Relato do Caso ID: F, 50 anos, sexo masculino, natural de Fernandópolis/SP, procedente de São PauloSP há 40 anos, aposentado (bombeiro e segurança particular). HDA: Boa saúde até os oito anos de idade, quando ficou hospitalizado por três meses devido a complicações pulmonares do sarampo e desde então tem tosse, falta de ar e chiado no peito diariamente. Nos últimos anos tem ido a pronto-socorros com muita freqüência por piora dos sintomas, sendo hospitalizado inúmeras vezes. A falta de ar piorou nos últimos dez anos e atualmente sentia falta de ar aos pequenos esforços (tomar banho, andar no plano, ao se alimentar, se vestir, etc.). Tosse crônica com expectoração amarelada há mais de dez anos e inchaço nos pés vespertino há dois anos. Negava doenças sistêmicas e tabagismo atual ou pregresso. Há aproximadamente três anos faz uso diário de: • Inalações com fenoterol + ipratrópio – 3x/dia • Talofilina 200 mg v.o. 12/12 h • Prednisona 20 mg/dia Exame físico Estado geral regular, afebril, hidratado, com cianose labial e de extremidades, eupneico em repouso e com presença de estase jugular bilateral a 45o. FC = P = 68 bpm, PA = 130 x 90 mmHg, índice de massa corpórea= 26,8 Kg/m2, fr= 22 rpm, Saturação de pulso de oxihemoglobina (SpO2)= 85% em repouso/ar ambiente. Paciente cadeirante. AR: murmúrio vesicular diminuído globalmente com sibilos expiratórios esparsos em ambos os hemitorax. ACV: hiperfonese de P2 presente. AGI: flácido, ruídos hidroaéreos presentes, fígado palpável a três dedos do RCD. Edema de membros inferiores bilateralmente +++/++++. Radiografias de tórax PA e PE - Diminuição da transparência no hemitorax esquerdo com imagens císticas em 1/3 médio, sinais de hiperinsuflação pulmonar bilateral, cardiomegalia, sinais radiológicos de aumento do ventrículo direito, arco médio cardíaco abaulado e aumento da imagem da artéria pulmonar direita (FIGURA 1). Prova de função pulmonar (espirometria) – Distúrbio ventilatório pulmonar obstrutivo acentuado com CVF reduzida, com elevação significativa e isolada da CVF após broncodilatador (FIGURA 2). Gasometria arterial em ar ambiente – pH = 7,34; PaO2 = 56,2 mmHg; PaCO2 = 44,2 mmHg; HCO3- = 24,1 mEq/L; BE = - 0,6 mEq/L; SaO2 = 86,8%. Hematócrito = 60%/ Hemoglobina - 19,7 g%. Eletrocardiograma - ritmo sinusal, presença de onda P pulmonar em D2 e minus-plus em V1 = sobrecarga atrial direita, sinais de sobrecarga ventricular direita e desvio do eixo cardíaco para a direita (FIGURA 3). Ecocardiograma Doppler bidimensional transtorácico – Fração de ejeção do ventrículo esquerdo= 0,69; pressão sistólica da artéria pulmonar estimada= 60 mmHg; Ventrículo direito= 40 mm. FIGURA 1 . Radiografias do tórax em PA e perfil esquerdo mostram diminuição da transparência do hemitorax esquerdo com imagens císticas em 1/3 médio, sinais de hiperinsuflação pulmonar bilateral, cardiomegalia, sinais de aumento do ventrículo direito, arco médio cardíaco abaulado e aumento da imagem da artéria pulmonar direita. PRÉ-BD CVF = 2,08 L (55%) VEF1 = 1,17 L (39%) VEF1/CVF = 0,56 - PÓS-BD 2,43 L (64%) 1,21 L (41%) 0,50 FIGURA 2. Espirometria mostra distúrbio ventilatório pulmonar obstrutivo acentuado com CVF reduzida e elevação significativa e isolada da CVF após o uso de broncodilatador. FIGURA 3. Eletrocardiograma mostra ritmo sinusal, presença de onda P pulmonar em D2 e minus-plus em V1 = sinais de sobrecarga atrial direita, além de sinais de sobrecarga ventricular direita e desvio do eixo cardíaco para a direita. Questão 1: Dentre as alternativas abaixo, qual doença pulmonar de base seria responsável pelo desenvolvimento da doença pulmonar avançada (DPA) hipoxêmica descrita no caso acima? A. ( ) – Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) B. ( ) – Fibrose pulmonar idiopática C. ( ) – Hipertensão pulmonar idiopática D. ( ) – Bronquiolite obliterante pós-infecciosa E. ( ) – Bronquiectasias Discussão: Doença pulmonar avançada (DPA) é toda pneumopatia crônica não-neoplásica em fase final que causa dispnéia incapacitante em seus portadores. A maioria dos portadores de DPA é constituída por idosos e por indivíduos que possuem função pulmonar e trocas gasosas bastante reduzidas, condições que