INTRODUÇÃO O hipertireoidismo é uma doença endócrina

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INTRODUÇÃO
O hipertireoidismo é uma doença endócrina causada pela excessiva produção e
secreção dos hormônios tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3) pela glândula tireoide anormal. É
relatada nos Estados Unidos, Europa e Austrália, como a doença endócrina mais comum
diagnosticada em gatos, afetando aproximadamente um, em cada trezentos animais (HOEK et
al., 2014). No Brasil, a ocorrência da doença vem aumentando anualmente, o que está
relacionado com o aumento da população de gatos como animais de estimação, a maior
sobrevida destes indivíduos e ao maior conhecimento desta endocrinopatia (RECHE JUNIOR
et al., 2007).
Acomete gatos de meia-idade, com média de 12 anos. Não parece haver predisposição
racial, mas alguns estudos indicam ser menos frequente em siameses e himalaios. Há maior
risco para gatos que se alimentam exclusivamente de dietas úmidas e naqueles que utilizam
areia sanitária (KOOIJ et al., 2013).
A doença, nos felinos, é quase sempre causada por uma disfunção autonômica da
glândula tireoide e raramente, por alterações hipotalâmicas ou hipofisárias. As alterações
histológicas mais comumente encontradas são hiperplasia adenomatosa envolvendo um ou
ambos os lobos da tireoide, de caráter benigno (Figura 1). O carcinoma tireóideo em gatos é
incomum, constituindo aproximadamente 1 a 2% de todos os casos e são caracterizados pela
alta invasão vascular e capsular (LURYE, 2006; BIRCHARD, 2006).
Figura 1 - Adenoma funcional no lobo tireoidiano equerdo de um gato
(SOUZA et al, 2015)
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O objetivo deste trabalho foi revisar os aspectos fisiopatológicos, clínicos,
diagnósticos e terapêuticos desta doença que, muitas vezes, ainda não é levada em
consideração pelos médicos veterinários, mas que se corretamente diagnosticada e tratada,
pode levar a um importante aumento na qualidade de vida dos pacientes acometidos.
ANATOMIA DA TIREOIDE
A tireoide tem origem endodérmica e seu desenvolvimento se dá precocemente na
porção cefálica do tubo digestivo. No gato, a glândula tireoide tem formato achatado e
elipsoidal (SOUZA, DANIEL, 2008). São estruturas pares e vermelho-escuras, localizadas
adjacentes à porção proximal da traqueia, caudalmente à laringe. O lobo esquerdo é levemente
caudal ao direito. O istmo de conexão entre os dois lobos, encontrado na espécie humana, não
existe em gatos. No gato normal, os lobos são situados profundamente em relação ao músculo
esterno-hióideo, medem em torno de 10 mm de comprimento, 4 mm de largura e 2 mm de
espessura e não são palpáveis. Dorsalmente, os lobos estão em estreita proximidade com a
bainha carotídea e com o tronco vagossimpático. Fibras do nervo laríngeo recorrente direito
passam dorsalmente em íntima associação ao lobo tireoidiano direito. O principal aporte
sanguíneo para cada lobo da tireoide é a artéria tireoidiana cranial, que se origina da artéria
carótida comum. A artéria tireoidiana caudal, encontrada no cão, não está presente no gato. O
principal retorno venoso da glândula tireoide se faz pelas veias tireoidianas craniais e caudais,
que deixam os polos cranial e caudal de cada lobo, respectivamente. A glândula tireoide tem
uma cápsula de tecido conjuntivo, cujos septos penetram na glândula formando uma trama de
suporte e também conduzindo um rico suprimento vascular (BIRCHARD et al., 1984).
Existem quatro glândulas paratireoides, sendo duas externas, que medem de 3 a 7 mm
e situam-se na superfície craniolateral da tireoide e podem ser distinguidas pela sua coloração
mais clara e pelo seu formato arredondado (BIRCHARD, 2006). As duas glândulas
paratireoides internas, estão de modo geral, inseridas no parênquima tireoidiano, variando
quanto à sua localização. O suprimento sanguíneo para as paratireoides consiste em pequenos
vasos que se originam da artéria tireoidiana cranial (FERGUSON, FREEDMAN, 2006).
O tecido tireoidiano acessório é muito comum no gato e pode ser encontrado na região
cervical e no tórax. Esse fato tem significado clínico, visto que a hiperplasia adenomatosa, e
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ocasionalmente o carcinoma, pode originar-se de tecido tireoidiano na região cervical ventral
ou mediastínica anterior. Tal tecido acessório pode explicar, pelo menos em parte, por que a
maioria dos gatos é eventualmente capaz de manter concentrações circulantes normais dos
hormônios da tireoide sem a necessidade de terapia de reposição, após tireoidectomia bilateral
(BIRCHARD et al., 1984).
Alguns gatos possuem tecido paratireoideano ectópico no mediastino anterior, porém,
este tecido não é capaz de manter as concentrações de cálcio normais imediatamente após a
paratireoidectomia (NAAN et al., 2006).
As células do parênquima da glândula estão arranjadas em numerosos folículos,
compostos por células foliculares, revestindo um lúmen central preenchido por colóide. Uma
extensa rede interfolicular de capilares fornece um abundante suprimento sanguíneo às
células. Entre os folículos tireoidianos, encontram-se também as células parafoliculares que
secretam calcitonina, hormônio importante para o controle homeostático de cálcio
(GUYTON, HALL, 1997).
HORMÔNIO TIREOIDIANO
A função da tireoide é controlada pelo hormônio estimulador da tireoide ou tirotropina
(TSH) da pituitária anterior. Por sua vez, a secreção desse hormônio trópico é regulada pelo
hormônio liberador da tirotropina (TRH) do hipotálamo, e está sujeito a controle por feedback
negativo (figura 2) pelas altas concentrações circulantes de hormônios tireoidianos que atuam
sobre a pituitária anterior e hipotálamo (COLVILLE, 2010).
O hormônio tireoidiano é produzido quando o TSH atinge a glândula tireoide. Pode ser
classificado como T3 (tri-iodotironina) e T4 (tetraiodotironina ou tiroxina), de acordo com a
quantidade de átomos de iodo em sua molécula. O T3 é o principal hormônio tireoidiano. O
T4 é produzido em maior quantidade, mas precisa ser convertido a T3 a fim de produzir efeito
metabólico nas células-alvo (COLVILLE, 2010).
