Relato de Caso Carcinoma de Merkel em pescoço Alex Freitas Porsani1 Sergio Altino Franzi2 Ali Amar2 Carlos Neutzling Lehn3 Rogério Aparecido Dedivitis2 Merkel carcinoma of neck RESUMO Carcinoma de Merkel é uma neoplasia maligna rara, com origem no sistema neuroendócrino. A localização freqüente é a pele da cabeça e pescoço, sendo mais comum em idosos. Relatamos o caso de um homem, 62 anos, caucasiano, com tumor cervical e extensão à carótida, sem possibilidade cirúrgica. O diagnóstico histopatológico foi possível à imunoistoquímica. Apresentamos o tratamento com quimioterapia neoadjuvante com etoposide, ifosfamida, mesna e taxol por dois ciclos à cirurgia (esvaziamento cervical com retalho de Bakamjian) e radioterapia pós-operatória para o carcinoma de Merkel avançado de cabeça e pescoço. Evoluiu sem evidência de doença há oito meses. ABSTRACT The Merkel carcinoma is rare and has origin in the neuroendocrine system. Its location is most frequently the skin area of neck and head. This disease is very common in elderly. We related the case of the Caucasian 62-year-old man with a lump in the neck infiltrating the carotid artery without surgical possibility. The pathological diagnosis was made through immunohistochemical analysis. We presented the neoadjuvant chemotherapy management before of surgery and postoperative radiotherapy. He has been without evidence of disease for eight months. Key words: Carcinoma, Merckel cell. Head and Neck Neoplasms. Reconstructive Surgical Procedures. Descritores: Carcinoma de Células de Merckel. Neoplasias de Cabeça e Pescoço. Procedimentos Cirúrgicos Reconstrutivos. INTRODUÇÃO Merkel (1875) descreveu células na camada basal da epiderme que apresentavam a função mecanorreceptoras e que posteriormente foram designadas de células de Merkel. O termo carcinoma de células de Merkel foi descrita inicialmente por Toker, em 1972. Sua incidência nos Estados Unidos da América atinge a 0,42:100.000/ano1 . Origina-se a partir do sistema neuroendócrino e apresenta nas células de Merkel o substrato anátomo-patológico. Tem sua maior incidência no gênero masculino, no grupo caucasiano e na faixa etária entre sexta e sétima décadas. A localização anatômica mais freqüente é o tegumento da cabeça e pescoço, em até 70% dos casos. Tem comportamento agressivo e apresenta alta incidência de comprometimento linfonodal e metástase a distância. A mortalidade atinge 30% dos casos nos primeiros três meses e apresenta sobrevida global média a dois e três anos após o diagnóstico inicial2,3. Em relação ao manejo terapêutico, apresenta-se bem definido através da ampla ressecção cirúrgica e radioterapia convencional pósoperatória. Entretanto, a utilização da quimioterapia de indução (primária) ainda apresenta-se de maneira discutível e sem padronização na literatura. RELATO DE CASO Paciente masculino, 62anos, caucasiano, apresentou-se com queixa de nódulo no pescoço à esquerda há quatro meses, de crescimento progressivo, doloroso e evoluindo com ulceração da pele nos últimos 20 dias. Como antecedente cirúrgico referiu ressecção de lesão em face há um ano, com anátomopatológico demonstrando carcinoma pouco diferenciado. Ao exame clínico geral, apresentava-se em bom estado geral, com índice de Karnofzky de 80%. Ao exame loco-regional, apresentava lesão nodular profunda cervical, de 15 x 10cm, endurecida, semi-fixa aos planos profundos, bocelada, de limites não definidos, acometendo as regiões submandibulares e parotídea esquerda, com área ulcerada (figura 1). A tomografia computadorizada (TC) do pescoço mostrou comprometimento do feixe júgulo-carotídeo esquerdo, inviabilizando a indicação inicial de tratamento cirúrgico. A imunoistoquímica da biópsia demonstrou, através da positividade da cromogranina e a negatividade para 35BH11 e 34BE12, o diagnóstico de carcinoma neuroendócrino pouco diferenciado (não funcional), sendo definido o estadiamento clínico III – tumor cervical com mais de 2cm e metástase locoregional. Optou-se pela poliquimioterapia de indução (primária) com intenção de torná-lo ressecável. O esquema poliquimioterápico utilizado foi: Etoposide – 100 mg/m2 nos dias 1, 2 e 3; Mesna – 450mg/m2 nos dias 1, 2, 3, 4 e 5; Ifosfamida – 1000 mg/m2 nos dias 1, 2, 3, 4 e 5; Taxol – 175mg/m2 no dia 1. Devido ao baixo Clearence de creatinina (< 34 mL/min), foi suspenso neste ciclo o uso da Cisplatina. Após o término do 1° ciclo, evidenciou-se uma remissão parcial do bloco tumoral cervical, com tamanho de 7x5cm, móvel, amolecido e indolor; sendo indicado o 2° ciclo. O esquema indicado utilizado foi 1) Médico Residente do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis – HOSPHEL, São Paulo. 