da estrutura e organização da Clínica ARTIGO 7°- A manutenção financeira e material da Clínica é responsabilidade da Universidade, através do Departamento de Filosofia e Psicologia. ARTIGO 8° - A organização, administração e sustentação teórica da Clínica é exercida por um Conselho, composto por professores supervisores e pesquisadores, um representante dos estagiários e um professor convidado de reconhecida experiência clínica. ARTIGO 9°- Compete ao Conselho da Clínica: I - Sugerir, implementar e decidir das atividades, dos projetos e da vida administrativa e organizacional da Clínica. II - Se responsabilizar para que os fundamentos teóricos e éticos orientem e sustentem a prática clínica. III - Indicar e aprovar o coordenador da Clínica. ARTIGO 10° - Fazem parte da clínica, a coordenação, supervisores (psicólogos e um médico), estudantes cursando estágio de Psicologia Clínica, extensionista do curso de Psicologia, estagiários de psicopatologia e secretarias administrativas. ARTIGO 11°- A coordenação da Clínica é indicada pelo Conselho e referendada pelo Departamento de Filosofia e Psicologia para um período de 2 anos. Compete ao coordenador da Clínica de Psicologia da Unijuí: I - Organizar e acompanhar as atividades realizadas na Clínica; II - Propiciar a implantação de atividades e novos projetos, devidamente aprovados pelo Conselho; III - Zelar pela organização e funcionamento da Clínica; IV - Manter contato com instituições similares e dar encaminhamentos aos trabalhos requeridos por outras instituições. V - Promover estudos e jornadas relacionados á prática clínica em conjunto com supervisores e estagiários; VI - Realizar reuniões sistemáticas com a equipe da Clínica, supervisores e estagiários. ARTIGO 12° - Compete ao supervisor (psicólogo): I - Supervisionar e orientar individual e semanalmente o trabalho do estagiário na Clínica; II - Orientar os estagiários a respeito da Ética do psicólogo na prática clínica. III - Coordenar apresentações de casos clínicos; IV – Participar do Conselho e contribuir nas diferentes atividades da Clínica, através de palestra, estudos, textos escritos, etc.. ARTIGO 13° - Compete ao supervisor (médico) I – Dar supervisão individual para os estagiários, quando necessário, com consentimento e orientação do supervisor do estudante; II – Esclarecer e intervir nos casos de avaliação médica (neurológica) e de medicação que interfira e dificulte o tratamento psicológico do paciente; III – Contribuir nas atividades interdisciplinar do psicólogo. ARTIGO 14°- Compete ao estagiário: que permitam uma formação I - Durante o período de estágio na Clínica deverá prestar atendimento psicológico às pessoas que procuram a instituição; II - Realizar supervisão semanal e individual. III - Participar de reuniões gerais da Clínica; IV - Participar de comissões, estudos ou jornadas da Clínica; V - Sugerir e contribuir na própria gestão da Clínica; VI - Apresentar e discutir no mínimo um caso clínico; VII - O estagiário deverá exercer e levar em conta aspectos éticos com relação aos atendimentos, tais como; pontualidade, sigilo e assiduidade. VIII - Zelar pela estrutura, organização e funcionamento da Clínica. ARTIGO 15° - Compete ao estagiário extensionista: I - Cumprir com as atribuições do estagiário na Clínica; II - Facilitar e contribuir estagiários na Clínica. para a integração dos novos ARTIGO 16° - Compete ao estagiário de psicopatologia I – Contribuir na articulação da Clínica com outras instituições para facilitar, quando necessário, o trabalho dos atendimentos clínicos; II – Participar das apresentações de caso clínicos e das reuniões gerais da Clínica. ARTIGO 17° - Compete à secretaria da Clínica: I - Marcar consultas de pacientes e atendimento ao público; II - Organizar agenda de atendimentos; III - Zelar pela estrutura da Clínica; IV - Assessorar na parte administrativa à equipe da Clínica ARTIGO 18° - Qualquer alteração no presente regimento deverá ser submetida à apreciação do Conselho da Clínica, passando a vigorar a partir de determinação do próprio Conselho. 4 - NORMAS PARA EXTENSÃO DE ESTÁGIO EM PSICOLOGIA CLÍNICA 1° -PÚBLICO ALVO: Alunos do Curso de Psicologia da UNIJUÍ, que concluíram com aprovação um (1) ano de estágio regulamentar do Curso na Clínica de Psicologia da UNIJUÍ. Obs.: a decisão de acolhimento de extensionistas que realizaram estágio de psicologia clínica em outras instituições cabe ao Conselho da Clínica. 2° - Pode ser mantida e protelada essa extensão enquanto o aluno estiver matriculado no referido curso. 3° - ATIVIDADES: Atendimento de pacientes. Participação nas apresentações de caso. Apresentação de um caso clínico por semestre. Participação nas reuniões e seminários promovidos pela Clínica. Supervisão semanal. Compromisso com a vida institucional. Responsabilização pela monitoria de um Projeto. Fica à critério do extensionista a participação nas comissões internas. 4° - CLÁUSULAS PARA A CONTINUIDADE DA EXTENSÃO: 75% de freqüência nas reuniões, atividades teóricas e supervisões.. Cumprimento mínimo de 06 horas semanais (03 h em atendimento e 03 h nas outras atividades). Apresentação até o dia 07 de cada mês do comprovante de pagamento dos créditos. 5° - CANCELAMENTO DA EXTENSÃO: Poderá ser solicitado a qualquer momento pela Coordenação da Clínica, quando do não cumprimento das cláusulas, ou pelo próprio estagiário quando for do interesse do mesmo, respeitando-se um período mínimo para a comunicação aos pacientes e transferência do caso para outro estagiário; este tempo será determinado com o supervisor. 6° - A clínica fornecerá um atestado discriminado da extensão de estágio, incluindo a duração e as atividades realizadas. 5 - Organograma da Clínica de Psicologia Departamento de Filosofia e Psicologia Clínica De Psicologia da Unijuí Repr. estagiários Conselho da Clínica Prof Supervisor Prof. Pesquisadores Prof. Convidado Coordenação Estagiários de Psicologia da Clínica Secretaria Estagiários em Extensão de Psicologia da Clínica 6 - Ações da Clínica de Psicologia Ações da Clínica de Psicologia Atendimentos Psicológicos Ações de Formação Atendimentos individuais e semanais. Atendimentos de crianças, adolescentes e adultos. Atendimento psicológico hospitalar e domiciliar. Supervisão Semanal e Individual. Supervisão – área médica. Seminários clínicos. Reuniões Gerais Clínicas. Reuniões de Supervisores. Apresentações de Casos. Comissão de Estudos. Comissão de Patrimônio e Eventos. Comissão de Publicações. Comissão de divulgação no site da Clínica. Comissão de organização do Anuário. Pesquisa e Extensão Projetos de pesquisas. Projetos de Extensão. 7 - DESCRIÇÕES DAS AÇÕES DA CLÍNICA A articulação dos três objetivos da Clínica, oferecer atendimento psicológico, a formação de uma Clínica- Escola, ou seja, um espaço de prática e formação do psicólogo e a pesquisa em psicologia clínica, se dá através de diversas ações. Neste sentido, para poder melhor visualizar, descrevemos em três espaços estas ações, ressaltando que as mesmas são articuladas e que uma sustenta as outras. Teremos assim, ações clínicas que são os atendimentos psicológicos, ações de formação e a pesquisa. 1 - Ações clínicas Atendimento Psicológico O numero de atendimento psicológico vem aumentando a cada ano. No ano passado a media mensal foi de 305 atendimentos. Na maioria dos casos são crianças e adolescentes, com diversas psicopatologias. Na Clínica realizam-se: - O atendimento psicológico individual e semanal, tanto para crianças, adolescentes, como para adultos; - Entrevistas com pais ou responsáveis, estas se inserem no tratamento da criança. Ressaltamos que os atendimentos realizados por estagiários e extensionistas, são supervisionados individual e semanalmente por um professor supervisor. Além das demandas individuais, temos recebido em grande número demandas de escolas, de instituições que lidam com questões da infância e adolescência, como, por exemplo, os Conselhos Tutelares, a Vara da infância e da Juventude (instituição judiciária), Instituições escolares e de saúde. Atendimento psicológico a partir de demandas institucionais A Clínica da Unijuí, devido a seu reconhecimento social na região, recebe diversas demandas de diferentes instituições públicas para atendimento psicológico de crianças, adolescentes e famílias. Este trabalho dá-se através de convênios institucionais discutidos e analisados previamente com as instituições interessadas. Assim, temos: Atendimento hospitalar e domiciliar Caracteriza-se pelo atendimento psicológico a pacientes que estejam impossibilitados de dirigir-se a Clínica. Esta modalidade de atendimento foi implantado a partir de pedidos tanto de familiares como de instituições, particularmente hospitalares. Este tipo de paciente apresenta especificidade tanto em relação à natureza da demanda como a nível operativo do atendimento. Assim temos: Atendimento psicológico domiciliar a pacientes idosos ou que estejam impedido de se deslocarem até a clínica; Atendimento psicológico a pacientes hospitalizados a pedido destes, de familiares ou por indicação médica. 2 - Ações de formação: Apresentação de caso A apresentação de caso é uma atividade incluída dentro da formação do psicólogo na Clínica de Psicologia da Unijuí. Nesta atividade cada estagiário tem por responsabilidade a apresentação clinica de um caso. Esta apresentação é feita num espaço coletivo, caracterizando-se como experiência importante de aprendizagem onde o estagiário expõe uma apresentação de material clínico (construção ficcional) do caso para seus pares, ou seja, o grupo de estagiários. Na medida que esta apresentação dá-se neste espaço coletivo permite aos estagiários o testemunho de sua produção, como o compartilhamento de suas interrogações e construções teóricas-clínicas que o trabalho clínico suscita. Esta atividade é coordenada por um dos professores supervisores (com exceção do próprio) que não deve ser o supervisor do estagiário), cuja função de alteridade permite acompanhar e articular as diversas e às vezes desorganizadas construções teóricas que se realizam durante esta atividade. E também permitir que as diversas interrogações fiquem sempre abertas de forma a continuar sustentando o próprio trabalho. Desta forma a apresentação de caso constitui-se num momento fundamental de construção clínica, elaborando e formulando modos próprios e comuns de proceder deste trabalho, através de um espaço de discussão interna e coletiva. É um dos lugares onde os procedimentos da clínica são discutidos e progressivamente teorizados. Supervisão A supervisão faz parte do programa de formação do psicólogo na clínica da Unijuí. Cada estudante estagiário tem supervisão semanal e individual. Na medida dos limites institucionais tenta-se que a demanda de supervisão seja baseada na transferência, ou seja, que cada estagiário possa escolher e endereçar sua demanda a um supervisor de sua escolha. A supervisão é uma experiência especifica onde se trabalham os remanejamentos identificatórios através da confrontação clínica e teórica.Trata-se de um espaço subjetivo que permite ao estagiário comunicar o fruto de suas elaborações. É a partir da supervisão que o estagiário se autoriza progressivamente a colocar-se na posição de psicólogo. O supervisor na sua função de escuta permite ao estagiário supervisionando se desfazer das idealizações e das ciladas narcísicas e ao mesmo tempo orientar a direção do tratamento. Supervisão – área médica Esta supervisão é realizada pelo médico, integrante da equipe da clínica. O estagiário pode demandar uma supervisão ao professor- médico, no caso de crianças com suspeita de um diagnóstico neurológico ou crianças que já chegam com tratamento medicamentoso. Para isto é necessário que a demanda de supervisão tenha sido decidida com seu supervisor de estágio. A função do professor-médico é esclarecer ao estagiário sobre as possíveis suspeitas neurológicas, como os efeitos na criança da medicação (isto no caso da criança estar sendo medicada) e orientar quanto a um diagnóstico diferencial. Jornadas, conferências e palestras: A jornadas da Clínica são realizadas uma vez por ano. Elas se caracterizam por serem organizadas pela iniciativa dos próprios estagiários. Nela participam tanto professores, supervisores e estagiários. A temática de cada Jornada surge a partir de interrogações essenciais que cada grupo de estagiários se coloca no processo de sua prática clínica. Neste sentido, as jornadas tem-se tornado uma marca dentro da Clínica, como um espaço de discussão e construções teóricas-clínicas pontuais. Estas jornadas são abertas ao público e tem se privilegiado pela participação de outras clínicas universitárias. Desta forma existe uma troca de experiência, de interrogações e de produções que especificam estas instituições. Também se tem como prática a realização de conferências e palestras enfocando temáticas clínicas que sejam ligadas às psicopatologias, ao manejo clínico, às possíveis intervenções, os sintomas clínicos que se manifestam na contemporaneidade, etc. Comissões de trabalho Faz parte ainda da organização interna da clinica o trabalho em comissões, que são compostas e coordenadas por estagiários. As comissões em funcionamento são as seguintes: 8 - COMISSÕES: COMISSÃO DE PATRIMÔNIO E EVENTOS A Comissão de Patrimônio e Eventos é responsável pelo controle, organização e manutenção do patrimônio da Clínica, e também pela organização da Jornada da Clínica realizada anualmente no mês de novembro. Diariamente integrantes da Comissão revisam as salas de atendimento, repondo os materiais quando necessário. As reuniões são realizadas todas as quartas feiras, no horário das 17:00 as 19:00 h. Componentes: Giovana da Rocha (coordenadora), Ana Alice Marques, Scheila Susani Faistel, Aline Waslavick, Elisiane Tiecker, Camila Casali (coordenadora), Micheli Stefanello, Claudia dos Santos, Débora Dreher. COMISSÃO DE DIVULGACÃO DO SITE A Comissão de Divulgação do Site da Clínica de Psicologia da Unijuí foi formada a partir do primeiro semestre de 2004. Visa, junto com a Assessoria de Comunicação da Unijuí, atualizar a página da Clínica, divulgando as diversas atividades realizadas por esta e seus integrantes. As reuniões são realizadas semanalmente, às quartas feiras, das 17:30 às 19:30h, em uma das salas de reuniões da Clínica. Componentes: Janice Zagonel (coordenadora), Sara Ferreira, Elisiane Andriguetto, Raquel Raffaelli, Ruth Müller, Claudia Bourscheid, Sara Pelli. COMISSÃO DE ESTUDOS Cabe à Comissão de Estudos organizar os grupos de estudos, proporcionar espaços de discussão, momentos de trocas de experiências clínicas e promover a escrita. A forma de trabalho da Comissão de Estudos é a de sistematizar as discussões com cada grupo de estudos que venha a se constituir na Clínica de Psicologia da Unijuí. Posteriormente, as questões discutidas por cada grupo de estudos serão apresentadas para discussão com todos os estagiários da Clinica de Psicologia, com o objetivo de compartilhar e promover a articulação das práticas clínicas com a teoria psicanalítica. A Comissão de estudos reúne-se semanalmente às sextas feiras a partir das 13:30 horas, tendo por local de suas reuniões uma das salas de reunião da Clínica de Psicologia da Unijuí. Componentes: Adriane Bitencourt (coordenadora), Tatiane Cabral, Daiana Della Flora, Michele Vier, Laís Sartor, Vera Lucia Maehler, Angela Dill, Carmem Bottega, CatiúciaMayer, COMISSÃO Prof Colaborador: Luis DE Fernando Lofrano de Oliveira. PUBLICAÇÕES A comissão de publicações é responsável pela organização, elaboração e circulação bimestral do informativo “Falando Nisso...”, que visa apresentar os frutos das interrogações clínicas que circunscrevem nossa experiência. As atividades realizadas pela comissão são: levantamento junto aos colegas acerca das questões que mobilizam o trabalho clínico, discussão da temática proposta e de colaboradores/escritores sugeridos e pensados pelo grupo em reunião geral, contato com os referidos colaboradores convidando-os à participação, acompanhamento da diagramação do jornal junto a Usina de Idéias, e de todos os detalhes que o cercam até sua finalização. A comissão de Publicações conta com parceria junto a Usina de Idéias, responsável pela diagramação e projeto gráfico do informativo, e Gráfica Unijuí, responsável pela impressão do mesmo. O Falando Nisso... tem atualmente uma tiragem de 800 (oitocentos) exemplares e possui grande circulação, sendo enviado para mais de 300 (trezentas) entidades em Ijuí e região. Componentes: Patrícia Fagundes (coordenadora), Rochelli Colossi, Elisiane Mazzarro, Francieli de Souza, Ana Paula de Oliveira, Rossana da Cunha Alvo, Luiza Zorzo, Luciana Côas, Tatiana Bertasso, Professora coordenadora: Tânia Borba. COMISSÃO DO ANUÁRIO O ato clínico realizado pelo estagiário é o objetivo maior da clínica- escola. Pode-se afirmar isso sem desalojar o objetivo conjunto da formação do estagiário. Dessa forma, o ato clínico que se realiza é concebido como real e não como experimentação. O paciente é recebido como sujeito de seu tratamento, que tem alcances reais que precisam ser dimensionados na supervisão, no estudo e na pesquisa. Esse dimensionamento implica uma demonstração clínica que precisa poder ser feita a cada vez que seu aparecimento exigir, e essa demonstração precisa comportar uma forma escrita que a capture e publique. A exigência do texto escrito está de acordo com o objetivo da pesquisa na universidade, mas, mais ainda, com a constituição da memória que o ato clínico produz e que precisa se manter. É dessa forma que foi definida a realizarão de um anuário da Clínica de Psicologia. Seu objetivo é de se constituir num espaço de publicação da elaboração da atividade clínica realizada a partir de seus estabelecimentos, e que seja meio de constituição da memória histórica do trabalho realizado. Em suma, o anuário é para ser o resultado da publicação de eventos clínicos que mantiveram em atividade cotidiana todo o trabalho da Clínica de Psicologia. Componentes: Claudia Farias (Coordenadora), Cristiane Gonçalves, Carla Gasparetto, Lurdes Zimerman, Laiza Francielli Bortolini dos Santos, Prof Coordenador: Ubirajara Cardoso de Cardoso 9 – EQUIPE DA CPU: Nome das estagiárias que ingressaram na Clínica no 1ºsemestre de 2004 01- Angela Dill 02- Adriane F. Bitencourt 03040506070809- Aline Wazlawick Catiúcia Hardt Mayer Claudia F. Borscheid Claudia Farias Elisiane Andrighetto Giovana da Rocha Janice Zagonel 10- Laís Sartor 11- Laiza Bortolini 12- Lourdes Mello Krüger 13- Patrícia V. F. da Silveira 14- Sara Ferreira Extencionistas 1º semestre de 2004 01-Elisa Zottis 02 -Samira Ahmad Magalhães 03 -Teresinha L. Guberovich Extencionistas 2º semestre de 2004 01- Amabile Rubim 02- Bruna Facco de Mello 03- Caroline Fogaça 04- Chaveli D. Brudna 05- Francieli Luppi 06- Keli Holz 07- Lidiene Superti 08- Márcia Langendorf 09- Euclésio Rambo Nome dasdas estagiárias Nome estagiárias que 01- ingressaram Anna Alice Marques na Clínica no 02- Ana2ºsemestre Paula de Oliveira de 2004 03- Camila Zandoná Casalli 04- Carla Gasparetto 05-Carmem Bottega 06- Célia Regina Rodrigues 07- Claudia L. dos Santos 08- Cristiane dos Reis Gonçalves 09- Daiana M. Della Flora 10- Débora Dreher 11- Elisiane Mazzarro 12-Elisiane Tiecker 13-Francieli de Souza 14-Luciane Sauer Côas 15-Luiza S. Zorzo 16- Michele Cristina Vier 17-Michele Stefanello 18- Raquel Raffaelli 19 - Rochelli Colossi 20- Rossana da C. Arbo 21- Ruth Débora Müller 22- Sara Cristina Lopes Pellin 23- Sheila Susani Faistel 24-Tatiane Bertasso 25- Tatiane Cabral 26- Vera Lucia Maehler Corpo docente (supervisores e pesquisadores) No ano de 2004 a equipe da Clínica se constitui de 60 estagiários de psicologia clínica, 3 estagiários extensionistas no primeiro semestre e 9 estagiários extensionistas no segundo, 8 professores supervisores um dos quais ocupa também a função de Coordenador, e 2 secretários. O corpo docente é o seguinte: - Ana M. S. Dias - Psicóloga, mestre em Educação nas Ciências (UNIJUI). - Gustavo Héctor Brun – Psicólogo, Mestre em Psicologia Clínica (PUCCAMP). - Cristian Giles – Psicóloga, Mestre em Psicanálise e Psicopatologia (Paris 13) - Nilson Heidmann – Psicólogo, Especialista em Psicanálise na cultura: saber e ética. (UNIJUI). - Tania de Souza Borba – Psicóloga, mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ). - Helga Porsch – Neurologista Infantil. - Ubirajara Cardoso – Psicólogo, especialista em atendimento clínico- ênfase psicanalítica (UFRGS). -Luis Fernando Lofrano de Oliveira – Psicólogo, Doutor em Psicanálise e Psicopatologia (Universidade Paris 13- França). 10 - LEVANTAMENTO DE DADOS 2004: 1º Semestre de 2004 26 de Fevereiro à 31 de Março Nº de Atendimentos Março: 405 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (26/02/04 à 31/03/04) Adultos Crianças Quantos encerraram o tratamento 174 124 pacientes antigos 50 pacientes novos neste período 81 Masculino: 19 Feminino: 62 93 Masculino: 57 Feminino: 36 29 Adultos: 15 Masc.: 4 Fem.: 11 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 66 Masc.:15 Agendaram a 1ª consulta Crianças: 14 Masc.: 8 Fem.: 6 145 Crianças: 79 Fem.: 51 Masc.: 49 Total: 146 Novos: 83 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Antigos: 63 Total: 50 Novos: 50 Agendaram a 1ª consulta e Fem.: 30 Antigos: 0 Total: 96 Novos: 33 não compareceram Antigos: 63 1º Semestre de 2004 01 de Abril à 31 de Abril Nº de Atendimentos Abril: 347 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (01/04/04 à 30/04/04) Adultos Crianças Quantos encerraram o tratamento 180 145 pacientes antigos 35 pacientes novos neste período 91 Masculino: 20 Feminino: 71 89 Masculino: 57 Feminino: 32 19 Adultos: 12 Masc.: 2 Fem.: 10 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 79 Masc.: 18 Agendaram a 1ª consulta Crianças: 7 Masc.: 3 Fem.: 4 161 Crianças: 82 Fem.: 61 Masc.: 54 Total: 48 Novos: 40 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Fem.: 28 Antigos: 8 Total: 35 Novos: 31 Agendaram a 1ª consulta e não compareceram Antigos: 4 Total: 13 Novos: 9 Antigos: 4 1º Semestre de 2004 01 de Maio à 31 de Maio Nº de Atendimentos Maio: 345 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (01/05/04 à 31/05/04) Adultos Crianças Quantos encerraram o tratamento 201 161 pacientes antigos 40 pacientes novos neste período 97 Masculino: 23 Feminino: 74 104 Masculino: 65 Feminino: 39 38 Adultos: 21 Masc.: 5 Fem.: 16 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 76 Masc.: 18 Agendaram a 1ª consulta Crianças: 17 Masc.: 11 Fem.: 6 163 Crianças: 87 Fem.: 58 Masc.: 54 Total: 52 Novos: 46 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Fem.: 33 Antigos: 6 Total: 40 Novos: 35 Agendaram a 1ª consulta e não compareceram Antigos: 5 Total: 12 Novos: 11 Antigos: 1 1º Semestre de 2004 01 de Junho à 31 de Junho Nº de Atendimentos Junho: 370 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (01/06/04 à 30/06/04) Adultos Crianças Quantos encerraram o tratamento 199 163 pacientes antigos 33 pacientes novos neste período 96 Masculino: 23 Feminino: 73 100 Masculino: 64 Feminino: 36 24 Adultos: 14 Masc.: 5 Fem.: 9 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 82 Masc.: 18 Agendaram a 1ª consulta Crianças: 10 Masc.: 6 Fem.: 4 172 Crianças: 90 Fem.: 64 Masc.: 58 Total: 45 Novos: 38 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Antigos: 7 Total: 33 Novos: 28 Agendaram a 1ª consulta e não compareceram Antigos: 5 Total: 12 Novos: 10 . Fem.: 32 Antigos: 2 1º Semestre de 2004 01 de Julho à 31 de Julho Nº de Atendimentos Julho: 240 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (01/07/04 à 31/07/04) Adultos Crianças Quantos encerraram o tratamento 176 172 pacientes antigos 4 pacientes novos neste período 86 Masculino: 18 Feminino: 68 90 Masculino: 58 Feminino: 32 11 Adultos: 8 Masc.: 3 Fem.: 5 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 78 Masc.: 15 Agendaram a 1ª consulta Crianças: 3 Masc.: 2 Fem.: 1 165 Crianças: 87 Fem.: 63 Masc.: 56 Total: 10 Novos: 9 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Fem.: 31 Antigos: 1 Total: 4 Novos: 4 Agendaram a 1ª consulta e não compareceram Antigos: 0 Total: 6 Novos: 5 Antigos: 1 2º Semestre de 2004 02 de Agosto à 31 de Agosto Nº de Atendimentos Agosto: 563 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (02/08/04 à 31/08/04) Adultos Crianças Quantos encerraram o tratamento 304 165 pacientes antigos 139 pacientes novos neste período 138 Masculino: 27 Feminino: 111 166 Masculino: 103 Feminino: 63 75 Adultos: 29 Crianças: 46 Masc.: 19 Fem.: 10 Masc.: 28 Fem.: 18 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 103 Masc.: 20 Agendaram a 1ª consulta 229 Crianças: 126 Fem.: 83 Masc.: 83 Total: 218 Novos: 172 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Fem.: 43 Antigos: 45 Total: 139 Novos: 109 Agendaram a 1ª consulta e não compareceram Antigos: 29 Total: 79 Novos: 63 Antigos: 16 2º Semestre de 2004 01 de Setembro à 30 de Setembro Nº de Atendimentos Setembro: 539 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (01/09/04 à 30/09/04) Adultos Crianças Quantos encerraram o tratamento 276 229 pacientes antigos 47 pacientes novos neste período 126 Masculino: 30 Feminino: 96 150 Masculino: 98 Feminino: 52 42 Adultos: 27 Masc.: 3 Fem.: 24 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 99 Masc.: 28 Agendaram a 1ª consulta Crianças: 15 Masc.: 10 Fem.: 5 234 Crianças: 135 Fem.: 71 Masc.: 89 Total: 67 Novos: 62 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Fem.: 46 Antigos: 5 Total: 47 Novos: 43 Agendaram a 1ª consulta e não compareceram Antigos: 4 Total: 20 Novos: 19 Antigos: 1 Dados obtidos no período de 01 de Setembro de 2004 até 30 de Setembro de 2004. 2º Semestre de 2004 01 de Outubro à 31 de Outubro Nº de Atendimentos Outubro: 482 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (01/10/04 à 31/10/04) Adultos Crianças 266 234 pacientes antigos 32 pacientes novos neste período 104 Masculino: 30 Feminino: 74 126 Masculino: 84 Feminino: 42 Adolescente 36 Masculino: 19 Quantos encerraram o tratamento Adultos: 12 Masc.: 5 Fem.: 7 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 92 Masc.: 25 Fem.: 67 Agendaram a 1ª consulta Feminino:17 35 Crianças: 17 Masc.: 10 Fem.: 7 231 Crianças: 109 Masc.: 74 Fem.: 35 Total: 48 Novos: 41 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Adolescente: 6 Masc.: 2 Fem.: 4 Adolescente: 30 Masc.: 17 Fem.: 13 Antigos: 7 Total: 32 Novos: 28 Antigos: 4 Agendaram a 1ª consulta e não compareceram Total: 16 Novos: 13 Antigos: 3 2º Semestre de 2004 01 de Novembro 30 de Novembro Nº de Atendimentos Novembro: 431 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (01/11/04 à 30/11/04) Adultos Crianças 266 231 pacientes antigos 35 pacientes novos neste período 112 Masculino: 34 Feminino: 78 116 Masculino: 78 Feminino: 38 Adolescente 38 Masculino: 20 Quantos encerraram o tratamento Adultos: 30 Masc.: 8 Fem.: 22 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 82 Masc.: 26 Fem.: 56 Agendaram a 1ª consulta Feminino: 18 56 Crianças: 21 Masc.: 13 Fem.: 8 210 Crianças: 95 Masc.: 65 Fem.: 30 Total: 74 Novos: 68 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Adolescente: 5 Masc.: 1 Fem.: 4 Adolescente: 33 Masc.: 19 Fem.: 14 Antigos: 6 Total: 35 Novos: 31 Antigos: 4 Agendaram a 1ª consulta e não compareceram Total: 39 Novos: 37 Antigos: 02 2º Semestre de 2004 01 de Dezembro à 31 de Dezembro Nº de Atendimentos Dezembro: 356 Nº de Pacientes Nº de pacientes durante o período (01/12/04 à 31/12/04) Adultos Crianças 234 210 pacientes antigos 24 pacientes novos neste período 98 Masculino: 30 Feminino: 68 100 Masculino: 69 Feminino: 31 Adolescente 36 Masculino: 20 Quantos encerraram o tratamento Adultos: 9 Masc.: 3 Fem.: 6 Quantos continuam vindo aos atendimentos Adultos: 84 Masc.: 26 Fem.: 58 Agendaram a 1ª consulta Feminino: 16 18 Crianças: 8 Masc.: 5 Fem.: 3 216 Crianças: 99 Masc.: 65 Fem.: 34 Total: 36 Novos: 35 Agendaram a 1ª consulta e compareceram Adolescente: 1 Masc.: 0 Fem.: 1 Adolescente: 33 Masc.: 17 Fem.: 16 Antigos: 01 Total: 24 Novos: 23 Antigos: 01 Agendaram a 1ª consulta e não compareceram Total: 12 Novos: 12 26/02/04 a 31/12/04 Número de atendimentos durante o ano Número de pacientes durante o período Antigos Novos Adultos Crianças Adolescente Encerraram tratamento Continuam vindo aos atendimentos Agendaram primeira consulta Compareceram Não Compareceram 4078 2273 1834 439 1029 1134 110 347 1926 744 439 305 Antigos: 0 Número de atendimentos durante o ano de 2004 4078 Número de atendimentos durante o ano Número de pacientes durante o período Antigos Novos Adultos Crianças 2273 Adolescente 1926 1834 Encerraram tratamento Continuam vindo aos atendimentos Agendaram primeira consulta Compareceram 1134 1029 Não Compareceram 744 439 347 439 305 110 1 26/02/04 a 31/12/04 11 - Discussão do levantamento de dados de 2004 Carla Gasparetto1 Cláudia Farias 1 Estagiárias da CPU integrantes da Comissão do Anuário. A Clínica de Psicologia da UNIJUI tem doze anos de trabalho na comunidade e dentro da universidade de Ijuí. Seu trabalho é considerado referência para a população local como para a região. Ela funciona praticamente o ano inteiro, com exceção do mês de fevereiro. Ultimamente devido à demanda de atendimento psicológico temos aumentado os dias e horários de atendimentos, passando inclusive a funcionar para além do horário estabelecido. A clientela que procura atendimento psicológico é bastante diversa, abrangendo uma população de variado poder aquisitivo, encaminhada através de diferentes instituições (Conselho Tutelar, Instituto de Menores e principalmente escolas), médicos (principalmente neurologistas) e há também os que procuram tratamento por livre iniciativa. Nos quadros anteriores foi feito um levantamento de dados da Clínica de Psicologia da Unijuí referente ao número de atendimentos do ano de 2004. Estes funcionam como um registro quantitativo dos pacientes, considerando o número de atendimentos dentro do período de um mês. São computados o número de pacientes novos que se dirigem a clínica, pacientes antigos que permanecem em atendimento, o número de crianças e adultos e ainda aqueles que marcam a primeira consulta mas não comparecem. O que isso interessa para o Anuário? Sabe-se que a Comissão do Anuário tem como objetivo poder analisar e discutir tudo aquilo que caracteriza a CPU, ou seja, todo material clínico que foi produzido durante o ano. Assim, entendemos que os dados da clínica, mesmo sendo uma necessidade burocrática obedecendo a uma norma institucional, oferecem