A glândula tireoide mantém o metabolismo nos tecidos em condições ideais para o seu
funcionamento normal. Os hormônios tireoidianos estimulam o consumo de oxigênio pela
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maioria das células do corpo, ajudam a regular o metabolismo de lipídios e carboidratos e são
necessários para o crescimento e maturação normais (FELDMAN, NELSON, 2004).
Figura 2 - Esquema do mecanismo de feedback negativo dos hormônios tireoidianos no hipotálamo
Fonte: http://brasil.bestpractice.bmj.com
Apresentam efeito calorífico, auxiliando no aquecimento do organismo. Têm ação
regulatória da taxa metabólica de todo o organismo, permitindo que o animal produza
quantidades determinadas de calor, e auxilia na manutenção de uma temperatura corporal
interna constante, enquanto a temperatura externa ao organismo varia (HEDINGER,
WILLIAMS, SOBIN, 1988).
Age no metabolismo de proteínas, favorecendo o anabolismo, porém, quando
encontra-se na circulação em quantidades excessivas, favorece o contrário, causando
catabolismo proteico. Interfere também no metabolismo de carboidratos, com ação
hiperglicemiante, auxiliando na manutenção da homeostase glicêmica. Promove catabolismo
lipídico. Em animais jovens, em crescimento, influencia o desenvolvimento e a maturação do
sistema nervoso central e crescimento e desenvolvimento de músculos e ossos (COLVILLE,
2010).
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HIPERTIREOIDISMO FELINO - PATOGENIA E FATORES DE RISCO
A etiologia do hipertireoidismo não está totalmente elucidada, mas acredita-se em
causas multifatoriais. Desde o primeiro diagnóstico, em 1979, diversos estudos têm sido
publicados com o objetivo de se determinar fatores de risco para esta doença (MOONEY,
2001). Acredita-se que a doença seja ocasionada pela combinação de fatores imunológicos,
genéticos, nutricionais e ambientais, já que em 70% dos casos, há um aumento bilateral da
glândula, apesar de não haver conexão entre os dois lobos (LURYE, 2006).
Nos seres humanos, a doença de Graves (hiperplasia difusa) e o bócio nodular tóxico
(hiperplasia nodular focal ou múltipla) constituem as duas formas mais comuns de
hipertireoidismo. Na doença de Graves são produzidos autoanticorpos, que se conjugam com
o receptor do hormônio TSH, mimetizando sua atividade. Até o presente momento, não foi
possível correlacionar a existência desses autoanticorpos como causa da doença nos felinos
(SOUZA et al., 2015).
A mais provável causa do hipertireoidismo em gatos é a redução da expressão de uma
proteína G no tecido tireoidiano. Esta proteína está envolvida na inibição de uma ampla
variedade de processos de sinalização intracelulares. O sinal de transdução é dependente da
adenosina monofosfato cíclico (cAMP) mediante uma via mediada pela proteína G, depois
que o TSH liga-se ao seu receptor (LAUBERG et al., 2001).
A proteína G, quando presente, inibe o crescimento e a diferenciação das células
tireoidianas, e seu decréscimo implica redução do efeito inibitório. A proteína G acopla-se ao
receptor de TSH e pode agir de modo estimulatório (Gs), resultando no aumento das
concentrações de cAMP, ou inibitório (Gi), resultando no decréscimo dessas concentrações. A
quantidade relativa de proteínas Gs e Gi determina os níveis finais de cAMP no interior da
célula. Desse modo, se o equilíbrio for alterado em favor de Gs, ocorrerá aumento na
produção de cAMP, e consequentemente, aumento no estímulo das células tireoidianas.
Alterações na expressão da proteína G no receptor de TSH podem estar envolvidas na
patogênese da doença, pois foi identificada diminuição dessa expressão em felinos
hipertireoideos (SOUZA et al., 2015; SOUZA, DANIEL, 2008; MOONEY, 2005).
Em humanos, anormalidades na expressão da proteína G são responsáveis pelo
desenvolvimento do bócio nodular tóxico, bem como a ativação autônoma dessas proteínas e
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mutações do gene codificador da subunidade alfa-Gs, resultando em elevado nível de cAMP,
com ativação desorganizada dos processos de mitose e função celular. Ainda, mutações no
receptor de TSH produzem resposta similar àquela observada nos casos de mutação de Gs.
Devido às semelhanças identificadas entre essa forma da doença no homem e no gato, tem-se
buscado mutações tanto de proteína G quando dos receptores de TSH nos felinos. Múltiplas
mutações já foram identificadas em estudos mais recentes (NELSON, COUTO, 2008).
Questiona-se ainda, que a expressão anormal de oncogenes possa atuar na patogênese
do hipertireoidismo felino, levando à funcionalidade autônoma da tireoide, visto que foi
demonstrada a superexpressão do produto do proto-oncogene celular c-Ras em tecido
tireoidiano de alguns gatos afetados, mas a relevância ainda é incerta (MOONEY, 2005).
Fatores de predisposição incluem o contato com fertilizantes, herbicidas, anti-pulgas
em pó e spray, substâncias presentes no revestimento de latas de ração e até mesmo uso de
granulado sanitário por animais domiciliados. O aumento no risco de desenvolvimento do
hipertireoidismo em animais idosos se daria pelo maior tempo de exposição a essas
substâncias, consideradas bociogênicas, durante a vida, o que levaria a mutações genéticas
nos tireócitos, resultando na formação de nódulos hiperplásicos - adenomas, levando ao
hipertireoidismo (SOUZA et al., 2015).
Os mecanismos propostos para o desenvolvimento do hipertireoidismo relacionado ao
contato com substâncias bociogênicas, na maioria dos estudos, parecem estar ligados a
redução das concentrações séricas do hormônio tireoidiano, que afetaria o feedback negativo e
estimularia a secreção do TSH, levando, por sua vez, a um aumento da produção de T3 e T4.
Esta superestimulação crônica seria a responsável pela hipertrofia e hiperplasia das células
foliculares tireoidianas (KOOIJ, 2014).
Estudos sugerem que o alto ou o baixo teor de iodo no alimento, também está
relacionado ao maior risco de desenvolvimento e progressão desta endocrinopatia (MARTIN
et al.; 2000; EDINBORO et al., 2004). A concentração de iodo contido na comida enlatada é
extremamente variável, estando frequentemente com nível até 10 vezes maior do que aquele
recomendado (MOONEY,2002). O nível de selênio também pode potencialmente modificar a
função tireoidiana. Produtos usados no revestimento das latas, como ftalatos e bisfenois,
também são considerados possíveis causas do desenvolvimento de lesão adenomatosa. Estes
compostos são metabolizados por glicuronidação para sua eliminação e esse metabolismo é
particularmente lento na espécie felina (MOONEY, 2002; EDINBORO et al., 2004).