2) Médico Assistente do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis – HOSPHEL, São Paulo. 3) Chefe do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis – HOSPHEL, São Paulo. Instituição: Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis – HOSPHEL, São Paulo. Correspondência: Rua Cônego Xavier, 276, 5º andar – 04272-300 São Paulo, SP, Brasil. Recebido em: 05/11/2007; aceito para publicação em: 05/01/2008; publicado online em: 12/02/2008. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 126 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 126 - 127, abril / maio / junho 2008 ajustado após novo clearence de creatinina de 59 mL/min: Cisplatina – 80 mg/m2 – 1/3 dose nos dias 1, 2 e3; Etoposide – 100 mgm2 nos dias 1, 2 e 3; Mesna – 450 mg/m2 nos dias 1, 2, 3, 4 e 5; Ifosfamida – 1000 mg/m2 nos dias 1, 2, 3, 4 e 5; Taxol – 175 mg/m2 no dia 1. Após nova avaliação, evidenciou-se manutenção da remissão do bloco tumoral, com tamanho de 6x5cm, móvel, consistência amolecida, indolor, com plano de clivagem entre bloco tumoral e feixe jugulo-carotídeo à TC, sendo indicada terapêutica cirúrgica. O paciente foi submetido à ressecção de lesão de pele em região parotídea, com parotidectomia parcial e glândula submandibular esquerda, esvaziamento linfonodal cervical associado e reconstrução com retalho de Bakamjian e fechamento da área cruenta com enxerto livre – figura 2. Figura 3 – Apresentação do paciente após realização do tratamento radioterápico. DISCUSSÃO Figura 1 – Lesão nodular profunda cervical esquerda. O manejo do carcinoma de Merkel é controverso, preconizando-se a ressecção da lesão primária com margens amplas e esvaziamento cervical associado, indicado principalmente pelo alto índice de metástases regionais4. A radioterapia adjuvante encontra-se com indicação consagrada no pós-operatório, com controle local e regional de 84%, contra 69% quando comparado à cirurgia exclusiva. A indicação da radioterapia neste caso ocorreu tanto por indicação pósoperatória, bem como pela extensão inicial da doença no pescoço. Entretanto, apesar do maior controle de recidiva locoregional, a radioterapia não se demonstrou capaz de alterar a sobrevida global. Entre os diferentes preditores de sobrevida em análises multivariáveis, temos idade superior a 70 anos, tumor maior de 1cm e número de metástases linfáticas. O estádio da doença, contudo, representa o maior valor preditivo de sobrevida global5. A proposta de quimioterapia neoadjuvante utilizada no caso relatado ocorreu pelo fato do bloco tumoral cervical apresentarse fixo aos planos profundos, apresentando-se como contraindicação à cirurgia. A possibilidade de metástases hematogênicas em estádios avançados também se mostra como uma indicação para a proposta de quimioterapia de indução. Na impossibilidade de tratar-se inicialmente o carcinoma de Merkel com cirurgia em tumores de cabeça e pescoço avançados, a utilização do regime de quimioterapia de indução pode viabilizar tal procedimento, mas deve ser consolidado com radioterapia convencional loco-regional. REFERÊNCIAS Figura 2 – Reconstrução do defeito cirúrgico com retalho fásciocutâneo (Bakamjian). O paciente evoluiu sem intercorrências, com achado anátomopatológico de células com atipias, em blocos esparsos de carcinoma. Assim, encaminhamos para o tratamento radioterápico pós-operatório, em sítio primário do tumor e fossa supraclavicular ipsilateral, num total de 54Gy, não apresentando complicações. Encontra-se em seguimento de seis meses pós-operatório, sem sinais de doença recidivada (figura 3). Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 37, nº 2, p. 126 - 127, abril / maio / junho 2008 1. McAfee WJ, Morris CG, Mendenhall CM, Werning JW, Mendenhall NP. Merkel Cell Carcinoma. Cancer. 2005;104:8-10 2. Lonardo MT, Marone U, Apice G, Ferrara E, De Chiara A, Cerra R, Chiofalo MZ, Mozzilo N. Merkel cell carcinoma: experience of 14 cases and literature review. J Exp Clin Cancer Res. 2006;25(3):331-7. 3. Suntharalingam M, Rudoltz MS, Mendenhall WM, Parsons JT, Stringer SP, Million RR. Radiotherapy for Merkel cell carcinoma of the skin of the head and neck. Head Neck. 2005;27(3):208-16. 4. Senchenkov A, Barnes SA, Moran SL. Predictors of survival and recurrence in the surgical treatment of Merkel cell carcinoma of the extremities. J Surg Oncol. 2007;95(3):229-34. 5. Sandel HD, Day T, Richardson MS, Scarlett M, Gutman KA. Merkel cell carcinoma: does tumor size or depth of invasion correlate with recurrence, metastasis, or patient survival? Laryngoscope. 2006;116(5):791-5. 127