elementos que podem ser discutidos e considerados como material de estudo. Isso porque consideramos, segundo Lacan que: “A história não é o passado. A história é o passado na medida em que é historiado no presente _ historiado no presente porque foi vivido no passado”. (LACAN, Livro 1, 1953 – 1954. p. 21). Para tanto, realizamos alguns encontros com Luis Fernando Lofrano de Oliveira, professor do DFP e supervisor da Clínica de Psicologia da Unijuí, a fim de discutir os referidos dados. O objetivo inicial era discutir os dados quantitativos do numero de atendimentos, o percentual de meninos e meninas, crianças e adultos, ou seja, os dados enquanto registros estatísticos. Para nossa surpresa a discussão iniciou com a questão da falta do registro de adolescentes, pois esse era um dado inexistente. Porque faltava o registro de adolescentes? Há dificuldade em fazer esse registro? Então, os dados dos adolescentes passaram a ser computados separadamente das crianças e dos adultos.Um dos motivos que nos permitem pensar a falta desse registro é que anterior ao trabalho da Comissão do Anuário, o registro dos dados era elaborado pelos secretários da Clínica a partir de um modelo padrão, agora então, estes dados passam a fazer parte da discussão clínica e aberto a modificações. Levamos isso para a discussão com todos os Estagiários da Clínica em reunião geral. Decidimos que cada um indicaria os adolescentes que atende. E junto com esse pedido levantamos algumas questões: como se determina o período da adolescência? Sabemos o quanto que a adolescência é um discurso subjetivo mas até que ponto é independente da questão cronológica? Como registrar nas fichas algo subjetivo? Como normatizar por idade a adolescência? Os estagiários, por sua vez, não apresentaram maiores dificuldades em indicar os adolescentes que estão em atendimento. Como critério utilizaram os limites cronológicos associados ao material clínico trazido pelos pacientes. Isso foi novamente discutido em outra reunião geral, quando alguns estagiários puderam contribuir com relatos de fragmentos de caso que auxiliaram nesse registro dos adolescentes. Para tanto, foi necessário não ficar colado somente na posição discursiva e considerar a questão cronológica. Ainda abordando questões referentes às fichas, destacamos a denominação de pacientes novos e pacientes antigos. Surge então novamente uma questão referente ao tempo lógico e cronológico: depois de quanto tempo consideramos um paciente como antigo? Essas considerações não têm como não estarem atreladas ao tempo lógico, contudo não se prende somente a isso, pois considerando que antigo pode ser um significante que remete a algo da ordem unicamente temporal, portanto compreendemos que pacientes antigos são os pacientes em atendimento. Por que pacientes em atendimento? Essa questão foi levantada pela diferenciação de tratamento e atendimento. Por que nem todas as pessoas que procuram a Clínica de Psicologia estão buscando um tratamento a longo prazo, algumas trazem questões pontuais para serem atendidas naquele momento. Sabemos que não é uma questão fácil saber quem está em tratamento ou quem busca atendimento, em vista da formação de cada estagiário e da própria compreensão do que é um tratamento. Questionamos a afirmação de que todos os pacientes estão em tratamento, tanto na Clínica de Psicologia da Unijuí quanto em qualquer outro atendimento clínico, assim, optou-se por pacientes em atendimento. Também compreendemos que a ficha é responsabilidade do estagiário e um elemento fundamental para o registro e organização dos dados referidos anteriormente. Considerando sua importância desvinculamos estes registros do serviço burocrático compreendido como uma função de secretaria e distante do nosso trabalho, na medida em que qualquer instituição se alicerça nessas instâncias normativas. Essa discussão visou compreender a organização da instituição articulando o trabalho clínico com tudo aquilo que está instituído, como normas, registro de dados, o próprio regimento... Assim, como trabalhar com o interesse da instituição? Compreendendo que o burocrático também faz parte da nossa prática e serve de registro daquilo que é produzido na Clínica, e sua escrita nos é autorizada justamente pela barra da castração é que nos é permitido reescrever a instituição, entendendo que: “ _ o fato de que o sujeito revive, rememora, no sentido intuitivo da palavra, os eventos formadores da sua existência, não é, em si mesmo, tão importante. O que conta é o que ele disso reconstrói.” (LACAN, Livro 1, 1953 – 1954. p.22) BIBLIOGRAFIA: LACAN, JACQUES. O Seminário: Livro 1 : Os Escritos técnicos de Freud. [1953-1954]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edição. 1986. 12 – CRONOGRAMA DAS REUNIÕES E APRESENTAÇÕES DE CASO: REUNIÕES MARÇO 1º Semestre de 2004 11H e 10 min 25/02/04 (Quarta-feira) Reunião com a coordenadora da CPU e estagiários (T I e II) 03/03/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Keli...........……..... PROF.COORD: Ubirajara 05/03/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Deise .................... PROF.COORD: Gustavo 10/03/04 (Quarta-feira) REUNIÃO GERAL 12/03/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Fernanda B............... PROF.COORD: Tânia 17/03/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Samira.................... PROF.COORD: Nilson REUNIÕES ABRIL 1º Semestre de 2004 11H e 10 min 07/04/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Catiúcia................. PROF.COORD: Luis Fernando 14/04/04 (Quarta-feira) Reunião Geral 16/04/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Janice................... PROF.COORD: Tania 28/04/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Adriane............... PROF.COORD: Cristian 19/03/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Terezinha.................. PROF.COORD: Luis Fernando 24/03/04 (Quarta-feira) Reunião do Conselho da Clínica 26/03/04 (Sexta-feira) Reunião Geral 31/03/04 (Quarta-feira) Reunião do Conselho da Clínica 30/04/04 (Sexta-feira) Reunião do Conselho da Clínica REUNIÕES MAIO 1º Semestre de 2004 11H e 10 min 05/05/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Patrícia PROF.COORD: Nilson 07/05/04 (Sexta-feira) REUNIÃO GERAL REUNIÕES JUNHO 1º Semestre de 2004 11H e 10 min 02/06/04 (Quarta-feira) REUNIÃO GERAL 04/06/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Laiza PROF.COORD: Luis Fernando 12/05/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DOS SUPERVISORES 14/05/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Laís PROF.COORD: Cristian 09/06/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Lurdes PROF.COORD: Ubirajara 19/05/04 (Quarta-feira) Reunião do Conselho da Clínica 16/06/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DOS SUPERVISORES 21/05/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Sara PROF.COORD: Luis Fernando 18/06/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Aline PROF.COORD: Tania 26/05/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Claudia Farias PROF.COORD: Ubirajara 23/06/04 (Quarta-feira) Reunião do Conselho da Clínica 28/05/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Giovana PROF.COORD: Gustavo 30/06/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Claudia B PROF.COORD: Gustavo REUNIÕES AGOSTO REUNIÕES JULHO 1º Semestre de 2004 11H e 10 min 2º Semestre de 2004 11H e 10 min 02/07/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Elisiane PROF.COORD: Tania 04/08/04 (Quarta-feira) REUNIÃO GERAL 07/07/04 (Quarta-feira) REUNIÃO GERAL 06/08/04 (Sexta-feira) REUNIÃO GERAL (Confraternização) 09/07/04 (Sexta-feira) REUNIÃO DE ESTUDOS Temática: Encaminhamento / Desligamento 11/08/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Lidiene PROF.COORD: Ubirajara Professora: Cristian e Ana Dias 14/07/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DO CONSELHO REUNIÃO DE ESTUDOS Temática: Pagamento 16/07/04 (Sexta-feira) Reunião dos Supervisores com professores do Laboratório de Psicologia Genética REUNIÃO DE ESTUDOS Temática: Pagamento 13/08/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Keli PROF.COORD: Gustavo 18/08/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DO CONSELHO DA CLÍNICA Reunião das Comissões 21/07/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DE ESTUDOS Temática: Pagamento 20/08/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Amábile PROF.COORD: Luis Fernando 23/07/04 (Sexta-feira) REUNIÃO DE ESTUDOS Temática: Pagamento 25/08/04 (Quarta-feira) Reunião dos Supervisores Reunião de Estudos 27/08/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Márcia L. PROF.COORD: Cristian REUNIÕES SETEMBRO 2º Semestre de 2004 11H e 10 min REUNIÕES OUTUBRO 2º Semestre de 2004 11H e 10 min 01/09/04 (Quarta-feira) REUNIÃO GERAL 01/09/04 (Quarta-feira) REUNIÃO GERAL 08/09/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DOS SUPERVISORES 08/09/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DOS SUPERVISORES 10/09/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Chaveli PROF.COORD: Tania 10/09/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Chaveli PROF.COORD: Tania 15/09/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Caroline PROF.COORD: Nilson 15/09/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Caroline PROF.COORD: Nilson 17/09/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Fransiele PROF.COORD: Luis F. 17/09/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Fransiele PROF.COORD: Luis F. 22/09/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DO CONSELHO 24/09/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Euclésio PROF.COORD: Gustavo 29/09/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG:Amábile PROF.COORD: Ubirajara 22/09/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DO CONSELHO 24/09/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Euclésio PROF.COORD: Gustavo 29/09/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Amábile PROF.COORD: Ubirajara REUNIÕES NOVEMBRO 2º Semestre de 2004 11H e 10 min 03/11/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Elisiane T PROF.COORD: Luis Fernando 10/11/04 (Quarta-feira) REUNIÃO GERAL 12/11/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Raquel PROF.COORD: Cristian 17/11/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DO CONSELHO DA CLÍNICA 19/11/04 (Sexta-feira) JORNADA DA CLÍNICA 24/11/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DOS SUPERVISORES 26/11/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Elisiane M PROF.COORD: Gustavo REUNIÕES DEZEMBRO 2º Semestre de 2004 11H e 10 min 01/12/04 (Quarta-feira) REUNIÃO DO CONSELHO DA CLÍNICA 03/12/04 (Sexta-feira) REUNIÃO GERAL 08/12/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Carla PROF.COORD: Ubirajara 10/12/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Débora PROF.COORD: Cristian 15/12/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Fransiele S PROF.COORD: Luis Fernando 17/12/04 (Sexta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Daiana PROF.COORD: Tania 22/12/04 (Quarta-feira) Apresentação de Caso ESTAG: Luciana PROF.COORD: Nilson Férias de 24/12/04 a 02/01/05 13 –REGISTRO DAS APRESENTAÇÕES DE CASO: Estagiário: Euclésio Rambo Supervisor: Tânia Borba A apresentação deste caso foi motivada por questões referentes à resistência e ao encaminhamento a partir da escola. A primeira questão discutida versou sobre o sofrimento da criança: havia ali um sofrimento, um sintoma? Não se estaria acolhendo o encaminhamento da escola, a partir de um modelo pedagógico que deseja “controlar” ou até “normalizar” a criança, comprometendo, assim, a escuta do sujeito? Por outro lado, o próprio questionamento sobre o encaminhamento da escola pode se colocar como resistência para a escuta. Isso levou à discussão sobre não dirigir a atenção para algo especifico, mas manter a “atenção uniformemente suspensa”, que também não se deixa tomar por uma questão a priori, como a do encaminhamento, mas que escuta o sujeito. Estagiária: Laiza Bortolini Supervisora: Cristian Dias Foi apresentado um caso que aparentemente havia chegado a um impasse em relação à transferência e quanto à combinação do pagamento das sessões. Não havia inicialmente constatação de uma demanda de tratamento, a não ser um vago pedido de ser escutado por um saber psicanalítico. Evidentemente a condição de aluna-estagiária foi interrogada por isso, o que determinou a resistência e a dificuldade de combinar um valor para o pagamento das sessões. Apesar disso, na sessão anterior à data de apresentação do caso, houve uma combinação e a paciente pagou todas as sessões a que tinha vindo. Nessa sessão, em resposta a uma pergunta da paciente quanto à forma do pagamento, a estagiária usou a palavra “início”, que na discussão ocasionou a hipótese de que nesse momento tenha havido um início de tratamento. A discussão do material clínico girou em torno de um diagnóstico de estruturação e transferência histérica, isso devido à posição em que a estagiária foi colocada desde o primeiro momento na relação com a paciente. Era característica disso a sedução acompanhada de destituição de saber do lugar da estagiária, que era reconhecida como aprendiz. Não deixou de ser observado que a profissão da paciente, ligada a posição de saberes, tanto como o que falava sobre o saber sexual sugeriam também essa hipótese diagnóstica. Por alguma razão, para o que foi recomendado um retorno à supervisão, a estagiária trouxe o caso com a impressão de que haveria uma interrupção, pois sentiria “um ar de conclusão pairando na sessão” e que a paciente não voltaria mais. Contrariamente a essa expectativa, a paciente continua vindo e paga agora por cada sessão. Estagiária: Claudia Farias Supervisor: Gustavo H. Brun Foi apresentado um caso cuja discussão girou em torno da evidencia de um sintoma conversivo num homem, sugerindo um diagnóstico de histeria masculina. O sintoma conversivo (exames médicos refutaram qualquer causa orgânica), embora fosse limitador,, caracterizava para o paciente um situação de indiferença ( a “bela indiferença histérica” como disse Charcot) e de gozo devido aos cuidados de que era objeto. Essa situação determinava a sua relação com seu pai e com uma série de profissionais mulheres, e se podia interrogar se não era assim que uma questão sobre o que é ser mulher? se colocava. Teve lugar na discussão a passagem que fez a estagiária ligar para o paciente em razão dele ter faltado à sua sessão. Possivelmente, nesse momento, tenha se invertido a demanda de quem solicitava tratamento e que a estagiária tenha respondido à sedução com a qual o paciente lida com às mulheres que o cuidam. A questão do pagamento das sessões também foi debatida. Tendo se podido determinar essa combinação com o paciente e não com seu pai, que normalmente resolvia sobre isso, visto que os sintomas da neurose eram usados como justificativa de incapacidade, pareceu haver uma possibilidade de modificação de posição da enunciação do paciente, apontando um engajamento próprio do tratamento. Entretanto isso não se deu, pois, aparentemente por uma resolução paterna, o tratamento se interrompeu. Levantou-se a possibilidade de que o valor do pai era sustentado pelo sintoma d filho. Estagiária: Laís Sartor Supervisor: Gustavo H. Brun Selecionei este caso para apresentação, devido à dificuldade de perceber a implicação do paciente em seu próprio discurso. Sua fala era rígida por uma constante queixa bem como um pedido de reconhecimento. Não foi complicado fazer a hipótese de que se tratava de um discurso histérico, confirmado pelo pedido de reconhecimento de sua posição feminina. Um pedido que a reconhecesse enquanto mulher, pois, ela consegue apenas se posicionar como mãe, fazendo uma diferenciação entre mãe e mulher. Durante discussão do caso, concordou-se ser um discurso histérico que se sustenta na família, ou seja, a paciente falava sempre fazendo referência aos filhos (como mãe) e ao marido (como esposa e não mulher) e parecia excluir-se de sua própria história. Na apresentação do caso, pode-se perceber que na referência ao outro (família) que ela autorizava-se falar de si. Após a discussão e retomado o atendimento, pude ouvir sua fala, bem como respeitei a interrupção do tratamento quando o paciente anunciou “parar por um tempo” por uma dificuldade relacionada a seus filhos. Essa dificuldade ou parada pode ser relacionada não à seus filhos, mas a sua posição e seu discurso que passava de mãe e esposa para uma posição discursiva de mulher. Neste momento, pede uma “parada”, um “tempo”. Neste caso, o sujeito que falava, o fazia pelo discurso de outros, mas amarrado e sustentado por ela, mais precisamente, por seu sobrenome, o qual é um significante em seu discurso. E, justamente quando a paciente se implicou em sua fala, posso ousar, faz transferência, a resistência se instala e leva a paciente a não vir mais ao tratamento. 