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MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A ação do hormônio tireoidiano é geralmente estimulatória, com isso, os sintomas do
hipertireoidismo são usualmente manifestados pelo efeito em um ou mais órgãos consequente
do aumento desse hormônio (PETERSON, 2006).
As alterações clínicas do hipertireoidismo são progressivas e mais de 50% dos gatos
acometidos, manifestam essas alterações por seis meses a um ano até serem encaminhados ao
veterinário. Isso ocorre porque as apresentações clínicas iniciais (aumento do apetite e
hiperatividade) são facilmente confundidas com um estado saudável por parte dos
proprietários. Este fator faz com que grande parte dos pacientes, seja diagnosticada em estágio
avançado da doença (HEDINGER et. al, 1989).
A maioria dos sinais clínicos ocorre devido a uma taxa metabólica basal aumentada,
com elevação no consumo de oxigênio pelos tecidos e elevada sensibilidade às catecolaminas
pelo aumento do número e da afinidade dos receptores β-adrenérgicos na superfície celular
(FELDMAN, NELSON, 1996; CARDOSO et al., 2005).
A apresentação clínica clássica inclui taquicardia, hiperatividade, emaciação
progressiva, polifagia, diarreia, êmese, poliúria e polidipsia (GUNN-MOORE, 2005;
BIRCHARD, 2006). O estado hipermetabólico resulta em um aumento da contração e do
consumo do oxigênio pelo miocárdio, do débito cardíaco e do gasto de energia, levando a uma
hipertrofia cardíaca compensatória (SALISBURY, 1991). Na ausculta cardíaca pode-se
evidenciar taquicardia, ritmo de galope, sopro sistólico e arritmia (PETERSON et al., 1983),
que, após a correção do estado hipertireoideo, normalmente regridem (OLSON, 2001). As
alterações cardíacas no gato hipertireoideo podem ser explicadas também pela ação direta do
hormônio tireoidiano no coração, as interações com o sistema nervoso simpático e as
mudanças cardíacas para compensar as alterações metabólicas teciduais.
A hipertensão arterial sistólica ocorre em quase 90% dos casos, provavelmente pela
combinação do estado hiperdinâmico do coração, da retenção de sódio, dos baixos níveis de
vasodilatadores renais, da perda de autorregulação da pressão sanguínea glomerular e da
ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (OLSON, 2001). A hipertensão não é
resolvida de imediato após a normalização do T4 total e quando esta for de moderada a
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severa, deve ser tratada com atenolol, anlodipina ou algum inibidor da enzima conversora de
angiotensina até a sua normalização (TREPANIER, 2006).
As anormalidades do padrão respiratório provavelmente resultam de uma combinação
de fraqueza muscular, intolerância ao calor e aumento da produção de dióxido de carbono.
Após situações de estresse, alguns gatos doentes podem apresentar dispneia, arquejamento ou
hiperventilação em repouso. Ocasionalmente essas alterações são notadas pelos proprietários
em casa, mesmo sem estarem relacionadas a momentos de tensão. As alterações cardíacas
descritas anteriormente, também podem justificar alterações respiratórias (GUNN-MOORE,
2005).
A perda de peso ocorre em 90% dos casos (figura 3) e é secundária ao aumento do
metabolismo basal, que requer maior demanda calórica e acarreta em uma ingestão maior de
alimentos, levando à polifagia (FELDMAN, NELSON, 1996; CARDOSO et al., 2005).
Figura 3 - Emaciação e alterações em pelame de felino hipertireoideo
(CUNHA et al., 2008)
Em casos avançados, pode ocorrer anorexia, devido à marcante perda de peso,
fraqueza e perda de massa muscular pelo catabolismo proteico. Esta alteração foi descrita em
menos de 10% dos casos (FELDMAN, NELSON, 1996).
O aumento da frequência de defecação e a diarreia são secundários à hipermotilidade
intestinal, à polifagia e à má absorção, sendo geralmente acompanhados de esteatorreia
(PETERSON et al., 1983).
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O vômito pode resultar da ação direta do hormônio tireoidiano na zona
quimiorreceptora bulbar (“zona de gatilho”) ou da distensão gástrica aguda, decorrente da
grande quantidade de alimento ingerida rapidamente (FELDMAN, NELSON, 1996).
Com relação ao sistema renal, o fluxo sanguíneo renal, a velocidade de filtração
glomerular e as capacidades tubulares de reabsorção e secreção estão aumentados. Azotemia
renal é comum nos gatos doentes, porém, esse é um achado comum em gatos de meia-idade e
idosos, com isso, a causa da azotemia não parece estar relacionada ao estado hipertireoideo.
Porém, o aumento da hemodinâmica renal é benéfico nos animais com doença renal crônica
(DRC), portanto, após a correção do estado hipertireoideo existe o risco dos animais
apresentarem uma maior deterioração renal. O aumento da taxa de filtração glomerular leva a
poliúria e polidipsia, que podem mascarar uma doença renal crônica concomitante
(LANGSTON, REINE, 2006). Estudos sugerem que o hipertireoidismo também predisponha
o desenvolvimento de infecção do trato urinário inferior (MAYER-ROENNE et al., 2007).
A astenia muscular, que já foi descrita em aproximadamente 15% dos casos, pode
ocorrer devido à hipocalemia e/ou à deficiência de tiamina (vitamina B1) que são induzidas
pela tireotoxicose (FELDMAN, NELSON, 1996). A hipocalemia, (figura 4) presente em 32%
dos gatos hipertireóideos, ocorre devido à elevação dos hormônios da tireoide e à liberação de
catecolaminas, estimulando o movimento do potássio do espaço extracelular para o
intracelular (NAAN et al., 2006).
Figura 4 - Ventroflexão cervical ocasionada por hipocalemia
(CUNHA et al., 2008)
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Dermatopatias estão presentes em 40% dos gatos acometidos. Os principais relatos são
de alopecia pelo excesso de lambedura e/ou à avulsão pilar, devido à intolerância ao calor ou
pelos emaranhados em razão da ausência de auto-higienização, em casos de apatia
(FELDMAN, NELSON, 1996). Devido ao aumento da velocidade de epidermopoiese,
disqueratinização e onicogrifose também são queixas frequentes dos proprietários de gatos
com hipertireoidismo (MILLER et. al, 2012).