determinam grave limitação nas atividades de vida diária, impacto negativo no estado mental e social, freqüentes exacerbações da doença e inúmeras internações, fatores de risco associados com alta morbi-mortalidade. O termo DPA representa a fase final de grande espectro de doenças pulmonares, como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC = 2/3 dos casos de DPA), bronquiectasias, doenças pulmonares fibrosantes, doenças da circulação pulmonar, deformidades da caixa torácica e outras. A principal causa da DPOC é o tabagismo (~90% dos casos), mas existem outras causas como deficiência de alfa-1 antitripsina, exposição a gases tóxicos ou a fumaça de fogão a lenha ou de lareira, infecções respiratórias na infância, prematuridade e outras. Análise do quadro: Com a análise da história clínica, exame físico e exames subsidiários, a hipótese diagnóstica foi de bronquiolite obliterante pós-infecciosa, inicialmente descrita como Síndrome do pulmão hiperlucente unilateral ou Síndrome de Swyer-James-MacLeod e atualmente simplesmente como bronquiolite obliterante pós-infecciosa. Bronquiolites pós-infecciosas da infância podem evoluir para DPA, causando sintomas respiratórios crônicos, dispnéia incapacitante, hipoxemia crônica e cor pulmonale, como no caso descrito. Resposta Correta: D Questão 2: Sobre a Síndrome de Swyer-James-MacLeod, marque a opção correta: A. ( ) –Esta condição ocorre em geral após uma infecção respiratória ocorrida na infância. B. ( ) –A bronquiolite obliterante pode resultar em alçaponamento de ar distal, distensão da via aérea e, eventualmente, enfisema panacinar. C. ( ) - As áreas afetadas se tornam hipoventiladas, com vasoconstrição hipóxica e a clássica hiperlucência decorre da diminuição do suprimento sanguíneo nas áreas pulmonares afetadas. D. ( ) – Todas as anteriores estão corretas. Discussão Em 1953, Swyer e James descreveram esta entidade em um garoto de 6 anos de idade com infecções pulmonares recorrentes. Os achados descritos foram: pulmão hiperlucente unilateral com hemitorax ipsilateral pequeno, artéria pulmonar hipotrófica ipsilateral (por angiografia) e bronquiectasias no pulmão acometido. O paciente foi submetido à pneumonectomia e os exames histológicos revelaram bronquiolite obliterante no pulmão doente. Swyer e James postularam que o achado deveria ser adquirido, e não congênito. No ano seguinte, MacLeod publicou resultados similares em nove adultos e atualmente existem mais de 100 casos relatados com achados similares que parecem ser o resultado de bronquiolite obliterante unilateral após um processo infeccioso geralmente adquirido precocemente na infância. Alguns autores acreditam que a maioria dos casos de bronquiolite obliterante encontrados nestes pacientes seria conseqüência de uma pneumonite causada por adenovírus na tenra infância. Entretanto, esta não é a única causa; bronquiolite obliterante tem sido reportada após aspiração de corpos estranhos, inalação de ácido hidroclórico ou nítrico, ingestão de hidrocarbonos, radioterapia, tuberculose e outros agentes infecciosos. Infecções na infância podem danificar os pequenos brônquios e bronquíolos, por destruição da camada mucosa e obstrução luminal com tecido fibroso. Com o advento da TCAR, observou-se que na síndrome de Swyer-James-MacLeod, lesões no pulmão contralateral podem ser demonstradas em quase um terço dos casos. Quando o dano ocorre antes da idade de 8 anos, quando o desenvolvimento pulmonar ainda está em progresso, a divisão dos alvéolos pode ser afetada, resultando em pulmão pequeno e hipertransparente. Embora alguns pacientes sejam assintomáticos, a maioria possui história de episódios recorrentes de infecção pulmonar, geralmente com início precoce, mas em alguns casos o início dos sintomas pode ocorrer mais tarde, na vida adulta. Os pacientes podem ter dispnéia aos esforços, hemoptise e tosse crônica produtiva. O exame físico pode revelar diminuição no murmúrio vesicular, estertores e roncos em todo o pulmão afetado, com hemitorax normal ou pequeno no lado afetado. Testes de função pulmonar caracterizam doença obstrutiva da via aérea devido à bronquiolite obliterante e enfisema adquirido, mas fibrose pulmonar