14 – Projetos Gerais: Os projetos da clínica são coordenados por um professor supervisor, com a monitoria de um estagiário. Os projetos em desenvolvimento são: A pesquisa na Clínica Tem por objetivo implementar a pesquisa, a partir do banco de dados de dados produzido pela experiência da clínica. E este projeto é desenvolvido pela equipe de estagiários extensionistas. Relações interinstitucionais: Pretende-se, com este projeto, demarcar as especificidades e singularizar a demanda de cada uma das instituições conveniadas com a clínica ( Fórum – Ijuí, IMI, Fórum interinstitucional de saúde mental –Ijuí) Publicações Tem por objetivo promover a divulgação dos trabalhos do Curso de Psicologia, em especial da Clínica de Psicologia da UNIJUÍ, na comunidade na qual se insere. 15 – Interdisciplinariedade na CPU 15.1 - Anotações acerca da Interdisciplinaridade: Psicologia Genética e a Clínica Psicanalítica1 Làla Catarina Lenzi Nodari2 A interdisciplinaridade permite que se faça o questionamento acerca da fragmentação/segmentação dos diferentes campos de conhecimento, partindo de uma procura de convergências entre várias epistemologias, integrando campos de conhecimento. A interdisciplinaridade não deve anular o campo específico de investigação, a ação e a produção de conhecimento no interior de cada um, mas permitir a abertura do campo particular, para pontos de união e diferenciação.Isso se faz necessário para descobrir os pontos ocultos das áreas onde se possa estabelecer as conexões possíveis, ultrapassando os limites de cada especialidade para se beneficiar com as contribuições de outros campos. A interconexão possível, é causa e efeito da interdisciplinaridade a qual permite a superação das fronteiras disciplinares em projetos, como é o caso das discussões que ocorrem na presente jornada. O tema em questão está referido às convergências entre o enfoque cognitivo, presente na Psicologia Genética e a Psicanálise. Isso me suscita a pergunta: É possível separar o sujeito cognoscente do sujeito desejante? As mobilizações do sujeito frente ao conhecimento são a própria mobilização do sujeito na vida. Portanto, neste momento não se trata de buscar onde começam ou terminam Piaget ou Freud/Lacan. O ser humano é um organismo vivo, sujeito da inteligência e do desejo de ser e de aprender, o que permite a movimentação do Inconsciente ao encontro da consciência na produção do conhecimento, ou seja, na recepção do desejo e da investigação acerca da construção do conhecimento sistemático/científico. Toda a ação do sujeito é lógica e desejante. No que concerne à dimensão cognitiva, as funções presentes estão relativas ao objetivar, generalizar, ordenar, classificar... O desejo tem 1 Texto produzido para Jornada da Clínica de Psicologia da UNIJUI, em 21.11.2003. Professora do Departamento de Filosofia e Psicologia, Mestre em Psicologia da Educação, Doutoranda em Educação. 2 uma lógica subjetivante que tende à diferenciação e à singularização. Porém nenhum pensamento no plano intelectual pode deixar de estar referido a uma categoria objetiva, assim como aquilo que cada um pensa sobre si refere-se a uma categoria objetiva. As operações cognitivas tratam das relações entre o sujeito cognoscente e os objetos do e para o conhecimento, enquanto as operações da ordem do desejo vem da estrutura de linguagem do sujeito. Sabemos não ser possível fragmentar o sujeito. A esse respeito, Alicia Fernandez 1 diz que em qualquer atitude de observação de uma pessoa, pode-se discriminar (mas só teoricamente) o processo objetivante do subjetivante, sendo que a soma de ambos os processos é o ato que resulta, portanto acredito ser possível a interdisciplinaridade entre a clínica psicanalítica e a psicologia genética. A psicologia genética tem como método de investigação o denominado Método Clínico que nos permite teoricamente produzir pesquisas para a construção de novos conhecimentos acerca do aspecto intelectual. Para o desenvolvimento de um campo de conhecimento é importante preservar os limites de ação investigativa de uma disciplina. Estes conhecimentos, numa perspectiva interdisciplinar tornam-se recursos necessários à compreensão do sujeito humano em situações pedagógicas e/ou clínicas, articulando no caso em questão, as dimensões cognitivas e as afetivas. A respeito do Método Clínico, Piaget dizia que procurava estabelecer com os sujeitos conversas semelhantes à entrevistas clínicas com o objetivo de descobrir o processo de raciocínio subjacente às respostas. Desses procedimentos retiramos basicamente duas condições, sendo que uma refere-se à avaliação mesma do desenvolvimento cognitivo, produzidas na investigação acerca dos modos de resolver problemas relativos à determinadas noções intelectuais, que nos permitem ver o sujeito epistemológico, filogenético. Esta noções já estão consagradas do ponto de vista científico (relativa á epistemologia dos conhecimentos propriamente ditos, como número, espaço, tempo...); isso decorre de uma interpretação geral da realidade dos meios disponíveis e dos conhecimentos específicos que intervêm em uma resolução de problemas (...) e decorrem de uma epistemologia do sujeito (...) centrada na compreensão da realidade2 (INHELDER & CELLÉRIER, P. 7 e 8). A outra está referida à história de cada sujeito, o sujeito psicológico, “visto” em uma ótica ontogenética, onde os 1 2 Em A Inteligência Aprisionada. Grifo meu conhecimento ativados são essencialmente particulares e os modos de utilizá-los são fortemente individualizados (idem, ibidem, p. 8) Atualmente continua-se a trabalhar em ambas as óticas. Aquela de produção de novos conhecimentos acerca do sujeito epistêmico, como sujeito de um conhecimento normativo e do sujeito psicológico individual, buscando revelar a dinâmica da conduta do sujeito (INHELDER & CELLÉRIER, P. 9). Ambas as análises são legitimamente complementares (idem, ibidem, p. 9), porém o sujeito psicológico, para o caso presente nos interessa mais, pois pode se ver seus processos de atividade na construção do conhecimento universal e de si próprio, dos significados que atribui às experiências, visualizando o sujeito com os fins e valores que atribui. Temos aqui um processo de individualização do conhecimento. Isso implica em que as condutas de um sujeito particular nem sempre são do mesmo tipo que aquelas que chamavam a atenção no estudo do sujeito epistêmico, (idem, ibidem p. 9 e 10) pois aqui o que entra em questão é o que faz sentido para uma criança em particular. ALGUMAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SOBRE O TEMA BRANDÃO DA LUZ, José Luís, Jean Piaget e o sujeito do conhecimento, Lisboa, Instituto Piaget. BARBOSA, Derly, Dialética e Educação: A formação do sujeito interdisciplinar, Osasco, São Paulo, Revista UNIFIEO, nº 2. CORIAT, Elsa, Psicanálise e Clínica de Bebês, Porto Alegre, Artes e Ofícios. DOLLE, Jean Marie, De Freud a Piaget, Lisboa, Ed. Moraes. -------------------------, Para Além de Freud e Piaget: Referências para novas perspectivas em Psicologia, Petrópolis, Vozes. DOLLE & BELLANO, Essas crianças que não aprendem, Petrópolis, Vozes. ESCRITOS DA CRIANÇA, Centro Lydia Coriat, Porto Alegre, nº 4. FERNANDEZ, Alicia, La Inteligência Atrapada, Buenos Aires, Ed. Nueva Visión. FERREIRO, Emilia, Atualidade de Jean Piaget, Porto Alegre, ArtMed. INHELDER & CELLÉRIER, O desenrolar das descobertas da criança: um estudo sobre as microgêneses cognitivas, Porto Alegre, ArtMed. LAJONQUIERE, Leandro, De Piaget a Freud, Petrópolis, Vozes. LEITE, Luci et alii, Piaget e a Escola de Genebra, São Paulo, Cortez Editora. MACEDO, Lino, Inconsciente e recalcamento cognitivo, in; Macedo, Lino, Ensaios Construtivistas, São Paulo, Casa do Psicólogo. ----------------------, Epistemologia Construtivista e psicopedagogia, in: Sargo, Claudete et alii, A práxis psicopedagógica brasileira, São Paulo, ABPp. MOKREJS, Elisabete, Epistemologia Genética e Psicanálise – Reflexões e Resenhas, Osasco, São Paulo, Revista UNIFIEO, nº 1. PERRAUDEAU, Michel, Piaget hoje: respostas a uma controvérsia, Lisboa, Instituto Piaget. PIAGET, Jean, Inconsciente afetivo e inconsciente cognitivo, in: Problemas de Epistemologia Genética, Lisboa, Dom Quixote. --------------------, La psychanalise et ses rapports avec la psychologie de l’enfant. Bulletin de la Societé Alfred Binet (1920) SIMÃO, Lívia Mathias et alii, Noção de objeto, concepção de sujeito: Freud, Piaget e Boesch, São Paulo, Casa do Psicólogo. WADSWORTH, Barry J., Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget, São Paulo, Pioneira. 15.2 - Interdisciplinaridade na Clínica Infantil: Psicanálise e Método Clínico Cláudia Farias1 “O olhar clínico sobre as dificuldades com a aprendizagem precisa continuar a ser clínico, como observador de um sujeito inteiro e contextualizado, e não clínico porque acontece num espaço de uma clínica”. Laura Monte Serrat Barbosa O texto que segue visa abordar a relação interdisciplinar que se estabelece entre a CPU (Clínica de Psicologia da Unijuí) e o CEPE-PG (Centro de Pesquisa e Extensão em Psicologia Genética), articulando a teoria Psicanalítica e o Método Clínico de Jean Piaget a partir da experiência da CPU, portanto, a proposta é tentar compreender e/ou no mínimo considerar o enlace do sujeito do desejo e o cognitivo. Inicialmente duas questões se interpõem: O porquê dessa articulação? E como isso é possível? A partir da consideração da interdisciplinaridade na clínica não podemos ignorar os diferentes pedidos que chegam das diversas instituições, isto é, as demandas que acompanham o sujeito. Na atualidade algo muito freqüente ocorre particularmente na clínica infantil, a 1 Estagiária da CPU e Extensionista do CEPE-PG. saber, o encaminhamento das escolas com a queixa de dificuldades de aprendizagem. Essa problemática chega das mais variadas formas: hiperatividade, déficit de atenção, agressividade, falta de concentração, distúrbio de aprendizagem e baixo rendimento escolar. 1 A partir da consideração e mais, da escuta atenta das freqüentes demandas, uma questão se interpõe: o que fazer quando durante um tratamento psicológico surge a demanda de trabalhar e avaliar as condições cognitivas da criança que está em atendimento? E quando o paciente já chega com um pedido, seja da escola, seja do neurologista, pedagogo, que para além do tratamento solicita uma avaliação cognitiva e/ou um parecer? E mais, quando a escola ou quem encaminha as crianças solicitam só uma avaliação das condições cognitivas da criança? Por isso, torna-se impossível ignorar esses pedidos que se repetem na “porta de entrada” da clínica e não compreender como um aspecto relevante as dificuldades de aprendizagem de uma criança encaminhada para qualquer atendimento psicológico. Sem a necessidade de ofuscar o trabalho da clínica, faz-se importante direcionar um olhar às questões de aprendizagem. Portanto, o que implica uma criança repetir várias vezes as séries iniciais? Qual é a origem de uma dificuldade de aprendizagem? O que envolve o processo de alfabetização? No que tange uma escuta psicanalítica é notório que a alfabetização implica que a letra, o real caia num processo de simbolização fundamental para a subjetivação. Segundo Lacan, citado por Dör (1989): "A linguagem é condição do inconsciente (...) O inconsciente é a ampliação lógica da linguagem: com efeito, não há inconsciente sem linguagem" (p.103). Isso quer dizer que não há alfabetização sem letra, não há letra sem linguagem. No que concerne ao trabalho interdisciplinar da CPU, realizaram-se reuniões com a Coordenadora da Clínica de Psicologia, profª Ana Maria Souza Dias e as responsáveis pelo CEPE-PG, profª Lala Catarina Lenzi Nodari, profª Sonia da Costa Fengler e aluna- extensionista Cláudia Farias a propósito de iniciar uma discussão a respeito dessa possibilidade de interlocução das duas áreas referidas, pois é indubitável que, essencialmente na clínica infantil exista pelo menos a tentativa da interdisciplinaridade. “Ao longo dos anos, o trabalho com criança vem demonstrando a importância de fundamentar nossas estratégias de intervenção clínica na abordagem interdisciplinar. Ao possibilitar a integração dos pontos de vista das diferentes disciplinas implicadas nas questões relativas à infância, a interdisciplina tem permitido elaborar alguns instrumentos teóricos comuns a todos os campos que compõe nosso trabalho. Esses conceitos constituem 1 Esses pontos tem base nos arquivos do ano de 2004 da CPU (Clínica de Psicologia da Unijuí). os eixos de nossa prática clinica e permitem sustentar nossas intervenções a partir da posição ética que caracteriza nosso trabalho, ou seja, sempre colocando em primeiro plano a constituição de um sujeito desejante”.