Felinos hipertireoideos muitas vezes são descritos pelos proprietários como sendo
irriquietos, ansiosos e agressivos. Podem ser pouco tolerantes a situações de estresse.
Arritmias e até mesmo paradas cardíacas já foram relatadas após situações de tensão que
incluem contenção em caixas de transporte, viagens de carro e exame físico durante consultas
veterinárias. A elevação das concentrações circulantes de hormônios tireoidianos, por efeito
direto sobre o sistema nervoso e por aumento da atividade adrenérgica, causa hiperatividade,
intranquilidade, deambulação ou irritabilidade em gatos hipertireoideos. A vocalização é
frequente nesses pacientes (PETERSON, WARD, 2007).
DIAGNÓSTICO
Deve-se investigar a ocorrência de hipertireoidismo em todos os felinos de meia idade
ou idosos que apresentem histórico de perda de peso, principalmente quando evidenciar
polifagia. O exame físico geralmente revela uma má condição clínica, uma pelagem opaca e
um aumento da glândula tireóide (GUNN-MOORE, 2005).
A palpação da glândula tireoide deve ser incluída no exame físico de gatos adultos
visando identificar possíveis aumentos ou nódulos, bem como estabelecer um padrão de
normalidade para aquele paciente, facilitando a detecção futura de qualquer alteração de
forma precoce. Caso nenhum nódulo seja evidenciado inicialmente, pode-se mudar a posição
da cabeça e palpar duas a três vezes em cada lado, deslizando-se os dedos lateralmente à
traqueia (Figura 5) (FERGUSON, FREEDMAN, 2006).
NORSWORTHY et al. (2002a) caracterizaram as glândulas tireoides por tamanho,
sendo zero quando não palpável, e um, dois, três, quatro, cinco e seis, as glândulas palpáveis
com 0,5cm; 0,75cm;1,0cm; 1,5cm; 2,0cm e 2,5cm, respectivamente. Esses mesmos autores
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relataram a ocorrência de aumento do hormônio tiroxina a partir do escore quatro.
FERGUSON & FREEDMAN (2006) recomendaram fazer acompanhamento semestralmente
em gatos com lobos classificados em um, dois ou três.
Figura 5 - Palpação da glândula tireoide como parte do exame físico de gatos adultos
(SOUZA et al., 2015)
O achado de um ou mais lobos tireoidianos aumentados no exame físico não pode
definir se o animal é hipertireoideo, pois o aumento da tireoide ocasionalmente pode ser
encontrado em gatos sem alterações clínicas e sem evidências laboratoriais da doença
(NORSWORTHY et al., 2002b). Apesar de alguns gatos com aumento da tireoide
permanecerem eutireoideos por longos períodos de tempo, muitos eventualmente
desenvolvem o hipertireoidismo, daí a necessidade do acompanhamento (PETERSON, 2006).
Triagem
Os principais diagnósticos diferenciais do hipertireoidismo são: Diabetes Mellitus e
hiperadrenocorticismo, devido às manifestações clínicas principais: poliúria, polidipsia,
polifagia e perda de peso; doença renal crônica, devido à azotemia, poliúria e polidipsia;
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doenças gastrintestinais, como insuficiência pancreática exócrina, doença intestinal
inflamatória e linfoma alimentar, devido à polifagia, aumento do volume e frequência das
fezes, esteatorreia e emaciação progressiva (NELSON, COUTO, 2008).
Na avaliação laboratorial dos gatos com hipertireoidismo, as anormalidades detectadas
na hematologia são eritrocitose, macrocitose e volume globular aumentado. O aumento de
consumo de oxigênio pela maioria das células do organismo leva a uma maior produção de
eritropoietina, que estimula a medula óssea, resultando nesses sinais. O hematócrito é elevado
em mais de 50% dos gatos afetados. A anemia é um achado raro, e é encontrada em casos
severos de hipertireoidismo, onde houve exaustão da medula óssea. Na série branca,
evidenciam-se leucocitose, neutrofilia madura, linfopenia e eosinopenia, refletindo um
leucograma de estresse (PETERSON, WARD, 2007; SOUZA et al., 2015).
No perfil bioquímico, cerca de 90% dos felinos acometidos apresentam aumento de
enzimas hepáticas como a alanina aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST),
fosfatase alcalina (FA) e lactato desidrogenase. As causas dessas elevadas atividades séricas
não estão bem esclarecidas, porém, há evidencias da ação direta dos hormônios tireoideanos
nos hepatócitos, causando hipermetabolismo hepático. Além disso, pode ocorrer de forma
secundária aos distúrbios cardíacos e aos efeitos tóxicos de T3. Essas elevações não são
representativas de hepatopatia, pois tendem a normalizar após o tratamento para o
hipertireoidismo (LISKA et al., 2005).
As concentrações de frutosamina sérica são diminuídas nos gatos hipertireoideos, essa
redução deve-se ao acelerado turnover proteico e independe da concentração sanguínea de
glicose (SOUZA et al., 2015).
Frequentemente, evidencia-se azotemia (PETERSON et al.,1983). Nenhuma
nefropatia específica é atribuída ao hipertireoidismo. No entanto, acredita-se que o aumento
da pressão do capilar glomerular e da proteinúria em gatos com hipertireoidismo possa
contribuir para a progressão da doença renal (LANGSTON, REINE, 2006).
A hiperfosfatemia também pode ser encontrada, sendo justificada pelo aumento da
reabsorção óssea nesses pacientes (LANGSTON, REINE, 2006).
Os achados radiográficos incluem cardiomegalia, efusão pleural e edema pulmonar.
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As principais alterações cardíacas encontradas no eletrocardiograma são taquicardia
sinusal (frequência cardíaca muitas vezes acima de 240 batimentos/minuto), aumento da
amplitude da onda R na derivação DII (maior que 1,0 mV), defeitos de condução
intraventricular, contrações prematuras atriais e fibrilações. Contrações prematuras
ventriculares já foram descritas, mas são menos frequentes. Mais de 50% dos gatos
hipertireoideos apresentam ao menos uma destas alterações e mais de 33% apresentam duas
ou mais. Estas alterações, em geral normalizam-se após a terapia, porém uma parcela dos
gatos acometidos pode desenvolver cardiomiopatia congestiva. Os mecanismos que são
dependentes de catecolaminas podem influenciar em muitos dos distúrbios observados no
traçado eletrocardiográfico. A habilidade dos fármacos bloqueadores dos receptores βadrenérgicos em corrigir parcialmente as taquiarritmias, sem afetar as concentrações anormais
do hormônio tireoidiano, demonstra o efeito indireto do papel das catecolaminas nos
distúrbios do eletrocardiograma (FELDMAN, NELSON, 2004).