concomitante pode reduzir a capacidade pulmonar total. Resposta correta: D Questão 3: Qual destes exames faz mais facilmente o diagnóstico da Síndrome de Swyer-James-MacLeod? A. ( ) - TCAR em ins e expiração B. ( ) - Cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão C. ( ) - Broncoscopia D. ( ) - Espirometria E. ( ) - Radiografia de tórax em ins e expiração Discussão A cintilografia ventilação/perfusão é realizada para procurar doença não diagnosticada no pulmão contralateral, bem como para fazer o diagnóstico de pulmões hiperlucentes. O achado usual da síndrome é de ventilação diminuída no lado afetado, secundária a alterações enfisematosas, acompanhada de grave diminuição na perfusão pulmonar, conseqüência de artéria pulmonar pequena. Entretanto, apesar de que a diferenciação cintilográfica entre enfisema lobar congênito e síndrome de Swyer-James-MacLeod pode ser difícil, usualmente no enfisema lobar congênito há grande alçaponamento aéreo, documentado por clearance de gás radionuclídeo diminuído durante o exame ventilatório. A tomografia computadorizada é mais sensível que a radiografia e a cintilografia pulmonar para a detecção de regiões pulmonares hiperlucentes e mostra sua extensão e distribuição. É útil para excluir outras causas de hiperlucência e possibilita a exclusão de obstrução brônquica central, podendo evitar que alguns pacientes sejam submetidos à broncoscopia e também diagnostica pneumopatias associadas, como bronquiectasias. As imagens da tomografia computadorizada de alta resolução são mostradas na figura 4. A cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão é mostrada na figura 5. Embora a cintilografia de ventilação-perfusão mostre a exclusão da ventilação e da perfusão, excluindo assim doença da circulação pulmonar como causa da hipertransparência, aTCAR em ins e expiração mostra o aprisionamento de ar, a permeabilidade de grandes vias aéreas (que poderia resultar em aprisionamento de ar) e as bronquiectasias, sendo hoje considerada suficiente para o diagnóstico. Resposta Correta: A Figura 4. Diminuição do tamanho e hiperlucência do hemitorax esquerdo em relação ao direito com inúmeras imagens císticas do ápice até a base. Nota-se também hiperlucência na porção posterior do lobo superior direito e na porção mais periférica de todo o hemitorax direito com imagens císticas em lobo inferior direito e bronquiectasias cilíndricas em lobo médio e língula. Figura 5-Exclusão praticamente total da imagem do hemitorax esquerdo em todas as visões, principalmente na anterior e posterior do tórax (hipoperfusão e hipoventilação graves em todo hemitorax esquerdo). Seguimento do paciente O paciente recebeu tratamento farmacológico preconizado para obstrução grave pelo Programa de dispensação de medicamentos de alto custo da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, tratamento para cor pulmonale, prescrição de oxigenoterapia domiciliar prolongada e orientações sobre fisioterapia respiratória, com técnicas de higiene brônquica, de relaxamento e de conservação de energia. O corticóide oral foi retirado gradativamente e o paciente nunca mais o usou cronicamente. Utiliza ODP por 18 h/dia e recebe oxigênio líquido da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (fonte matriz estacionária e mochila portátil) com os seguintes fluxos de oxigênio: 1 L/m em repouso, 2 L/m ao dormir e 3 L/m aos esforços. Após alguns meses de tratamento o paciente voltou a deambular e a trabalhar. Está em seguimento regular no ambulatório de DPA/ODP da UNIFESP há mais de 10 anos e nunca mais foi internado devido a problemas respiratórios. Referências Bibliográficas: 1. 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Maria Christina Lombardi Machado Doutora em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Escola Paulista de Medicina (EPM) e Coordenadora do Ambulatório de DPA/ODP da Disciplina de Pneumologia da UNIFESP/EPM. Maria Enedina Aquino Scuarcialupi Pneumologista Professora da Faculdade de Medicina e Ciências Médicas da Paraíba. Fernando Pinho Queiroga Júnior Doutor em Ciências da Saúde pela UNIFESP/EPM – Médico Assistente do Ambulatório de DPA/ODP da Disciplina de Pneumologia da UNIFESP/EPM.