(PINHO, 2001. p.179.) Contudo, existem diferenças importantes a serem consideradas na proposta interdisciplinar, fundamentalmente naquilo que caracteriza cada especialidade do trabalho. O Método Clínico baseia-se na observação direta e o trabalho psicanalítico na proposta da Associação Livre que busca baixar as resistências e fazer emergir o conteúdo inconsciente do paciente. Mas até que ponto a técnica sem interlocução com outras áreas não se torna totalizadora e, portanto, não recorta o sujeito, fazendo com que se construa uma noção de indivíduo calcada somente em um caráter humano? Preservar a técnica de cada teoria impediria uma interlocução entre as áreas? Várias questões foram levantadas partindo da preocupação do Curso de Psicologia da Unijuí na formação de seus alunos, responsáveis em trabalhar com as “amarragens” que formam o sujeito, duas delas: o cognitivo e o inconsciente. Contudo, algumas questões se destacaram, uma delas que não foi respondida sob uma ótica de conclusão: quais seriam as implicações para a transferência realizar uma avaliação cognitiva, visto que, o tratamento não tem prazo determinado e a avaliação é um momento clínico pontual? Pensa-se também na diferença da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, da mesma forma que um trabalho de encaminhamento para outros profissionais se diferencia de um trabalho de discussão integrado de varias áreas, pois até que ponto é interdisciplinaridade realizar um encaminhamento para que outro profissional avalie as condições cognitivas da criança? Dessa forma, quem é responsável pelo atendimento clínico não correria o risco de estar fazendo um recorte, considerando apenas o sujeito do desejo no tratamento psicológico? Não teria relação o sujeito do desejo, do inconsciente, com aquilo que ele produz no campo cognitivo, consciente? Se sim, isso não deveria ser escutado conjuntamente? Optou-se pela continuidade da interlocução, discutindo essas possibilidades dentro daquilo que caracteriza a clínica, a saber, a subjetividade de cada paciente, com o auxílio da supervisão. Assim, neste ano quatro pacientes foram encaminhados para o CEPE-PG para uma avaliação cognitiva a partir do Método Clínico. Três deles, a pedido da escola que solicita uma avaliação com um parecer e o outro pedido por um neurologista, com encaminhamento das estagiárias da CPU (Clínica de Psicologia da Unijuí) que atendem e/ou atenderam essas crianças. Outro ponto fundamental é que essas são crianças atendidas pelos professores e alunas do Curso de Psicologia, visando não só a avaliação como a integração dos conhecimentos teórico-práticos que a formação acadêmica proporciona, mas trata da tentativa de abordar, pela escuta clínica, o sujeito sem a fragmentação de uma especialidade, na medida em que a avaliação cognitiva se opera como um trabalho da área da psicologia. Sabemos que é necessário ter clareza entre as diferenças e particularidades de cada teoria para conceber posteriormente, ou durante as questões de estudo, a possibilidade de articulação das mesmas. Assim, organizou-se um grupo de estudos do CEPE-PG para melhor compreender as questões da Epistemologia Genética e toda a articulação da teoria de Jean Piaget. Dessa forma, recorremos a compreensão da proposta Piagetiana: como avaliar a lógica de uma criança? Uma possibilidade é pelo Método Clínico que permite uma compreensão da forma como a criança opera, o funcionamento da lógica infantil. Este apóia-se, portanto, para compreender o conteúdo cognitivo da criança a partir de um ponto nodal e fundamental para a realização do Método, a saber, a escuta sustentada pela observação seqüencial do pensamento da criança. Por isso compreende-se porque o Método é clínico1. A grande questão de Piaget foi se descolar do certo e do errado, na medida em que a preocupação de quem trabalha com o Método deve estar calcada na compreensão de como o pensamento se organiza e não o enquadramento da resposta numa classificação formal. Segundo Piaget nós temos um modo de operar, uma forma de ver o mundo e nos situarmos nele. O que entra em questão no Método Clínico é justamente como essa criança vai organizar esse modo de compreensão das coisas, ou seja, qual é a estrutura da compreensão infantil. Assim, o trabalho prima pela consideração do processo e não da resposta. Assim, verifica-se a diferença entre um teste e a avaliação pelo Método Clínico. Este último respeita o tempo, a linguagem e as produções da criança, por isso, “renuncia a qualquer questionamento fixo”. "O bom experimentador deve, efetivamente, reunir duas qualidades muitas vezes incompatíveis: saber observar, ou seja, deixar a criança falar, não desviar nada, não esgotar nada e, ao mesmo tempo, saber buscar algo de preciso, ter a cada instante uma hipótese de trabalho, uma teoria, verdadeira ou falsa, para controlar" (PIAGET, 1926, p.11). Faz-se importante abordar aqui a questão histórica que nos envolve num paradigma pedagógico, um molde tradicional que visa uma compreensão quantitativa. Certamente avaliar 1 No sentido originário esta expressão significa a observação médica frente ao enfermo na cama, na qual se faziam hipóteses diagnósticas clínicas referentes a um doente passivo. (Canetti, E, 1960/1983 ). Houve uma evolução e transformação deste termo e a Epistemologia/Psicologia Genética entendem o Método Clínico, como um método que se estabelece pela interação com o sujeito, que é nesta visão ativo. certo e errado traria uma objetividade maior, mais rápida e segura. Mas de que serviria um molde quantitativo? Uma avaliação pelo viés da testagem traz um caráter positivista sob uma condição de evolução, de potencial, remetendo-nos diretamente à questão do modelo estereotipado do bom e mau aluno/ burro e inteligente que ainda impera. É nesse ponto que o Método Clínico vem propor não só uma compreensão exaustiva do sujeito, como tenta romper esse paradigma ainda vigente. A proposta não é centrar a avaliação nas dificuldades, nem somente avaliar o que é respondido, é muito mais que isso, o que se escuta é a condição do sujeito naquele momento dentro da compreensão dos processos psíquicos da criança. Por que naquele momento? Porque não é possível que a criança chegue num ponto final da sua capacidade cognitiva, o que se avalia é o caminho percorrido, na medida em que se compreende que todos (geneticamente) possuem condições para uma construção cognitiva. Dentro dos processos psíquicos, porque a condição cognitiva faz parte do aparelho psíquico compreendido como a condição de existir e pensar do sujeito. Certamente essas questões retratam o início de uma discussão importante, por isso não se esgotam, nem têm a pretensão de serem respondidas aqui. Contudo, evidencia-se a impossibilidade de separarmos o sujeito consciente e o inconsciente como se o trabalho com um anulasse o outro, ou como se fosse possível impedir a influência entre eles, ou melhor, como se o retorno do recalcado não aparecesse na escola e nos problemas de aprendizagem. BIBLIOGRÁFICAS: PINHO, G. O Brincar na Clínica Interdisciplinar com Crianças. In: Escritos Da Criança, Nº6, Centro Lydia Coriat de Porto Alegre, 2001. CANETTI, E. (1983). Massa e poder. São Paulo: Melhoramentos. (Original publicado em 1960) Dor, J. (1989). Introdução à leitura de Lacan: o inconsciente estruturado como linguagem. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. PIAGET, J. A Representação do Mundo na Criança. Rio de Janeiro: Record, 1926. VISCA, J. Clínica psicopedagógica: a Epistemologia Convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 15.2 - A Interlocução da CPU com a neurologia1 Cristiane dos Reis Gonçalves 2 Laiza Francielli Bortolini dos Santos A partir da discussão sobre interdisciplinariedade abriu-se espaço para pensar a interlocução entre a área médica e psicológica. Para dar alicerces a estes questionamentos achamos interessante dialogar o tema com a representante desta área médica na Clínica de Psicologia da Unijuí, Dra. Helga. Sabe-se da importância da interdisciplinariedade entre as diversas áreas, visto que o sujeito não se constitui apenas de corpo nem apenas de psíquico, e que um influencia o outro mutuamente, mas isso trata-se de uma questão contemporânea. Afinal, há relatos de que a partir de Descartes (um dos fundadores da idade moderna e das concepções que aí se formam) há uma divisão entre corpo e mente. Esta questão, por nos constituir historicamente, ainda não foi totalmente superada e portanto dificulta o trabalho interdisciplinar, o qual se percebe como uma necessidade atual do sujeito em tratamento. Na discussão feita percebemos que o trabalho interdisciplinar da área médica e psicológica encontra barreiras na medida em que os profissionais ainda estão tomados pela questão da divisão dos saberes, sendo que muitas vezes se pensa que o trabalho dentro de uma determinada área dispensa a interlocução com outra. Todavia, percebe-se a importância de muitos distúrbios diagnosticados pela psiquiatria serem tratados também pela psicologia, ao mesmo tempo em que um tratamento psiquiátrico pode através do medicamento dar suporte para que aconteça um trabalho psicológico. É interessante salientar a necessidade que se tem de conhecer teoricamente a outra área, para abrir espaço para que esta participe do trabalho. A Dra. Helga nos coloca um exemplo que ilustra esta questão, trazendo que muitas vezes se confunde a não concentração, que é natural em uma determinada etapa da infância, com hiperatividade, o que poderia ser considerado de outra forma pelo profissional da psicologia a partir do momento em que este interage com os conceitos da medicina. Da mesma forma ela coloca que, na clínica médica, quando aparece um caso de agressividade, tem de se considerar se este sujeito é agressivo com todas as pessoas ou só com as da família, ou ainda somente com indivíduos com certas características etc..., no 1 Texto produzido a partir da discussão realizada entre a Comissão do Anuário com a presença da Dra. Helga Porsch 2 Estagiárias da CPU e integrantes da Comissão do Anuário segundo e no terceiro caso tem de se levantar a possibilidade de que esteja presente aí uma questão da estruturação do sujeito psíquico. Todavia, para que isso ocorra, também a medicina tem de ter um conhecimento mínimo dos pressupostos da psicologia ou da psicanálise. A médica da clínica de psicologia da Unijuí coloca que nem todos os profissionais de sua área trabalham a partir desse viés interdisciplinar, principalmente os mais conservadores, mas mesmo assim, esta nos aponta que a tendência atual vai na direção do sujeito tomado como um todo. Ou seja, os métodos modernos da medicina trabalham com essa totalidade e também escutam, segundo Helga, sendo que não há como chegar com o diagnóstico pronto e com a medicação encaminhada, precisando a interlocução com outras áreas: “se entende como boa medicina aquela que considera as histórias de cada paciente e, muitas vezes, as leva em consideração para realizar o diagnóstico ou para fazer um encaminhamento” (Helga Porsch). Esta médica salienta o quanto aprendeu com seu trabalho dentro da clínica de psicologia, dizendo que agora realiza sua prática médica com outro olhar, e é justamente assim que entendemos o trabalho interdisciplinar e o fato de que também nós, estagiárias de psicologia, podemos da mesma forma utilizar esse novo olhar que essa outra área nos oferece, acrescentando em nosso trabalho. Nesta Clínica Escola o referente trabalho médico realizado pela Dra. Helga está envolvido em reuniões e supervisões. No entanto, percebe-se que está surgindo uma demanda relativa a participação desta área médica nos estudos de caso. Gostaríamos de ressaltar dois casos em que percebemos esta necessidade, um deles refere-se a uma perda de memória de um paciente no qual questionou-se até que ponto a medicação utilizada pelo mesmo poderia ser a causa desse distúrbio, caso este que seria interessante ser discutido com a presença de um profissional da área médica. O outro caso diz de um paciente que chega à Clínica com um diagnóstico de hiperatividade, porém não demonstra nenhuma manifestação que testemunhe esse distúrbio, neste caso será que o paciente estava tomando algum medicamento? E se estava, este medicamento tinha como efeito o comportamento tranqüilo que apresentava? São questões que evidenciam a necessidade da interlocução entre as áreas já citadas. Então, voltando a questão da divisão entre corpo e mente, Denise Bernuzzi de Sant’Anna, ao falar sobre a historicidade do corpo, nos traz a idéia de que na idade moderna o homem era entendido como uma máquina produtora de energia não se considerando a relação com a subjetividade, havendo uma separação entre o que é da ordem do fisiológico e o psíquico.A autora nos coloca que essa visão ainda está presente, mesmo que esteja sendo questionada constantemente, e nos alerta que: Talvez, um dos caminhos seja derrubar o verdadeiro muro de Berlim que continua presente em nossos dias, mesmo após a liberação do corpo de barreiras morais, de gênero, genéticas e sociais, até então existentes. Trata-se de um muro, ou melhor, de uma fronteira resistente e que não está longe de todos nós: ela cresce nas universidades e se reproduz na mídia e no cotidiano. Refiro-me a separação entre tecnologia e sociedade, entre humanidades e ciência: nós humanistas somos formados para compreender a subjetividade, os véus do espírito, os delírios do pensamento ou as suas razões. E eles, os cientistas - médicos, engenheiros, biólogos... – são formados para lidar com a objetividade do mundo, sua materialidade, os objetos, a técnica, o organismo vivo. (Sant’ Anna, 2000, p.40) BIBLIOGRAFIA: SANT’ANNA, Denise Bernuzzi. Corpo e História. In. O corpo ainda é pouco, II Seminário sobre a Contemporaneidade: NUC, UEFS, 2000. 16 - PRODUÇÃO TEXTUAL DOS ALUNOS-ESTAGIÁRIOS: Este espaço destina-se a publicação de alguns textos produzidos pelos alunos-estagiários nos componentes curriculares do curso de Psicologia da Unijuí, Seminário de Psicologia Clínica I e II e Seminário de Psicologia Clínica Infantil I e II, que acompanham o Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica. Os textos publicados neste Anuário foram selecionados pelas professoras responsáveis pelos referidos componentes curriculares, Cristian Giles e Ana Maria de Souza Dias. Os casos clínicos trabalhados nos textos a seguir referem-se a casos concluídos ou interrompidos. 16.1 - EXERCÍCIO DE REFLEXÃO SOBRE O ATENDIMENTO CLÍNICO VOLTADO PARA O PÚBLICO INFANTIL1 Carla Gasparetto2 Uma das principais vantagens de um atendimento clínico voltado para o público infantil é a possibilidade que esse atendimento nos traz de visualizarmos os momentos de constituição desse pequeno sujeito e o que ele já conseguiu elaborar até o momento. Muito atrelado ao discurso dos pais, às vezes fica fácil tomá-lo apenas pelo seu sintoma. É preciso, porém, saber 1 Texto elaborado para o Componente curricular - Seminário de Psicologia Clínica Infantil II, trabalhado pela professora - Ana Maria De Souza Dias/2o. semestre de 2004. 