As anormalidades ecocardiográficas comumente encontradas em gatos hipertireoideos
são hipertrofia ventricular esquerda, espessamento do septo intraventricular, dilatação
ventricular e atrial esquerda e hipercontratilidade do miocárdio, que se manifesta pelo
aumento na fração de encurtamento e na velocidade de encurtamento circunferencial das
fibras. Alguns estudos demonstram que o hipertireoidismo possa induzir a forma secundária
de miocardiopatia no gato, seja uma forma hipertrófica de miocardiopatia ou, menos
comumente, um tipo dilatado de miocardiopatia. Qualquer das formas pode levar a quadros
congestivos, mas ocorre com maior frequência nos pacientes com miocardiopatia dilatada
FELDMAN, NELSON, 2004).
A ultrassonografia da glândula tireoide revela o tamanho, presença de nódulos e as
características estruturais deles. Pode diferenciar tumores cavitários, císticos ou sólidos, bem
como identificar a presença e a localização de focos metastáticos na região cervical (SOUZA
et al., 2015).
Diagnóstico definitivo
O diagnóstico de hipertireoidismo é normalmente realizado usando-se a combinação
de sinais clínicos, palpação da tireoide, testes laboratoriais e de imagem (PETERSON, 2006).
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A mensuração de T4 total é comumente a mais utilizada para confirmar o diagnóstico de
hipertireoidismo (MOONEY, 1996, PETERSON et al., 2001). Quando o seu valor está
aumentado, o resultado é extremamente específico para o diagnóstico de hipertireoidismo
(PETERSON, 2006). No entanto, um resultado dentro da normalidade não permitirá que se
descarte o hipertireoidismo, uma vez que podem ocorrer flutuações circadianas dos valores
séricos de T3 e T4 ou diminuição nas concentrações de T4 total no soro, decorrentes de
enfermidades concomitantes não tireoidianas, tais como nefropatia, diabete melito, neoplasia,
hepatopatia e outras afecções crônicas (SALISBURY, 1991; PETERSON et al., 2001).
A determinação de T4 livre por diálise é um teste diagnóstico bastante útil em gatos
com grande suspeita de hipertireoidismo e concentração de T4 total dentro dos valores de
referência. É importante salientar que somente a alta concentração de T4 livre não pode
determinar o diagnóstico definitivo, já que entre 6 e 12% dos casos pode haver falso positivo
devido à alta sensibilidade deste (MOONEY, 1996; PETERSON et al., 2001). A mensuração
de T4 livre deverá ser avaliada sempre em conjunto com T4 total para evitar tais falsos
positivos (PETERSON, 2006). Um valor de T4 total médio a ligeiramente elevado associado
ao valor elevado de T4 livre é consistente com hipertireoidismo, mas um T4 total baixo
associado ao valor elevado de T4 livre é associado à doença não tireoidiana (MOONEY,
2001).
O hipertireoidismo deve ser considerado em gatos com doença renal crônica (DRC) e
bócio que estejam apresentando T4 total e T4 livre no limite superior dos valores de
referência, pois a DRC pode suprimir a concentração de hormônio tiroxina, podendo resultar
em uma inabilidade de diagnosticar quadros de hipertireoidismo leve a moderado
(LANGSTON, REINE, 2006).
O mapeamento da tireoide com radionucleotídeo (Tecnécio-99) fornece uma fotografia
de todo o tecido tireóideo funcional, permitindo o delineamento e a localização de áreas da
tireoide funcional e não funcional (MOONEY, 2001; PETERSON, 2006). Tal exame é
utilizado em gatos com apresentação clínica compatível com hipertireoidismo e concentrações
séricas de T4 normais e para identificar presença de tecido tireoideo ectópico em gatos com
sinais clínicos de hipertireoidismo e hipertiroxinemia, mas com ausência de nódulos palpáveis
(MOONEY, 2001). Este método diagnóstico é considerado o melhor meio de contraste de
imagem de emprego na rotina diagnóstica dessa enfermidade em gatos (PETERSON, 2006),
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porém tem uso limitado devido ao alto custo e à necessidade de um equipamento
computadorizado sofisticado (MOONEY, 2001; PETERSON, 2006).
Teste de supressão ao hormônio tireoidiano
Indicado nos 2 a 10% dos casos de hipertireoidismo, onde os níveis de T4 estão
normais e o animal apresenta manifestações clínicas e lobos tireoidianos palpáveis. O teste
dura 3 dias, no primeiro dia pela manhã são mensurados os níveis séricos de T4 e T3 totais
basais e, depois, administram-se 25µg/gato de liotironina sódica (Cytomel®) a cada 8 horas,
num total de 7 doses. Após 2 a 4 horas da administração da última dose da liotironina, uma
segunda amostra de sangue é colhida para determinação de T3 e T4. Os gatos normais
apresentarão T4 total reduzido em mais de 50% após a supressão. Nos gatos doentes, os
níveis permanecerão normais ou ligeiramente diminuídos. O valor sérico de T3 estará
aumentado, demonstrando que o fármaco realmente foi administrado (SOUZA et al., 2015).
Teste de estimulação do hormônio liberador da tireotropina
Para a realização deste teste é realizada a dosagem prévia de T4 sérico, seguido de
outra após 4 horas da administração de TRH na dosagem de 0,1 mg/kg por via intravenosa.
Em gatos normais, espera-se que o aumento da secreção hipofisária do TSH, secundário a
administração do TRH, eleve os níveis de T4 sérico. Sendo que nos gatos doentes, isto não
ocorre, devido à crônica supressão do TSH. Comparando-se os resultados, os gatos com
hipertireoidismo discreto apresentam aumento inconsistente ou nenhum dos valores de T4, ao
passo que aumento de até duas vezes é notado nos gatos sem a endocrinopatia (BROUSSARD
et al., 1995).
O teste tem como desvantagens os efeitos colaterais, como salivação, vômito,
taquicardia e defecação, decorrentes da ativação dos mecanismos colinérgicos e
catecolinérgicos centrais ou de um efeito neurotransmissor direto do TRH sobre o sistema
nervoso central. Estes efeitos são transitórios (SOUZA, DANIEL, 2009).