2 Aluna do curso de Psicologia da Unijuí e estagiária da CPU precisar e reconhecer o momento de constituição subjetiva que essa criança está atravessando e compreender os efeitos desse atravessamento, registrados via sintomática. Cabe, nesse momento, uma citação de Volnovich referida à prática da psicologia clínica infantil “A psicanálise de crianças é uma escuta, mas também é uma palavra. Esta questão leva fundamentalmente a operar em função de intervenções que permitam desvendar o sentido dos sintomas dos filhos, interpretando o que não pôde ser dito ou foi ocultado através de meias palavras dos pais”. (Volvovich, Jorge, 1991, p.57). Minha experiência enquanto estagiária da Clínica de Psicologia da Unijuí não é muito vasta no que se refere ao atendimento infantil, mas permitiu que eu me deparasse, então, com Bruno (nome fictício), um menino com idade equivalente a três anos e nove meses de idade. Bruno chega à clínica acompanhado de seus pais - um funcionário público e uma dona de casa - e de seu irmão caçula, com apenas um ano e seis meses de idade. A queixa trazida pelos pais era a de uma possível hiperatividade, diagnóstico baseado apenas na suposição que eles faziam desta criança observando-a em casa, na escola, na rua. E enquanto eles relatam isso a mim, Bruno não pára: corre, pula, empurra as poltronas, senta no colo de seu pai, puxa o cabelo da mãe, espia pela janela, canta para mim, mostra-me seus brinquedos, foge pelo corredor, enfim, parece não querer ouvir o que estão dizendo a seu respeito. Seus pais são casados oficialmente, mas alternam momentos de “união” e de “separação”. Moraram juntos inicialmente; depois foram morar na casa dos avós paternos da criança; em seguida o pai foi trabalhar na região de Porto Alegre e só depois de um tempo mãe e filho foram também. Nasce o outro filho e então decidem por retornar a esta cidade, agora optando pela separação. Hoje o pai das crianças mora sozinho, enquanto que a mãe mora com seus próprios pais. A separação não é mais tão definitiva, e o casal ora está junto, ora está separado, mas convivendo em ambientes distintos. O que essa criança produz é um apego muito grande a tudo o que se refere à oficial: mostra-se encantado pelas profissões que exigem uniforme e que estão ligadas à lei – bombeiros, policiais militares, oficiais do exército. Diz, inclusive, que futuramente sua profissão será a de capitão do exército. Também está muito colado à figura dos super-heróis, tanto dos quadrinhos como dos desenhos animados. Conhece quase todos os personagens que têm poderes especiais e se autodenomina “Super-Nem”, colocando-se numa posição intermediária entre o que seria da ordem do Super-Homem e o que vem pela ordem do Super- Neném. Sua intenção, nesse caso é a de dizer Super-Man, mas seu inconsciente o trai nessa tentativa! O que assegura essa sua sintomatologia é o uso incondicional de uma capa que dá mostras de seu status de super-herói. Usa-a para vir à clínica, para ir à escola, para andar na rua, o que leva seus pais ao desespero. O pai quer incentivar o uso, enquanto a mãe quer tirála a qualquer custo. Nas brincadeiras, ele me convoca à utilização de armas (espadas, pistolas, granadas) para que eu e ele – geralmente “soldado” e “delegado” façamos nossa tarefa de combater o mal. Que mal? Qualquer um, mas sempre provocado pelo mesmo agente: o “bebê ladrão”, às vezes também chamado de “bebê gorducho” ou de “bebê guloso”. Os castigos aplicados são sempre marcados pela utilização de muita violência: primeiro agredimos esse bebê com nossas armas para depois o amarrarmos e colocarmos ele na cadeia. Posteriormente o enterramos na areia e circundamos o espaço com granadas, colocando ainda animais ferozes por perto; caso o bebê ladrão escape ileso a uma dessas agressões, sempre haverá uma outra forma de ele ser punido. Suas brincadeiras são sempre muito agitadas e ele quer manipular todos os brinquedos, mas preservam essa característica da utilização da série “crime-castigo”. A única vez em que ele utilizou-se do desenho foi num momento em que eu estava em outra sala conversando com seus pais e, então, quando retorno, encontro-o todo lambuzado, sujo, em meio a muita bagunça, e ele me diz o seguinte: “Pisicóloga, eu fiz um desenho pra você! Eu te desenhei dentro do helicóptero do Bat-Man!”. Deixei de ser a cúmplice para, nesse momento, ser sua heroína. Essa foi, então, uma breve exposição desse caso clínico que trouxe-me algumas questões e que possibilitou a observância de alguns elementos elucidativos do atendimento clínico infantil. Acredito que eu tenha conseguido me afastar um pouco dessa condição de diagnosticar essa criança, ou seja, de confirmar ou não sua hiperatividade, até porque isso não estaria ao meu alcance no momento. Mas não posso fugir da condição de observar e analisar o processo de constituição subjetiva que está se fazendo nesta criança e todos os efeitos sentidos por ela e seus familiares nesse contexto. Mesmo sabendo que a clínica psicanalítica não está presa ao tempo cronológico, acredito que a constituição desta criança está num momento anterior de sua entrada no complexo de Édipo. Como dizia Freud, o complexo de Édipo instala-se num período aproximado entre os três e os cinco anos de idade, mas, especificamente nesse caso, não parece haver indícios de que isso esteja instaurado para essa criança que, pelo pouco que foi comentado apresenta uma distância muito grande, tanto de seu pai quanto de sua mãe. Aliás, sua sintomatologia está muito mais marcada pelas patologias narcísicas e pela condição de presença-ausência do que qualquer outra coisa. Citando Françoise Dolto, pode-se chegar à seguinte definição: “O complexo de Édipo, cuja organização se instala desde os três anos com a convicção de seu sexo e se resolve (o mais cedo possível por volta dos seis anos) com a resolução e o desligamento do prazer incestuoso, é a encruzilhada das energias da infância, a partir da qual se organizam as avenidas da comunicação criadora e da sua fecundidade assumível em sociedade.” (Dolto,Françoise,1981, p.19). Os recursos utilizados por Bruno na tentativa de reforçar seu ego – referência ao super-herói, ele é o delegado, o capitão do exército, o que pilota o avião do Bat-Man, o que utiliza uma capa que lhe dá superpoderes – denotam sua dificuldade em ver-se sozinho, frágil, sem o olhar e o amparo da mãe que ele encontrava nos primórdios de sua constituição. Tudo isso aponta para a sua incapacidade de lidar com as perdas, perdas antes vividas na completude com sua mãe e agora sentidas na separação com esta. Esta separação também é sentida no real, já que Bruno passa aproximadamente dez horas diárias longe de casa, numa escola infantil. A alegação da mãe é que seria impossível tomar conta de Bruno –que é terrível, segundo ela – e também de seu filho caçula, ainda bebê. Bruno está experimentando, assim, a sensação de estar afastado daquela que um dia estava completa tendo-o consigo, mas que agora está promovendo um distanciamento causador de muita angústia e de frustração. A simbolização dessa ausência parece aparecer via agressividade, ou então na tentativa de promover a união antes vista entre seu pai e sua mãe (e talvez por isso eu seja sua heroína, por ser aquela que consegue reunir toda a família quando o trazem para atendimento na clínica). A agressividade vista em suas brincadeiras tentam livrá-lo da culpa que ele supõe ter ao ver seus pais afastados, mas também diz do quanto está sendo difícil para ele ver-se nesse lugar de ausência, de abandono. Suas atividades, assim, sempre estão coladas nas figuras daqueles que o cercam, seja o pai, a mãe ou até a da estagiária de psicologia. Bruno não consegue produzir nada sozinho, e por isso apóia-se naqueles que são muito mais do que pessoas: são heróis que não têm medo, não passam por frustrações, não são punidos e além de tudo, combatem o mal que os outros possam cometer. O “bebê ladrão” tanto pode ser seu irmãozinho como representar a si próprio; é difícil dizer a qual desses dois são dirigidos os cruéis castigos. Nessa situação, o que parece estar representado é algo que Dolto nomeia da seguinte forma: “...a criança que não resolveu o Édipo permanece muito dominada pela ambivalência emocional do seu relacionamento com a mãe ou com o pai. Com os seus raros companheiros, o sujeito repete situações a dois ou se envolve em brigas e situações onde vários são os participantes, por crises de ciúmes de estilo homossexual, idêntico ao ciúme edipiano ainda presente que lhe corrói o coração.”(Dolto, Françoise, 1981, p.21). Só para concluir, acho importante dizer que é a criança quem decide pelo final das sessões. Toda vez que ele se dá conta de que está sozinho comigo, decide por ir embora por achar que seus pais o abandonaram, deixando ali sozinho. Fica a olhar pela janela, e mesmo vendo o carro de seus pais lá fora, foge pelo corredor dizendo que seus pais já foram embora. É mesmo muito difícil para ele suportar esse abandono e a frustração de não ser mais aquele que preenche os espaços de sua mãe. Enfim, esse caso foi para mim bastante ilustrativo no que se refere ao desenvolvimento e à constituição psíquica e/ou subjetiva de uma criança. Aos três anos e nove meses de idade, Bruno está vivendo um momento de narcisismo e de presença-ausência (descritos nos processos de Fort-da) bastante marcantes nesse seu processo de subjetivação. Não se sabe que elaborações posteriores essa criança irá fazer no complexo de Édipo, no complexo de castração e nos demais eventos posteriores que ela atravessará, uma vez que ela não mais comparece à clínica, mas foi possível conhecermos minimamente os esforços que ela faz para melhor dar conta disso que agora está à sua volta. BIBLIOGRAFIA: MANNONI, M. (1981) Prefácio ao livro “A Primeira Entrevista em Psicanálise”. Rio de Janeiro: Campus. VOLNOVICH, J. (1991) Lições Introdutórias à Psicanálise de Crianças. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 16. 2 - CONSIDERAÇÕES ACERCA DO TEXTO “SOFRIMENTO E PRAZER NA ESCRITA”, de Marie-Alice Du Pasquier1 Angela Dill, Catiucia Hard Mayer, Janice Zagonel2 A escritura é, pois, um traço onde se lê um efeito de linguagem. É o que se passa quando vocês garatujam alguma coisa. J.Lacan1 RESUMO: SOFRIMENTO E PRAZER NA ESCRITA DE Marie Alice Du Pasquier O texto aborda de forma clínica e terapêutica crianças com dificuldades para escrever. A escrita é considerada essencialmente enquanto traço e não em função de linguagem e comunicação. Da escrita como um traço do sujeito, e traço dado a ver, sendo o olhar, portanto solicitado. O traço é sempre submetido ao olhar. Olhar do sujeito, porque o traço é espelho. As crianças “que escrevem mal” trazem sempre sobre sua escrita um olhar particular. Raras são aquelas que gostam de sua escrita. Devido à condenação que elas trazem de sua escrita, retomam a condenação dos adultos, dos pais. Ela se encontra aí confrontada com a projeção do Ideal de Eu, no qual se pode descobrir o fantasma da “criança ideal”. A criança recebe esta condenação do adulto, pai ou pedagogo, como uma rejeição. Além de sua escrita percebe-se, na criança, um sofrimento inscrito em seu corpo, acompanhando o ato de escrever, variando do mal-estar a uma verdadeira dor localizada num ponto preciso do corpo (mão, braço, ombro, etc). Escrever mal e sentir dor escrevendo não passam de uma mesma coisa. Escrever mal, discurso outro (você escreve mal), dor ao escrever, discurso do sujeito (me dói quando escrevo). Escrever mal, sentir dor, ser inábil, três versões da dificuldade de escrever. A perturbação da escrita, portanto, apresenta duas faces: a do traço, e a do gesto (do corpo), não dissociando a escrita do gesto que a produz, sendo a atenção do terapeuta dirigida tanto para o corpo da criança quanto para sua escrita. Estas manifestações da criança, corporais ou gráficas, que revelam o seu mal-estar, são apresentadas para a sociedade como algo repreensível, condenável, como por exemplo, na escola, um ponto a menos na média pela escrita. A criança que escreve mal, de certa maneira, está sempre fora da lei. A escrita traz em si exigências de perfeição. O escrito deve ser acabado, consumado, perfeito, em oposição ao oral, à fala. O escrito, uma vez traçado, é fixado, consumado, cristalizado, e representa entre o autor e seu destinatário um intermediário temível sobre o qual o autor será julgado, diferente do discurso oral, onde se experimenta a relação, se ajusta o discurso. 1 Texto elaborado para o Componente curricular - Seminário de Psicologia Clínica Infantil II, trabalhado pela professora - Ana Maria De Souza Dias/ 1o. semestre de 2004. Ana Maria De Souza Dias 2 Alunas do Curso de Psicologia da Unijuí e estagiárias da CPU 1 “Mais, Ainda”, p.164; citado em “O Desenho como originária passagem à escritura”, de Gabriel Balbo, in: TEIXEIRA, Ângela (org.): O Mundo a gente Traça- considerações psicanalíticas acerca do desenho infantil. A escrita, em suas referências à perfeição e à regra, solicita sempre o sujeito com relação ao ideal e à lei. E a criança que transgride pela má escrita é dissidente com relação à lei, e decepcionante com relação ao ideal. A escrita comporta, além de sua face pública (possui uma referência a um consenso social que situam as exigências em relação à escrita), uma face escondida que revela o íntimo do sujeito, fazendo a escrita dessa forma uma função de espelho. Jogo de equilíbrio no trabalho da escrita, entre as necessidades ligadas ao valor social, e o surgimento do íntimo, do pessoal, do artístico do sujeito. O traço tem sua origem nos primeiros jogos gráficos da criança, nas primeiras garatujas, quando prevalece aí o prazer do gesto, o prazer do ato, sendo isso considerado as raízes autoeróticas do prazer da escrita. A criança que lança o seu desenho sobre o papel joga também um jogo muito particular, um jogo que mantém laço com o do carretel, o Fort-Da. Pois, tal como o fio, o traço se desdobra sobre o papel, representando ao mesmo tempo o laço e a separação, revivendo deste modo a separação e o reencontro com a mãe: o traço se separa do corpo da criança, mas se reencontra em seu olhar. E o traço que permanece, colocado sobre o papel, torna-se espelho, destinado ao olhar da mãe, oferecido narcisicamente ao olhar da mãe. Assim, na atividade gráfica se encontra atuando, na medida em que ela produz um traço entregue ao olhar, toda uma dialética ao redor da separação e individualização, e do narcisismo; a dimensão auto-erótica tomando aí um lugar não-negligenciável. Na escrita constituída, se reencontra essa relação com a separação, pois escrever é sempre jogar com a ausência, compor com a ausência. A escrita assinala a ausência ao mesmo tempo em que dá presença ao ausente. Com seus primeiros escritos à criança aprende a dominar essa falta. Assim, suas primeiras palavras escritas, endereçadas à sua mãe ou algum familiar, são colocações em cena de uma tentativa de domínio da separação, uma outra forma do Fort-Da. A terapia com essas crianças, segundo a autora, prioriza, portanto, o gesto, é com o corpo da criança que se inicia a terapia. Este gesto privado de prazer, onde este está ausente, e colocado neste o desgosto, o desagrado, a dor. A questão do traço é tomado secundariamente. Na terapia, a criança é convidada a traçar grafismos, desdobrar seus gestos, tentando ser buscado nesta atividade um relaxamento do gesto. Busca-se que a criança se familiariza com seu gesto. O efeito do relaxamento libera o gesto cada vez mais, se faz cada vez mais flexível, cada vez mais fino. Primeiro a criança é convidada a “fazer como” com a ajuda do terapeuta. O gesto da criança é “assistido”. E se for necessário, o terapeuta a acompanha com sua própria mão, guia-lhe o braço e a mão, fazendo com que a criança se familiarize com seu gesto pouco a pouco. Depois o terapeuta se apaga, e a criança irá conduzir o jogo. Inventa ela mesma seus traços. Freqüentemente a criança se entrega a jogos de associações gráficas: a assunção de formas, transformação de elementos, etc. É lhe exigido deixar-se ir com o gesto, deixar sua mão percorrer livremente a folha. O prazer acompanha todos esses jogos gráficos, jogos que se assemelham às garatujas, onde o espaço é desestruturado, onde a aparência esta em desordem. O olhar que o sujeito sustenta sobre sua produção também