23
Estudos comparativos de avaliação da eficácia entre o teste de supressão da T3 e o
teste de estimulação do TRH demonstraram resultados semelhantes e podem ser utilizados
para o diagnóstico do hipertireoidismo em fase inicial nos gatos, mas são desnecessários em
gatos com a doença em estágio moderado ou avançado (FELDMAN, NELSON, 2004).
TRATAMENTO
Após ter sido feito o diagnóstico, o tratamento consiste em controlar a excessiva
secreção de hormônio tireoideano. A terapia deve ser individualizada, levando em conta
vários fatores, tais como idade, severidade da tireotoxicose, presença de doença concomitante,
potenciais complicações, custo e aceitação do tratamento pelo proprietário (MOONEY, 2001).
As opções de tratamento incluem administração oral crônica de um fármaco que iniba
a produção hormonal, tireoidectomia dos lobos afetados ou terapia radioativa com iodo (131I)
(TREPANIER, 2006). A tireoidectomia e o tratamento radioativo são os únicos métodos
curativos.
Antes de um tratamento definitivo em gatos hipertireoideos acometidos por doença
renal, deve-se tentar o tratamento medicamentoso, pois poderá ocorrer a desestabilização do
animal devido à diminuição da taxa de filtração glomerular, podendo desencadear uma
descompensação da DRC (LANGSTON, REINE, 2006; NAAN et al., 2006). A manutenção
de eutireoidismo por um mês, sem azotemia, pode ser suficiente para decidir por uma terapia
definitiva (LANGSTON, REINE, 2006).
Tratamento medicamentoso
A terapia com fármacos antitireoideos possui as vantagens de não ser necessária
anestesia geral, ser a opção mais barata e não requerer hospitalização. O inconveniente dessa
terapia é que ela necessita de administração da medicação continuamente e de monitoração
constante dos hormônios tireoidianos, além de não ocasionar a diminuição do bócio e,
frequentemente, ocorrer efeitos colaterais (NORSWORTHY, 1995).
24
Os fármacos mais utilizados segundo a literatura são o metimazol, carbimazol e a
propiltiouracila. Esses medicamentos atuam na inibição da síntese de hormônios tireoideanos.
Usados corretamente, o tempo necessário até o estado eutireoideo varia de 1 a 3 semanas e
não levam ao estado de hipoparatireoidismo, mas podem ocorrer casos de hipotireoidismo
iatrogênico. A principal desvantagem no uso dessas medicações são os efeitos colaterais tais
como vômito, anorexia e letargia; no caso da propiltiouracila, além dos efeitos descritos
anteriormente, podem ocorrer ainda anemia hemolítica imunomediada, trombocitopenia e
formação de anticorpos antinucleares (MOONEY, 2001; PETTERSON, TURREL, 1986).
O propiltiouracil é o mais potente, mas possui efeitos colaterais mais sérios, como
anemia hemolítica e trombocitopenia, com diátese hemorrágica. Foi o primeiro fármaco
utilizado para terapia de hipertireoidismo no início da década de 1980. Hoje, deixou de ser
recomendado para uso em gatos (TREPANIER, 2006).
O carbimazol age primariamente como um profármaco do metimazol em seres
humanos e gatos. A glândula tireoide é capaz de acumular apenas metimazol. Pode ser
utilizado no preparo dos pacientes para a tireoidectomia e parece ser tão eficaz quanto o
metimazol no tratamento clínico a longo prazo do hipertireoidismo (SALISBURY, 1991).
A medicação mais comumente usada é o metimazol, na dose de 2,5 mg, por via oral a
cada 12 horas. Recomenda-se tratar por 7 a 10 dias e, em seguida, realizar hemograma
completo, bioquímica sérica e dosagem do T4 total. Se os níveis de T4 total permanecerem
elevados e não houver efeitos colaterais significativos, a dose será aumentada para 5 mg de
manhã e 2,5 mg ao anoitecer, durante 7 a 10 dias, quando os mesmos exames devem ser
repetidos. Caso os níveis permaneçam elevados, a dose deverá ser aumentada para 5 mg, a
cada 12 horas. Não é comum o gato necessitar de mais que 10 mg/dia de metimazol, porém,
em alguns casos, uma dose de 5 mg, a cada 8 horas, foi bem tolerada. Entretanto, quando uma
dose de 10 mg ou mais de metimazol estiver sendo administrada ao gato e não se observar a
redução da concentração sérica de T4, o veterinário deve verificar se o proprietário está
administrando o medicamento corretamente (NORSWORTHY et al., 2004).
Esse esquema gradual com a realização dos exames deve ser realizado até que T4 total
chegue ao nível normal. Nesse caso, o T4 total, hemograma e bioquímica sérica serão
avaliados a cada 4 a 6 meses. Se houver qualquer efeito colateral o tratamento deve ser
interrompido (RECHE JUNIOR et al., 2007).
25
Os efeitos colaterais desencadeados pelo metimazole ocorrem em 18% dos casos e
incluem discrasias sangüíneas, escoriação facial e hepatoxicidade. Nesses casos realiza-se a
descontinuação do tratamento medicamentoso e preconiza-se outra forma de tratamento
(TREPANIER, 2006). Outros efeitos colaterais menos severos são letargia, vômito e anorexia,
que ocorrem em 15% dos gatos, e geralmente desaparecem com o uso contínuo do fármaco.
Uma opção à administração oral é o metimazole transdermal, que é associado com menor
efeito gastrintestinal e pode ser usado em gatos com vômito ou inapetência devido à irritação
gástrica desencadeada pelo metimazole, porém parece apresentar menor eficácia. A
medicação deve ser manipulada em cremes à base de organogel de lecitina e deve ser aplicada
no interior do pavilhão auricular (HOFFMANN et al., 2003).
Alterações hematológicas discretas, tais como eosinofilia, linfocitose e leucopenia
ocorrem em 10% dos gatos e alterações menos comuns, porém mais sérias, incluem
trombocitopenia, neutropenia e anemia hemolítica. Hepatotoxicidade ocorre um em pequeno
número de gatos (2%), sendo que nesses casos indica-se a descontinuação do metimazole e o
início de terapia de apoio. Após uma semana da descontinuação desse fármaco, as enzimas
hepáticas retornam ao seu valor de referência. No entanto, é comum a recidiva com o reinício
do tratamento (TREPANIER, 2006).