se modifica, primeiramente se encontra nestas crianças um olhar fóbico, a criança não olha a sua escrita, não sabe olhá-la. Com o tempo, a criança vai poder se colocar sobre o que ela realiza, o interesse vai surgir, e a apreciação crítica torna-se possível, como se a criança se reconhecesse, se reencontrasse. Pode-se dizer então que a criança se sente autora de seu grafismo, que ela o reabita totalmente. Vai-se introduzir a escrita somente quando a destreza do gesto for adquirida e em conseqüência de que uma certa qualidade formal do traço é obtida. A escrita vai ser introduzida nesse momento em que a letra pode surgir, uma forma entre as formas, participante da mesma qualidade de realização que as outras formas. Pede-se que a criança dar aos traçados circulares a forma de uma letra, de introduzir uma letra no curso de um traçado. Não é solicitado à criança fazer uma letra, mas de dar a seu traçado a forma de uma letra. O traçado da escrita, da letra, portanto, não é em nada diferente dos traçados informais que a criança produz, e o mesmo prazer preside sua inscrição. E pode-se então propor, após a letra, agrupamentos de letras, e em seguida, de palavras. Não se impõem de maneira alguma um modelo caligráfico. A criança possui suas próprias formas que são inteiramente respeitadas. É abordado , entretanto , com a criança a questão da estrutura e da dinâmica da escrita através das noções de legibilidade e de velocidade. Trata-se ai de fazer com que a criança tome consciência dos imperativos que regem a composição da escrita. O objetivo e de levar a criança a aceder à sua escrita, que ela não seja mais coisa estrangeira, presa dos outros, sob a supervisão dos outros, e lhe escapando por isso, mas que ela seja sua escrita, na qual se reconheça e da qual se sinta a autora, o sujeito. Algumas considerações sobre o desenvolvimento do grafismo na criança O desenvolvimento da criança se relaciona com os aspectos estruturais e instrumentais, e estes estão diretamente articulados com os processos de aprendizagem. O aparelho biológico, através do Sistema Nervoso Central, condiciona e limita, mas, ao mesmo tempo, amplia as possibilidades de intercâmbio. É ele que oferece a abertura para a inscrição dos processos simbólicos.1 Muitas das dificuldades que a criança enfrenta no processo de aprendizagem são decorrentes de problemas orgânicos, que limitam as aquisições cognitivas. Entretanto não é a genética que garante a sobrevivência do bebê humano, existe uma carência, um limite imposto a este real que é suprido por um outro primordial. Já antes do seu nascimento a criança ganha vida, existência, um lugar psíquico desde o qual, mais tarde, ela vai poder passar a se expressar. É através dos cuidados que a criança, totalmente dependente, recebe da mãe, que o seu desenvolvimento se processa como uma construção com momentos de transformações significantes, onde cada reposicionamento da mãe implica um reposicionamento da criança, ou seja, a mãe encoraja a criança, com um olhar, um gesto, cada vez que ele faz alguma coisa. 1 Coriat, Lydia; Jerusalinsky, Alfredo, 1996, p.7 É deste modo que a criança começa a organizar uma imagem de seu corpo: “Para a mãe modelar um corpo imaginário a partir do corpo biológico do recém-nascido e fundar este lugar psíquico inaugural, ela tem que participar com a sua presença psíquica e corporal. Depois irá ausentificando-se de forma progressiva para ceder espaço ao pai.1” A todos movimentos da criança a mãe dá um significado ou ressignificado. Entretanto, para que não se efetue uma colagem da criança ao saber materno, é necessária a intervenção de um terceiro, um pai, que quebre esta completude imaginária. È este pai que terá agora a função de propor á criança desafios aos quais ela tentará resolver. Assim, ela se organiza e reorganiza, se torna gradativamente independente da mãe e começa a organizar seus recursos a partir de produções imaginárias. Estas produções imaginárias são o jogo do Fort-dá, os objetos transicionais, os jogos corporais (escondeesconde, cair,etc.), que auxiliam a criança a expressar suas palavras a partir da mímica, das ações e gestos, e organizam as suas seqüências discursivas. Assim, pensar no corpo e suas produções, é entender a estrutura psicomotora como produto de uma particular integração das estruturas neurobiológicas e psíquicas, da expressão da história pessoal, das sucessivas relações identificatórias e das experiências vividas. O que o corpo porta como organismo e o que falam os pais acerca da criança, vão orientando e dando sentido à construção de um corpo simbólico-instrumental, capaz de ser suporte de aprendizagens. Como já mencionamos acima, o movimento humano, diferentemente dos animais, está dirigido ao outro, destinado a transcender, a significar além do que dá a ver, a ser significado, nomeado, ser posto em um discurso pelo Outro. Assim, a motricidade humana, longe se ser apenas signo ou sinal, é um significante, está mediada pela linguagem. O movimento, capturado pelo Outro que lhe atribui uma significação, se transforma em gesto. O gesto gráfico tem seus primórdios nos movimentos do bebê, lidos pela mãe como um texto. Assim, de um ponto de vista lógico, o corpo da criança foi suporte material e simbólico, como uma folha de papel, onde se inscreve a letra que a mão do Outro soube escrever no exercício da função materna. 1 Molina, Sylvia, Escritos da Criança 5, p.16 Na medida em que a criança vai produzindo um dentro e um fora, um perto e um longe, ele se projeta no espaço, entendendo-se aqui ao espaço físico e geográfico, e apropria-se de seu próprio corpo, novo espaço de experiências e conquistas, e distancia-se gradualmente do corpo do outro materno. O espaço gráfico vem a ser representação dos espaços materno e físico. O grafismo tem um caráter de variável relacional, como produção do corpo e como projeção. A mão da criança, libidinalizada, erogenizada, se projeta no espaço físico e no espaço gráfico: piso, paredes, folhas, cadernos, vinculando-se a ele de uma maneira particular, conforme as marcas deixadas pelo encontro com o Outro. Estes primeiros rabiscos utilizam a motricidade global, ampla, para que posteriormente seja a mão que condense a capacidade de fazer marca, escritura. Estudiosos do grafismo infantil reconhecem haver determinadas “fases” que são comuns aos sujeitos em processo de apropriação do desenho enquanto forma de representação. Estes processos se relacionam aos objetos disponíveis e a cultura na qual a criança se encontra inserida. Num primeiro momento as marcas deixadas pela criança no suporte material são o resultado do exercício da coordenação da ação motora ou das praxias necessárias ao uso dos instrumentos, caracterizando-se por descargas motoras que produzem rabiscos e formas em “zigue-zague”. Nestes momentos, as marcas inscritas pela criança muitas vezes ainda extrapolam os limites do suporte (bordas) e sugerem um excesso ou falta de “força” ou pressão. 1 Num segundo momento, o traçado aponta para a obtenção de um maior controle do tônus muscular, aparecendo formas circulares que vão sendo gradativamente aperfeiçoadas. Além disto, já consegue manter suas marcas dentro do suporte que lhe é oferecido. Neste 1 Japiassu, Ricardo período aparecem também linhas retas, traços alongados, e a tentativa de representar deliberadamente objetos. Nestes primeiros “atos gráficos”1 tudo acontece como se a intenção representacional do sujeito fosse “traída” ao longo da execução das marcas. Isto ocorre pela dificuldade que a criança ainda experimenta em coordenar as ações motoras complexas solicitadas no processo. Ao mesmo tempo, ao associar as marcas produzidas sobre o suporte a determinados objetos da realidade concreta, a criança começa a nomear seu desenho, a dizer quais objetos intenta representar. 2 Num terceiro momento, as formas gráficas para referir um determinado objeto são variáveis, ou seja, não são representados por um único esquema gráfico. Aparece aqui o fenômeno da justaposição, onde os elementos que compõe o objeto representado pela criança aparecem lado a lado, sem uma aparente relação lógica entre eles. O grafismo, até então ato impulsivo, converte-se em ato gráfico3, resultado de uma ação intencional do sujeito. 4 A seguir, aparecem repetições de esquemas gráficos, estereotipias, na representação de determinados objetos. A criança encontra uma solução gráfica para o desenho de alguns objetos, como, por exemplo o “boneco palito” para representar o homem. 1 Levin, 1997 Mèredieu, Florence.p.31 3 Levin, 1997 4 Japiassu, Ricardo 2 1 Ainda neste momento aparecem muitas vezes as transparências, isto é, desenhos onde objetos que não seriam visíveis, como por exemplo, atrás de uma parede, são feitos visíveis. É neste período que se define também a dominância lateral da criança. 2 Do desenho á escrita, a criança deve reprimir a liberdade de ação, frear seus impulsos, passar de escrever com todo o seu corpo para o uso apenas da mão e do controle da postura e da motricidade. Apesar disto, a estrutura tônico postural está sempre presente, o que quer dizer que o corpo está ali, representado na sua própria ausência. BIBLIOGRAFIA CORIAT, J.A. 1996 Aspectos Estruturais e Instrumentais do Desenvolvimento. in: Escritos da Criança vol. 4. POA. Centro Lydia Coriat. JAPIASSU, R. O.V. Do Desenho de Palavras a Palavra do Desenho. Disponível na Internet em: www.educação online.pro.br. Acesso em 11/2004. JERUSALINSKY, A. (1999) e colaboradores. Psicanálise e desenvolvimento Infantiil um enfoque transdisciplinar, tradução de Myrian Lichtenstein et all , Porto Alegre, Artes & Ofícios, 2 ed.. 1 2 Méredieu, Florence. p.19 In: Mèredieu, Florence.p.20 LEVIN, E (2001) A função do Filho: espelho e labirintos da infância; tradução de Ricardo Rosencusch - Petrópolis RJ, Ed Vozes. ______(1997) A Infância em Cena: constituição do sujeito e desenvolvimento psicomotor; tradução de Lúcia Endlich Orth e Epraim Ferreira Alves - Petrópolis, RJ, Ed. Vozes,. ______ (1995) A Clinica Psicomotora: o corpo na linguagem; tradução de Julieta Jerusalinsky. Petrópolis, 4 ed. RJ: Vozes. MÈREDIEU, F. O Desenho Infantil. São Paulo, Editora Cultrix. MOLINA, S. E. (1998) A Pequena Criança da Psicopedagogia Inicial. In: Escritos da Criança 5. Porto Alegre. Centro Lydia Coriat, 16.1 - Considerações acerca do desejo e da sexualidade na histeria: um caso de “luto sexual” 1 Cláudia Farias2 Há muitas vias para se abordar a histeria, tão discutida ao longo da história da psicanálise, contudo, o texto que segue busca articular teoria e prática clínica a partir de duas questões fundamentais, a saber, o sintoma e o desejo. Compreender o sintoma na histeria é buscar no percurso de Freud a questão do desejo e indubitavelmente elucidar o mecanismo crucial da histeria, o recalque. A articulação teórica parte do seguinte caso clínico: A paciente que chamarei Julia tem 69 anos, vem a tratamento com a queixa de que não consegue mais investir em nada. Não consegue suportar a perda do marido que foi embora com sua sobrinha de 20 anos. Sua vida é marcada por três, a perda do pai (alcoólatra), depois a perda do primeiro marido, fruto de um casamento arranjado pela família e finalmente a perda do marido atual, que não morre mas induz a perda substituindo-a pela sobrinha de Julia. O que fica muito evidente é que com o segundo marido ela repete uma espécie de anulação pessoal, deixa o trabalho para se dedicar ao marido e as atividades diárias são determinadas por ele, ou seja, ela vive conforme o desejo do seu companheiro. 1 Texto elaborado para o Componente curricular - Seminário de Psicologia Clínica II, trabalhado pela professora - Cristian Giles. 2 Aluna do Curso de Psicologia da Unijuí e estagiária da CPU Nas entrevistas iniciais a dificuldade de elaborar o luto é evidente, e o apagamento da sua própria subjetividade também acompanha todas as falas. A paciente parece estar sem perspectiva e lamentando não ter o marido que a “trocou” pela sobrinha, e assim a queixa centra-se na impossibilidade de continuar vivendo, pois, segundo ela, a vida não tem mais sentido. Nesse momento, faço uma intervenção destacando aquilo que Julia descreve quando fala de como era diferente e difícil no seu tempo, que ela foi criada para ter alguém, para casar e que só agora as coisas estão melhores, para alguém jovem como eu e como sua filha, aponto que a pesar de sua história ser contada no passado, ela vive também um agora e faz parte do mundo de hoje. Isto fez um efeito de atualização da sua vida, tanto as intervenções, quanto à possibilidade de ter um espaço para elaborar o luto, e noto que nas sessões posteriores o trabalho parece promover quais seriam as suas possibilidades de investimento, deixando lentamente a nostalgia do passado para interrogar seu desejo. Freud (1916) no texto “Luto e melancolia” afirma que o luto profundo, ou seja, a reação à perda de alguém que se ama, encerra o mesmo estado de espírito penoso, a mesma perda de interesse pelo mundo externo, a mesma perda da capacidade de adotar um no objeto de amor ( o que significa substituí-lo ) e o mesmo afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido. É fácil constatar que essa inibição e circunscrição do ego é expressão de uma exclusiva devoção ao luto, devoção que nada deixa a outros propósitos ou a outros interesses, e realmente, não nos parece patológica. Esse foi um movimento necessário para Julia, falar do marido lhe atribuindo todo valor fálico e só posteriormente ir se desligando do próprio investimento imaginário que fizera no objeto, deslocando a libido para outras atividades e outros objetos. A partir da elaboração do luto, como compreender melhor a questão do desejo e da queixa de Julia? Inicialmente ela diz querer muito a volta do marido, em certos momentos até se propõe a pensar que nada aconteceu e ele vai voltar. Superficialmente, ou uma escuta leiga poderia considerar que o objeto de seu desejo é o marido. A partir do referencial teórico psicanalítico passamos a compreender que ela estava em busca de um lugar subjetivo, na medida em que o marido que lhe dava um lugar, ela supôs querer o marido de volta. A partir do processo de elaboração do luto do objeto perdido ela aponta que quer esquecê-lo, mesmo com muita dificuldade, já não o espera como antes: - “Agora faço de tudo para esquecer ele, mas não é fácil”. Qual seria sua dificuldade de esquecer? O que poderia estar atrelado ao lugar do marido que ela não conseguia se desvincular? Essa idéia de tentar esquecer, ou eliminar uma idéia incompatível à consciência nos remete ao recalque, à pedra angular da psicanálise, entendido como aquilo que impede a satisfação dos representantes psíquicos do desejo, considerando que a tentativa original é a de fugir do investimento pulsional. Assim, o recalque afastaria a sensação de desprazer contida na consciência e na realização do desejo. Nota-se aqui, esse duplo paradoxo, prazer e desprazer, de um lado o prazer de buscar a satisfação e o desprazer por ser inaceitável, incompatível, condenável à consciência. Obviamente que para o recalque atuar é necessário que o desprazer tenha força maior do que o prazer da satisfação. Por isso Freud afirma que: “A formação do sintoma assinala um triunfo se consegue combinar a proibição