A insuficiência renal ocorre em aproximadamente 30% dos gatos tratados para
hipertireoidismo. Isso geralmente ocorre dentro de um mês do início do tratamento e tende a
permanecer em grau leve e estável ao longo do tempo. Gatos com hipertireoidismo
apresentam taxa de filtração glomerular elevada devido a grande variedade de efeitos
fisiológicos. A terapia leva à redução da taxa de filtração glomerular, independentemente se o
tratamento for medicamentoso, cirúrgico ou radioativo. Uma vez que o tratamento com
metimazol é reversível, é a abordagem preferida para o tratamento inicial do hipertireoidismo
em animais com azotemia preexistente, para determinar se a redução do T4 levará a uma
descompensação renal aceitável (SOUZA et al., 2015).
Tratamento cirúrgico
A tireoidectomia é uma opção efetiva de tratamento para gatos com hipertireoidismo,
pois oferece cura permanente sem tratamento medicamentoso contínuo, além de não
26
necessitar de equipamento especializado (BIRCHARD, 2006). Esta pode ser realizada com
uma baixa incidência de complicações quando realizada por um cirurgião experiente. Para
tanto, utiliza-se um protocolo anestésico com mínimo efeito cardiovascular adverso ao
paciente e realiza-se a estabilização pré-operatória, a fim corrigir principalmente a
hipocalemia e as alterações cardíacas (NAAN et al., 2006).
Gatos severamente afetados devem ser tratados no pré-operatório com metimazole ou
carbimazole com o intuito de estabilizar o animal, diminuindo os riscos cirúrgicos
(SALISBURY, 1991). Após duas a quatro semanas de tratamento, deve-se dosar novamente a
concentração de T4 total e, se este estiver normalizado, o procedimento cirúrgico é então
realizado (BIRCHARD, 2006). Se o tratamento com fármaco antitireoide não for tolerado,
agentes bloqueadores beta-adrenérgicos (propanolol e atenolol) podem ser utilizados para
estabilizar o paciente (NAAN et al., 2006). Agentes anticolinérgicos são contraindicados para
evitar taquicardia e arritmia (FLANDERS, 1999), assim como a cloridrato de cetamina para
que não haja estimulação simpática e liberação de catecolaminas (SALISBURY, 1991).
Recomenda-se o uso de acepromazina 0,1 mg.kg-1, por via intramuscular, com a finalidade de
diminuir o tono autonômico nesses pacientes, reduzindo assim as chances de ocorrer arritmias
(PADGETT et al., 2002).
Diferentes técnicas de tireoidectomia têm sido desenvolvidas com o intuito de
minimizar potenciais complicações pós-operatórias associadas à tiroidectomia bilateral, como
a hipocalcemia e a recorrência do hipertireoidismo. Esta recorrênica pode ocorrer até meses
após a tireoidectomia se tecido tireoidiano adenomatoso permanecer no local (FLANDERS,
1999) ou se existir tecido tireoidiano ectópico (NAAN et al., 2006).
A técnica de tireoidectomia intracapsular é efetuada mediante incisão da cápsula
tireóidea e remoção de todo o tecido da tireóide. A cápsula permanece no animal com a
glândula paratireoide externa aderida (BIRCHARD et al., 1984). Essa técnica tem a vantagem
de proteger a paratireóide, mas aumenta a possibilidade de deixar tecido tireóideo anormal no
gato, havendo assim recidiva do hipertireoidismo (PADGETT et al., 2002).
A técnica de tireoidectomia extracapsular é realizada mediante cuidadosa dissecação
da glândula paratireóide externa da cápsula tireóidea com o cuidado de manter intacta a
vascularização da paratireoide (PADGETT et al., 2002). Essa técnica tem menor
probabilidade de deixar tecido tireóideo anormal no gato porque a cápsula tireóidea não é
invadida, porém há um maior risco de desencadeamento de hipoparatireodismo. Isso ocorre
27
porque os vasos paratireóideos podem ser facilmente seccionados ou lesados devido à
manipulação dos tecidos (FLANDERS, 1999). NORSWORTHY (1995) citou a técnica de
tireoidectomia extracapsular bilateral com transplante de paratireóide em duas etapas, como
uma alternativa para evitar as complicações cirúrgicas dessas técnicas. Nesta técnica, a
glândula paratireóide é implantada no ventre muscular do esterno-hióideo, após a remoção
extracapsular da glândula tireóide. A revascularização ocorre em média aos 14 dias do
transplante da paratireóide. No entanto, recomenda-se uma nova intervenção somente após
três semanas depois da primeira cirurgia (PADGETT et al., 1998). Essa é a técnica mais
vantajosa, pois não necessita de demorada dissecação da vasculatura tiróidea e evita a
hipocalcemia, pois permite que haja a revascularização ipsilateral do tecido paratireóideo
antes da glândula tireóide contralateral ser removida e seu suprimento sangüíneo ser
potencialmente interrompido (FLANDERS, 1999). Sua maior desvantagem é a necessidade
de dois procedimentos cirúrgicos (BIRCHARD, 2006).
Após a extirpação cirúrgica da glândula, esta deve ser sempre encaminhada para
análise histopatológica, devido à possibilidade deste tumor ser um carcinoma, em que o
prognóstico e a terapia serão diferentes (MOONEY, 1996).
Potenciais complicações da tireoidectomia incluem mudança na vocalização, síndrome
de Horner, paralisia da laringe e hipoparatireoidismo em casos de tireoidectomia bilateral em
que houve desvascularização, ou remoção inadvertida de toda a paratireóide (BIRCHARD et
al., 1984; LURYE, 2006). A taxa de recorrência é baixa e ocorre principalmente devido à
existência de tecido tireóideo ectópico hiperplásico (NAAN et al., 2006).
A avaliação do cálcio sérico deve ser realizada após 18 a 24 horas da tireoidectomia
bilateral, não sendo essencial em casos de procedimento unilateral ou bilateral associado ao
reimplante da glândula paratireóide em duas etapas, pois apenas uma glândula paratireóide é
suficiente para manter a normocalcemia (FLANDERS, 1999). Normalmente a hipocalcemia
ocorre dentro das primeiras 24 horas (PADGETT et al., 1998). Entretanto a dosagem da
concentração do cálcio sérico deve ser feita por no mínimo dois dias de pós-operatório
(BIRCHARD, 2006). Alterações clínicas precoces de hipocalcemia incluem letargia,
anorexia, relutância em se mover, fasciculações fasciais (principalmente das orelhas),
tremores musculares, tetania e convulsões (BIRCHARD, 2006). O hipoparatireoidismo pela
completa desvascularização da glândula paratireóide é resolvido em 14 dias. Se passar desse
tempo, é provável que tenha ocorrido a completa paratireoidectomia (FLANDERS, 1999).
28
A suplementação com cálcio deve ser instituída em casos de sinais clínicos de
hipocalcemia ou quando a concentração de cálcio sérico estiver abaixo de 7mg/dL
(FLANDERS, 1999; BIRCHARD, 2006). Inicialmente, deve-se administrar 1 a 1,5 ml/kg de
gluconato de cálcio a 10% lentamente por via intravenosa, tendo o cuidado de interromper a
administração se ocorrer bradicardia. Em seguida, deve-se administrar 2 ml/kg da mesma
solução por infusão contínua nas próximas oito horas ou por via subcutânea diluída em
solução fisiológica (1:1) (MOONEY, 1996). Não deve-se administrá-lo com solução de
bicarbonato de sódio, pois haverá precipitação (BIRCHARD, 2006).
Assim que houver estabilização do paciente, deve-se iniciar a medicação oral na dose
de 50 a 75 mg/kg por dia divididos em três a quatro doses e 0,03 mg/kg por dia de
dihidrotaquisterol. Quando o paciente obtiver a normocalcemia, pode-se diminuir a dose deste
para 0,01 mg/kg a cada dois dias, até que ocorra a normocalcemia (MOONEY, 1996).
Os níveis de T4 total devem ser avaliados após um mês da tireoidectomia para
constatar que todo o tecido tireoidiano anormal foi retirado e que a glândula contralateral não
está afetada (BIRCHARD, 2006). Quinze por cento dos casos de hipertireoidismo bilaterais
apresentam um dos lobos aparentemente normal no momento da cirurgia. Nesses casos a
terapia com metimazole deverá ser reintroduzida e, assim que houver a estabilização do
paciente, a tireoidectomia contralateral poderá ser realizada (MOONEY, 1996).
Tratamento radioativo
O uso de iodo radioativo é descrito como a terapia mais simples, efetiva e segura para
o hipertireoidismo felino. O princípio básico desse tratamento é o fato de as células da
tireoide não diferenciarem o iodo estável do iodo radioativo (SOUZA, DANIEL, 2009). E o
iodo ativo, assim como o estável, concentra-se primariamente no tecido hiperplásico ou
neoplásico, em virtude de sua maior atividade. Nesse tecido, ele emite partículas e radiação
gama, causando destruição local do tecido tireoideano hiperplasiado, no entanto, não
provocando dano às glândulas paratireóides adjacentes ou ao tecido tireoideano normal. As
respostas aparecem cerca de 1 a 12 semanas após o início do tratamento, sendo esse um
procedimento simples, mas que deve ser realizado em ambiente hospitalar apropriado e
29
controlado. Não ocorrem problemas como hipoparatireoidismo. Hipotireoidismo iatrogênico
pós-terapia e efeitos colaterais são raros (TREPANIER, 2006).
O iodo 131 é o radionucleotídeo de escolha para o tratamento de hipertireoidismo
causado por tumores funcionais da tireóide, sendo também uma boa opção para lobos
tireóideos bastantes aumentados bilateralmente, para gatos com massas tireóideas ectópicas
hiperfuncionais e em casos de carcinoma de tireóide (MOONEY, 1996). Ele é administrado
por via intravenosa, concentrando-se na tireóide, e destruindo células foliculares funcionais
sem lesar estruturas adjacentes.
A dose de 131I é determinada pela gravidade dos sintomas, pelo tamanho subjetivo dos
lobos tireoidianos anormais e pela concentração sérica de T4. Com base nesses critérios, as
doses empregadas individualmente para gatos hipertireoideos de
131
I são consideradas baixas
(2,5 a 3,5 mCi), moderadas (3,5 a 4,5 mCi) e altas (4,5 a 6,5 mCi). De modo ideal, a
administração de uma dose única do iodo radioativo restaura o eutireoidismo, sem provocar
hipotireoidismo. Caso o estado hipertireoideo perdure por 3 meses após o tratamento inicial, o
paciente pode receber nova aplicação de 131I, já que a mioria dos gatos pode ser curada com a
repetição do tratamento nessa situação (SOUZA et al., 2015).
Nos casos de carcinoma tireoidiano, o
131
I oferece a melhor oportunidade para a cura
da neoplasia, concentrando-se em todas as células do tecido carcinomatoso, localizadas tanto
na área cervical típica como nos locais metastáticos. As doses empregadas de radiação são
extremamente mais elevadas do
131
I, em torno de 10 a 30 mCi. No entanto, a capacidade de
retenção de iodo por essas células é menor, se comparada à capacidade de células
adenomatosas. Por esse motivo, gatos acometidos por carcinoma devem ser tratados com
doses extremamente elevadas do
seguida da administração de
131
131
I. Adicionalmente, a combinação da remoção cirúrgica,
I, também é relatada como efetiva nesses pacientes (SOUZA
et al., 2015).
Após o tratamento com 131I, a redução transitória nas concentrações de T4 para níveis
subnormais durante algumas semanas é comum. O hipotireoidismo permanente se desenvolve
em apenas 5% dos casos, já que as concentrações de T4 livre quase sempre permanecem
dentro da variação normal. Os sintomas de hipotireoidismo podem incluir letargia, seborreia
seca não pruriginosa, pelos opacos e emaranhados, além de ganho de peso acentuado
(SOUZA et al., 2015).
30
Os gatos tratados com
131
I recebem alta após a diminuição da taxa de radiação para
nível seguro, o que ocorre geralmente após um período entre 7 a 10 dias. A sobrevida dos
gatos que obtêm êxito com uso do 131I é considerada boa (MOONEY, 2001).
A maior desvantagem da técnica é que seu uso requer infraestrutura para adequado
manejo
dos
radioisótopos,
dependente
de
licenciamento
governamental,
pessoas
especializadas e internação do paciente por 7 a 10 dias após a radioiodoterapia (MOONEY,
2001).
CONCLUSÃO
Com o número de casos diagnosticados aumentando, os clínicos veterinários devem
dedicar maior atenção aos sinais clínicos iniciais dessa doença, uma vez que o diagnóstico
precoce e o tratamento adequado tornam o prognóstico do animal mais favorável, podendo até
se obter a cura do paciente, sem nenhuma sequela remanescente. Sabendo-se que o tratamento
com iodo radioativo é simples e eficaz, esperamos que nos próximos anos, multiplique
também no país o número de estabelecimentos veterinários com estrutura para a realização
desta técnica que pode aumentar a sobrevida de nossos pacientes bem como sua qualidade de
vida.
31
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