com a satisfação, de modo que o que era originalmente uma ordem defensiva ou proibição adquire também a significância de uma satisfação” (Freud, Sigmund, (1926 [1925] : 114). Mas como explicar que a idéia incompatível não seja eliminada pela ação do recalque? Qual o destino do material recalcado? Que efeitos o recalque produz? Freud aponta que o recalque age sobre o consciente, ou seja, o recalque não elimina apenas desloca a pulsão para que ela se reorganize e continue a estabelecer ligações, buscando a tentativa de satisfação. Ela continua existindo no inconsciente, isto é, o recalque não retira a representação da consciência de uma forma totalizante e efetiva, ele produz derivados, sendo que quanto mais atuante for o recalque mais próximo eles estarão da consciência. “ Ele prolifera no escuro, pó assim dizer, e assume formas extremas de expressão, que uma vez traduzidas e apresentadas ao neurótico irão não só lhe parecer estranhas, mas também assustá-lo, mostrando-lhe o quadro de uma extraordinária e perigosa força do instinto. Essa força falas do instinto resulta de um desenvolvimento desinibido da fantasia e represamento ocasionado pela satisfação frustrada (..) deixemos claro que tampouco é correto supor que o recalque retira do consciente todos os derivados daquilo que foi primevamente recalcado” (Freud, S 1915: 172). Considerando a força da pulsão, o desejo que não pode ser extinto da vida psíquica, o que é recalcado continua a pressionar, faz uma tentativa de retorno à consciência, ou seja, exige que um recalcamento sempre suceda outro. Então chegamos a um ponto crucial da teoria psicanalítica, que aponta para o fracasso do recalque. Ele retorna e no caso da histeria, o corpo é encarrego de falar sobre isso que não conseguiu ser eliminado. Seguimos a sintomatologia da paciente Julia que no movimento de elaboração do luto do marido e perante a tentativa de esquecer o que aconteceu fica muito gripada, tosse sem parar e tem fraquezas, tonturas que a impedem de caminhar muito tempo e até falta algumas sessões devido a está constipação. O que o corpo de Julia vem nos falar? Seria da impossibilidade de eliminar aquilo que foi vivido no seu desejo pelo marido´? A posição na que seu fantasma esperava o marido? Ou a articulação de um elemento novo que aparecera no percurso do trabalho, a saber, a fantasia de rivalidade com a nova mulher do marido? Estas são hipóteses possíveis. “Os sintomas, isoladamente, são tão inequivocamente dependentes das experiências que é típica em si mesma – comum a todos os seres humanos”. (Freud, Sigmund. 1915. p.278). Essa afirmação nos leva a conceber que há algo que está enlaçado à estruturação subjetiva e à elaboração sintomática, ou seja, os sintomas que a paciente apresenta estão intimamente relacionados, não só com aquilo que ela está vivendo, mas com aquilo que ela viveu, assim, o recalque atuaria no afastamento da consciência daquilo que é insuportável ao ego, e o sintoma da mesma forma que o recalque não atuaria ou se representaria somente no caso de reprimir o desejo e as vivências atuais. Retoma-se a afirmação de Freud no texto “Neuropsicoses de defesa (1894)” que toda neurose é uma forma de defesa. Do que o ser humano deveria se defender? Referente ao recalque, o que significa dizer que uma representação é incompatível? O que tem em comum nas produções sintomáticas que se repetem como produções da vida psíquica de muitos pacientes? Aqui, chegamos a um ponto fundamental para a compreensão da teoria psicanalítica, baseando-se na concepção do sintoma como sustentador da subjetividade. No que se refere ao caso trabalhado, faz-se necessário aprofundar as questões estruturais da paciente, compreendendo o movimento realizado durante o trabalho clínico: o deslizamento da queixa a partir da elaboração do luto para a organização ou re-organização do seu investimento libidinal. O luto consegue ser elaborado, mas ainda fica uma questão (inconsciente) para Julia, a saber, a rivalidade com a mulher do ex-marido. Segundo ela, o marido não incomoda mais, contudo, o que ela não consegue esquecer e aceitar é “a outra”, que detém o desejo do marido e provoca o olhar de Julia, na medida em que é com ela que a paciente passa a rivalizar, isso a partir daquilo que a estrutura, da histeria. O que isso quer dizer? Que originalmente a histeria pressupõe a rivalidade com a mulher do pai. Entrar nas questões estruturais, em especial no caso da histeria pressupõe inicialmente considerar que a histeria foi um enigma que Freud tentou desvendar, compreender e acima de tudo escutar as produções que não só aparecem na queixa, mas no corpo. Fundamentalmente nos textos iniciais, Freud (1895 [1950]) se limita a tentar desvendar como a partir dos complexos surge um centro da posição feminina, da mulher, e encontra não só o desejo pelo pai, pelo falo, mas entra em cena, naquilo que tange a formulação do seu desejo, o das Ding. Freud compreende a “falsidade” das cenas de sedução das histéricas imputadas ao pai, por conta das fantasias do complexo de Édipo, deu-se conta de que a sedução originariamente sofrida pela menina era exercida, inicialmente, pela mãe. Tal sedução seria transferida e atribuída só posteriormente ao pai. É dessa forma que Freud compreende que as intermináveis queixas das histéricas derivavam da função de castração de que elas se sentiam vítimas, considerando que a angustia característica da histeria seria proveniente do ódio à mãe que a privou do falo. Nesse sentido fica mais fácil compreender a angustia de Julia frente à outra mulher, a mulher que despertou desejo no homem que ocupava o lugar do seu representante paterno. Nas sessões seguintes, a paciente fica muito tempo tomada pela “outra”, descrevendo e pensando nessa mulher mais nova, bonita, atraente e chega a dizer: “Eu até entendo ele, comigo já não era bem assim para ter relação sexual e homem gosta disso, precisa disso, e ela sempre foi sem-vergonha”. É essa a mulher causa de desejo para Julia, assim como (lembremos sucintamente) Dora volta seus olhares para senhora K, é essa outra mulher que lhe chama atenção. Uma questão se interpõe: como está a mãe no discurso de Julia? Aprofundando as hipóteses podemos ir um pouco mais longe, destacando a possibilidade de que Julia aponta para uma possível identificação com o pai, que sempre ficou numa posição passiva, de coitado perante a tirania da mãe. Diz Julia: “E o pior é que parecia que ele gostava de obedecer e sofrer nas mãos dela”. Assim, a mãe era rigorosa, bruta, não raramente batia nos filhos, não gostava de conversar e colocava todos os filhos, independente do sexo, para trabalhar na roça, sendo que as meninas ainda tinham que fazer o serviço de casa, da mesma forma, que era muito ríspida com o pai que parecia estar a serviço do desejo da mãe. Não seria essa identificação que Julia repete com os maridos sendo submissa e abdicando sua vida em prol do desejo deles, sendo como o pai, dócil e a serviço do desejo do cônjuge? Acredito que sim. Mas o que faria Julia repetir sintomaticamente essa posição? É possível pensar a questão do sintoma por várias vias, contudo o cerne da questão que interessa neste momento, pode ser encontrado na Conferência XX – “A vida sexual dos seres humanos. (1917)”: “Eu disse que os sintomas neuróticos são substitutos da satisfação sexual e lhes indiquei que a confirmação desta assertiva pela análise dos sintomas viria a defrontar-se com numerosas dificuldades (...)” (Freud, Sigmund, 1917. p.360). Assim, indubitavelmente a origem do sintoma é sexual (diante do percorrido dispensa-se nesse momento a distinção do sexual e do coito), visto que o sexual é o núcleo do conflito do sujeito que deve reorganizar seus instintos mais originais para se humanizar e dar conta constantemente das manifestações pulsionais que o invadem. Como diz Conte (1995) no texto “O Real e o Sexual ”, é importante pensar que a sexualidade se manifesta como sintoma, como resultado da não realização, da falha, da falta, da castração, na medida em que, conceber a sexualidade como fonte e conflito psíquico é compreender a instância cultural concomitantemente com a ação do recalque. O útero migrador, os banhos frios, até mesmo a internação manicomial levaram Freud a propor aquilo que era mais difícil (e que ainda considero), a escuta da sexualidade recalcada. Se de um lado o que caracteriza o sujeito é a sexualidade, o desejo, de outro o que o sustenta é a falta, a impossibilidade de realizá-lo. O que caracteriza a histeria é a criação de um desejo para não poder realizá-lo, com isso é fundamental destacar que a castração, a lei da interdição é que instaura este mesmo desejo, ou seja, é que permite a sua existência, inserindo o sujeito na linguagem instaurando a impossibilidade da realização sexual plena. Ele só é sujeito porque deseja e não porque realiza o seu desejo, pois esse desejo não é mais autônomo no momento em que o Outro lhe caracteriza como sujeito faltante e falante. Julia começa a vir nas sessões com roupas coloridas, maquiada e encontra nesse espaço um momento de elaborar os seus novos investimentos, diz que vai viajar, cuidar dos netos, das plantas, se dedicar à religião, mas destaca que não quer outro homem, talvez não queira outro homem enquanto a mulher, a outra continuar a incomodá-la. Após alguns meses ela se dá “alta”, diz que está bem e que não tem mais nada para trabalhar, mais nenhum sofrimento que não consiga lidar sozinha. Deixo uma questão: será que todos os pacientes devem entrar em processo de análise, ainda mais se considerarmos que o trabalho se dá numa clínica escola? Ou melhor, o que fazer quando o paciente resolve uma questão pontual e não pretende continuar com aquilo que a gente supõe ser um tratamento? Entendo que estas são questões pertinentes para uma outra ocasião, assim, momentaneamente faço um desfecho a partir do ponto nodal do tratamento abordado, a questão da sexualidade e do desejo: “Mas se quisermos aprender em que sentido a sexualidade questiona o sujeito, convém sublinhar algo que não foi percebido de imediato, ou seja, que com o único sentido admissível do complexo de Édipo é que a lei, longe de se opor ao desejo, é-lhe essencialmente idêntica: é ela que permite sua instauração; e a experiência psicanalítica mostra com clareza que é quando ela é deficiente, por razões diversas, que o sujeito fica em dificuldade quanto ao desejo”. (CONTÉ, Claude. 1995. p. 80). BIBLIOGRAFIA FREUD, Sigmund. Neuropsicoses de defesa (1894) ed. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. III. _______________. O sentido dos sintomas. ed. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Conferência XVII. _______________. Os caminhos da formação dos sintomas. ed. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Conferência XXIII. _______________.Repressão (1915). ed. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. XIV. _______________. Teoria geral das neuroses: Conferência XX – A vida sexual dos seres humanos. (1917) ed. Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. XVI. CONTÉ, Claude. O Real e o Sexual de Freud e Lacan. Rio de Janeiro. Edição J. Zahar Editor. 1995. MELMAN, Charles. Novos Estudos sobra a histeria. Trad. Davi(s) Levy. Porto Alegre: Artes Médias, 1985. 17 – INFORMATIVOS- FALANDO N’ISSO- ANO 2004 Informativo (Clínica da Escuta: Primeiras entrevistas) Ano 05 nº 15 Mês Março / Abril 2004 Informativo (Por que pagar?) Ano 05 nº 16 Mês Maio / Junho 2004 Informativo (“Amo em ti algo que é mais do que tu”) Ano 05 nº 17 Mês Julho / Agosto 2004 Informativo (“As máscaras do sintoma”) Ano 05 nº 18 Mês Setembro / Outubro 2004 nformativo Não publicado em 2004 Mês Novembro / Dezembro 2004 Não publicado em 2004 18 - PRINCIPAIS EVENTOS DE 2004 Data: 19 de Novembro de 2004 Evento: VIII Jornada da Clínica de Psicologia da UNIJUÍ Local:Auditório da Sede Acadêmica Informações: www.unijui.tche.br/dfp/eventos/ jornadapsicologia Conferência “Clínica na Atualidade” Conferencista - Ana Costa (Psicanalista, Membro da APOA, com formação em Doutorado e Pós Doutorado na França). Dia 03/12, sexta feira, 2004 - Promoção do DFP - Curso de Psicologia da Unijuí. 19– COMISSÃO DO ANUÁRIO “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia/Tudo passa, tudo sempre passará (...).Tudo que se vê não é Igual ao que a gente viu a um segundo tudo muda, o tempo todo no mundo” Tim Maia - Como Uma Onda Depois da construção da primeira edição do Anuário, sentimos a necessidade de registrar nossas próprias impressões a respeito desta elaboração, bem como, dificuldades, angustias, gratidão, emoções, enfim, tudo aquilo que está implicado na produção de qualquer trabalho. Portanto esse não é momento de concluir, mas de pensar na marcas que deixamos e que carregaremos, na confiança de que serão sempre renovadas. Abraçamos um projeto inovador e desafiador. O movimento inicial foi situar e delimitar o que seria escrever a Clínica. O que é um Anuário? Qual o seu objetivo? Como fazer um Anuário? A ousadia do projeto nos convocou a um longo período de discussão e reflexão acerca de varias temáticas envolvendo questões teórico-clínicas. Estamos imersos no sintoma institucional, na medida em que a Clínica é uma instituição, portanto também sintomática, assim, antes de pensar a organização do material escrito foi necessário discutir questões referentes a instituição: Como registrar a burocracia? Como compreender o espaço público e o privado na Clínica de Psicologia da Unijuí (CPU)? Qual é o lugar do estagiário? E na medida do possível, tentando compartilhar as discussões que puderam perpassar outras comissões e outros momentos importantes como as reuniões gerais. Continuando nossos questionamentos e com novos integrantes (no segundo semestre de 2004) o Anuário pôde começar a ganhar forma, através da discussão do material registrado na secretaria da Clínica e com a colaboração de alguns professores, em especial Luis Fernando L. de Oliveira e Ubirajara Cardoso de Cardoso. A vocês o nosso muito obrigado, não só pelas discussões ético-profissionais, mas pelo incentivo e por investir na nossa capacidade crítica. Muitas das nossas propostas não puderam ser realizadas, foram assim, adiadas, como alguns textos que gostaríamos que professores pudessem discutir e escrever, da mesma forma que importantes discussões dos estagiários passaram pela instituição sem serem registradas. Assim, diante da falta de textos encaminhados contamos com o material já existente (dados quantitativos, textos e gráficos) e com as discussões da comissão, o que não foi pouco! Compreendemos que este é um espaço inicial para que a Clínica se aproprie do Anuário, não como atividade de apenas uma comissão, mas como um espaço que registra a memória da Clínica e, portanto, o percurso dos estagiários, supervisores, e, é claro, dos pacientes. Assim, sendo a falta compreendida como aquilo que produz desejo e que movimenta, a entendemos neste projeto como aquilo que irá permitir sua continuidade. Essa mesma falta foi o que proporcionou a elaboração da primeira edição com tudo aquilo que está registrado neste material. Além de ser um espaço que se abre para um registro teórico o Anuário vem como uma possibilidade de marcar a história da Clinica, mantendo-a viva e em constante questionamento.